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Teorias da Comunicação Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. João Elias Nery Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina F. Moreira Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina • Mídia, Desenvolvimento e Ideologia na América Latina; • Adesão e Crítica às Matrizes Teóricas dos Países Centrais; • Imperialismo Cultural, Denúncia e Resistência. · Conhecer os principais conceitos das teorias da comunicação e sua aplicabilidade na produção cultural contemporânea; · Desenvolver argumentação relacionando conceitos e produção cultural; · Participar criticamente da análise da cultura contemporânea. OBJETIVO DE APRENDIZADO Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina O desenvolvimento social e econômico desigual nos diversos países da América Latina é importante fator histórico. Desenvolvimento, ideologia e culturas: são estes os temas da pesquisa de mídia na América Latina? Ex pl or Introdução Com o desenvolvimento da comunicação elétrica, iniciada com o telégrafo, no século XIX, surgiu uma percepção de mudança iminente e imediata. Os debates na mídia na segunda metade do século XX estimularam a reavaliação, tanto da invenção da impressão gráfica quanto de todas as outras tecnologias que foram tratadas no princípio como maravilhas. Geralmente, se aceita que as mudanças na mídia tiveram importantes consequências culturais e sociais. Controversos são a natureza e o escopo dessas conseqüências. São elas primordialmente políticas ou psicológicas? Pelo lado político, favorecem a democracia ou a ditadura? A “era do rádio” foi não somente a era de Roosevelt e Churchill, mas também de Hitler, Mussolini e Stálin. Pelo lado psicológico, a leitura e a visão estimulam a empatia com os outros ou o isolamento em um mundo particular? A televisão ou “a rede” aniquilam ou criam novos tipos de comunidades nas quais a proximidade espacial não é menos importante? (BRIGGS e BUKE, 2016, p. 23) A constituição de um campo de pesquisa em comunicação teve início nas primeiras décadas do século 20 e pretendia responder a questões que se apresentavam às modernas sociedades de massa do nosso tempo, relacionadas à participação dos sistemas de comunicação na formação da Opinião Pública, das relações sociais, de novos hábitos de consumo e de práticas culturais no ambiente urbano, que exigiam novas formas de organização social e de comunicação social. Os países desenvolvidos (também definidos como centrais, de primeiro mundo, avançados, dependendo da referência teórica) foram os responsáveis pela introdução de um conjunto de produtos e serviços, resultado de pesquisa científica que possibilitou, entre outras coisas, constituir o ambiente moderno que passou a caracterizar a sociedade ocidental, tornando-se ideal para o conjunto dos países, ao menos no ocidente. Desde as navegações do século XVI, as mudanças que mais interessam aos pesquisadores em comunicação têm relação com produtos que geraram novas formas de transporte de pessoas, produtos e informações. De acordo com BRIGGS e BURKE (2016, p 16-17), “A mídia precisa ser vista como um sistema, um sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos desempenham papéis de maior ou menor destaque”. Estes autores (p. 13) destacam que a palavra 8 9 “mídia” foi dicionarizada na década de 1920, período em que a sociedade passou a compreender os diversos meios de comunicação como sistemas articulados como uma rede de comunicação, que ao longo do século XX, iria conectar pessoas, empresas, órgãos do Estado, constituindo uma comunicação global, definida por M. Mcluhan como “aldeia global”, expressão que procurava indicar que a comunicação havia superado as barreiras de tempo e espaço. As duas guerras mundiais que ocorreram na primeira metade do século XX e o uso cada vez mais intensivo da ciência na criação de produtos e serviços que caracterizaram a “vida moderna” marcaram as pesquisas em comunicação, que buscavam explicar as mudanças que ocorriam e o papel da mídia nesse processo. Partindo de pressupostos diferentes e de contextos sociais, econômicos e políti- cos diversos, na Europa e nos EUA, pesquisadores de diferentes áreas passaram a ter a mídia como objeto de estudo e apresentaram diferentes propostas para a compreensão da influência da mídia na formação da Opinião Pública, nas culturas tradicionais e no cotidiano das pessoas. As teorias da comunicação tradicionais, que deram origem ao campo de pesquisa em comunicação, fazem parte destes contextos. As denominadas “Pesquisas Norte- -Americanas”, a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais, consolidaram o campo de pesquisa e estabeleceram metodologias para a análise da cultura e da mídia, ofere- cendo a pesquisadores do mundo ocidental parâmetros a partir dos quais desenvolver seus trabalhos. Teorias que, de acordo com BRIGGS e BURKE (2016, p. 13-14), buscaram refletir acerca da inserção da mídia no cotidiano, destacando que, De modo significativo, foi com a era do rádio que o mundo acadêmico começou a reconhecer a importância da comunicação oral na Grécia antiga e na Idade Média. O início da idade da televisão, na década de 1950, deu surgimento à comunicação visual e estimulou a emergência de uma teoria interdisciplinar da mídia. Realizaram-se estudos nas áreas de economia, história, literatura, arte, ciência política, psicologia, sociologia e antropologia, o que levou à criação de departamentos acadêmicos de comunicação e estudos culturais. Frases bombásticas envolvendo novas idéias foram criadas por Harold Innis (1894-1952), que escreveu sob o “viés das comunicações”; por Marshall McLuhan (1911-80), que falou da “aldeia global”; por Jack Goody, que traçou a “domesticação da mente selvagem”; e por Jürgen Habermas, o sociólogo alemão que identificou a “esfera pública”, uma zona para o “discurso” no qual as idéias são exploradase “uma visão pública” pode se expressar. Estes autores (p. 26) destacam, ainda, a necessidade de reconhecer que Nenhuma teoria única fornece um guia completo para o reino contemporâneo das ‘tecnologias de comunicação de alta definição, de interação e mutuamente convergentes’, nas quais as relações, sejam elas individuais ou sociais, locais ou globais, estão em fluxo contínuo. 9 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina A Pesquisa em comunicação na América Latina, como apresentaremos a seguir, reproduz e reflete a influência de diferentes metodologias e referenciais teóricos, utilizados em diferentes contextos, como parte do esforço acadêmico em busca de respostas ao desafio apresentado à sociedade para a compreensão do papel da mídia na sociedade latino-americana contemporânea. Mídia, Desenvolvimento e Ideologia na América Latina Para iniciar a descrição da Pesquisa em comunicação na América Latina, é preciso estabelecer que os estudos em comunicação contribuam para a definição do que poderíamos indicar como identidade cultural latino-americana, ou seja, há, por parte dos pesquisadores das primeiras fases dos estudos em comunicação em países da América (com exceção de Canadá e EUA), a compreensão de que há questões comuns a estes países a serem compartilhadas em estudos de mídia ou de culturas e que estas características se estendem a países das Américas do Sul e Central e ao México. Desta forma, seguindo o que fora consolidado com a criação da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, em 1948, as pesquisas em comunicação realizadas nos países que, mesmo com diferenças profundas em termos sociais, econômicos, culturais e territoriais, se identificavam como latino-americanos, partiram de premissas comuns e revelaram esforços para a compreensão dos sistemas de mídia como fenômeno cultural, estético, político e social para além das fronteiras nacionais, buscando similaridades nestes sistemas e respostas para a compreensão de seu papel nas sociedades latino-americanas. Assim, as Américas – do Sul, Central e do Norte – aceitas como forma de identificação geográfica dos países colonizados por países Europeus no século XVI, não são consideradas nos estudos em comunicação, optando-se por excluir, apenas, Canadá e EUA, por suas diferenças culturais e políticas, além de seu desenvolvimento bastante diverso em relação aos demais países, e que os levou a fazer parte do “mundo desenvolvido”. O que significaria, então, fazer parte desse conceito, que se sobrepõe à definição geográfica que divide as Américas em sul, centro e norte? Estão na base desse conceito: a colonização por países europeus de língua latina, a religião católica, a escravização dos africanos, bem como os processos de constituição de culturas e sociedades miscigenadas, além de seu posicionamento na geopolítica internacional, na qual podem ser identificados como países periféricos. Para compreender a caracterização de um país como latino-americano é necessário responder algumas questões: como se define América Latina? O que há em comum entre os países? O que os separa? O que sabemos sobre os países que 10 11 compõem a América Latina? Como a mídia brasileira aborda a América Latina? Como isso interfere em nossas opiniões? Nós, brasileiros, temos uma identidade cultural latino-americana? Utilizando esses critérios e tentando responder a estas e outras perguntas, a pesquisa em comunicação na América Latina pautou-se por incorporar metodologias estrangeiras no processo de análise da mídia nas sociedades que tinham em comum o atraso no desenvolvimento das forças produtivas, isto quando se comparava essas sociedades com as de países europeus e, mesmo com os EUA e Canadá. Tal atraso foi analisado em diferentes perspectivas, gerando nomenclaturas diversas para expressar suas causas e perspectivas. A partir do atraso, definem-se estas sociedades como: em desenvolvimento, subdesenvolvidas, emergentes, periféricas, entre outras. Em sua primeira fase, os estudos em comunicação na América Latina buscaram revelar semelhanças no processo de implantação dos modernos meios de comunicação de massa em sociedades tradicionais, em muitos aspectos diferentes daquelas nas quais a mídia havia sido inserida anteriormente. Se as duas guerras mundiais, nas quais houve significativa presença dos meios de comunicação de massa, impulsionaram os estudos em comunicação na Europa e o impacto desses meios na sociedade norte-americana levou pesquisadores de diversas áreas a se dedicarem à compreensão do papel da mídia nos EUA, é possível identificar nos Estudos de Mídia realizados na América Latina na segunda metade do século 20 a influência de questões estruturais das sociedades nas quais modernos meios de comunicação desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos se implantavam e geravam processos de modernização, interferindo diretamente nas culturas tradicionais. Por estas razões, a questão do desenvolvimento é central para as sociedades latino-americanas, para as quais, o grande desafio seria vencer o atraso e atingir o pleno desenvolvimento, como ocorrera com os países centrais do sistema. As pes- quisas realizadas a partir das metodologias utilizadas nos EUA entre os anos 1920 e 1960 ofereceram as primeiras perspectivas de análise de mídia e definiram um caminho para a pesquisa em comunicação, relacionando a mídia à modernização, ou seja, a expansão dos modernos meios de comunicação teria como foco elimi- nar o atraso, inserindo as sociedades em um ambiente moderno, próximo ao que ocorria nos países centrais. A geopolítica do mundo pós 1945, com a constituição de dois campos antagô- nicos, capitalista (liderado pelos EUA) e socialista (liderado pela URSS), teve grande relevância para os estudos em comunicação na América Latina. O atraso dos paí- ses era explicado de diversas formas, uma delas “culpava” o modelo capitalista, que impedia o livre desenvolvimento dos países, impondo a “dependência estrutural”, que só seria eliminada com a eliminação do domínio capitalista. As revoluções socialistas ou comunistas que ocorreram na URSS, China e Cuba impactaram profundamente os países da periferia do sistema, nos quais partidos 11 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina socialistas, movimentos sociais e intelectuais aderiram aos ideais socialistas como forma de enfrentar os países centrais e suas formas de exploração, o que gerou uma reação dos EUA, que passaram a financiar projetos em comunicação, pesquisas na área e a colaborar com projetos de infra-estrutura, apresentando uma perspectiva de inserção no mundo moderno sem ruptura com os países centrais, gerando o que foi amplamente divulgado como american way of life, o modelo ideal de vida, que seria a sociedade de consumo da qual os EUA eram o melhor exemplo, pois o país havia superado o atraso e tornara-se a nação mais poderosa do planeta. A mídia passou a ser espaço para disputa ideológica. “Corações e mentes” eram disputados por duas propostas distintas de sociedade, cabendo à mídia apresentar o modelo de sociedade ocidental, capitalista e democrática como o melhor caminho para a construção de uma sociedade moderna, o que levou pesquisadores de área de comunicação a questionarem o papel da mídia, gerando o “denuncismo”, postura que teria caracterizado parte da produção teórica realizada tendo a mídia e a cultura como objetos de estudo. Desenvolvimento e ideologia são temas centrais na análise de Mídia na América Latina, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, período no qual diversos países da América Latina passaram por processos que levaram à implantação de ditaduras militares, para as quais, de acordo com estudos posteriores, a mídia teria contribuído, disseminando informações e apoiando projetos ditatoriaisque fariam parte da ação imperialista dos EUA. Os primeiros estudos em comunicação na América Latina ocorreram nos anos 1930, em paralelo ao que ocorria na Europa e nos EUA. No entanto, não se configuraram nesse período metodologia de estudos e definição de um campo de pesquisas, ocorrendo, em grande medida, estudos sobre o jornalismo praticado nos diferentes países e sua participação na constituição da Opinião Pública, tendo como questões centrais os limites para a liberdade de expressão e análise da legislação específica para as práticas jornalísticas em sociedades marcadas pelo atraso. O jornalismo na América Latina seguia o modelo europeu e, no século XX, incorporou em suas práticas as características do jornalismo e da mídia dos EUA. Tanto o jornalismo impresso quanto as formas de jornalismo radiofônico, bem como de publicidade, passaram a ter como referência processos midiáticos desenvolvidos nos EUA. Com a televisão, esse processo foi concluído, ligando a mídia latino- -americana ao modelo hegemônico de mídia dos EUA, cujo sistema pressupõe a ação de empresas privadas na comunicação, atuando, principalmente, nas funções de educar, informar e divertir, com destaque para esta última, que organizou o entretenimento das massas de acordo com valores estéticos e políticos do que foi denunciado pelos críticos como Imperialismo Cultural. 12 13 Adesão e Crítica às Matrizes Teóricas dos Países Centrais A mídia latino-americana, organizada de acordo com o modelo norte-americano, foi objeto de pesquisa, a partir dos anos 1950, de um campo de estudos que se organizava e que, inicialmente, tinha como referência a pesquisa em comunicação realizada nos EUA. A teoria da modernização, o difusionismo e o referencial Estrutural Funcionalista foram apresentados a pesquisadores latino-americanos como metodologias apropriadas à pesquisa. Como afirma Canclini (1997, p. 11), Os primeiros investigadores dos meios buscavam saber como eles fazem para manipular suas audiências. A súbita expansão do rádio, do cinema e da televisão levou a crer que substituíam as tradições, as crenças e solidariedades históricas, por novas formas de controle social. Exemplo da utilização da abordagem desenvolvida no contexto do Mass Comucation Research dos EUA é o Ciespal – Centro Internacional de Estudios Superiores de Periodismo na América Latina, fundado no contexto da Aliança para o progresso, ação dos EUA para evitar a influência dos ideais socialistas na América Latina a partir da Revolução Cubana. Em 1959, inicia pesquisas em comunicação em Quito, Equador, país escolhido para ser uma espécie de laboratório de estudos, na medida em que poderia fornecer modelos de análise aplicáveis aos demais países. O empreendimento tem a participação da UNESCO – órgão da área de cultura e comunicação da ONU, OEA e governo do Equador, o que demonstra a articulação internacional para a pesquisa em comunicação na América Latina. O Ciespal ofere- ceu cursos para profissionais que atuavam nos Meios de Comunicação de Massa e realizaram pesquisas quantitativas e análise de conteúdo, metodologias amplamente utilizadas nos EUA. Além disso, no Ciespal, o modelo adotado foi o difusionista, ou seja, adotava-se as teses da necessidade de difusão da comunicação e da moderni- zação como pressupostos para vencer o atraso. Tais pesquisas foram orientadas por pesquisadores dos EUA. Tais metodologias foram utilizadas amplamente em diversos países da América Latina, contribuindo para associar mídia a desenvolvimento e modernização e à vin- culação dos países da América Latina à sociedade de consumo, cujo modelo era os EUA. Ocorre, no entanto, que os pesquisadores que atuavam no Ciespal começaram a entender que as metodologias utilizadas como parte dos projetos de organismos in- ternacionais não contribuíam para a análise da mídia em países dependentes. Havia contradições entre a participação da mídia nos processos políticos e estéticos e os interesses e a realidade dos países nos quais esta atuava. 13 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina Influenciados por teorias econômicas e políticas, pesquisadores do Ciespal organi- zaram um Seminário na Costa Rica em 1973, no qual redirecionaram as pesquisas do centro, orientando a substituição do modelo inspirado na pesquisa norte-america- na por metodologias que possibilitassem a análise das estruturas de dominação que determinariam o funcionamento dos meios de comunicação, algo que não ocorria ao utilizarem as teorias funcionalistas, ou as focadas na difusão de inovações e mo- dernização. Como parte do processo de crítica ao modelo implantado, professores latino-americanos substituíram os pesquisadores dos EUA que atuaram no trabalho realizado no Ciespal no período inicial. Ainda no que poderíamos denominar como “primeira fase” da pesquisa em co- municação na América Latina, a implantação do Instituto Venezuelano de Inves- tigaciones de Prensa de la Universidad Central/Instituto de Investigaciones de la Comunicación-ININCO, em 1959, representa uma vertente que não segue as orientações dos países centrais, ao propor estudos orientados por Antonio Pasquali e realizados por pesquisadores latino-americanos, com o objetivo de compreender o papel das novas tecnologias e mídia nas sociedades latino-americanas, considerando as características dos países e as diferenças destes no contexto sócio cultural. Imperialismo Cultural, Denúncia e Resistência A organização do CEREN – Centro de Estudos da Realidade Nacional - no Chile, em 1970, revela importante experiência de trabalho conjunto entre pesqui- sadores europeus e latino-americanos na pesquisa acerca do domínio das multina- cionais na comunicação. Utilizando conceitos marxistas como ideologia, relações de poder, conflitos de classe, o CEREN influenciou a pesquisa em comunicação na América Latina, denunciando o Imperialismo cultural e o uso da comunicação nos processos de destituição de governos eleitos por meio de golpes e instalação de ditaduras militares. O CEREN foi financiado pelo governo chileno liderado pelo presidente eleito, Salvador Allende, que tinha uma pauta socialista. Pesquisadores europeus e latino- -americanos inseriram conceitos marxistas na análise da mídia, apresentando como conceito central o uso da mídia para a construção de uma ideologia favorável aos EUA, o que caracterizava o que passou a ser definido como Imperialismo Cultural, ou seja, a atuação de países centrais no campo da cultura com o objetivo de manter o domínio sobre os países periféricos. 14 15 O livro “Para ler o Pato Donald”, resultado de pesquisa organizada no CEREN por equipe coordenada por Armand Mattelart e Ariel Dorfman, revela o tipo de pesquisa realizada no centro e seus objetivos. No livro, os autores analisam os produtos culturais da empresa de comunicação estadunidense Disney e iden- tificam neles a presença da ideologia dos EUA, disseminada em historias em quadrinhos, programas para a televisão e para o cinema, nos quais haveria os valores do american way of life como o melhor para o mundo, em oposição aos valores socialistas defendidos pelo Governo Allende, por intelectuais e militantes de países latino-americanos. O Golpe militar no Chile desfez o grupo, porém, de certa forma, confirmou as hipóteses deste, na medida em que a mídia foi amplamente utilizada no processo de deposição do Presidente Allende e de instalação da ditadura militar no Chile, comandada por Augusto Pinochet, o que já havia ocorrido em outros países do cone sul desde os anos 1960, o que gerou uma perspectiva de análise da mídia como parte da estratégia das classes dominantes para manutenção do poder, aproximando a pesquisa em comunicação na América Latina das teses da Escola de Frankfurt, principalmente do conceito de Indústria Cultural, desenvolvidopor T. Adorno e M. Horkheimer nos anos 1940. As ditaduras militares inviabilizaram a pesquisa em comunicação com viés crítico e democrático e os pesquisadores buscaram espaço para realização e publicação de trabalhos que contribuíssem para a compreensão do papel da mídia na organização da sociedade em países latino-americanos. O ILET – Instituto Latino-Americano de Estudios Transnacionales, instalado no México com apoio do governo me- xicano e de instituições européias do campo da comunicação e da cultura reuniu pesquisadores que haviam atuado em diferentes países e centros de estudos. Duas gerações de pesquisadores (chilenos, argentinos, peruanos, brasileiros, entre ou- tros), atuaram no ILET, produzindo e publicando análises com o objetivo de di- fundir propostas para a democratização dos Meios de Comunicação de Massa na América Latina. A necessidade de divulgar os resultados das pesquisas levou à organização de re- vistas acadêmicas, veículos que pretendiam dialogar com outros pesquisadores e am- pliar a presença da pesquisa crítica na sociedade. Como observou BERGER (2001, p. 257), houve um “Giro à esquerda” na pesquisa em comunicação na América Latina, cujo principal questionamento era o american way of life. À proposta de sociedade de consumo difundida pela mídia hegemônica, as pesquisas indicavam a comunicação alternativa, pautada nas culturas populares, na teologia da libertação, nos movimentos sociais e na comunicação popular. A estas propostas, o sistema dominante respondeu com novos golpes militares ou maior violência e investimento em televisão, aparelhos repressivos e ideológicos. 15 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina Como terceira fase da pesquisa em comunicação na América Latina, os Estudos Culturais ingleses entraram em cena, ocupando o espaço anteriormente conquis- tado pela Pesquisa em Comunicação Norte-Americana e pela Escola de Frankfurt. Os Estudos Culturais foram referência para novas linhas de pesquisa, mudando o objeto de estudo da mídia para as culturas, principalmente as populares, introdu- zindo, também, o conceito de interdisciplinaridade, pois, de acordo com Canclini (1997, p. 12), referindo-se à obra de J. Martin-Barbero, este percorre várias disciplinas. Dado que desloca a análise dos meios de massa até as mediações sociais, não é só um texto de comunicação. Bem infor- mado sobre a renovação atual dos estudos sociológicos, antropológicos e políticos, parece um livro escrito para confundir os bibliotecários. Não está situado exclusivamente em nenhuma dessas disciplinas, porém serve a todas, por exemplo, seu original exame das noções de povo e classe, de como se complexificam estas categorias na sociedade de massa e as alte- rações que isto gera nos estados modernos. Sua explicação de como o rá- dio e o cinema contribuíram para unificar as sociedades latino-americanas e conformaram a idéia moderna de nação mostra quanto necessitamos dos estudos culturais para entender a política e ainda a economia. Como herdeiros do viés crítico, os pesquisadores apresentavam perspectiva que indicava a necessidade de transformação do Estado para que, a partir dele, fosse possível criar políticas nacionais de comunicação alternativas e a inserção da comunicação popular como elemento estruturador do processo. Em países nos quais as ditaduras militares haviam exercido forte pressão sobre a cultura e a comunicação e nos quais, posteriormente, os programas de ajustes definidos pelos países centrais levaram a conflitos com a Opinião Pública, as idéias de mediação e hibridismo contribuíram para a compreensão das relações culturais nas sociedades latino-americanas do final do século XX. De acordo com Bastos (2008, p. 86-89), As contribuições dos estudos culturais para o campo da comunicação têm na obra do espanhol naturalizado colombiano, Jesús Martín-Barbero, seu mais importante aporte teórico. Expoente do pensamento comunicacio- nal latino-americano, sua proposta de passar dos meios às mediações forneceu subsídios para pensar a recepção fora do diagrama da teoria informacional. A abordagem culturalista de Martín-Barbero permite tra- balhar a idéia de cadeias envolvendo produtores, produtos e receptores, compreendendo deslocamentos de significados entre as instâncias envol- vidas. A ênfase muda da produção para a recepção, circuito que recodifi- caria os sentidos sociais. Novas metodologias foram adotadas, incluindo a pesquisa-ação, que possibilitou aos pesquisadores contato com as atividades das classes subalternas. 16 17 Autores como Jesus Martin Barbero e Nestor Garcia Canclini desenvolveram conceitos que adaptavam o referencial dos Estudos Culturais ingleses à realidade cultural latino-americana. Para estes autores, mediação e hibridismo foram conceitos que, a partir dos anos 1990 passaram a fazer parte de um campo menos definido que nos períodos anteriores. Mediação e hibridação substituem ideologia e dependência. Estuda-se a relação do popular com o massivo, a comunicação com os movimentos sociais, do receptor com o meio, com a mediação das estruturas socioculturais. A comunicação é estudada como parte da cultura, que, na América Latina, é marcada pelo hibridismo. Para Canclini (1997, p. 11), ao referir-se ao livro Dos Meios às mediações, de J. Martin-Barbero, uma referência para a pesquisa em comunicação realizada a partir da cultura, Com uma visão menos ingênua de como se alteram as sociedades e do que fazem com seu passado quando irrompem tecnologias inovadoras, indaga como se foi desenvolvendo a massificação antes que surgissem os meios eletrônicos: através da escola e da igreja, da literatura de cordel e do melodrama, da organização massiva da produção industrial e do espaço urbano. Já os estudos de recepção procuraram evidenciar a cumplicidade do receptor com a dominação e com a resistência. Retomando a trajetória da pesquisa de mídia na América Latina, ressalta-se, a partir das concepções de BERGER (2001, p. 242-277) que: 1. Em relação às questões teóricas e contextuais, observa-se a implantação de metodologias de pesquisa em comunicação desenvolvidas nos EUA, com o funcionalismo no Ciespal. Posteriormente, ocorrem rupturas teóricas que distanciam os pesquisadores das metodologias dos EUA e os aproximam da pesquisa crítica, com viés marxista. O CEREN, instalado no Chile, faz parte dessa mudança; 2. Quanto aos objetos de estudo e fundamentação teórica, é possível identifi car que a imprensa é objeto de pesquisa principal e que funcionalismo e mar- xismo são dominantes nas etapas iniciais e que, posteriormente, os Estudos Culturais ingleses passam a ser utilizados como principal referencial teórico. 3. Ao compreender as relações de comunicação existentes nos países latino- -americanos e a impossibilidade de divulgar a produção teórica, princi- palmente aquela com viés crítico, no sistema de mídia dominante, foram criadas revistas e publicações acadêmicas ligadas aos centros de estudos em comunicação como importantes meios de divulgação das ideias e para infl uenciar as políticas públicas sobre comunicação. 17 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina 4. Intelectuais de diversas áreas e nacionalidades atuaram na pesquisa em comunicação na América latina. Os teóricos fundamentais são Armand Matellart, Antonio Pasquali, Luis Ramiro Beltran, Eliseo Verón e Paulo Freire. A comunicação é pensada como questão política, a partir de diferentes referenciais teóricos. A seguir, uma breve apresentação destes pesquisadores: a) Armand Mattelart: elabora crítica à pesquisa realizada nos EUA, que é, de acordo com sua análise, instrumental. Propõe análise da comunicação transdisciplinar com o objetivo de propor intervenção social e criação de comunicação alternativa. b) Antonio Pasquali: aplica as ideiasda Escola de Frankfurt, associan- do-as ao conceito de dependência cultural. Denuncia a relação da Indústria Cultural e a estrutura de poder transnacional. Projetos de comunicação alternativa foram implantados na Venezuela a partir das pesquisas deste autor. c) Luis Ramiro Beltrán: denuncia o Imperialismo cultural dos EUA, que pretenderia assegurar e manter a dominação econômica e a hegemonia política sobre a América Latina. Os mecanismos utilizados seriam agên- cias de notícias e de publicidade, empresas de opinião pública, de pesqui- sa de mercado e de Relações Públicas, produção impressa e audiovisual. d) Eliseo Verón: desenvolve pesquisa a partir da semiótica, associando-a a um caráter progressista e comprometido, o que gerou repercussão da teoria na América Latina. e) Paulo Freire: não elabora estudos do campo da comunicação, porém, contribui para a compreensão dos Meios de Comunicação de Massa como instrumentos de transmissão. De acordo com este autor, os meios tratariam os destinatários como receptores passivos, e, com isso, impossibilitariam relações dialógicas. 5. A visão de ciência está fortemente atrelada à de ideologia, o que leva a pesquisa, na perspectiva crítica, a confundir-se com o comprometimento político, com a denúncia, tendo como inimigos o funcionalismo, a televi- são comercial, os fluxos internacionais das notícias, as HQs, a estrutura transnacional de informação, o cinema de Hollywood, a Indústria Cultural, o imperialismo cultural. Os EUA eram os nossos inimigos. 6. A pesquisa na América Latina pós denuncismo revela o esgotamento dessa estratégia, pois não bastava denunciar. Era preciso aprofundar o conhecimento dos mecanismos usados, por meio de metodologias de 18 19 fato autônomas, desvinculadas das teorias que têm origem nos países dominantes ou que as adaptem à realidade latino-americana. A nova geração de pesquisadores buscou alternativas e dois caminhos foram propostos: pesquisa-ação e trabalho realizado em colaboração com a UNESCO, que gerou o NOMIC – Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação. 7. As razões que orientaram a denúncia do papel da comunicação de massa na América Latina permanecem, mas os modelos teóricos mudaram. Fun- cionalismo e Escola de Frankfurt têm relevância, porém, a participação de pesquisadores em centros dedicados à pesquisa em comunicação ganhou perspectivas transdisciplinares realizadas em programas de pós-graduação com diversidade de objetos e de metodologias. 8. A dependência estrutural destes países em relação àqueles do centro do sistema, analisada em estudos sociológicos, políticos e econômicos, foi incorporada à pesquisa em comunicação na América Latina e infl uenciou diretamente as análises realizadas, que buscavam identifi car como tal dependência estrutural infl uenciava as culturas populares e a formação das sociedades, gerando o que foi descrito como cultura do silêncio e da submissão, resultante do atraso e da impossibilidade de exprimir opiniões divergentes e, também, de processos de resistência e luta para segmentos que não se identifi cam com os processos de constituição das culturas midiáticas na América Latina. A constituição de um campo de pesquisa em comunicação na América Latina passou por diversas etapas e os resultados indicam a consolidação de práticas de pesquisa interdisciplinares, desenvolvidas em instituições de ensino e pesquisa em comunicação e em áreas correlatas das ciências sociais e política, com amplitude de métodos e técnicas, bem como objetos de estudo, para além da mídia, com iniciativas locais, regionais, nacionais e envolvendo países que integram o espaço latino-americano no qual as culturas se desenvolvem e nos quais a mídia tem presença e influência significativa sobre as representações simbólicas, a economia e a política. A pesquisa em comunicação na América Latina foi realizada utilizando matrizes teóricas desenvolvidas nos países centrais, em um primeiro momento, simplesmente usando os conceitos e, posteriormente, adaptando-os à realidade sócio cultural dos países latino- -americanos. O que esse processo indica? Na comunicação, desenvolvemos metodologias específi cas, ou apenas reproduzimos o que aprendemos com europeus e norte-americanos? Ex pl or 19 UNIDADE Mídia, Cultura e Poder: A Comunicação na América Latina Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A Crise das Identidades na América Latina ABREU, J. S. “A CRISE DAS IDENTIDADES NA AMÉRICA LATINA”. IN: Revista Ambivalências, v.1, n.2 p. 178 – 202, Jul-Dez/2013. Do Sentido da Mediação: às margens do pensamento de Jesús Martín-Barbero BASTOS, Marco Toledo de Assis. “Do sentido da mediação: às margens do pensa- mento de Jesús Martín-Barbero”. IN: Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 35, abril de 2008, quadrimestral, p. 86-89. Para ler o Pato Donald: Comunicação e Colonialismo MATTELART, A. e DORFMAN, A. Para ler o Pato Donald: comunicação e colonialis- mo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Vídeos Entrevista com Néstor García Canclini- Observatório da Imprensa Descrição do vídeo. https://youtu.be/PLDpo4K1FFM 20 21 Referências BERGER, C. “A pesquisa em comunicação na América Latina”. IN: FRANÇA, V. V. HOHLFELDT, A. e MARTINO, L.C. (orgs.). Teorias da Comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 242-277. BRIGGS, A. E BURKE, P. Uma História Social da Mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. CANCLINI, Néstor GarcÍa. Prefácio. IN: Martin-Barbero, J. Dos Meios às Mediações. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. MARTIN-BARBERO, J. Dos Meios às Mediações. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. 21
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