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desenvolvimento e sustentabilidade

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DESENVOLVIMENTO 
E SUSTENTABILIDADE 
 
 
Conselho Editorial EAD 
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) 
Mara Lúcia Machado 
José Édil de Lima Alves 
Astomiro Romais 
Andrea Eick 
Obra  organizada  pela  Universidade  Luterana  do 
Brasil.  Informamos que  é de  inteira  responsabilidade 
dos autores a emissão de conceitos. 
A violação dos direitos  autorais  é  crime  estabelecido 
na Lei nº  .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código 
Penal. 
ISBN: 978-85-5639-179-7
APRESENTAÇÃO 
Este livro tem o objetivo de subsidiar a discussão contemporânea sobre 
o desenvolvimento e a sustentabilidade. Temas centrais que surgiram
no século XX (o primeiro, em meados dos anos 1940 e 1950 e o segun‐
do, por  volta de  1970),  têm  sido  considerados dois  grandes desafios 
para  o  século  XXI.  Estes  ganham  novas  interpretações,  sobretudo, 
quando conjugados na expressão desenvolvimento sustentável. No entan‐
to, o que vem a ser o desenvolvimento sustentável? Antes de colocar o 
qualificativo sustentável, talvez devêssemos indagar o que seja o desen‐
volvimento. 
Os  dez  capítulos  aqui  desenvolvidos  procuram  elucidar  de  forma 
objetiva como  foi  tratado o  tema do desenvolvimento até o momento 
pelas  ciências  sociais  e  pela  economia,  além  de  demonstrar  de  que 
forma a ideia de sustentabilidade abalou a compreensão que tínhamos 
sobre o assunto. Isso significou repensar o desenvolvimento à luz dos 
limites que são impostos pelo meio ambiente, mas fundamentalmente 
também  significou  recolocar o debate  sobre o desenvolvimento  refle‐
tindo sobre a sociedade, a cultura, o território, a política e a ética. 
Embora  o  tema  do  desenvolvimento  sempre  gravite  em  torno  dos 
processos  econômicos,  a  abordagem  perseguida  neste  livro  sustenta 
que ele não pode ser tomado como uma esfera autônoma da sociedade. 
Até  que  uma  visão  integrada  de  desenvolvimento  seja  efetivamente 
consolidada,  pouco  conseguiremos  avançar  para  uma  postura  mais 
democrática, ambientalmente sustentável e que valoriza a diversidade 
cultural. 
Considera‐se que, para uma boa compreensão acerca do estado atual 
do debate sobre o desenvolvimento, esta necessita de uma visão histó‐
rica que privilegie o curso dos acontecimentos no plano internacional, 
sem perder a especificidade da situação brasileira. Assim, o  livro está 
organizado de um modo que o leitor possa transitar entre os diferentes 
contextos,  observando  que,  no  período  mais  recente  da  história,  os 
 
 
6 
processos de globalização passaram a exercer efeitos mais expressivos 
no modo de condução das iniciativas de desenvolvimento. 
Mas é preciso estar atento para o fato de que o desenvolvimento é um 
tema  em  disputa.  As  diferentes  apropriações  do  debate  marcam  as 
distinções  disciplinares  e  as  perspectivas  teóricas,  de  um  lado,  e  as 
visões de mundo e as percepções sobre quais tipos de mudanças soci‐
ais são relevantes e como estas devem ser realizadas, de outro. Dessa 
maneira, um dos objetivos primordiais desta obra é oferecer ao  leitor 
uma gama de pontos de vista, experiências e teorias sociais para que o 
debate  seja  ampliado  e  enriquecido. Mais do  que  proporcionar  uma 
apreensão restrita e limitada sobre um assunto tão complexo, a finali‐
dade do  livro  é  situar  o debate  e mostrar que  a  riqueza  encontra‐se 
justamente na amplitude de perspectivas que demarcam o tema. 
Boa leitura! 
 
 
SOBRE OS AUTORES 
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky 
Adriana Paola Paredes Peñafiel 
Guilherme  Francisco  Waterloo  Radomsky  é  graduado  em  Ciências 
Sociais  (2003)  pela  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  − 
UFRGS − e mestre em Desenvolvimento Rural (2006) pela mesma uni‐
versidade, com a dissertação intitulada “Redes sociais de reciprocidade 
e de  trabalho: as bases histórico‐sociais do desenvolvimento na Serra 
Gaúcha.”  Em  2006,  foi  agraciado  com  o  Prêmio  SOBER  de  melhor 
dissertação de mestrado em Sociologia e Extensão Rural pela Socieda‐
de Brasileira de Economia e Sociologia Rural  (SOBER). Atualmente, é 
doutorando no Programa de Pós‐graduação em Antropologia Social da 
UFRGS.  Tem  trabalhado  como  consultor  e ministrante  de  cursos  na 
área de desenvolvimento  territorial  e  rural  e desenvolvido pesquisas 
sobre diferentes  temas, destacando‐se a antropologia da propriedade 
intelectual,  certificação  e  acreditação  na  agroecologia  e  de  produtos 
orgânicos,  agricultura  familiar  e  desenvolvimento.  Suas  principais 
publicações incluem produções “Reciprocidade, redes sociais e desen‐
volvimento rural” (texto incluído no livro “A diversidade da agricultu‐
ra familiar”, organizado por Sergio Schneider, pela editora da UFRGS), 
além dos artigos  “Tramas da memória e da identidade: as relações de 
reciprocidade e as especificidades históricas de uma região de coloni‐
zação italiana no sul do Brasil” (na revista “Humanas”, IFCH/UFRGS, 
n. 28, v. 1 – no prelo) e “Atores sociais, mercados e reciprocidade: con‐
vergências entre a nova sociologia econômica e o ‘paradigma da dádi‐
va’”, em coautoria com Paulo Niederle (na revista “Teoria & Socieda‐
de”, UFMG, n. 15.1, 2007). 
Nascida no Peru, Adriana Paola Paredes Peñafiel é graduada em Ad‐
ministração de Empresas (2001) pela Universidad del Pacífico, Lima – 
Peru. É mestre  em Desenvolvimento Rural  (2006) pela Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – com a dissertação intitulada 
“Modos de vida e heterogeneidade das estratégias de produtores fami‐
 
 
8 
liares  de  pêssego  da  região  de  Pelotas”. Desde  2006,  trabalha  como 
assessora de  projetos da Cooperativa de Habitação dos Agricultores 
Familiares – COOPERHAF –, cuja matriz  localizada em Chapecó, SC, 
atende  a  13  estados  do  Brasil.  Entre  as  funções  desenvolvidas  pela 
cooperativa, pode‐se citar as seguintes: a) identificar as demandas dos 
agricultores  familiares,  assentados  da  reforma  agrária  e  de  outros 
grupos sociais da área de abrangência da COOPERHAF; b) planejar e 
elaborar projetos de acordo com as demandas identificadas e os requi‐
sitos das entidades financiadoras; c) acompanhar as negociações entre 
os órgãos financiadores e os coordenadores responsáveis pelas negoci‐
ações dos projetos  elaborados; d) prestar  assessoria  aos profissionais 
vinculados  à  execução  do  projeto  de modo  a  orientá‐los  da melhor 
forma possível na execução do mesmo; e) a sistematizar as ações de‐
senvolvidas pelos projetos.  
 
SUMÁRIO 
1 O QUE É O DESENVOLVIMENTO? ..................................................................... 13 
1.1 Definição do conceito de desenvolvimento ................................................... 13 
1.2 Desenvolvimento como um processo, não como um estado ........................... 16 
1.3 O desenvolvimento e suas raízes sociais, culturais, políticas, econômicas e 
ambientais ....................................................................................................... 17 
1.4 Desenvolvimento e ação .............................................................................. 18 
1.5 Desenvolvimento e participação .................................................................. 19 
1.6 Desenvolvimento e ética ............................................................................. 20 
Atividades ........................................................................................................ 22 
2 O PÓS-GUERRA E AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO .................................... 23 
2.1 O contexto do pós-guerra ............................................................................ 23 
2.2 O desenvolvimentismo, o paradigma produtivista e a “Revolução Verde” ....... 25 
2.3 Teorias do desenvolvimento no pós-guerra ...................................................27 
Atividades ........................................................................................................ 35 
3 O DEBATE BRASILEIRO SOBRE O DESENVOLVIMENTO NOS ANOS DE 1950 A 
1970 ............................................................................................................... 36 
3.1 O processo de substituição de importações e a dualidade estrutural do Brasil
 ....................................................................................................................... 36 
3.2 O pensamento de Celso Furtado .................................................................. 38 
3.3 Dilemas da modernização: projeto nacional de desenvolvimento versus modelo 
dependente-associado ..................................................................................... 40 
 
 
10 
3.4 Resultados do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil de 1950 a 1970: 
crescimento econômico sem distribuição de riqueza .......................................... 42 
Atividades ........................................................................................................ 45 
4 LIMITES DO DESENVOLVIMENTO ..................................................................... 46 
4.1 Crises econômicas do capitalismo nos anos 1970 e 1980 ............................ 46 
4.2 A modernização conservadora da agricultura ............................................... 48 
4.3 A década “perdida” .................................................................................... 51 
4.4 Persistência da pobreza e agravamento da concentração de renda .............. 52 
Atividades ........................................................................................................ 55 
5 A GLOBALIZAÇÃO E OS ESPAÇOS DO DESENVOLVIMENTO ................................ 56 
5.1 Globalização e neoliberalismo: o contexto dos anos 1990 e 2000 ................. 56 
5.2 A globalização e a implicação de novas funções aos territórios ..................... 60 
5.3 Brasil: do desenvolvimento regional ao desenvolvimento territorial ............... 63 
Atividades ........................................................................................................ 66 
6 O PARADIGMA DAS CAPACITAÇÕES: AMARTYA SEM E O DESENVOLVIMENTO 
COMO LIBERDADE ............................................................................................ 68 
6.1 Amartya Sen e a crítica ao paradigma do desenvolvimento medido pela renda
 ....................................................................................................................... 68 
6.2 O desenvolvimento humano no Programa das Nações Unidas para o 
Desenvolvimento (PNUD) .................................................................................. 73 
Atividades ........................................................................................................ 80 
7 A ATUALIDADE DO DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE O DESENVOLVIMENTO NO 
BRASIL ............................................................................................................ 81 
7.1 Liberalismo e desenvolvimentismo no Brasil atual ........................................ 81 
7.2 Qualificativos do desenvolvimento ............................................................... 89 
Atividades ........................................................................................................ 93 
8 SUSTENTABILIDADE: ANTECEDENTES HISTÓRICOS .......................................... 95 
 
11 
8.1 Ambientalismo e ecologia ........................................................................... 95 
8.2 Os alertas globais sobre a sustentabilidade ambiental ................................. 97 
8.3 O Relatório Brundtland e a ECO-92 .............................................................. 98 
Atividades ...................................................................................................... 104 
9 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ............................................................... 105 
9.1 O que é desenvolvimento sustentável? ....................................................... 106 
9.2 Limites e alcances da sustentabilidade ..................................................... 108 
9.3 Indicadores de desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade ambiental
 ..................................................................................................................... 109 
Atividades ...................................................................................................... 115 
10 DIRETRIZES PARA PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ............ 116 
10.1 O que é um projeto social? ...................................................................... 117 
10.2 Orientações práticas para elaborar projetos sociais de desenvolvimento 
sustentável .................................................................................................... 119 
Atividades ...................................................................................................... 131 
REFERÊNCIAS POR CAPÍTULO ......................................................................... 132 
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 135 
GABARITO ...................................................................................................... 139 
 
   
1 O QUE É O DESENVOLVIMENTO? 
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky 
Este capítulo apresenta a definição do conceito de desenvolvimento tal 
qual ele tem sido elaborado no pensamento contemporâneo. Portanto, 
antes de  realizar um percurso  relativo ao modo  como o  tema do de‐
senvolvimento foi introduzido nas ciências sociais e como ele foi trans‐
formado  em  política  pelos  Estados,  optou‐se  aqui  por  introduzir  o 
leitor nas questões mais atuais que dizem respeito ao debate sobre esse 
tema. Para tal, serão abordadas no capítulo as diversas dimensões do 
desenvolvimento,  tais como a sua natureza processual, as suas raízes 
sociais, culturais, econômicas, políticas e ambientais, o desenvolvimen‐
to e as conexões com a ação social e a participação (temas essenciais no 
pensamento sociológico e político) e sua recente discussão em relação à 
ética. 
1.1 Definição do conceito de desenvolvimento 
O que é o desenvolvimento? Como defini‐lo? Durante muitas décadas, 
o desenvolvimento foi entendido como sinônimo de crescimento econô‐
mico.  Para  observar  se  um  país  ou  uma  região  eram  desenvolvidos, 
bastava apenas observar se a renda per capita da população ou o Produ‐
to  Interno Bruto  (PIB) da nação era considerado satisfatório. Sob esse 
ponto de vista, desenvolvimento era  realmente um estado que podia 
ser medido por meio do progresso material de uma sociedade. 
José Eli da Veiga, economista e professor da Universidade de São Pau‐
lo, mostra que, até meados do século passado, não se sentia a necessi‐
dade de diferenciar desenvolvimento de  crescimento  econômico. Em 
seu  livro  intitulado Desenvolvimento  sustentável, Veiga1 afirma que, de 
um lado,  havia os países chamados de desenvolvidos, que tinham atin‐
gido um grau elevado de  industrialização; de outro  lado, existiam as 
nações em que a  industrialização era muito  incipiente até 1960 e que, 
portanto, apresentavam um Produto Interno Bruto muito baixo.  
 
 
14 
Entretanto, Veiga mostra que as diversas políticas de  industrialização 
ocorridas desde  os  anos  1950  nos países  semi‐industrializados  –  tais 
como o Brasil e diversos outros países da América Latina – acabaram, 
ao  longo do  tempo, por não se  traduzir em acesso a bens materiais e 
culturais  por  parte  de  suas  populações.  Essas  nações  apresentaram 
crescimento econômico durante anos, porém grande parte da socieda‐
de não tinha acesso a serviços básicos como educação e saúde. 
Começou a seperceber os limites de se compreender o desenvolvimen‐
to unicamente observando o progresso material e o  crescimento eco‐
nômico dos países. Entretanto, para o cientista social Ignacy Sachs, não 
se pode menosprezar o papel do crescimento econômico, que continua 
sendo importante. 
Sachs, que  fundou, na França, um Centro de Estudos  sobre o Brasil, 
afirma em seu livro, Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado, 
que os aspectos econômicos do desenvolvimento são muito relevantes, 
tais  como  a  possibilidade  das  pessoas  terem  um  trabalho  digno,  de 
possuírem  renda  para  viver  com  dignidade,  bem  como  de  obterem 
acesso a bens materiais de consumo e habitação. Contudo, Sachs2 mos‐
tra que analisar apenas a dimensão econômica é insuficiente para per‐
cebermos o desenvolvimento. Para ele, é absolutamente necessário que 
o desenvolvimento inclua as dimensões social e ambiental. Esse autor 
nos adverte que o crescimento, mesmo que seja acelerado, não é sinô‐
nimo  de  desenvolvimento  se  ele  não  amplia  o  número  de  vagas  de 
trabalho, se não reduz a pobreza ou ainda diminui as desigualdades. 
Na  realidade,  Sachs3  afirma  que  o  crescimento  econômico  pode  até 
mesmo  alimentar  um  “mau  desenvolvimento”.  Isso  pode  acontecer 
quando um país possui um nível de crescimento da economia em que 
só uma parte da população obtém acesso às benesses materiais e cultu‐
rais.  Isso  seria  um  “mau  desenvolvimento”,  pois  as  desigualdades 
sociais aumentariam nesse processo, o que poderia gerar outras formas 
de exclusão social, tais como o desemprego e a pobreza. 
Por essas razões, Sachs4 nos apresenta uma diretriz muito lúcida sobre 
como compreender o desenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento: 
(... )” é um processo em que duas vertentes devem ser compatibilizadas: em nível 
ECONÔMICO,  trata‐se de diversificar e complexificar as estruturas produtivas, 
logrando,  ao  mesmo  tempo,  incrementos  significativos  e  contínuos  de 
produtividade de trabalho, base do aumento do bem‐estar; em nível SOCIAL, deve‐
se, ao contrário, promover a homogeneização da sociedade, reduzindo as distâncias 
abismais que separam as diferentes camadas da população.” 
 
15 
Cabe fazermos alguns esclarecimentos quanto à frase de Sachs exposta 
anteriormente. Primeiro, ela chama a atenção para a dimensão produ‐
tiva, que deve ser expandida com acréscimos contínuos. Aqui é preciso 
que nos lembremos de uma ideia interessante do autor: não basta que 
a economia cresça em um período e volte a se retrair no ano seguinte; é 
necessário que o desenvolvimento seja economicamente sustentado ao 
longo do tempo. 
Um segundo aspecto a se sublinhar é que promover a homogeneização 
da  sociedade não  significa dissolver  as diferenças  culturais, mas  tão 
somente diminuir as disparidades sociais,  isto é, as diferenças econô‐
micas que separam grupos ou classes sociais. 
Para além de uma perspectiva economicista e substantiva, o desenvol‐
vimento nos incita a um ponto de vista fundado no humano e na ética, 
na  conjugação necessária  (e difícil, muitas vezes)  entre as dimensões 
social, econômica, cultural, política e ambiental. Em um artigo, Veiga5 
afirma que o desenvolvimento  é “um processo  sistêmico mediante o 
qual uma  economia  consegue  simultaneamente  crescer,  reduzir desi‐
gualdades sociais e preservar o meio ambiente”. 
Entretanto,  essa  afirmação  de  Veiga  ainda  nos  coloca  no  campo  da 
economia,  ou  seja,  a  preocupação  com  a  economia  e  seus  efeitos  na 
sociedade e no meio ambiente. Apesar de serem extremamente valio‐
sas as definições de desenvolvimento propostas por Sachs e Veiga, o 
desenvolvimento  também  pode  ser  entendido  como  a  expansão  das 
liberdades  pessoais  e  das  capacidades  humanas  (é  importante  frisar 
essa  afirmação,  pois  nenhum  autor  possui  um  conceito  definitivo), 
como  prefere  o  economista  indiano  e  ganhador  do  prêmio  Nobel, 
Amartya Sen. As contribuições de Sen para uma compreensão renova‐
da do desenvolvimento serão apresentadas especialmente no capítulo 
6.  Por enquanto, apenas recuperaremos essa definição geral de desen‐
volvimento que o autor propõe. 
Mais recentemente, Veiga6 tem sido influenciado de forma significativa 
por Sen, pois propõe uma perspectiva  sobre o desenvolvimento bas‐
tante  rica: “o desenvolvimento  tem a ver, primeiro  e acima de  tudo, 
com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolhe‐
ram,  e  com  a  provisão  dos  instrumentos  e  das  oportunidades  para 
fazerem as suas escolhas”. 
E  a  sustentabilidade?  Voltaremos  ao  desenvolvimento  sustentável 
mais adiante. Por ora, vale ressaltar uma palavra que pode ter passado 
despercebida na afirmação de Sachs: desenvolvimento como um PRO‐
CESSO. 
 
 
16 
1.2 Desenvolvimento como um processo, não como um 
estado 
É muito comum encontrarmos discursos a respeito de que o desenvol‐
vimento é um estado a que  todos  (pessoas, grupos,  regiões e países) 
devem  chegar. Essa  concepção  errônea de desenvolvimento  compre‐
ende que existem etapas pelas quais todos devem passar, além de um 
momento  conclusivo  em  que  se  poderia  considerar  definitivamente 
algo como desenvolvido. 
Porém,  diversos  pesquisadores  nas  áreas  das  ciências  sociais  e  das 
ciências  econômicas  têm  advertido  que  o  desenvolvimento  é  muito 
antes um processo do que um  estado. Sobre  esse  aspecto, Veiga nos 
apresenta  o  pensamento  de  um  dos maiores  intelectuais  brasileiros: 
Celso  Furtado.  Para  Furtado,  citado  por  Veiga7,  o  desenvolvimento 
deve ser compreendido como um processo de transformação da socie‐
dade,  não  só  em  relação  aos meios, mas  em  relação  aos  fins,  o  que 
implica  uma  visão  qualitativa  e  valorativa  do  desenvolvimento,  em 
detrimento de uma visão material e econômica do tema. E Veiga insis‐
te  nesse ponto, pois,  na  sua  concepção,  o desenvolvimento deve  ser 
visto como uma mudança qualitativa significativa. O desenvolvimento 
não é uma “coleção de coisas” –  fábricas, barragens, escolas,  tratores, 
rodovias e outras –; por isso, ele não é um estado. É preciso salientar, 
entretanto, que essa coleção de coisas pode auxiliar no desenvolvimen‐
to, mas não significa que todos os lugares devam ter as mesmas coisas. 
O significado que o termo desenvolvimento pode ter para as populações 
da Amazônia difere do que vem a ser desenvolvimento para regiões do 
Nordeste brasileiro ou para o Rio de Janeiro. Veiga8 é bastante claro ao 
afirmar que o crescimento pode implicar mudanças quantitativas, mas 
o desenvolvimento implica mudanças qualitativas.  
Por isso, Veiga afirma que criar a expectativa de que certos espaços se 
tornarão desenvolvidos por simplesmente “importarem” ou implanta‐
rem  esse  conjunto de  bens  e  infraestruturas  é  falso. Elas podem  vir, 
porém  o  que  importa  realmente  é  o processo. E  o  “processo  exige”, 
como afirma Veiga9, “[...] pessoas criativas; e pessoas com criatividade 
e vontade de construir mudanças existem até mesmo nos lugares mais 
inesperados”. 
Outros  estudiosos  e  pesquisadores  também  apresentam  raciocínio 
semelhante. Zander Navarro10, cujos estudos incluem tanto o tema do 
desenvolvimento  rural  como  da  participação  política,  afirma  que  o 
desenvolvimento é uma ação que induz mudanças. Sergio Schneider11, 
sociólogo que  se dedica  também  ao  tema do desenvolvimento  rural, 
 
17 
explicita que o desenvolvimento tem expressiva relação com processos 
que  visam  gerar mudanças. Assim,  embora  possa  existir  um  núcleo 
comum e compartilhado entre diferentes pesquisadores de que o de‐
senvolvimento geralmente implica melhorias nas rendas, na qualidade 
de vida e do ambiente, no modo de participação política e no acesso à 
cultura, está no caráter processual uma de suas características‐chave.1.3 O desenvolvimento e suas raízes sociais, culturais, 
políticas, econômicas e ambientais 
As características sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais 
de um país ou de uma região são essenciais para a compreensão do seu 
desenvolvimento. Desse modo, fica mais evidente o motivo pelo qual o 
desenvolvimento é considerado um processo que visa mudanças. Efe‐
tivamente, nenhum país ou região pode  imitar o desenvolvimento de 
outro, uma vez que as características internas de cada país são diferen‐
tes, conduzindo cada um, dessa forma, a trajetórias diferentes. 
Já  nos  anos  1960,  Furtado  era  enfático  em  afirmar  que  os  países  da 
América Latina não deveriam tomar o modelo de desenvolvimento da 
América do Norte ou da Europa como algo a ser reproduzido na sua 
integralidade.  Na  realidade,  esses  modelos  eram  perniciosos,  pois 
geravam uma dependência extrema dos países da América do Sul em 
relação  às nações  americana  e  europeia. No  capítulo  3,  aprofundare‐
mos o pensamento de Furtado. Agora, veremos os processos de desen‐
volvimento em suas raízes e o que podemos apreender por meio delas.  
A  cultura  sempre  foi vista  com alguma  suspeita pelos  estudiosos do 
desenvolvimento. Muitos  ainda  pensam  que  considerar  o  seu  papel 
nos processos sociais pode levar a uma visão de que certos povos estão 
destinados  a  viverem  na pobreza  e  na miséria  social,  como  nos  fala 
Guy Hermet. O  autor12 mostra  que  essa  desconfiança  a  respeito  do 
lugar da cultura se confunde com o CULTURALISMO, no qual todas 
as explicações sobre uma sociedade são determinadas pela cultura. Na 
realidade,  como  nos  fala  Hermet,  desenvolvimento  e  cultura  estão 
intimamente  ligados. Mas  isso  ocorre  em  uma  perspectiva  positiva, 
pois  sugere que devemos  refletir  sobre a diversidade do desenvolvi‐
mento ou mesmo sobre uma diversidade de rotas para o desenvolvi‐
mento, como aposta Schneider13. 
O mesmo  vale para  as  características  sociais,  econômicas, políticas  e 
ambientais. De nada vale a criação de um projeto de desenvolvimento 
que não tenha nenhuma relação com o local, pois ele será vazio e sem 
sentido para as pessoas que dele devem participar. Por isso, o processo 
 
 
18 
de desenvolvimento deve ser pensado em conexão com o local, gesta‐
do de modo que faça sentido para as pessoas, isto é, em concomitância 
com as características particulares da sociedade. 
Do ponto de vista ambiental, se o que foi exposto anteriormente não é 
determinante,  é,  ao menos, bastante  influente. O  ambiente não  é de‐
terminante  no  sentido  de  que  regiões  com  características  similares 
muitas vezes apresentam maneiras de se desenvolver muito diferentes; 
e, da mesma forma, regiões distintas podem ter iniciativas muito pare‐
cidas, como, por exemplo, na produção de vinhos na Serra gaúcha e no 
Vale  do  Rio  São  Francisco,  produção  esta  que  tem  se mostrado  tão 
importante  para  essas  regiões  consideravelmente  distantes  entre  si. 
Mas o ambiente tem sua parcela de influência, pois ele dará as condi‐
ções iniciais para se decidir quais caminhos o desenvolvimento poderá 
tomar. 
Obviamente,  considerar  que  o  desenvolvimento  deve  ser  pensado 
como um processo que possui  raízes  sociais, históricas,  ambientais  e 
culturais não  significa negar  experiências positivas de outras  regiões 
ou países  que podem  ser úteis  como pontos de  reflexão. Entretanto, 
mais do que tentar copiar os modelos que são exteriores, os processos 
locais de desenvolvimento precisam  filtrar  e  selecionar  os  elementos 
centrais com vistas a sua própria experiência. 
1.4 Desenvolvimento e ação 
Essa postura descrita permite perceber que o desenvolvimento necessi‐
ta de uma postura pró‐ativa por parte das pessoas. O Estado é um ente 
fundamental para o desenvolvimento, no entanto, limitar a capacidade 
de ação e escolha das pessoas é danoso. Sen14 defende a ideia de que o 
desenvolvimento pode  ser visto  como um processo de  expansão das 
liberdades reais de que as pessoas desfrutam e explica que a realização 
do desenvolvimento depende da condição de agente dos indivíduos.  
Assim,  as  políticas  de  desenvolvimento  que  partem  do  Estado  são 
essenciais, se interagem com os desejos e expectativas das pessoas, que 
são  alvo  dessas mesmas  políticas. Aqui  é  preciso  entender  que,  em 
certas  situações,  os  sujeitos  podem  ser  privados  de  tal maneira  em 
relação às condições mínimas de existência (saúde, educação, trabalho 
e rendimentos), que é muito difícil estes  terem capacidade de empre‐
enderem projetos por  si  sós. Assim,  tornam‐se  cruciais os programas 
estatais  ou  coordenados  por  Organizações  Não  Governamentais 
(ONGs). Porém, mesmo as pessoas que estão em condições mais gra‐
ves  de  miséria  e  vulnerabilidade  são  capazes  de  compreender  sua 
situação e de realizarem escolhas. 
 
19 
Recentemente, gestores de políticas públicas têm se dado conta de que 
as políticas de desenvolvimento estilo top‐down (que em inglês significa 
“de  cima  para  baixo”)  possuem  alta  probabilidade  de  falharem  em 
seus objetivos. Muitas vezes, essas propostas ou programas de desen‐
volvimento eram desenhados e gestados por grupos que não possuíam 
o mínimo conhecimento dos  lugares em que eles seriam  implementa‐
dos. 
Todavia,  essa maneira  de  pensar  o  desenvolvimento  vem  perdendo 
sua força e abrindo espaço para as iniciativas conhecidas como bottom‐
up (que na língua inglesa significa “de baixo para cima”). Isso equivale 
dizer que as macropolíticas pensadas pelos gestores têm muita valida‐
de, mas somente se possuírem sintonia com os desejos e perspectivas 
das pessoas para as quais elas serão destinadas.  Por essa razão, o de‐
senvolvimento não pode ser pensado como algo que somente as pes‐
soas  organizadas  pudessem  levar  adiante,  o  que  equivaleria  a  um 
voluntarismo sem recursos humanos e materiais para efetivar as mu‐
danças aspiradas. Os processos de desenvolvimento são melhor colo‐
cados em prática se houver um “bom casamento” das ações do Estado, 
das ONGs e das próprias pessoas. A palavra‐chave para isso é partici‐
pação. 
1.5 Desenvolvimento e participação 
Sachs  adverte  que  uma  das  armadilhas  do  crescimento  econômico 
excludente  é  a  fraca participação política de uma  grande parcela da 
população.  Muitos  autores  já  demonstraram  a  força  simbólica  que 
exerceu o populismo na América Latina, cujo fundamento era ludibriar 
a  maior  parte  dos  contingentes  populacionais,  fazendo‐os  crer  que 
participavam ativamente da vida política da nação, quando, na  reali‐
dade,  estes não passavam de uma massa governada pelas  elites que 
visavam preservar seus próprios privilégios, em detrimento da coleti‐
vidade. 
Na proposta de Sachs15 em relação ao conceito de desenvolvimento, o 
autor  inclui  necessariamente  os  direitos  civis,  cívicos  e  políticos:  “A 
democracia é um valor verdadeiramente  fundamental e garante  tam‐
bém a transparência e a responsabilização necessárias ao funcionamen‐
to dos processos de desenvolvimento”. E Veiga16 completa essa  ideia, 
afirmando  que  enquanto  os  pobres  e marginalizados  não  tiverem  a 
capacidade de influenciar as decisões políticas em âmbito local e naci‐
onal,  é provável que não obtenham vagas no mercado de  trabalho  e 
benefícios básicos, como saúde, educação e segurança. 
 
 
20 
Mais recentemente, podemos verificar uma compreensão, impulsiona‐
da pelas diferentes formas de participação, das transformações por que 
têm passado os atores sociais e políticos. A democracia apenas se forta‐
lece quando os  cidadãos percebem que devem  sair de um  estado de 
passividade em  relação à política, assumindo atitudes mais ativas de 
participação,  independentemente de quaisquer que  sejam os âmbitos(nas questões comunitárias, no planejamento regional, nas dimensões 
que envolvem a economia, a cultura ou o meio ambiente). 
Tal como argumentado anteriormente, o planejamento do Estado para 
o desenvolvimento é uma ferramenta essencial. Mas Sachs sugere que 
o planejamento nacional deve surgir gradualmente por meio do diálo‐
go a  ser  conduzido entre  todos os atores do processo de desenvolvi‐
mento, tanto no nível local como no nacional. 
1.6 Desenvolvimento e ética 
Em um  ensaio publicado após a  realização do  seminário Novos para‐
digmas do desenvolvimento, em São Paulo, os professores Glauco Arbix e 
Mauro Zilbovicius  fazem questão de reconhecer que uma das marcas 
mais  fortes  das  políticas  públicas  contemporâneas  é  o  seu  espírito 
utilitarista. O mais saliente, dizem os autores, é que grande parte des‐
sas políticas públicas  é  feita por pessoas que  reduzem a  sociedade a 
um conjunto de números e se recusam a pensar naquilo que não po‐
dem  ver.  Essa  mesma  economia,  concluem  Glauco  Arbix  e  Mauro 
Zilbovicius17,  citando  a  obra de  Sen,  “desdenha  sistematicamente  al‐
gumas  preocupações  básicas  de  seres  humanos  e  cidadãos  em  uma 
sociedade moderna”. 
Sachs18 também se apoia em Sen para mostrar que houve um distanci‐
amento  paulatino  entre  a  economia  e  a  ética,  cuja  ligação  data  dos 
textos clássicos de Aristóteles. Sachs afirma que esse vínculo é central, 
pois traz à cena o problema da motivação humana (como deveríamos 
viver?) e a avaliação das conquistas sociais. 
Para além da ideia de crescimento econômico, a noção de desenvolvi‐
mento pode  colocar novamente a preocupação  com a ética no  centro 
do debate. Isso porque, como já afirmamos, o desenvolvimento não se 
reduz à mera “multiplicação da riqueza material”. A ética diz respeito 
a refletir e agir em relação às desigualdades sociais e à pobreza.  
Existem proposições que  afirmam vivamente que o  crescimento  eco‐
nômico é a única maneira das classes menos  favorecidas desfrutarem 
das benesses do desenvolvimento, demonstra Veiga. Essas proposições 
são realmente surpreendentes, pois não admitem qualquer hipótese de 
 
21 
distribuição de renda que venham a promover um processo de dimi‐
nuição das desigualdades: os ricos teriam que ficar mais ricos para os 
pobres  ficarem menos pobres!   Conclui Veiga19 que uma reaproxima‐
ção entre a economia, a política e a ética faz‐se muito necessária, pois a 
postura ética implica pensar no outro, assim como refletir sobre o de‐
senvolvimento  também  impõe pensar no outro. E  esse preceito deve 
ser ampliado em  toda a sua magnitude, à medida que o processo de 
desenvolvimento  seja  formulado  com  foco na  capacidade de atuação 
dos atores sociais, na possibilidade de participação das camadas popu‐
lares, na  inclusão do outro. Para Veiga20, Sachs é um dos autores que 
melhor pontua o rol de requisitos para que a ética e o desenvolvimento 
sejam conjugados, pois ele 
(...) “está cada vez mais convicto que o desenvolvimento pode permitir que cada 
indivíduo  revele  suas  capacidades,  seus  talentos  e  sua  imaginação  na  busca  da 
autorealização  e  da  felicidade,  mediante  esforços  coletivos  e  individuais  [...] 
Maneiras  viáveis  de  produzir  meios  de  vida  não  podem  depender  de  esforços 
excessivos  e  extenuantes  por  parte  de  seus  produtores,  de  empregos  mal 
remunerados  exercidos  em  condições  insalubres,  da  prestação  inadequada  de 
serviços públicos e de padrões inadequados de moradia”. 
Embora  Sachs  considere  que  o  trabalho  e  a  economia  sejam  cruciais 
para atingir um desenvolvimento  com  liberdade, observa‐se que  sua 
proposta possui  sintonia  com  as  ideias de Sen  e Veiga,  isto  é,  ela  se 
assenta na aposta por uma visão aberta e ampla do desenvolvimento, 
que  inclua  as  capacidades  de  escolha,  a  liberdade  de  imaginação,  a 
concretização dos talentos, em suma, a possibilidade de uma vida mais 
feliz. 
Ponto final 
Vimos até aqui que, para ultrapassar uma visão economicista, é neces‐
sário não aceitarmos a afirmação de que o desenvolvimento possa ser 
sinônimo de crescimento econômico. Embora o crescimento econômico e 
o  progresso  material  possam  trazer  benefícios  para  uma  sociedade, 
eles não  são  suficientes  se não houver,  juntamente  a  estes, um  com‐
promisso social e ambiental. É o que Veiga reitera, quando busca nas 
análises de Furtado a  confirmação de que o projeto  social  subjacente 
demonstra ser uma característica crucial para o desenvolvimento. 
Vimos  ainda  que  o  desenvolvimento  possui  raízes  sociais,  culturais, 
econômicas, políticas e ambientais que não podem ser anuladas. Signi‐
fica  reconhecer que o desenvolvimento sempre possuirá os matizes e 
as características particulares dos  locais onde emerge, e será um pro‐
cesso de mudanças eminentemente qualitativas. Além disso, o desen‐
 
 
22 
volvimento nos designa a tarefa de pensar as relações sociais e políti‐
cas, uma vez que ele não existe se não atribuirmos às pessoas a capaci‐
dade  de mudar  e  escolher  seu  futuro,  tampouco  se  não  houver  um 
projeto participativo que possua  relevância  em uma dada  sociedade. 
Por último,  e não menos  importante, o desenvolvimento  enseja uma 
postura ética, que priorize o diálogo e o bem‐estar, a preocupação com 
o outro, a autorrealização e a felicidade. 
Nos próximos capítulos, alguns desses temas serão aprofundados. De 
modo  geral,  serão  recuperados  a  história  e  o modo  como  o  debate 
sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade foi conduzido até hoje. 
Atividades 
1) Realize uma enquete com pessoas nas ruas utilizando a seguinte 
pergunta: “O que significa desenvolvimento para você?”. Procure 
entrevistar  pessoas  com  características  distintas  (idade,  gênero, 
profissão,  classe  social,  escolaridade).  Perceba  as  diferentes  res‐
postas, compare com os tópicos apresentados neste capítulo e re‐
flita a respeito. 
 
2) Por que motivo as raízes sociais, culturais, econômicas, políticas e 
ambientais do desenvolvimento são tão importantes para explicá‐
lo? Faça uma reflexão com base no item 1.3, deste capítulo. 
 
3) Qual a  razão para a ética voltar ao centro do debate  sobre o de‐
senvolvimento? 
   
2 O PÓS-GUERRA E AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO 
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky 
As  teorias  do  desenvolvimento  têm  seu  surgimento  localizado  no 
tempo. Foi depois da 2ª Guerra Mundial que o debate sobre as possibi‐
lidades de desenvolvimento dos países ditos atrasados ganhou  fôlego. 
Elas acompanharam um conjunto de medidas estatais para que o cres‐
cimento econômico daqueles fosse impulsionado. Na realidade, pode‐
se  afirmar  que  as  ciências  sociais  contribuíram  tanto  para  a  análise 
dessas iniciativas governamentais como para a própria fundamentação 
das políticas econômicas.  
Neste  capítulo,  serão  apresentados  os  principais  fatos  históricos  que 
cercaram o momento em que o desenvolvimento começou a ser discu‐
tido, bem como as teorias mais relevantes do pós‐guerra. 
2.1 O contexto do pós-guerra 
Com o  fim da 2ª Guerra Mundial,  inicia‐se um processo de recupera‐
ção da Europa, que dura cerca de dez anos. Nesse período, os investi‐
mentos  econômicos  (contribuições oferecidas pelos Estados Unidos  e 
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS) serviram para 
dinamizar  as  nações  europeias,  entre  as  quais  muitas  haviam  sido 
destruídas  durante  o  conflito. Após  1955,  o  capitalismo  já  vivia  sua 
“época de ouro” e os aumentos nos padrões de vida das populações 
dos países da Europa, dos Estados Unidos e do Japão passaram a ser‐
vir de modelo para aqueles países que estavam aquém dele (na Améri‐
ca Latina, África e parte da Ásia). Segundo o professor de economia 
Nali de Souza1, os governoslatino‐americanos desejavam que os EUA 
estendessem o plano de desenvolvimento primeiramente implementa‐
do na Europa para a América Latina, o que significaria, segundo Her‐
met2, uma reorientação da política norte‐americana preocupada com a 
Guerra  Fria  e  em  trazer,  por meio  da  “arma  econômica”,  os  povos 
“deserdados” para o seu lado. 
 
 
24 
Os países centrais apresentavam crescimento dos índices de empregos, 
da  renda per  capita  e dos padrões de  consumo. Para os processos de 
desenvolvimento  dessas  nações,  o  Estado  desempenhava  um  papel 
crucial, pois dele vinham  investimentos  fundamentais  (infraestrutura, 
energia) e financiamento de diversas atividades econômicas. É preciso 
recordar  que  o  sistema  fordista de  produção  é,  nesse momento,  um 
mote para toda a economia: o processo de acumulação de capital leva‐
do a cabo pelos países centrais tinha como condição tanto a produção 
dos meios de produção (máquinas) como a produção de bens de con‐
sumo para os indivíduos e para as famílias. Para tanto, os salários não 
poderiam ser tão baixos, o que inviabilizaria, dessa forma, o consumo 
que alimentava a economia como um todo, mas não poderiam,  igual‐
mente, ser tão altos a ponto de tornar oneroso o processo de produção 
para os empresários. 
Uma das condições  fundamentais para equilibrar essa dinâmica  foi a 
manutenção  dos  preços  dos  alimentos,  que  permitia  que  os  salários 
dos  operários  e  trabalhadores  urbanos  fossem  gastos  em  produtos 
manufaturados e serviços. Isso somente foi possível porque os agricul‐
tores modernizaram  seus  processos  produtivos,  por  estímulos  exter‐
nos, e os custos da produção tenderam a cair, posto que o Estado asse‐
gurou aos produtores do campo a obtenção de crédito e aumento do 
capital mobilizado em benfeitorias e máquinas. 
Para Ricardo Abramovay3, professor da USP, o fordismo caracteriza‐se 
por uma articulação entre o PROCESSO DE PRODUÇÃO e o MODO 
DE CONSUMO da sociedade. Para esse fenômeno ocorrer, foi essenci‐
al a criação de uma “massa” de consumidores e uma situação geral de 
assalariamento  nas  sociedades.  David  Harvey4,  pesquisador  norte‐
americano contemporâneo, atenta para o  fato de que o  fordismo pre‐
sumia o crescimento econômico constante, pois a produção  industrial 
era sólida, com alta produção e produtividade, além de acumulação de 
estoques. 
Esse período  também marca a criação das agências multilaterais e do 
Acordo Geral das Tarifas Aduaneiras  e Comércio  (o GATT, que,  em 
1994,  passou  para  o  âmbito  da Organização Mundial  do  Comércio, 
OMC). O  Banco Mundial  e  o  Fundo Monetário  Internacional  (FMI) 
foram criados em 1944, enquanto a ONU foi criada em 1945. O Banco 
Interamericano de Desenvolvimento  (BID) é  fundado um pouco mais 
tarde, mas  ainda  no  período  aqui  analisado, mais  precisamente  em 
1959,  sendo  estabelecido  com  o  objetivo  de  auxiliar  na  reconstrução 
dos países da Europa pós‐guerra. Com o passar do tempo, seu foco de 
ação passou a ser o provimento de assistência financeira e técnica para 
 
25 
países  em  desenvolvimento  –  e,  hoje,  a  principal  razão  para  o  BID 
existir consiste na concepção de subsídios para a redução da pobreza 
nessas nações. 
A criação das agências multilaterais no pós‐guerra não foi por acaso. É 
nesse período que as disparidades entre os países da América do Nor‐
te, Europa e Japão aumentam consideravelmente em relação às nações 
da América Latina, África e parte da Ásia. É evidente que, de acordo 
com Hermet5, se observou, na época, uma clara política mundial lide‐
rada no bloco capitalista pelos Estados Unidos, que tinham a intenção 
de favorecer a implantação do modelo de crescimento da América do 
Norte e da Europa – quando estes estavam em  suas  fases  iniciais de 
industrialização nos moldes fordistas – na América Latina. 
A  ideologia do progresso é a característica básica que moverá gover‐
nantes  e  formuladores de  políticas  públicas  nos  países  considerados 
subdesenvolvidosa.  O  paradigma  produtivista  se  tornou  uma  fórmula 
que nortearia o desenvolvimento, visto nessa época como sinônimo de 
crescimento econômico. 
2.2 O desenvolvimentismo, o paradigma produtivista 
e a “Revolução Verde” 
Vimos que o fordismo foi a força motriz do desenvolvimento industri‐
al, depois de 1945, nos países do hemisfério norte. É muito importante 
perceber que, nesse período após a 2ª Guerra, o  ideário do desenvol‐
vimento  para  as  nações  “atrasadas”  aliou‐se  a  ideia  de  crescimento 
econômico – dessa junção surge o desenvolvimentismo.  
O  desenvolvimentismo  se  caracteriza  como  uma  política  econômica 
cuja ênfase recai no crescimento industrial, na ampliação da infraestru‐
tura e no aumento do  consumo,  com a participação ativa do Estado. 
Mas  ele  não  pode  ser  entendido  apenas  como  política  econômica  – 
conforme  Hermet,  o  desenvolvimentismo  baseia‐se  em  diagnósticos 
realizados nos países ditos  subdesenvolvidos, nos quais os  resíduos de 
uma sociedade arcaica seriam passíveis de um processo de moderniza‐
ção social e cultural a ser comandada pelas elites, o qual não se limita‐
ria ao aparato da produção. 
                                                                  
a Guy Hermet (2002, p. 33) escreve que o conceito de subdesenvolvimento surge pela primeira vez no 
discurso sobre o estado da União , pronunciado por Harry Truman (ex‐presidentre dos EUA), em 1949. O 
discurso apelava para a obtenção de esforços em favorecer o crescimento econômico e a melhoria das 
condições de vida de regiões “subdesenvolvidas”. Os termos subdesenvolvido e subdesenvolvimento serão 
utilizados aqui conforme os autores analisados os empregaram. 
 
 
 
26 
O desenvolvimentismo  teve  seu  auge nos  anos  1950  e  1960,  tendo o 
Estado um papel central, sendo este comandado por elites políticas e 
econômicas  que  desdenhavam  a  participação  social. Hermet6  afirma 
que a insistência na industrialização assegurava que o desenvolvimen‐
to não se faria apenas pela substituição das importações, mas também 
por  uma  expansão  crescente  da  indústria  −  um  aparelho  complexo, 
completo e de desenvolvimento vertical, que geraria a  transformação 
das condições de vida da população, requisito básico para a democra‐
cia. Não são necessários muitos argumentos para verificar como essa 
pretensão era falaciosa e veio a consolidar um modelo de desenvolvi‐
mento excludente e deficitário, elemento para o qual voltaremos mais 
adiante. 
A produção  industrial  em  larga  escala viabilizada pelo  consumo  em 
massa acabou por repercutir na produção agrícola, que também pode‐
ria passar por um processo de otimização. A chamada revolução verde 
consistiu inicialmente em um programa criado pela Fundação Rockfel‐
ler dos Estados Unidos, entre os anos 1943 e 1965, conforme nos apon‐
ta Marcelo Conterato,  professor  da Universidade  Federal  de  Pelotas 
(UFPel).  Segundo  Conterato7,  essa  foi  a  fase  pioneira  da  revolução, 
primeiramente conduzida no México, posteriormente ampliada e que 
possuía como objetivo “contribuir para o aumento da produção e pro‐
dutividade agrícola do mundo através de experiências  [...] no campo 
da genética”. Baseada na produção de sementes melhoradas e tecnolo‐
gias modernas para a agropecuária, a “revolução verde”,  já nos anos 
de  1950,  tornou‐se um  receituário para  os países do  terceiro mundo 
obterem melhorias  significativas  nos  sistemas  de  produção  agrícola, 
via adoção do uso  intensivo de químicos e de equipamentos mecâni‐
cos. 
O interessante é compreender que havia um discurso (ainda presente, 
mas menos pujante) de que a produção agrícola moderna erradicaria a 
fome no mundo. Por esse motivo, o paradigma produtivista foi central 
na “sedução” promovida por esse ideário de progresso tecnológico.Na 
realidade,  não  é difícil perceber  que  a disponibilização   dos pacotes 
tecnológicos concernentes à “revolução verde” para agricultores aten‐
deu  a  interesses  de  mercado  das  grandes  indústrias  produtoras  de 
fertilizantes, pesticidas e máquinas de trabalho agrícola. 
Conforme Navarro8, a “revolução verde”, administrada pela  introdu‐
ção  dos  pacotes  tecnológicos  na  agricultura,  “rompeu  radicalmente 
com o passado por  integrar fortemente as famílias rurais a novas for‐
mas de  racionalidade produtiva  [...] quebrando  a  relativa autonomia 
que em outros tempos a agricultura teria experimentado”. Com o novo 
 
27 
padrão de produção agrícola moderno, as diversas regiões rurais que 
vieram a aplicar o modelo de desenvolvimento de ímpeto modernizan‐
te e produtivista subordinaram‐se a  interesses majoritariamente urba‐
nos. 
2.3 Teorias do desenvolvimento no pós-guerra 
O tema do desenvolvimento alçou a um campo de singularidade histó‐
rica  nos  anos  1950,  como  afirma Navarro.  Ele  se  tornou  uma  ideia‐
força  capaz  de  mobilizar  atores  sociais  diversos,  orientar  políticas, 
fundamentar  debates  intelectuais  e  constituir  elementos  para  a mu‐
dança social, sobretudo de grupos sociais “interessados” nas mudan‐
ças. Conduzido por uma intenção de transformação social, econômica 
e cultural vigorosa e por uma esperança de romper com um passado 
considerado  pré‐moderno  nos  países  pouco  desenvolvidos,  Navarro9 
afirma que o lema em voga, naquele momento, era o da possibilidade 
de desenvolvimento para  todos. Um conjunto de  teorias  foi  forjado e 
criou qualificativos aos países: os desenvolvidos  e os  subdesenvolvi‐
dos. Vejamos as principais teorias que embasaram o debate no período 
– a teoria da modernização, a teoria cepalina e a da dependência.  
Teoria da modernização 
Esse paradigma teórico apoiou‐se fortemente na dicotomia tradicional‐
moderna,  seguindo  o  modelo  sociológico  das  variáveis‐padrão,  do 
sociólogo norte‐americano Talcott Parsons. Para o economista chileno 
Cristóbal Kay10, esse paradigma estava impregnado, além do dualismo 
tradicional‐moderno, de uma visão etnocêntrica, pois tomava os países 
desenvolvidos como modelo para os países em desenvolvimento. Jorge 
Larrain,  professor  da  Universidade  de  Birmingham,  afirma  que  foi 
Hoselitz  quem  construiu  os  tipos‐ideais  “tradicional”  e  “moderno”, 
sendo fortemente  influenciado pela  leitura que Parsons fez dos textos 
clássicos de Max Weber. Jorge Larrain11 explica que, enquanto as soci‐
edades tradicionais possuíam uma estrutura social baseada na afetivi‐
dade,  na  difusão,  no  particularismo  e  na  orientação  para  interesses 
coletivos,  as  sociedades  modernas,  ao  contrário,  caracterizariam‐se 
pela  neutralidade  afetiva,  pela  especificidade,  pelo  universalismo  e 
pela orientação para os interesses privados. O desenvolvimento é per‐
cebido  como  a mudança de um  estado  (tradicional) para outro  (mo‐
derno). 
Larrain  também demonstra que algumas vertentes  internas da  teoria 
da modernização enfatizavam a natureza endógena da transformação, 
isto é, a capacidade que cada sociedade possui de mudar seus padrões, 
 
 
28 
enquanto outras  enfocavam os  fatores  exógenos,  tais  como a difusão 
de valores, de tecnologia, de especialização e de formatos de organiza‐
ção  tipicamente modernos. Cristóbal Kay12 corrobora o argumento de 
Larrain, afirmando que os países ricos deveriam difundir conhecimen‐
tos, tecnologia e capital para os países pobres até que estes se conver‐
tessem em “variantes dos países do Norte”. 
Estava  implícito nesse paradigma de desenvolvimento que as nações 
do  terceiro mundo deveriam seguir o mesmo caminho  trilhado pelos 
países  desenvolvidos.  Walt  Rostowb,  economista  norte‐americano, 
citado por Larrain13, acrescentou a versão econômica à  teoria da mo‐
dernização,  propondo  que  a  evolução  das  sociedades  se  daria  por 
etapas de  crescimento  econômico, argumentando que  todas as  socie‐
dades passariam pelas mesmas etapas e que, para os países subdesen‐
volvidos,  o  melhor  seria  que  estes  procurassem  refazer  o  caminho 
trilhado pelos países ricos. 
O sociólogo argentino Gino Germani  foi o  intelectual mais destacado 
dessa  corrente  de  pensamento  na América  Latina.  Tendo  como  ele‐
mento central de análise o conceito de marginalização, Germani, citado 
por Kay14,  propôs  que  a marginalidade  possuía  um  caráter multidi‐
mensional. Nas sociedades não‐modernas, grande parte da população 
estaria inserida no subsistema produtivo (em situação de desemprego 
ou exercendo funções em empregos precários e pouco produtivos), no 
subsistema de consumo (acesso  limitado a bens e serviços) e nos sub‐
sistemas cultural e político. A marginalidade surgiria, de acordo com 
Germani, nos processos de  transição para  a modernidade  −  algumas 
sociedades  ficam, por assim dizer, “para  trás” no processo de desen‐
volvimento,  haja  vista  que  as mudanças  sociais  podem  desencadear 
uma falta de sincronismo entre os grupos que se transformam, geran‐
do, por consequência, o processo de marginalização. Para o sociólogo, 
a  modernização  conduziria  as  sociedades,  necessariamente,  de  um 
estado de indiferenciação relativa de instituições para um momento de 
diferenciação e especialização. 
A  própria modernização  tinha  como  pano  de  fundo  uma  complexa 
transformação social, pois a passagem da sociedade tradicional para a 
sociedade moderna implicava que os sistemas sociais evoluíssem a tal 
ponto  que  obtivessem  diferenciação  funcional  (e  estrutural)  e meca‐
nismos  de  integração. Conforme Henry  Bernstein15,  “a  diferenciação 
                                                                  
b Rostow argumentou que haveria cinco etapas: sociedade tradicional, pré‐condição para o 
desenvolvimento autossustentado , o caminho da maturidade e a era do elevado consumo de marcas. 
 
 
29 
abrange complexa divisão social do trabalho e uma racionalidade que 
produz  inovação  e  crescimento”,  enquanto  a  integração  garante  a 
estabilidade social. 
O conceito de marginalização que Germani enfatizou nos seus  traba‐
lhos foi central para que os teóricos pudessem sustentar que as socie‐
dades  atrasadas  (sobretudo  as  latino‐americanas)  faltava  integração 
dos  diferentes  setores  e  grupos  sociais.  Enquanto  as  regiões  rurais 
eram,  quase  em  sua  totalidade,  “marginais”,  a  sociedade  global,  no 
mundo urbano, eram os  trabalhadores desempregados, os desqualifi‐
cados  ou  os  trabalhadores  em  ocupações  autônomas  que  possuíam 
esse rótulo. Kay16 também mostra que, de um certo modo, se usava a 
palavra marginal como sinônimo de pobreza. 
Tendo em vista esse tipo de diagnóstico que os autores realizavam, não 
é de se surpreender com os modelos produtivistas para a agricultura. 
A “revolução verde” foi defendida como a forma principal pela qual os 
grupos marginais poderiam acessar mercados e alçar patamares tecno‐
lógicos viáveis para o crescimento econômico. A ideia é que, sem uma 
integração social (promovida pelos mercados), as sociedades permane‐
ceriam  fraturadas,  com  setores  atrasados  e  outros modernos,  e  esses 
mesmos grupos não‐modernos seriam responsabilizados pela  inviabi‐
lização do desenvolvimento pleno das sociedades.  
As  críticas às  teorias da modernização  são diversas. Larrain17 mostra 
que  é um  erro de perspectiva  histórica  tratar  o  subdesenvolvimento 
como  uma  situação  pela  qual  todas  as  nações  passaram. Outro  pro‐
blema comum é que essa teoria tende a assumir um caráter prescritivo 
geral,  em  vez de  se  analisar  os  processos  particulares  históricos das 
nações. Na sequência, veremos como as  teorias elaboradas no âmbito 
da Comissão Econômica para  a América Latina  (Cepal)se  contrapu‐
nham à teoria da modernização. 
A Cepal e o problema do desenvolvimento 
Com o  término da 2ª Guerra Mundial, as Nações Unidas criaram em 
1947 a Cepal, com sede em Santiago, capital do Chile. Raúl Prebisch, 
então presidente do Banco Central da Argentina, foi o pensador mais 
destacado e original nas primeiras décadas de  trabalho da Comissão, 
cujos  preceitos  tornaram‐se  uma  corrente  teórica  denominada  teoria 
cepalina.  Prebisch  questionou  fortemente  as  teorias  econômicas  em 
voga, postulando que elas não podiam servir de esquema explicativo 
das sociedades e das economias periféricas. Além do já citado Prebisch, 
Hans Singer também prestou grandes contribuições a essa corrente de 
pensamento. Celso Furtado, por sua vez, é  tido geralmente como um 
 
 
30 
seguidor de diferentes teorias (as formuladas pela Cepal e a teoria da 
dependência). 
Aliás,  a  terminologia  utilizada  pelos  autores  da  Cepal  se  modifica 
radicalmente, comparada aos teóricos da modernização, pois não está 
mais  em  questão  considerar  as  sociedades  com  base  na  dicotomia 
tradicional‐moderna. O  que  existe  no  sistema  econômico mundial  é 
uma estruturac de posições que os países ocupam,  sendo que alguns 
são “centrais” e outros são “periféricos”. Conforme Kay18, os principais 
temas  que  atraíram  a  atenção  dos  pesquisadores  da  Cepal,  naquele 
momento, foram as relações de comércio internacional, a industrializa‐
ção  na  América  Latina  por  meio  da  substituição  de  importações,  a 
inflação e o desenvolvimento rural. 
Souza19 mostra que uma das críticas mais expressivas de Prebisch ao 
pensamento  econômico ortodoxo  recaía  sobre a  teoria das vantagens 
comparativas, de David Ricardo, um dos “pais” da ciência econômica 
clássica inglesa do séc. XVIII. Conforme David Ricardo, os países deve‐
riam se especializar naquilo em que apresentassem vantagens compa‐
rativas de custos. Por exemplo: enquanto a Inglaterra, nesse período, já 
possuía fábricas de produção têxtil e grandes criações de ovelhas para 
a obtenção de lã, Portugal era um ótimo produtor de vinho. Ora, para 
David Ricardo, a equação era simples: a  Inglaterra exportaria  tecidos 
para Portugal e os portugueses comercializariam vinho com os  ingle‐
ses,  pois  ambos  teriam  vantagens  na  produção  de  seus  respectivos 
produtos. Acontece que os produtos  industrializados  ingleses  teriam 
preços maiores, uma vez que a  incorporação de  tecnologia e  trabalho 
na  indústria  são  efetivamente  mais  intensos,  enquanto  os  produtos 
agroindustriais portugueses permaneceriam com preços menores. 
Prebisch  criticou duramente  essa  teoria,  ainda  que  a proposição das 
vantagens  comparativas mostrasse  que,  ao  longo do  tempo,  poderia 
haver uma acumulação de capital por parte dos países exportadores de 
produtos primários e que essas nações poderiam  reinvesti‐lo  interna‐
mente. 
Prebisch, citado por Souza20, não aceitava essa proposta e mostrou que 
ocorreria, ao longo do tempo, uma deterioração dos termos da troca. O 
pesquisador analisou um ciclo longo de relações comerciais entre paí‐
ses desenvolvidos e subdesenvolvidos e observou que havia uma ten‐
dência de queda dos preços dos produtos primários frente aos preços 
dos produtos industriais. 
                                                                  
c Por essa razão, Kay (2004) denomina o pensamento da Cepal como paradigma estruturalista. 
 
31 
Kay21 escreve que os pensadores ligados à Cepal percebiam claramente 
que a especialização dos países periféricos em produtos agrícolas limi‐
tava  a  capacidade  de  crescimento  econômico,  uma  vez  que  este  de‐
pendia das exportações, ou seja, das  trocas no mercado  internacional 
com os países centrais. Para Prebisch, citado por Kay22, era visível que 
os níveis de renda alcançavam patamares maiores nos países centrais, 
comparados aos acréscimos nos padrões de renda das nações periféri‐
cas. O fundamento desse fenômeno estava assentado na própria carac‐
terística de relações: a divisão  internacional da produção e do comér‐
cio, na qual os produtos primários eram majoritariamente produzidos 
pelos  países  subdesenvolvidos  e  os  produtos  industrializados  eram 
originários das nações desenvolvidas. 
Para  poder  mudar  essa  situação,  a  perspectiva  cepalina  dava  forte 
ênfase ao processo de substituição de  importações. Souza23 apresenta 
que, na visão de Prebisch, o desenvolvimento latino‐americano deveria 
consistir  em:  (1)  compressão  do  consumo  supérfluo,  sobretudo  dos 
importados;  (2)  incentivo  ao  ingresso de  capitais  vindos do  exterior, 
com  finalidade  de  aumentar  os  investimentos  em  infraestrutura;  (3) 
realização de reforma agrária, para aumentar a produção agrícola e (4) 
aumento da participação do Estado na economia. No capítulo 3, vere‐
mos em detalhes em que consistiu o processo de  industrialização por 
meio da substituição de importações no Brasil. 
Souza24  também mostra que, para os pesquisadores vinculados à Ce‐
pal,  o  desenvolvimento  dos  países  periféricos  dependia  de  fatores 
externos e  internos. No plano externo, dependiam do dinamismo das 
economias  centrais, para onde  exportavam produtos primários, além 
de  depender  da  importação  de máquinas  e  de  outros  produtos. No 
plano  interno, os  fatores que determinavam a condição de subdesen‐
volvimento dos países tidos como atrasados era a concentração de ter‐
ras, o mercado  interno reduzido e o crescimento demográfico expres‐
sivo. 
No ponto de vista de Kay, o enfoque da Cepal negava o economicismo 
estreito,  pois  havia  uma  preocupação  significativa  com  a  dinâmica 
política  interna dos países periféricos aliada à  ideia de que o Estado 
deveria  intervir  fortemente na economia. Em um primeiro momento, 
pareceu muito sedutora a ideia de desenvolvimento endógena à nação 
– com a industrialização via substituição de importações – mas logo a 
situação foi tomando contornos não desejáveis. Esse modelo de desen‐
volvimento,  cujo processo  era monopolizado pelas  elites  e pelos  go‐
vernantes desses países,  teve  como  resultado um  crescimento  econô‐
mico concentrador  (social e geograficamente  falando), no qual os  fru‐
 
 
32 
tos do progresso tecnológico ficaram nas mãos de grandes capitalistas, 
exacerbando as desigualdades sociais no interior dos países. 
Teoria da dependência 
A teoria da dependência possui duas variantes, uma marxista e outra 
estruturalista,  ambas  surgindo  na  ciência  social  latino‐americana  no 
final dos anos 1960. Segundo Kay25, a vertente marxista tem uma con‐
tribuição mais  distintiva, motivo  pelo  qual  somente  ela  será  tratada 
aqui. Baseado em um artigo de Theotonio dos Santos, o cientista social 
José Guilherme Merquior26  explica  que  a  relação  de  dependência  se 
configura quando o crescimento econômico de alguns países só se dá 
como reflexo da expansão dos países dominantes. Isso significa que as 
situações de subdesenvolvimento seriam resultado das múltiplas rela‐
ções  de  dependência  e  dominação  que  o  sistema mundial  gera. Na 
verdade, essa teoria surgiu com o propósito não apenas de compreen‐
der a situação de dependência dos países subdesenvolvidos, mas tam‐
bém com o objetivo de encontrar uma forma de dirimi‐la. Os principais 
autores da teoria da dependência são Andre Gunder Frank, Fernando 
Henrique Cardoso, Theotonio dos Santos e Samir Amin. Celso Furtado 
e Osvaldo Sunkel também são citados, embora tenham posições relati‐
vamente mais moderadas. 
A  teoria da dependência,  ao menos na  sua vertente marxista,  sofreu 
forte influência do pensamento leninista e de suas críticas ao “imperia‐
lismo  capitalista”.  De  certo  modo,  os  autores  latino‐americanos  se 
fundamentaram  no  conceito  de  imperialismo,  porém  atualizando‐opara  compreender o  sistema mundial no qual  a  condição dos países 
desenvolvidos implicava a existência do subdesenvolvimentod. 
A ideia de dependência nasce como reação à teoria da modernização e 
a  sua  interpretação  dualista  dos  aspectos  tradicional/atrasado  e mo‐
derno/avançado  de  desenvolvimento,  que  existiriam  concomitante‐
mente nos países  subdesenvolvidos. Em vez de ver  essa  situação de 
subdesenvolvimento  como  uma  etapa,  os  intelectuais  da  teoria  da 
dependência a observavam como uma posição na economia mundial. 
Conforme Merquior27, a teoria da dependência concordava em muitos 
aspectos com a  teoria cepalina, mas não aceitava que o programa de 
substituição das  importações  fosse  a  receita para  o desenvolvimento 
dos países. Merquior28 mostra também que outro sociólogo, o mexica‐
no Rodolfo  Stavenhagen,  procurou  sustentar  que  a    industrialização 
                                                                  
d Embora não seja muito citado pelos teóricos da dependência, Cristóbal Kay (2004) afirma que o 
intelectual peruano e marxista José Carlos Mariátegui foi um dos seus grandes inspiradores. Mariátegui 
escreveu entre os anos 1920 e 1930 e foi um dos primeiros a aplicar criticamente o marxismo à realidade 
latino‐americana. Seu livro mais conhecido intitula‐se Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. 
 
33 
nem sempre difunde um progresso geral. Stavenhagen mostrou que a 
estruturas de classes e as relações de dominação eram essenciais para a 
compreensão das situações de dependência dos países subdesenvolvi‐
dos, devido ao  fato de que a burguesia não  se opõe aos  senhores de 
terras, assim como os operários e os camponeses não possuem interes‐
ses em comum e as classes médias não são empreendedoras e tampou‐
co progressistas.  
A essa altura, a teoria da dependência já tomava contornos claramente 
marxistas,  pois mostrava  que  a  estrutura  de  classes  no  interior  dos 
países  tinha  efeitos  cruciais  na  maneira  como  eram  conduzidos  os 
processos de mudança  social. Além do  fato de que não era apenas o 
sistema mundial  a  causa  da  perversidade  dos  termos  das  trocas  no 
comércio internacional (ideia difundida pelos cepalistas), os dependen‐
tistas enfocavam especialmente o modo como o capitalismo produzia 
os efeitos danosos às sociedades menos desenvolvidas. Para tanto, não 
bastava sugerir que a estrutura das relações  internacionais polarizava 
os  países  e  os  interesses, mas,  acima  de  tudo,  seria  concluir  que  as 
elites no interior dos países subdesenvolvidos se voltavam para fora. 
Esse processo  se  torna  claro  ao  se  analisar mais detidamente  a  obra 
Dependência e desenvolvimento na América Latina: o ensaio de interpretação 
sociológica  (1967) escrita por Fernando Henrique Cardoso, sociológo e 
ex‐presidente do Brasil,  em parceria  com  o  historiador  chileno Enzo 
Faletto. Nesse livro, que teve um grande impacto na sociologia da sua 
época, os autores mostram que as nações  latino‐americanas possuíam 
condições  econômicas  para  um  crescimento  sustentado  no  período 
pós‐guerra, pois o processo de  substituição das  importações  já havia 
sido  iniciado. As  outras  condições para  tal  feito  eram  o  estímulo  ao 
mercado interno, a diferenciação do sistema produtivo e a redistribui‐
ção de renda. Constatou‐se, porém, que fatores condizentes unicamen‐
te à política econômica não conseguiram determinar que fato contribu‐
iu para que o desenvolvimento não tenha se dado da forma esperada. 
Cardoso e Faletto fazem uma análise sociológica do desenvolvimento, 
considerando as alianças de classe e os sistemas de dominação econô‐
mica. 
De acordo com Cardoso e Faletto29, o conceito de dependência é o mais 
adequado para atender as necessidades dessa análise, haja vista a ideia 
de subdesenvolvimento está estreitamente ligada aos fatores econômi‐
cos,  por  desejar  enfatizar  o  sistema  de  dominação  que  ocorre  entre 
nações centrais e de periferia no capitalismo mundial, bem como suas 
relações com as  formas de dominação e alianças de classe no  interior 
dos países dependentes. Ao contrário da teoria cepalina, os diferentes 
 
 
34 
matizes da teoria da dependência darão expressiva ênfase ao processo 
histórico. 
Uma das questões centrais do livro de Cardoso e Faletto diz respeito à 
forma como as economias de países periféricos se vincularam de forma 
dependente  ao  o  desenvolvimento  dos  países  centrais,  quando  estes 
expandiram  mercados.  Grupos  dominantes  no  interior  dos  países 
periféricos se constituíram e definiram relações orientadas para o exte‐
rior. A dominação  realizada por grupos  internos ao país dependente 
enfatiza  que  não  há  determinismo  de  controle  dos  grupos  externos, 
mas que grupos internos aliam‐se e orientam‐se para o exterior.  
Uma das críticas feitas à teoria da dependência, listada por Merquior, 
faz a  seguinte  indagação: Por que certos países, como o Canadá, por 
exemplo, que é consideravelmente dependente da economia dos Esta‐
dos Unidos, consegue obter níveis consideráveis de  riqueza, em con‐
traposição  ao penoso desenvolvimento de outros países,  tais  como o 
México, que possui a mesma dependência? Essa é uma questão à qual 
os dependentistas não possuem resposta e cuja explicação  talvez  fuja 
do escopo da teoria da dependência. 
Ponto final 
Foi  no  período  do  pós‐guerra  que  surgiu  um  conjunto  de  esforços 
direcionados ao desenvolvimento dos países considerados subdesenvol‐
vidos,  lembrando  sempre que, nesse período,  desenvolvimento  e  cresci‐
mento  econômico eram  tratados como  sinônimos. Tanto na criação das 
agências multilaterais, como a ONU, quanto na criação dos tratados de 
diminuição de  tarifas para  o  comércio  internacional, pressupunha‐se 
que uma ordem de  relações  cada vez mais globais  se  impusesse  aos 
países. O paradigma produtivista, a “revolução verde” na agricultura e 
o processo de  industrialização por substituição de  importações  foram 
vias pelas quais se  tentou construir os caminhos do desenvolvimento 
do  terceiro mundo,  almejando  um  crescimento  econômico  constante 
que livraria essas nações de um suposto subdesenvolvimento. 
Com essas  iniciativas, as ciências sociais e econômicas se envolveram 
nessa dinâmica, criando diferentes escolas de pensamento em torno do 
tema do desenvolvimento. Com elas, um rol de teorias surgiu, dentre 
as quais pode‐se destacar a teoria da modernização, a teoria da Cepal e 
a teoria da dependência, cada uma com distintos matizes. Enquanto a 
teoria da modernização postulava  que  as nações deveriam  seguir  os 
passos  trilhados  pelos  países  já  desenvolvidos  e  industrializados, 
transformando o sistema social,  tornando‐o mais moderno, as  teorias 
cepalina e da dependência mantinham uma postura mais  crítica, ad‐
 
35 
vogando que o subdesenvolvimento não era um problema de etapa de 
desenvolvimento, mas de posição na estrutura econômica mundial. Os 
teóricos da Cepal defenderam a substituição de importações como via 
de desenvolvimento para a América Latina, procurando acentuar tam‐
bém os fatores econômicos internos que impossibilitavam o crescimen‐
to.  Já os pensadores da teoria da dependência mostravam que os fato‐
res  internos de obstáculos para o desenvolvimento eram de natureza 
política  e  econômica,  sustentando  que  as  elites  nacionais  dos  países 
dependentes se aliaram e se orientaram para o exterior, formando uma 
estrutura histórica de dominação. 
Atividades 
1) Discorra sobre a relação entre a teoria da modernização e a “revo‐
lução verde”. 
 
2) Compare a  teoria desenvolvida no âmbito da Cepal com a  teoria 
da  dependência  e  verifique  diferenças  e  semelhanças. Destaque 
apenas os pontos principais. 
 
3) Por que razão Fernando Henrique Cardosoe Enzo Faletto preferi‐
ram utilizar o  conceito de dependência em  lugar do  conceito de 
subdesenvolvimento na obra Dependência e desenvolvimento na Améri‐
ca Latina? Revise o item 2.3.3 para esta atividade. 
   
3 O DEBATE BRASILEIRO SOBRE O DESENVOLVIMENTO NOS ANOS DE 1950 A 1970 
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky 
O  debate  brasileiro  sobre  o  desenvolvimento  assume  características 
próprias, resultado das disputas entre projetos distintos que visavam a 
modernização e a industrialização do país. A política de industrializa‐
ção por  substituição de  importações  adquire hegemonia  logo  após  a 
República Velha (1889‐1930), sendo combatida a partir dos anos 1950. 
A discussão sobre a natureza dualista da economia brasileira, o papel 
do Estado nas políticas econômicas e o novo  caráter da dependência 
demanda grande energia dos intelectuais. 
Destacam‐se aqui os pontos de vista de dois pensadores brasileiros que 
tiveram expressiva participação na discussão teórica sobre o desenvol‐
vimento  −  Celso  Furtado  e  Fernando  Henrique  Cardoso.  Ao  final, 
poderemos vislumbrar os resultados da concepção de desenvolvimen‐
to adotada no Brasil até os anos 1970. 
3.1 O processo de substituição de importações 
e a dualidade estrutural do Brasil 
Até 1930, o Brasil mantinha uma economia baseada nos produtos pri‐
mários,  com  esparsas  instalações  industriais  pelo  território  nacional. 
Era  uma  economia  exportadora,  porém  os  resultados  obtidos  pelo 
comércio  internacional de café e outros produtos agrícolas eram mas‐
sivamente concentrados e usufruídos pelas elites rurais que comanda‐
vam  a política nacional. A quebra da bolsa de Nova York,  em  1929, 
abalou a economia cafeeira e mostrou a vulnerabilidade da monocul‐
tura exportadora. Com o golpe de 1930, pode‐se dizer que a burguesia 
brasileira assume o poder e, em consequência disso inicia‐se uma fase 
de  industrialização. Isso não significou, entretanto, que as elites agrá‐
rias  tenham perdido  seus privilégios,  sendo mais plausível encontrar 
alianças, em vez de conflitos, entre as diferentes classes sociais. 
 
37 
O  modelo  de  industrialização  seguiu  o  processo  de  substituição  de 
importações. Essa estratégia  significava produzir  internamente o que 
antes  era  importado.  Conforme  Argemiro  Brum1,  a  evolução  desse 
processo obedeceu a três fases de produção: bens de consumo imedia‐
to (não‐duráveis), bens de consumo duráveis e bens de capital. 
A substituição de importações demanda uma série de medidas gover‐
namentais,  tais  como o aumento de  tarifas, no  intuito de  controlar o 
ingresso de produtos importados e a desvalorização da moeda, objeti‐
vando inibir tal ingresso. Esse processo se tornou uma política econô‐
mica  amplamente  aplicada  nos  países  considerados  subdesenvolvidos, 
cuja meta foi a proteção da indústria nascente. Uma das justificativas é 
a de que esse tipo de política favorecia a diversificação de atividades, 
bem como o aprendizado da comunidade local a médio e longo prazo, 
mesmo que os custos fossem elevados, até que as empresas atingissem 
patamares  razoáveis de produção,  tornado  a  economia do país mais 
dinâmica. Por isso, a participação do Estado na economia foi essencial. 
No início dos anos 1950, o Brasil já vivia um intenso processo de indus‐
trialização e de urbanização. Era o momento no qual as  indústrias de 
base cediam, aos poucos, seu espaço para as  indústrias de bens durá‐
veis e de consumo, principalmente a automobilística e a de eletrodo‐
mésticos. O processo de  industrialização sentia uma mudança  funda‐
mental:  a  entrada  do  capital  estrangeiro  e  a  diminuição  relativa  da 
participação das  indústrias nacionais, principalmente  a partir do go‐
verno de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961. 
O  Brasil  se  urbanizava,  porém  grandes  contingentes  populacionais 
continuavam a povoar o meio rural. Tanto as grandes como as médias 
e  pequenas  propriedades  tinham  sua  importância  na  economia  do 
país, mas essa sociedade rural era bastante diferenciada internamente, 
possuindo  setores  tradicionais  e  setores  modernos.  Para  Brum2,  as 
últimas fases da substituição de importações consolidam um mercado 
nacional e vêm a demandar a ampliação e o aperfeiçoamento da infra‐
estrutura  de  comunicações  e  dos  transportes.  Porém,  o  crescimento 
econômico concentrado em São Paulo e no Rio de Janeiro já mostrava 
sinais  de  que  o  Brasil  se  desenvolvia  de modo  bastante  irregular  e 
descompassado. 
Embasados nas teorias da modernização, alguns pensadores tentaram 
mostrar que o país possuía duas economias − uma, atrasada e tradicio‐
nal, e outra, moderna e avançada. Considera‐se que Ignácio Rangel3 foi 
um  dos  proponentes  da dualidade  estrutural  do  Brasil.  Para  ele,  no 
Brasil conviviam os latifúndios ineficientes e as propriedades capitalis‐
tas;  o  coronelismo  no meio  rural  junto  às  gestões  democráticas  das 
 
 
38 
cidades; o latifúndios também se contrapunham às pequenas proprie‐
dades rurais, uma vez que estas se caracterizavam pela impossibilida‐
de de  empregar  o  contingente  excessivo de  trabalhadores,  e  aqueles 
pela escassez de mão de obra. 
Esse  argumento  foi,  em  parte,  desconstruído  por  estudos  sociais  e 
econômicos que observavam não haver duas economias, mas apenas 
uma que era extremamente desigual e que combinava setores relacio‐
nados. 
A diferença na  interpretação está na maneira como os setores “arcai‐
cos” e “modernizados” se relacionavam. Enquanto parte da intelectua‐
lidade analisava o país como “dois Brasis” que pouco se comunicavam 
no campo econômico, outros mostravam a relação intrínseca entre eles. 
Francisco de Oliveira, sociólogo brasileiro, escreve no  início dos anos 
1970 um ensaio  intitulado Economia brasileira:, que marca a produção 
das  interpretações  sobre  o Brasil. O  autor  critica  a  visão dualista de 
Rangel, destacando que o atraso de  setores menos desenvolvidos do 
país é funcional para os setores avançados. Não é negado o caráter pré‐
capitalista  de  certos  rincões, mas  sim  a  contradição  entre  os  setores 
díspares. Oliveira4 mostra que a agricultura  tradicional e a economia 
urbana marginal são funcionais ao processo de acumulação capitalista, 
pois rebaixam os custos gerais de produção. 
Porém,  antes  de  apresentar  os  dilemas  da  modernização  brasileira 
nesse período, convém  introduzir o pensamento do economista Celso 
Furtado, um dos intelectuais brasileiros que mais se destacou na refle‐
xão sobre o desenvolvimento, tanto no Brasil como no exterior. 
3.2 O pensamento de Celso Furtado 
Celso Furtado, citado por Souza5, defendia a industrialização por subs‐
tituição de  importações  e  reiterava  a  importância da participação do 
Estado, não apenas corrigindo desequilíbrios estruturais e eliminando 
o  estrangulamento do  crescimento, mas  também da atuação das  em‐
presas estatais em projetos de base como mineração, energia, transpor‐
te e  telecomunicações. O Estado  teria papel central na  transformação 
de estruturas arcaicas da sociedade, tais como na situação da agrope‐
cuária  e  a  sua  falta de produtividade. No  entendimento de Furtado, 
essa era uma das causas da inflação. 
Na  realidade,  a  rigidez  na  oferta  das  economias  subdesenvolvidas, 
tanto na agricultura como na indústria, provocaria a inflação, visto que 
a heterogeneidade da economia se caracterizaria por estrangulamentos 
na produção, no pensamento de Furtado, citado por Souza6. A inflação 
 
39 
seria um fenômeno próprio do subdesenvolvimento, contornado com a 
criação de oferta agrícola e eficiência da industrialização. 
O  subdesenvolvimento,  para  Celso  Furtado,  não  é  uma  etapa  entre 
dois polos contínuos que vão do “não‐desenvolvido” ao “desenvolvi‐
do”. O  fenômeno  do

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