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Proc Traba Serv Soc II - Aula 3

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Processo de trabalho em Serviço Social II
Aula 3: A Instrumentalidade do Serviço Social  
Vamos começar a nossa reflexão através de uma análise do caráter estéril do “tecnicismo” no cotidiano profissional, o que resulta numa prática voluntarista banalizada pelo pragmatismo ( Koike, CEAD, 1999). 
Como destaca Iamamoto (1999, p.53), “o aperfeiçoamento técnico – operativo mostra-se como uma exigência para uma inserção qualificada do assistente social no mercado de trabalho”, o que, segundo a autora, procede, desde que a eficiência técnica não seja considerada como um elemento isolado, caso contrário, se restringirá ao mero tecnicismo.
O significado das técnicas e de sua utilização pelo Serviço Social
Sobre o significado das técnicas e de sua utilização pelo Serviço Social, Veloso (1995 , p.33) afirma que é fundamental não dissociar o conhecimento propriamente dito e a experiência, entendida no seu sentido mais amplo, enquanto relação entre o teórico e o real. Significa, pois, um esforço no sentido de romper com a herança pragmática e empiricista que permeia a técnica no debate profissional. Dá advém a necessidade de pensar a técnica como utilização de um saber, e não como um instrumento ancilar, neutro, deslocado de um contexto sócio histórico (CASTORIADIS, 1987). 
Em oposição a uma abordagem casualística, a autora aponta a impossibilidade de conceber a técnica dissociada de um fundamento teórico. Essa noção implica a superação de uma visão epistemológica cartesiana, que pensa o método, a técnica, como um conjunto de regras que por si só garantem a obtenção dos resultados desejados (CARDOSO, 1971). Citando Bourdieu, 1973, Veloso ressalta a necessidade de recuperar a análise da técnica no âmbito da prática do serviço Social, vista como teoria em atos. Como teoria em movimento (Faleiro, 1986).
Sousa (2006, p.122) se refere à competência técnico – operativa como “a capacidade do profissional de conhecer, se apropriar, e sobretudo, criar um conjunto de habilidades técnicas que permitam ao mesmo desenvolver ações profissionais junto a população usuária e às instituições contratantes, garantindo assim uma inserção qualificada no mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto pelos empregadores, quanto pelos objetivos estabelecidos pelos profissionais e pela dinâmica social”. 
Acrescenta o autor: “O que se propõe hoje no âmbito do Serviço Social é justamente a produção de um conhecimento que rompa com a mera aparência e busque o que está por trás dela, sua essência. Para isso é fundamental que o profissional sempre mantenha uma postura crítica, questionadora, na se contentando com o que aprece a ele imediatamente. De posse desse conhecimento, o profissional pode planejar a sua ação com mais propriedade, visando á mudança dessa mesma realidade. Assim, no momento da execução profissional, o assistente social constrói suas metodologias de ação, utilizando-se de instrumentos e técnicas de intervenção social. 
As diretrizes curriculares gerais para o curso de serviço social
As Diretrizes Curriculares Gerais para o curso de Serviço Social, previstas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, apresentam um conjunto de conhecimentos indissociáveis, que se traduzem em Núcleos de Fundamentação constitutivos da Formação Profissional. São eles:
1.	Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social
2.	Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira
3.	Núcleo de fundamentos do trabalho profissional
	No Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional podemos encontrar a articulação das dimensões técnico – operativa, teórico-metodológica e ético – política como requisitos fundamentais que permitem ao profissional colocar-diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os projetos societários, seus vínculos de classe, e seu próprio processo de trabalho.
Como futuro profissional do Serviço Social é muito importante que você consiga perceber que a dimensão interventiva e operacional da profissão pressupõe uma análise crítico dialética dos instrumentos, ou melhor, objetos de ação, para a constituição de estratégias de intervenção comprometidas que estejam em consonância com o Projeto Ético Político Profissional.
A escolha “do como fazer”
A escolha “do como fazer”, a definição das técnicas e instrumentos que serão utilizados sobre uma determinada situação, depende da capacidade intelectiva e ontológica do trabalho do assistente social. A dimensão técnico-operacional constitui-se, portanto como “Componente do trabalho consciente e sistemático do sujeito profissional sobre o objeto de sua intervenção, tendo em vista o alcance dos objetivos propostos. 
As estratégias e técnicas de operacionalização devem estar articuladas aos referenciais teórico-críticos, buscando trabalhar situações da realidade como fundamentos da intervenção.
As situações são dinâmicas e dizem respeito à relação entre assistente social e usuário frente as questões sociais.
As estratégias são, pois, mediações complexas que implicam articulações entre as trajetórias pessoais, os ciclos de vida,
 as condições sociais dos sujeitos envolvidos para fortalecê-los
 e contribuir para a solução de seus problemas/questões” (ABESS/CEDEPSS, 1995 e 1996)”. 
 A instrumentalidade no exercício profissional do assistente social. 
Agora que você já percebeu os equívocos que a primeira vista se faz de instrumentalidade, como técnicas e instrumentos, vamos nos aprofundar no tema da instrumentalidade. 
·	INTRUMENTALIDADE: É um conceito mais amplo que demanda uma compreensão em suas várias nuances.
Para esta reflexão vamos utilizar os estudos que Yolanda Guerra, que ela denominou como instrumentalidade no trabalho do assistente social. 
A instrumentalidade do serviço social
A autora refere-se à instrumentalidade como uma propriedade ou um determinado modo de ser que a profissão adquire dentro das relações sociais, no confronto entre as condições objetivas e subjetivas de exercício profissional. 
“É por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais existentes num determinado nível de realidade social: no nível cotidiano ( GUERRA,1995 p.53)”.
Neste momento da reflexão, ora proposta, é importante que você recupere o que estudou em outras como “teleologia”; este conceito é fundamental para entender o teor do que Yolanda Guerra chama de “instrumentalidade”.
Teleologia refere-se a esta capacidade que o assistente social tem de fazer escolhas, de concretizá-las através da redefinição dos seus meios e condições, tendo sempre como a alteração da situação das classes sociais que demanda a sua intervenção. Nesse processo, o profissional acaba dando instrumentalidade as suas ações.
“Toda postura teleológica encerra instrumentalidade, o que possibilita ao homem manipular e modificar as coisas a fim de atribuir-lhes propriedades verdadeiramente humanas, no intuito de converterem- nas em instrumentos/meio para o alcance de suas finalidades. Converter os objetos naturais em coisas úteis, torná-los instrumentos é um processo teleológico, o qual necessita de um conhecimento correto das propriedade dos objetos. Nisso reside o caráter emancipatório da instrumentalidade do trabalho (Guerra,2000,p. 54)”. 
Vamos refletir o que outro autor falou sobre esta questão?
“Os instrumentos e técnicas não podem ser mais importante que os objetivos da ação profissional. Se partirmos do pressuposto que cabe ao profissional apenas ter habilidade técnica de manusear um instrumento de trabalho, o assistente social perderá a dimensão do porquê ele está utilizando determinado instrumento. Sua prática se torna mecânica, repetitiva, burocrática. Mais do que meramente aplicar técnicas prontas, como se fossem receitas de bolo, o diferencial de um profissional é saber adaptar um determinado instrumento às necessidades que precisa responder em seu cotidiano. E como a realidadeé dinâmica, faz-se necessário compreender quais mudanças são essas para que o instrumental utilizado seja o mais eficaz possível, e , de fato, possa produzir as mudanças desejadas pelo assistente social, ou chegar mais próximo possível. Ora, isso pressupõe que, mais do que copiar e seguir manuais de instruções , o que se coloca para o assistente social hoje é a sua capacidade criativa, o que incluiu o potencial de utilizar instrumentos consagrados na profissão, mas de criar tantos que possam produzir mudanças na realidade social, tanto em curto quanto em médio e longo prazos (SOUZA, 2006, p. 124)”. 
Destaca Souza (2006, p. 124): “Se o Serviço Social, em sua trajetória histórica, não tivesse criado novos instrumentos e novas técnicas de intervenção, teria conseguido sair da condição de mero executor das políticas sociais e hoje desempenhar funções de elaboração, planejamento e gerência das mesmas ? Certamente não. Assim, pensar a instrumentalidade do serviço Social é pensar além da especificidade da profissão: é pensar que são infinitas as possibilidades de intervenção profissional, e que isso requer, nas palavras de Yamamoto ( 2004), “tomar um banho de realidade.” (Souza, 2005, p. 124). 
Agora que já abordarmos a dimensão positiva da instrumentalidade, vamos pensar sobre o seguinte questionamento de Guerra (1995, p.55)
Em que condições sócio-históricas a instrumentalidade como condição necessária da relação homem – natureza se converte em instrumentalização das pessoas? 
Numa sociedade em que existe a divisão de classes, a utilidade social de uma profissão também se confrontará com necessidade sociais antagônicas. 
Se resgatarmos a história da profissão, constataremos que o serviço Social desde a sua gênese até a contemporaneidade vem se confrontadas como demandas de classes em disputa. 
Quando o assistente social, em seu cotidiano profissional, direciona a sua intervenção para a eliminação de conflitos constitui os interesses do capital com Bse de sua legitimidade.
“As políticas sociais constituem-se em um conjunto de procedimentos técnico –operativos, e necessitam de profissionais que atuem em dois campos: o de sua formulação e o de sua implementação. Com a instauração de um mercado de trabalho, os assistentes sociais, passam a desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instância próprios da ordem burguesa no estágio monopolista.” ( Netto, 1992, p.68)
A intervenção profissional não se restringe a essa dimensão, ou melhor, caso contrário ficaria refém do pragmatismo e das práticas imediatas. As técnicas e instrumentos devem ter como fonte propulsora o pensamento crítico, o que garante instrumentalidade a esta dimensão. 
É necessário que você perceba a intervenção profissional em sua totalidade, o que implica também na dimensão ético política, na fundamentação teórico – metodológica e na pesquisa.
Além desses aspectos, Guerra aponta para a instrumentalidade é a de ser uma mediação. Para a autora (1995, p.59): “Reconhecer a instrumentalidade como mediação significa tomar o Serviço Social como totalidade constituída de dimensões técnico – instrumental, teórico- intelectual, ético- política e formativa. A instrumentalidade como uma particularidade e como tal, campo de mediações com capacidade tanto de articular essas dimensões quanto de ser o conduto pelo qual as mesma traduzem-se em respostas profissionais. No primeiro caso, a instrumentalidade articula as dimensões da profissão e é a síntese das mesmas. Permitir a passagem dos referenciais técnicos , teóricos, valorativos e políticos e sua concretização, de modo que estes se traduzam em ações profissionais, em estratégias políticas, em instrumentos técnico –operativos. Em outros termos , ela permite que os sujeitos, em face da sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução”.
Mediação e o serviço social
Sobre a relação entre o Serviço Social e a questão da mediação, Pontes (1995, p.37) diz que muitos leitores desavisados a pensar que é uma questão de natureza eminentemente teórica, mas que de fato não o é. Essa relação nasceu de preocupações bem objetivas e cotidianas da ação profissional de assistentes sociais no contexto das organizações.
Como você já deve ter conhecimento, é mais comum se referir à mediação como um processo para resolução de conflitos. No Serviço Social esse termo aparece a partir dos estudos que Lukács (1979) faz sobre a ontologia do ser social marxista.
Concepção de Lukacs sobre a teoria social de Marx, na qual reconhece ser Marx o autor de uma verdadeira ontologia materialista da sociedade capitalista, já que todas as suas análises e proposições se colocam em face de um determinado ser social (um ser real) e não de enunciados filosóficos e epistemológicos. E o centro dessa ontologia são as relações econômicas, e historicamente construídas pelos homens (Pontes, 1995, p. 38)
“É uma ontologia do ser social porque seus enunciados sempre se colocam diante de certo tipo de ser e se apoiam no próprio movimento das categorias da realidade. E não em conceitos ideais, lógicos. Volta-se, primordialmente, para os processo de produção e reprodução da vida humana, senso as representações que surgem na mente humana são reflexos do real captados como representação na consciência.” (Pontes, 1995, p.59)
Dimensão socioeducativa e educação popular
Como profissão inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho, o Serviço Social apresenta uma dimensão interventiva, o que pressupõe o conhecimento da realidade em sua complexidade. Além desse aspecto, o assistente social também precisa encontrar alternativas para transformar a realidade social, conforme o que está previsto no projeto ético político da profissão. 
“Essa dupla dimensão que caracteriza o Serviço Social desafia os profissionais a enfrentá-la cotidianamente no complexo tecido das organizações em que atuam. Esse enfrentamento exige uma equipagem teórico –metodológica a altura de sua complexidade. É nesse ponto que a categoria de mediação aporta uma enorme contribuição ao desvendamento dos fenômenos reais e à intervenção do assistente social.” (Pontes ,1995,p. 43) 
Acrescenta o autor- defende-se que uma das chaves para que o profissional desenvolva sua intervenção com êxito é a reconstrução ontológica de seu objeto de intervenção profissional. Para isso partir-se-á da tríade SINGULARIDADE – UNIVERSALIDADE - PARTICULARIDADE, buscando entender o espaço de intervenção do assistente social como um campo de mediações que se estrutura sobre determinações histórico – sociais constitutivas dos complexos sociais. 
Subsidiando o estudo
·	Condições objetivas: Relacionadas ao que Marx denominou como infraestrutura econômica, a base material da sociedade (as áreas de atuação, os meios de produção, a divisão do trabalho).
·	Condições subjetivas: Referem-se aos sujeitos, seu perfil, suas escolhas, qualificação, competência profissional, investimento, compromisso ético e político, sua capacidade de propor. 
·	Intrumentalização das pessoas: É o processo pelo qual a ordem burguesa, por meio de um conjunto de inversões, transforma os homens de sujeitos em objetos, o trabalho de primeiro carecimento da vida em meio de vida e a força de trabalho em instrumentos a serviço da valorização do capital ( GUERRA, p. 55).
·	Ontologia: Área da filosofia que trata da questão da existência dos seres.

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