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AULA 13 - CONCURSO DE CRIMES - DIREITO PENAL

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37.1. CONCEITO
Concurso de crimes é o instituto que se verifica quando o agente, mediante uma ou várias condutas, pratica duas ou mais infrações penais.
Pode haver, portanto, unidade ou pluralidade de condutas. Sempre serão cometidas, contudo, duas ou mais infrações penais.
CONCURSO DE CRIMES:
37.2. ESPÉCIES
O concurso de crimes pode se manifestar sob três formas: concurso material, concurso formal e crime continuado.
37.3. SISTEMAS DE APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES
Destacam-se, no Brasil, três sistemas de aplicação da pena no concurso de infrações penais: cúmulo material, exasperação e absorção.
Passemos à análise de cada um deles.
37.3.1. Sistema do cúmulo material
Aplica-se ao réu o somatório das penas de cada uma das infrações penais pelas quais foi condenado. Esse sistema foi adotado em relação ao concurso material (art. 69), ao concurso formal imperfeito ou impróprio (art. 70, caput, 2.ª parte), e, pelo texto da lei, ao concurso das penas de multa (art. 72).
37.3.2. Sistema da exasperação
Aplica-se somente a pena da infração penal mais grave praticada pelo agente, aumentada de determinado percentual. É o sistema acolhido em relação ao concurso formal próprio ou perfeito (art. 70, caput, 1.ª parte) e ao crime continuado (art. 71).
37.3.3. Sistema da absorção
Aplica-se exclusivamente a pena da infração penal mais grave, dentre as diversas praticadas pelo agente, sem qualquer aumento.
Esse sistema foi consagrado pela jurisprudência em relação aos crimes falimentares praticados pelo falido, sob a égide do Decreto-lei 7.661/1945, em virtude do princípio da unidade ou unicidade dos crimes falimentares. Para o Superior Tribunal de Justiça:
Em matéria de crimes falimentares, há unidade no crime, não obstante a multiplicidade de fatos que a caracterizem. O fato criminoso que, em última análise, se pune é a violação do direito dos credores pela superveniente insolvência do comerciante. Todos os atos, portanto, contra tal direito devem ser considerados como um todo único. Concluindo, é de se observar o princípio da unicidade dos crimes falimentares, pois, no caso concreto, os atos lesivos ensejaram a falência da empresa.1
A unidade do crime falimentar, contudo, não impedia o concurso material ou formal entre um crime falimentar e outro delito comum.
Com a entrada em vigor da Lei 11.101/2005 – Lei de Falências, a situação deve ser mantida, mas ainda não há jurisprudência consolidada sobre o assunto.
37.4. CONCURSO MATERIAL
37.4.1. Conceito e dispositivo legal
O concurso material, também chamado de real, está disciplinado pelo art. 69 do Código Penal:
Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão ou de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1.º Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.
§ 2.º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
Há pluralidade de condutas e pluralidade de resultados. O agente, por meio de duas ou mais condutas, pratica dois ou mais crimes, pouco importando se os fatos ocorreram ou não no mesmo contexto fático.
37.4.2. Espécies
O concurso material pode ser homogêneo ou heterogêneo.
Homogêneo, quando os crimes são idênticos, e heterogêneo, quando os crimes são diversos.
37.4.3. Momento adequado para a soma das penas
Se houver conexão entre as infrações penais, com a consequente unidade processual, a regra do concurso material é aplicada pelo juiz que profere a sentença condenatória.
O magistrado, em respeito ao princípio constitucional da individualização da pena, deve fixar, separadamente, a pena de cada uma das infrações penais. Em seguida, na própria sentença, procede à soma de todas elas.
Caso, porém, não exista conexão entre as diversas infrações penais, sendo elas, consequentemente, objeto de ações penais diversas, as disposições inerentes ao concurso material serão aplicadas pelo juízo da execução. Com o trânsito em julgado das sentenças, todas as condenações são reunidas na mesma execução, e aí se procederá à soma das penas, na forma prevista no art. 66, III, “a”, da Lei de Execução Penal.
37.4.4. Imposição cumulativa de penas de reclusão e detenção
Se for imposta pena de reclusão para um dos crimes e de detenção para o outro, executa-se inicialmente a de reclusão (art. 69, caput, 2.ª parte, do CP).
37.4.5. Cumulação de pena privativa de liberdade com restritiva de direitos
O § 1.º do art. 69 do Código Penal revela a possibilidade de se cumular, na aplicação das penas de crimes em concurso material, uma pena privativa de liberdade, desde que tenha sido concedido sursis, com uma restritiva de direitos.
Por lógica, também será admissível a aplicação de pena restritiva de direitos quando ao agente tiver sido imposta pena privativa de liberdade, com regime aberto para seu cumprimento, eis que será possível a execução simultânea de ambas.
37.4.6. Cumprimento sucessivo ou simultâneo de penas restritivas de direitos
De acordo com o art. 69, § 2.º, do Código Penal, o condenado cumprirá simultaneamente as penas restritivas de direitos que forem compatíveis entre si, e sucessivamente as demais.
Admite-se, por exemplo, o cumprimento simultâneo de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Se forem, todavia, duas penas de limitação de final de semana, serão cumpridas sucessivamente.
37.4.7. Concurso material e suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995)
A suspensão condicional do processo somente é admissível quando, no concurso material, a somatória das penas impostas ao acusado preencha os pressupostos do art. 89 da Lei 9.099/1995.2 O total das penas mínimas, portanto, deve ser igual ou inferior a 1 (um) ano.
37.5. CONCURSO FORMAL
37.5.1. Conceito e dispositivo legal
Concurso formal, ou ideal, é aquele em que o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Como dispõe o art. 70 do Código Penal:
Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis, ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.
Destacam-se dois requisitos: unidade de conduta e pluralidade de resultados.
A unidade de conduta somente se concretiza quando os atos são realizados no mesmo contexto temporal e espacial. Com efeito, a unidade de conduta não importa, obrigatoriamente, em ato único, pois há condutas fracionáveis em diversos atos, como no caso daquele que mata alguém (conduta) mediante diversos golpes de punhal (atos). Confira-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
Roubo qualificado consistente na subtração de dois aparelhos celulares, pertencentes a duas pessoas distintas, no mesmo instante. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de configurar-se concurso formal a ação única que tenha como resultado a lesão ao patrimônio de vítimas diversas, e não crime único.3
37.5.2. Espécies
37.5.2.1. Homogêneo e heterogêneo
O concurso formal, inicialmente, pode ser homogêneo ou heterogêneo.
É homogêneo quando os crimes são idênticos. Exemplo: três homicídios culposos praticados na direção de veículo automotor.
Diz-se, por sua vez, heterogêneo o concurso formal quando os delitos são diversos. Exemplo: “A”, dolosamente, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, seu desafeto, matando-o. O projétil, entretanto, perfura o corpoda vítima, resultando em lesões culposas em terceira pessoa.
37.5.2.2. Perfeito e imperfeito
Divide-se o concurso formal, ainda, em perfeito e imperfeito.
Perfeito, ou próprio, é a espécie de concurso formal em que o agente realiza a conduta típica, que produz dois ou mais resultados, sem agir com desígnios autônomos.
Desígnio autônomo, ou pluralidade de desígnios, é o propósito de produzir, com uma única conduta, mais de um crime. É fácil concluir, portanto, que o concurso formal perfeito ou próprio ocorre entre crimes culposos, ou então entre um crime doloso e um crime culposo.4
Imperfeito, ou impróprio, é a modalidade de concurso formal que se verifica quando a conduta dolosa do agente e os crimes concorrentes derivam de desígnios autônomos. Portanto, envolve crimes dolosos, qualquer que seja sua espécie (dolo direto ou dolo eventual). Para o Superior Tribunal de Justiça:
Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual. A segunda parte do art. 70 do CP, ao dispor sobre o concurso formal impróprio, exige, para sua incidência, que haja desígnios autônomos, ou seja, a intenção de praticar ambos os delitos. O dolo eventual também representa essa vontade do agente, visto que, mesmo não desejando diretamente a ocorrência de um segundo resultado, aceitou-o. Assim, quando, mediante uma só ação, o agente deseja mais de um resultado ou aceita o risco de produzi-lo, devem ser aplicadas as penas cumulativamente, afastando-se a regra do concurso formal perfeito.5
37.5.3. Teorias sobre o concurso formal
Apontam-se, em doutrina, duas teorias acerca do concurso formal de crimes.
Pela teoria subjetiva, exige-se unidade de desígnios na conduta do agente para a configuração do concurso formal.
Já pela teoria objetiva, bastam a unidade de conduta e a pluralidade de resultados para a caracterização do concurso formal. Pouco importa se o agente agiu ou não com unidade de desígnios. Foi acolhida pelo Código Penal, uma vez que o art. 70, caput, 2.ª parte, admite o concurso formal imperfeito, em que despontam os desígnios autônomos.
37.5.4. Aplicação da pena no concurso formal
Em relação ao concurso formal perfeito ou próprio, o Código Penal acolheu o sistema da exasperação.
Aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se idênticos, ou então a mais grave, aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. O critério que norteia o juiz para fixar o aumento da pena entre os patamares legalmente previstos é, exclusivamente, o número de crimes cometidos pelo agente.6
Essa regra permite a construção da seguinte tabela:
	Número de crimes
	Aumento da pena
	2
	1/6
	3
	1/5
	4
	1/4
	5
	1/3
	6 ou mais
	1/2
No caso de serem perpetrados sete ou mais crimes, deve-se aplicar o montante máximo de aumento, qual seja, a metade, relativamente a seis crimes, ao passo que os demais devem ser considerados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para a dosimetria da pena-base, nos moldes do art. 59, caput, do Código Penal.
O concurso formal perfeito é causa de aumento de pena, e incide, por corolário, na terceira fase de aplicação da pena. E na aplicação da pena privativa de liberdade, esse aumento não incide sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida por circunstância qualificadora ou causa especial de aumento.7
É nítida a conclusão de que a regra do concurso formal perfeito constituise em flagrante benefício ao réu. Com efeito, trata-se de fórmula destinada a lhe favorecer, uma vez que a lógica seria responder normalmente por todos os crimes que praticou. O Código Penal utilizou-se dessa opção, todavia, por se tratar de hipótese em que a pluralidade de resultados não deriva de desígnios autônomos, eis que os crimes são culposos, ou, no máximo, apenas um é doloso e os demais, culposos.
Por outro lado, no que diz respeito ao concurso formal impróprio ou imperfeito, o art. 70, caput, 2.ª parte, do Código Penal consagrou o sistema do cúmulo material. Tal como no concurso material, serão somadas as penas de todos os crimes produzidos pelo agente. E, nesse ponto, agiu acertadamente o legislador.
De fato, se há desígnios autônomos, há dolo na conduta que produz a pluralidade de resultados, e o agente deve responder por todos os resultados a que deu causa, sem nenhum tratamento diferenciado. Ora, é clara a inexistência de diferença, exemplificativamente, na conduta daquele que, desejando a morte de todos os membros de uma família, ingressa na residência em que vivem e coloca fogo no corpo de cada uma das pessoas, matando-as, da conduta de atear fogo na residência durante o período de repouso noturno, causando a morte de todos os indivíduos.
Em ambas as situações o agente queria a morte de várias pessoas, e as efetivou. Na primeira hipótese, estaria desenhado o concurso material (pluralidade de condutas e pluralidade de resultados), enquanto na segunda restaria delineado o concurso formal (unidade de conduta e pluralidade de resultados).
O tratamento jurídico, por questões de lógica, de bom senso, e, notadamente, de Justiça, deve ser idêntico em ambos os casos.
37.5.5. Concurso material benéfico
Estatui o parágrafo único do art. 70 do Código Penal: “Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código”.
O concurso formal próprio ou perfeito, no qual se adota o sistema da exasperação para aplicação da pena, foi criado para favorecer o réu, afastando o rigor do concurso material nas hipóteses em que a pluralidade de resultados não deriva de desígnios autônomos.
Seria contraditório, portanto, que a sua regra, no caso concreto, prejudicasse o agente. Assim, quando o sistema da exasperação for prejudicial ao acusado, deve ser excluído, para o fim de incidir o sistema do cúmulo material, pois a soma das penas é mais vantajosa do que o aumento de uma delas com determinado percentual, ainda que no patamar mínimo.
Veja-se o seguinte exemplo: “A”, com a intenção de ser promovido na empresa em que trabalha, arremessa, dolosamente, uma pedra contra a cabeça de “B”, com o escopo de tirá-lo da disputa pela vaga (motivo torpe), matandoo. Em face de sua imprudência, uma vez que o local em que foi praticada a conduta estava repleto de pessoas, a pedra atinge também a perna de “C”, nele produzindo, culposamente, lesões corporais. Após o regular trâmite da ação penal, é condenado pela prática dos dois crimes, em concurso formal perfeito.
Levando-se em conta o mínimo legal de cada um dos crimes, como devem as penas ser aplicadas?
O homicídio qualificado tem a pena mínima de 12 anos de reclusão, e as lesões corporais culposas, detenção de 2 meses.
De acordo com o sistema da exasperação, o cálculo seria: 12 anos de reclusão (crime mais grave) + 1/6 (aumento mínimo) = 14 anos de reclusão (pena final).
Já para o sistema do cúmulo material, o cálculo seria outro: 12 anos de reclusão (homicídio qualificado) + 2 meses de detenção (lesões culposas) = 12 anos de reclusão e 2 meses de detenção (pena final).
Conclui-se, pois, ser em alguns casos o sistema do cúmulo material melhor do que o da exasperação, prevalecendo sobre este. Fala-se, no caso, em concurso material benéfico ou favorável.
37.6. CRIME CONTINUADO
37.6.1. Conceito e dispositivo legal
Crime continuado, ou continuidade delitiva, é a modalidade de concurso de crimes que se verifica quando o agente, por meio de duas ou mais condutas, comete dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, local, modo de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro.
Nos termos do art. 71 do Código Penal:
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimasdiferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
37.6.2. Origem histórica
O crime continuado, como unidade delitiva, surgiu como forma de manifestação às leis penais excessivamente severas. Originou-se como fenômeno de defesa fundado em sentimento de humanidade, por meio dos glosadores italianos, notadamente Bartolo de Sassoferrato e Baldo de Ubaldi, no século XIV.
A ideia por eles concebida foi posteriormente desenvolvida pelos práticos italianos dos séculos XV e XVI, destacando-se Julio Claro e Próspero Farinaccio, que propuseram considerar três ou mais furtos como um crime único, quando haviam sido cometidos em determinadas condições, especialmente de tempo e lugar, pois a legislação penal da época impunha a pena de morte ao autor do terceiro furto.8
Àquela época, constava da lei Carolina, como informa Manzini: “Se ficar devidamente provado que o ladrão atual se encontra na prática do seu terceiro furto, ver-se-á considerado como “ladrão famoso”, não menos culpado do que os ladrões violentos, e deverá ser condenado à morte”.9
37.6.3. Natureza jurídica
Duas teorias principais buscam explicar o fundamento do crime continuado: a da ficção jurídica e a da realidade.
Para a teoria da ficção jurídica, desenvolvida por Francesco Carrara, como seu próprio nome indica, a continuidade delitiva é uma ficção criada pelo Direito. Existem, na verdade, vários crimes, considerados como um único delito para fins de aplicação da pena.10 Os diversos delitos parcelares formam um crime final. Foi a teoria acolhida pelo art. 71 do Código Penal.11
A unidade do crime continuado se opera exclusivamente para fins de aplicação da pena. Para as demais finalidades há concurso, tanto que a prescrição, por exemplo, é analisada separadamente em relação a cada delito, como se extrai do art. 119 do Código Penal e da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regulase pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.
Por outro lado, a teoria da realidade, ou da unidade real, idealizada por Bernardino Alimena, vislumbra o crime continuado como um único delito. Para ele, a conduta pode ser composta por um ou vários atos, os quais não necessariamente guardam absoluta correspondência com a unidade ou pluralidade de delitos.12
37.6.4. Requisitos do crime continuado
A análise do art. 71, caput, do Código Penal autoriza a ilação de que o reconhecimento do crime continuado depende da existência simultânea de três requisitos: (1) pluralidade de condutas; (2) pluralidade de crimes da mesma espécie; e (3) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes.
Doutrina e jurisprudência divergem acerca da necessidade de um quarto requisito, consistente na unidade de desígnio.
37.6.4.1. Pluralidade de condutas
O Código Penal é taxativo ao exigir seja o crime continuado praticado “mediante mais de uma ação ou omissão”.
Tal como no concurso material, o crime continuado reclama uma pluralidade de condutas, o que não se confunde com a mera pluralidade de atos. Repita-se, nada impede seja uma conduta composta de diversos atos.
37.6.4.2. Pluralidade de crimes da mesma espécie
A pluralidade de condutas é necessária para ensejar a prática de dois ou mais crimes da mesma espécie.
Surge então uma primeira indagação: O que são crimes da mesma espécie?
Doutrina e jurisprudência se dividem sobre o assunto.
Para uma primeira posição, amplamente majoritária em sede jurisprudencial, crimes da mesma espécie são aqueles tipificados pelo mesmo dispositivo legal, consumados ou tentados, seja na forma simples, privilegiada ou qualificada.13
Mas não basta. Os crimes precisam possuir a mesma estrutura jurídica, ou seja, devem ser idênticos os bens jurídicos tutelados. Nesse sentido, roubo e latrocínio, embora previstos no art. 157 do Código Penal (são crimes do mesmo gênero), não são crimes da mesma espécie.14
Na doutrina, é o entendimento, dentre outros, de Damásio E. de Jesus e Nélson Hungria.
A outra posição, da qual são partidários, entre outros, Manoel Pedro Pimentel, Basileu Garcia e Heleno Cláudio Fragoso, sustenta serem crimes da mesma espécie aqueles que tutelam o mesmo bem jurídico, pouco importando se estão ou não previstos no mesmo tipo penal. Exemplificativamente, furto mediante fraude e estelionato – crimes contra o patrimônio – seriam da mesma espécie.15
37.6.4.3. Conexão temporal
A lei ainda exige condições de tempo semelhantes, o que importa dizer que não se admite um intervalo excessivo entre um crime e outro. É importante frisar que se trata de conexão temporal, e não de imediatismo cronológico.16
A jurisprudência consagrou um critério objetivo, pelo qual entre um crime parcelar e outro não pode transcorrer um hiato superior a 30 (trinta) dias.17 Mas, em ação penal pela prática de crime contra a ordem tributária, o Pretório Excelso excepcionalmente admitiu a continuidade delitiva com intervalo temporal de até 3 (três) meses entre as condutas.18
37.6.4.4. Conexão espacial
Reclama-se também sejam os crimes praticados em semelhantes condições de lugar.
A jurisprudência firmou o entendimento de que os diversos delitos devem ser praticados na mesma cidade, ou no máximo em cidades limítrofes, ou ainda contíguas, isto é, próximas entre si.19
37.6.4.5. Conexão modal
A lei ainda impõe a semelhança entre a maneira de execução pela qual os crimes são praticados, isto é, o agente deve seguir sempre um padrão análogo em suas diversas condutas.20 Um furto praticado por meio de escalada e outro efetuado com rompimento de obstáculo, por exemplo, malgrado compreendidos como crimes da mesma espécie, impedem a continuidade delitiva, em face do distinto modo de execução.
Pelo mesmo motivo, a variação de comparsas e o fato de o agente praticar um crime isoladamente e outro em concurso inviabilizam a configuração do crime continuado.
37.6.4.6. Conexão ocasional
Não foi prevista em lei, mas é exigida por parcela da doutrina e da jurisprudência, em razão de admitir o art. 71, caput, do Código Penal, “outras [condições] semelhantes”.
O agente, para executar os crimes posteriores, deve se valer da ocasião proporcionada pelo crime anterior.
37.6.4.7. Crime continuado e unidade de desígnio
Há duas teorias no que diz respeito à necessidade de o crime continuado ser praticado pelo agente com unidade de desígnio:
1.ª Teoria objetivo-subjetiva ou mista: Não basta a presença dos requisitos objetivos previstos no art. 71, caput, do Código Penal. Reclama-se também a unidade de desígnio, isto é, os vários crimes resultam de plano previamente elaborado pelo agente.
É a posição adotada, entre outros, por Eugenio Raúl Zaffaroni, Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus, e amplamente dominante no âmbito jurisprudencial. Confira-se um lúcido julgado do Supremo Tribunal Federal:
Para configurar o crime continuado, na linha adotada pelo Direito Penal brasileiro, é imperioso que o agente: a) pratique mais de uma ação ou omissão; b) que as referidas ações ou omissões sejam previstas como crime; c) que os crimes sejam da mesma espécie; d) que as condições do crime (tempo, lugar, modo de execução e outras similares) indiquem que as ações ou omissões subsequentes efetivamente constituem o prosseguimento da primeira. É assente na doutrina e na jurisprudência que não basta que haja similitude entre as condições objetivas (tempo, lugar, modo de execução e outras similares). É necessário que entre essas condições haja uma ligação, um liame, de tal modo a evidenciar-se, de plano, terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro. O entendimento desta Corte é no sentido de que a reiteração criminosa indicadora de delinquência habitual ou profissionalé suficiente para descaracterizar o crime continuado.21
Essa posição deve ser utilizada em concursos públicos que exigem uma postura mais rigorosa do candidato, para o fim de diferenciar o crime continuado, extremamente vantajoso ao réu, da atividade habitual daquele que adota o crime como estilo de vida.
2.ª Teoria objetiva pura ou puramente objetiva: Basta a presença dos requisitos objetivos elencados pelo art. 71, caput, do Código Penal.
Sustenta ainda que, como o citado dispositivo legal apresenta apenas requisitos objetivos, as “outras semelhantes” condições ali admitidas devem ser de natureza objetiva, exclusivamente.
Traz ainda o argumento arrolado pelo item 59 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal: “O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva”.
Em suma, dispensa-se a intenção do agente de praticar os crimes em continuidade. É suficiente a presença das semelhantes condições de índole objetiva.
É a posição, na doutrina, de Roberto Lyra, Nélson Hungria e José Frederico Marques.
37.6.5. Espécies de crime continuado e dosimetria da pena
O art. 71 do Código Penal apresenta três espécies de crime continuado: simples, qualificado e específico. Foi adotado, em todos os casos, o sistema da exasperação.
Crime continuado simples ou comum é aquele em que as penas dos delitos parcelares são idênticas. Exemplo: três furtos simples. Aplica-se a pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3.
No crime continuado qualificado, as penas dos crimes são diferentes. Exemplo: um furto simples consumado e um furto simples na forma tentada. Aplica-se a pena do crime mais grave, exasperada de 1/6 a 2/3.
Em ambas as situações, o vetor para o aumento da pena entre 1/6 e 2/3 é o número de crimes, exclusivamente.22 Segue-se a sistemática abaixo:
	Número de crimes
	Aumento da pena
	2
	1/6
	3
	1/5
	4
	1/4
	5
	1/3
	6
	1/2
	7 ou mais
	2/3
É possível o aumento da pena na fração máxima (2/3) quando não se conhece, com exatidão, o número de delitos praticados pelo agente, desde que sejam vários e prolongados em amplo espaço de tempo. Na ótica do Supremo Tribunal Federal:
Consignou, ademais, que o aumento de 2/3 da pena se harmonizaria com a jurisprudência pacífica da Corte, no sentido de que o “quantum” de exasperação da pena, por força do reconhecimento da continuidade delitiva, deveria ser proporcional ao número de infrações cometidas. Considerou, por fim, que a imprecisão quanto ao número de crimes praticados pelo paciente não obstaria a incidência da causa de aumento da pena em seu patamar máximo, desde que houvesse elementos seguros, como na espécie, que demonstrassem que vários seriam os crimes praticados ao longo de dilatadíssimo lapso temporal.23
Na hipótese de serem cometidos oito ou mais crimes, deve-se aplicar o montante máximo de aumento, qual seja, 2/3, relativamente a sete crimes, enquanto os restantes serão considerados circunstâncias judiciais desfavoráveis para a dosimetria da pena-base, nos moldes do art. 59 do Código Penal.
Por sua vez, crime continuado específico é o previsto no parágrafo único do art. 71 do Código Penal, o qual se verifica nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada até o triplo.24
A lei não indica o percentual mínimo de aumento da pena, mas somente o máximo (até o triplo). Mas, por óbvio, em sintonia com o caput, deve ser utilizado o mínimo de 1/6, pois, caso contrário, o crime continuado seria inútil por se confundir com o concurso material, ofendendo-se a vontade da lei e a origem do instituto, consistente em tratar de forma benéfica os autores de crimes da mesma espécie ligados entre si pelas mesmas condições de tempo, local, maneira de execução e outras semelhantes. Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal:
A doutrina e a jurisprudência dos Tribunais – inclusive a desta Suprema Corte – acentuam que, no delito continuado específico (cometido, dolosamente, com violência à pessoa), previsto no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, a exasperação da pena varia de um sexto (limite mínimo) até o triplo (limite máximo), calculada, quando desiguais as sanções cabíveis, sobre a pena cominada para o delito sujeito à punição mais grave.25
Observa-se, nessa modalidade, a possibilidade de crime continuado contra bens jurídicos personalíssimos, inclusive contra vítimas diferentes, tal como na pluralidade de homicídios. Com o advento na Nova Parte Geral do Código Penal, introduzida pela Lei 7.209/1984, forçoso concluir pela insubsistência da Súmula 605 do Supremo Tribunal Federal, a qual vedava a continuidade delitiva nos crimes contra a vida.26
O crime continuado, em qualquer de suas espécies, constitui-se em causa obrigatória de aumento da pena, e incide, por corolário, na terceira fase de aplicação da pena. Se, entretanto, os diversos crimes parcelares forem objetos de variadas ações penais, em juízos distintos, não unificadas antes do trânsito em julgado, é possível a unificação das penas em sede de execução, com fulcro no art. 82 do Código de Processo Penal: “Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos se dará, ulteriormente, para efeito de soma ou unificação das penas”.27
37.6.6. Concurso material benéfico
Pelos mesmos fundamentos explicados no concurso formal (item 37.5.4.), a pena do crime continuado não pode exceder a que seria resultante do concurso material. É o que se extrai da parte final do art. 71, parágrafo único, do Código Penal.
37.6.7. Crime continuado e conflito de leis no tempo
O crime continuado é formado por uma pluralidade de crimes da mesma espécie. Pode ocorrer de estar em vigor uma determinada lei para um grupo de delitos, e, com a superveniência de outra lei, mais gravosa, ser praticada uma nova série de crimes, todos eles em continuidade, nos moldes do art. 71, caput, do Código Penal.
A lei mais gravosa deve ser aplicada a toda a série delitiva, pois o agente que insistiu na empreitada criminosa, depois da entrada em vigor da nova lei, tinha a opção de seguir ou não seus mandamentos. Além disso, se o crime continuado é um único delito para fins de aplicação da pena, deve incidir a lei em vigor por ocasião da sua conclusão.
Nesse sentido é o teor da Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.
37.6.8. Crime continuado e prescrição
A teoria da ficção jurídica considera vários crimes como um só para fins de aplicação da pena. Para os demais efeitos subsiste a pluralidade de delitos.
Em relação à extinção da punibilidade, destacando-se a prescrição como uma de suas formas, o art. 119 do Código Penal estatui
E, especificamente no tocante à prescrição do crime continuado, estabelece a Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.28
Tomemos o exemplo de dois furtos qualificados praticados em continuidade delitiva, com aplicação da pena privativa de liberdade no patamar mínimo. A operação seria: 2 anos (pena mínima) + aumento de 1/6 em face da continuidade delitiva (4 meses) = pena final de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses.
Essa pena prescreve em 8 (oito) anos, conforme previsto no art. 109, IV, do Código Penal.
Com a aplicação da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, porém, a prescrição será calculada com base na pena de 2 (dois) anos, desprezando-se o aumento decorrente da continuação. Logo, a prescrição se concretizará em 4 (quatro) anos (CP, art. 109,V).
37.6.9. Crime continuado e suspensão condicional do processo
O instituto da suspensão condicional do processo encontra previsão no art. 89 da Lei 9.099/1995, assim redigido:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
O crime continuado, pela teoria da ficção jurídica aceita pelo Código Penal, é um único crime para fins de aplicação da sanção penal, sobre o qual deve incidir a exasperação de 1/6 a 2/3, por se tratar de causa obrigatória de aumento da pena.
Para se admitir a suspensão condicional do processo, portanto, é necessário respeitar o limite da pena mínima do crime, de 1 ano, aí já computado o aumento decorrente da continuação. Dois estelionatos em continuidade delitiva, por exemplo, não comportariam o benefício processual, pois a pena rasa seria de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, corolário do mínimo da cominação legal (1 ano) majorado de 1/6 (2 meses).
É o que estabelece a Súmula 723 do Supremo Tribunal Federal: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 (um sexto) for superior a 1 (um) ano”.
37.6.10. Crime continuado e crime habitual: diferenças
No crime continuado, vários delitos, por ficção jurídica, são legalmente considerados como um só, para fins de aplicação da pena. Cada crime parcelar, contudo, tem existência autônoma, e, não fosse a série de continuidade, subsistiria isoladamente como fato punível. Como exemplo, três apropriações indébitas cometidas por um indivíduo nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes caracterizam um crime continuado, mas não se pode dizer que uma apropriação indébita, por si só, não seja crime.
De seu turno, crime habitual é aquele em que cada ato isolado representa um indiferente penal. O crime somente se aperfeiçoa quando a conduta é reiteradamente praticada pelo agente. Exemplificativamente, cada ato de exercício ilegal da medicina, analisado separadamente, é irrelevante, mas a pluralidade de atos iguais acarreta na tipicidade do fato.
37.7. MULTA NO CONCURSO DE CRIMES
Estabelece o art. 72 do Código Penal: “No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”.
Como já mencionado, a interpretação literal do texto da lei revela a adoção, no tocante às penas de multa no concurso de crimes, do sistema do cúmulo material.
Essa conclusão é inquestionável no tocante ao concurso material e ao concurso formal. Mas há forte controvérsia em relação ao crime continuado. Discute-se se, nessa hipótese, as multas cominadas aos diversos delitos praticados pelo agente devem ser somadas (sistema do cúmulo material), ou então aplicada somente uma delas, com aumento de determinado percentual (sistema da exasperação).
Para os partidários da primeira corrente, o art. 72 do Código Penal foi taxativo ao determinar a soma das penas de multa no concurso de crimes, pouco importando a sua modalidade, isto é, se concurso material, formal, ou, ainda, crime continuado. Não se poderia, assim, ser acolhida interpretação diversa, em manifesta oposição ao texto legal.
Além disso, a posição geográfica da regra revelaria a intenção do legislador de fazer valer seu mandamento a todas as espécies de concurso de crimes. Com efeito, por estar no art. 72, irradiaria seus efeitos sobre os arts. 69, 70 e 71, todos do Código Penal. É a posição dominante em sede doutrinária.
Os adeptos da segunda corrente, por outro lado, alegam que a adoção da teoria da ficção jurídica pelo art. 71 do Código Penal implica na aplicação de uma única pena de multa, por se tratar de crime único para fins de dosimetria da sanção penal. Não teria sentido aplicar-se uma só pena privativa de liberdade, e várias penas de multa, para um crime continuado. É a posição majoritária no âmbito jurisprudencial. Veja-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
A pena de multa, aplicada no crime continuado, escapa à norma contida no art. 72 do Código Penal. As penas de multa, no caso de concurso de crimes, material e formal, aplicam-se cumulativamente, diversamente do que ocorre com o crime continuado, induvidoso concurso material de crimes gravado pela menor culpabilidade do agente, mas que é tratado como crime único pela lei penal vigente, como resulta da simples letra dos arts. 71 e 72 do Código Penal, à luz dos arts. 69 e 70 do mesmo diploma legal.29
37.8. APONTAMENTOS DIVERSOS SOBRE O CONCURSO DE CRIMES
37.8.1. Concurso de crimes moderado ou limitado
O concurso de crimes é moderado ou limitado em razão do teto máximo de 30 anos para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Embora a somatória das penas possa ultrapassar esse montante, o efetivo cumprimento deverá obedecer ao prazo previsto no art. 75 do Código Penal. Fala-se, assim, em moderação ou limitação ao concurso de crimes.
37.8.2. Concurso de concursos de crimes ou concorrência de concursos
É possível entre as modalidades de concurso de crimes.
Imagine-se, exemplificativamente, que determinada pessoa pratique, em um dia, três homicídios culposos em concurso formal, e, no outro dia, mais dois crimes de homicídio culposo, também em concurso formal. Entre esses dois blocos de concursos haverá concurso material. A imputação seria assim definida: art. 121, § 3.º, por três vezes, na forma do art. 70, caput, 1.ª parte, em concurso material (art. 69, caput) com art. 121, § 3.º, por duas vezes, na forma do art. 70, caput, 1.ª parte, todos do Código Penal.
A pena seria calculada pelo juiz com base nas seguintes etapas:
a) no tocante aos três crimes praticados no primeiro dia, utilização da pena do crime de homicídio culposo (detenção, de 1 a 3 anos), aumentada de 1/6 até 1/2. Pelo critério adotado, seria exasperada em 1/5, em razão da prática de três crimes;
b) em relação aos dois crimes cometidos posteriormente, emprego da pena do crime de homicídio culposo (detenção, de 1 a 3 anos), aumentada de 1/6 até 1/2. Pelo critério adotado, seria exasperada em 1/6, pela prática de dois crimes; e
c) finalmente, as penas resultantes dos dois grupos de concurso formal seriam somadas, em obediência ao concurso material.
37.8.3. Concurso de crimes e competência dos Juizados Especiais Criminais
Na hipótese de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material ou de concurso formal impróprio (ou imperfeito), ou da exasperação, na hipótese de concurso formal próprio (ou perfeito) ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Com efeito, se desse somatório resultar um apenamento superior a dois anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.30
37.8.4. Concurso entre crimes e contravenções penais
No concurso de infrações penais, estabelece o art. 76 do Código Penal que “executar-se-á primeiramente a pena mais grave”.
Ao se referir a “infrações”, o Código Penal, em harmonia com o art. 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal, trata do gênero, do qual são espécies o crime e a contravenção penal. E nesse contexto, o propósito do dispositivo legal é esclarecer que, no concurso entre crimes e contravenções penais, cumpre-se inicialmente a pena privativa de liberdade inerente ao crime (reclusão ou detenção), de maior gravidade, e, depois, a pena de prisão simples correspondente à contravenção penal.
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