Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ESTEVÃO CORRÊA DA ROSA USO DO CANABIDIOL EM TRATAMENTOS MÉDICOS: À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO GRATUITA DO ESTADO Tubarão 2015 ESTEVÃO CORRÊA DA ROSA USO DO CANABIDIOL EM TRATAMENTOS MÉDICOS: À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO GRATUITA DO ESTADO Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade. Orientador: Prof. Keila Comelli Alberton, Esp. Tubarão 2015 ESTEVÃO CORRÊA DA ROSA USO DO CANABIDIOL EM TRATAMENTOS MÉDICOS: À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO GRATUITA DO ESTADO Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, 19 de novembro de 2015. ______________________________________________________ Professora e orientadora Keila Comelli Alberton, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Claudio Zoch de Moura Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Agenor de Lima Bento Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina Dedico este trabalho aos meus pais, pessoas que eu amo muito e, que são as mais importantes do mundo. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, por esta grande oportunidade. À minha mãe Hitla, pelo amor incondicional e pela paciência, sempre me apoiando nas horas mais difíceis da minha vida, e principalmente nesta longa jornada acadêmica. Ao meu pai Roberto, pelo amor incondicional, por nunca ter desistido de mim, e por ter me proporcionado a realização de um sonho. Aos meus avós, que têm o sonho de ter o neto como futuro advogado. A toda minha família que sempre ajudou em todos os momentos. Aos professores, que proporcionaram a mim e aos demais colegas, tudo o que deveríamos saber sobre o mundo do Direito. Em especial, à minha orientadora Prof. Esp. Keila Comelli Alberton, por sua grande orientação, paciência e confiança, com todo o seu conhecimento teórico e prático proporcionado a mim na realização deste trabalho. Aos meus colegas de faculdade, que conjuntamente passaram por todos os desafios e obstáculos encontrados na vida acadêmica. Aos meus amigos pela parceria, e principalmente pela paciência, pelos diversos convites de festas recusados, para que este trabalho pudesse ser feito. A todas as pessoas aqui, mencionadas ou não, que de forma direta ou indireta contribuíram, para que este trabalho se concretizasse, meu muitíssimo obrigado! RESUMO A presente monografia tem como tema central o uso do canabidiol em tratamentos médicos à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e a possibilidade de concessão gratuita do Estado. Para tal, como método de abordagem utilizou-se o dedutivo, partindo da ideia geral, ou seja, a análise do uso do canabidiol em tratamentos médicos, bem como a possibilidade de concessão gratuita pelo Estado. Já como método de procedimento, usou-se o monográfico e o modelo de investigação foi o bibliográfico e documental; quanto ao nível do tipo de pesquisa, empregou-se o nível exploratório, tendo em vista o caráter exploratório da pesquisa, a abordagem foi qualitativa. Por meio deste trabalho, buscou-se mostrar as evoluções das dimensões dos direitos fundamentais, bem como desmistificar o canabidiol, e ainda fazer a análise do uso à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e a possibilidade de concessão gratuita pelo Estado. Portanto, nota-se que a reclassificação do canabidiol é um grande avanço na esfera científica e jurídica. Conclui-se ainda, que o canabidiol é importante para a sociedade, tendo em vista ser eficaz no tratamento de doenças, além de se evidenciar a possibilidade de o Estado conceder este medicamento de forma gratuita para todos aqueles que necessitem de seu uso. Palavras-chave: Direito constitucional. Direitos fundamentais. Dignidade. Maconha. ABSTRACT This monograph has the main title topic the use of canabidiol in medical treatments and how government can provide it for people in order to solve some medical troubles. The approach was by the deduction method, where we created a general analysis about it's use in medical treatments, as well as the proposition to the government to give it to people who need this type of treatment. Also, as procedure we adopted the monograph, while the research model chosen was bibliographic and documental research. Moreover, the drilldown level type used was the exploratory, and due to the exploratory research, the approach used is qualitative. Through this monograph, we have tried to show the evolution of the fundamental rights, as well as demystify the canabidiol, also creating an analysis of it's usage through the viewpoint of dignity of humans, and the possibility of State's concession of the canabidiol. In conclusion, we can consider that canabidiol's reclassification is a breakthrough scientifically and juridically. Furthermore, we concluded canabidiol is important for society for it's effectiveness in disease's treatments, besides verifying the possibility of the State to provide the medicinal canabidiol for free to every person who needs to use it. Keywords: Constitutional law. Fundamental rights. Dignity. Marijuana. LISTA DE ABREVIATURAS Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária CBD – Canabidiol CBN – Canabinol CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil DOU – Diário Oficial da União Portaria MF – Portaria do Ministério da Fazenda RDC – Resolução Colegiada da Anvisa STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça THC – TetrahidroCanabinol TJMS – Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul TRF 4ª R – Tribunal Regional Federal da 4ª Região SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................... 10 1.2 JUSTIFICATIVA................................................................................................. 12 1.3 OBJETIVOS ...................................................................................................... 12 1.3.1 Geral ............................................................................................................... 12 1.3.2 Específicos .................................................................................................... 12 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 13 1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO E ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS .... 13 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ...............................................................................15 2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA DIMENSÃO ................................ 15 2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO ................................ 16 2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO ............................... 17 2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA DIMENSÃO ................................... 18 2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUINTA DIMENSÃO .................................... 19 2.6 NOÇÕES GERAIS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................ 20 2.6.1 Classificação dos direitos fundamentais .................................................... 20 2.6.2 Diferença entre direitos individuais e direitos sociais ............................... 21 2.7 DEVERES SOCIAIS CONSTITUCIONALMENTE PREVISTOS........................ 22 2.7.1 Direito social a assistência aos desamparados ......................................... 22 2.7.2 Direito social a proteção à maternidade e à infância ................................. 23 2.7.3 Direito social à saúde ................................................................................... 24 2.7.4 Outros deveres sociais constitucionalmente previstos ............................ 25 3 DESMISTIFICAÇÃO DO CANABIDIOL (CBD) ................................................... 30 3.1 MEDICAMENTO OU DROGA? ......................................................................... 30 3.1.1 Conceito legal de medicamento................................................................... 30 3.1.2 Conceito legal de droga ................................................................................ 31 3.2 CANABIDIOL ..................................................................................................... 32 3.2.1 Diferenciação entre o Canabidiol (CBD) e o TetrahidroCanabinol (THC) . 33 3.2.2 Diferenciação entre o Canabidiol (CBD) e o Canabinol (CBN) .................. 34 3.3 AGÊNCIA REGULADORA ................................................................................ 35 3.3.1 Anvisa ............................................................................................................ 35 3.3.1.1 Competência ................................................................................................. 36 3.4 LEGALIZAÇÃO DO CANABIDIOL ..................................................................... 38 3.4.1 Do processo de importação do Canabidiol ................................................ 39 3.4.1.1 Problema enfrentado devido aos altos custos de importação....................... 40 3.4.1.2 Simplificação do processo importação do Canabidiol ................................... 41 4 USO DO CANABIDIOL À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO GRATUITA DO ESTADO ....... 44 4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....................................... 44 4.2 ANÁLISE DO USO DO CANABIDIOL À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................................................................. 46 4.3 POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO GRATUITA DO CANABIDIOL.................. 47 4.4 AÇÕES POSSÍVEIS .......................................................................................... 51 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57 ANEXOS ................................................................................................................... 61 ANEXO A – RESOLUÇÃO CFM Nº 2.113/2014 ....................................................... 62 ANEXO B – RESOLUÇÃO - RDC Nº 17, DE 6 DE MAIO DE 2015 ......................... 64 ANEXO C – PORTARIA MF Nº 156, DE 24 DE JUNHO DE 1999 ........................... 70 ANEXO D – PORTARIA MF Nº 454, DE 08 DE JULHO DE 2015 ........................... 73 10 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico, o qual é requisito para conclusão do Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, bem como a obtenção do título de Bacharel em Direito, tem por objetivo analisar o uso do canabidiol à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e possibilidade da concessão gratuita pelo Estado. Abordam-se os aspectos constitucionais e legais acerca do uso do canabidiol nos tratamentos médicos. O assunto a ser tratado, possui certa polêmica quanto à legalidade do uso do canabidiol, pois muitos questionam se a referida substância é considerada uma droga ou medicamento. Além disso, analisa-se o uso canabidiol à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como se verifica a possibilidade de concessão gratuita pelo Estado. 1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA O uso do canabidiol em tratamentos médicos se revelou uma maneira alternativa de combater os efeitos das mais diversas doenças que acometem a população em geral, principalmente em crianças, nas quais a ação destas doenças são mais perceptíveis e consequentemente mais intensas do que nos adultos. Quando se fala acerca deste fitocanabinoide, muitos consideram como um tema extremamente polêmico e controverso, principalmente no âmbito do direito brasileiro, pois ele é alvo de preconceito sobre sua legalidade, e principalmente em sua forma de uso. Segundo Crippa; Zuardi; Hallak (2010) a Cannabis sativa vem sendo utilizada para fins medicinais há milhares de anos pelos mais diversos povos e culturas. No início do século XX extratos de cannabis eram muitas vezes comercializados para o tratamento de transtornos mentais, usados principalmente como sedativos e hipnóticos. 11 Houve um declínio no uso da droga a partir de 1930 para fins médicos, pois os princípios ativos da cannabis ainda não haviam sido isolados, trazendo dúvidas e inconsistências aos efeitos gerados. Na década de 1960, a cannabis foi objeto de estudo, com seus componentes devidamente isolados, tendo assim, um maior conhecimento sobre os componentes químicos encontrados na cannabis, tais como: Δ9-tetrahidroCanabinol (Δ9-THC) e o canabidiol -CBD (CRIPPA; ZUARDI; HALLAK, 2010). A partir dos estudos realizados, e dos mais variados testes efetuados, é que se teve um conhecimento mais aprofundado quanto à substância canabidiol, sendo que então, surgiram as discussões pertinentes ao seu uso nos mais variados tipos de tratamentos médicos. Discussões à parte, é preciso lembrar que a Constituição da República Federativa do Brasil garante como direito social a toda nação brasileira, o direito à saúde, dentre outros requisitos básicos essenciais a uma vida digna. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, princípio-mor da Carta Magna é um dos pilares que sustentam o ordenamento jurídico brasileiro, assegurando e garantindo os direitos intrínsecos ao ser humano. Em outras palavras, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o alicerce da República Federativa brasileira e do Estado Democrático de Direito, ressaltando seu valor supremo, que é atribuído no ordenamento jurídico-político deste país, e se mostra um princípio fundante não tão somente num princípio de ordem jurídica, mas também, de ordem política, social e econômica (MARTINS, 2008). A Constituição Federal garante o direito à saúde, de forma simétrica em relação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Por sua vez, o Estado garantindo e assegurando este direito a toda população, se revela, de maneira cristalina, obrigado a cumprir suas obrigações perante a sociedade, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil. Diante o exposto, apresenta-se a seguinte pergunta de pesquisa: AConstituição brasileira assegura e garante o direito à saúde, de forma harmoniosa com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por que o Estado se recusaria a conceder o canabidiol para quem necessite deste tratamento? 12 1.2 JUSTIFICATIVA A motivação para estudar o referido assunto, se inicia a partir da necessidade de elucidar o tabu imposto pela sociedade, relacionado ao preconceito e à ignorância quando o assunto é o canabidiol. Além disso, o tema abordado, qual seja, o uso do canabidiol, é um tema muito escasso no âmbito jurídico, não existindo ainda pesquisa nesta seara, devido à atualidade do tema, visto que a regulamentação do uso do canabidiol ocorreu somente no início do ano de 2015. A generalização feita acerca do tema, contendo conceitos inverossímeis, credencia este pesquisador a explorar este tema, e na medida de possível, revelar o quão importante é para a sociedade. Além do dever de esclarecimento acerca da diferenciação dos conceitos, também é considerável mostrar que o canabidiol é um medicamento extremamente caro – mesmo para aqueles que têm condições financeiras de arcar com o preço – o tubo de 10g (dez gramas) custa em torno de U$$ 450.00 (quatrocentos e cinquenta dólares) para, geralmente, uma única ingestão. Ou seja, é imprescindível que se tenha uma discussão com respeito à obrigação do Estado em conceder o medicamento para quem necessite do tratamento, tendo em vista, o que está explícito na Lei-mor brasileira. Destarte, coadunando-se com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Geral Analisar o uso do canabidiol nos tratamentos médicos à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.3.2 Específicos Diferenciar o fitocanabinoide canabidiol, dos demais fitocanabinoides existentes que são encontrados na planta cannabis sativa. Descrever a importância do uso do canabidiol para a sociedade. 13 Verificar a possibilidade de o Estado conceder de forma gratuita o canabidiol, com a finalidade de uso nos tratamentos médicos. 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS No presente trabalho utilizou-se o método dedutivo como método de abordagem, no qual se tem como ponto de partida uma proposição universal, para se chegar a uma conclusão específica. O método de abordagem está vinculado ao plano geral de trabalho, ou seja, é um raciocínio que serve como uma espécie de fio condutor na investigação do problema de pesquisa (MOTTA; LEONEL, 2007). O procedimento adotado na coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica e documental, realizando-se leituras e análises em livros, artigos, texto de lei, periódicos e artigos on-line. Em relação ao procedimento, a pesquisa bibliográfica permite “ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 2002, p. 45). Ainda será utilizada a pesquisa documental através da análise de julgados, bem como textos de lei, para a fundamentação legal do tema. Quanto ao nível do tipo de pesquisa, utilizou-se o nível exploratório. Neste viés conceitua Gil (2002, p. 41): “essas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”. Tendo em vista o caráter exploratório da pesquisa, a abordagem foi qualitativa, pois para Motta e Leonel (2007, p. 111) o acadêmico “apresenta as questões de pesquisa, procura estabelecer estratégias, [...], para poder sistematizar as ideias e, assim, construir suas categorias de análise”. 1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO E ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS O presente trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, abordam-se os direitos fundamentais em todas as suas dimensões, noções gerais sobre os direitos fundamentais e suas classificações, bem como os deveres sociais constitucionalmente previstos. 14 No segundo, desmistifica-se o canabidiol, com os conceitos de medicamento e droga, bem como sua atual classificação. Um breve histórico sobre o canabidiol e seus afins, a conceituação da Anvisa e sua competência na proibição/legalização de substâncias. Já o terceiro capítulo, traz a análise do uso do canabidiol à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a conceituação do referido princípio, a possibilidade de concessão gratuita do canabidiol pelo Estado, além das possíveis ações cabíveis. E por fim, apresenta a conclusão do trabalho monográfico. 15 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS Neste capítulo abordam-se as cinco dimensões dos direitos fundamentais, os direitos sociais constitucionalmente previstos, bem como noções gerais dos direitos fundamentais. No tocante às dimensões dos direitos fundamentais, trata-se a respeito da evolução histórica dessas diferentes gerações que se contemplam e se perpetuam ao longo da evolução da Carta Magna brasileira. Quanto aos direitos sociais constitucionalmente previstos, discutem-se aqueles que estão expressamente previstos no artigo 6º1, caput, da Constituição Federal, bem como alguns destes direitos que estão legitimados na Constituição Federal, além de estarem em outros documentos importantes como, por exemplo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Finalizando este capítulo têm-se as noções gerais dos direitos fundamentais, com suas respectivas classificações e a diferenciação entre os direitos individuais e os direitos sociais. 2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA DIMENSÃO A primeira dimensão dos direitos fundamentais é geralmente a mais citada pela doutrina, tendo em vista a importância das grandes mudanças realizadas no que tange à liberdade individual do homem, ou seja, tais transformações são a chave mestra para se entender a evolução histórico-social dos direitos individuais e políticos. Os direitos fundamentais de primeira dimensão marcam a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito. O reconhecimento e o respeito às liberdades individuais, caracterizadas pelo pensamento liberal-burguês, surgiram a partir das primeiras constituições escritas, por volta do século XVIII (LENZA, 2011). Estes direitos fundamentais, chamados de primeira geração, são os direitos de defesa individuais, que são apresentados como direitos de cunho negativo, vez que se mostram direitos de oposição ao Estado (SARLET et al, 2012). 1 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988). 16 Dentre esses direitos elencam-se os seguintes direitos individuais: o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, que logo depois complementados por liberdades de expressão coletiva (liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação). Ainda se encaixam nesses direitos, algumas garantias processuais (devido processo legal, habeas corpus, direito de petição), condições conquistadas pelo passar dos anos e que foram incorporadas ao Estado Democrático de Direito (SARLET et al, 2012). Segundo Lenza (2011, p. 860, grifo do autor), alguns documentos foram marcantes ao longo da história, e contribuíram à evolução dos direitos humanos de primeira geração, os quais se destacam: Magna Carta de 1215, assinada pelo rei "João Sem Terra"; Paz de Westfália (1648); Habeas Corpus Act (1679); Bill of rights (1688); Declarações, seja a americana (1776), seja a francesa (1789). Portanto, sabe-se que os direitos de primeira dimensão, surgiram de revoluções ede documentos oficiais, principalmente o direito individual e político do homem, no qual se tem como exemplo a Constituição Federal de 1824. 2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO Os direitos fundamentais de segunda dimensão também são muito comentados pela doutrina, e também se mostram muito importantes, pois é nesta dimensão que são tratados os direitos econômicos, sociais, e culturais. Os direitos fundamentais de segunda dimensão surgiram na Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX (LENZA, 2011). A industrialização e os diversos problemas sociais e econômicos, e principalmente as péssimas condições de trabalho, é que acarretaram em inúmeros movimentos sociais reivindicatórios em defesa da proteção social (SARLET et al, 2012). “O início do século XX é marcado pela Primeira Grande Guerra e pela fixação de direitos sociais” (LENZA, 2011, p. 861). Os direitos fundamentais que já haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, e na Constituição Federal brasileira de 17 1824, sendo que estas se caracterizam por assegurarem à população, direitos a prestações sociais pelo Estado, como prestações de assistência social, saúde, educação, trabalho, entre outros (SARLET et al, 2012). Segundo Lenza (2011, p. 861) marcaram alguns documentos importantes, tais como: Constituição do México, de 1917; Constituição de Weimar, de 1919, na Alemanha, conhecida como a Constituição da Primeira República Alemã; Tratado de Versalhes, 1919 (OIT); no Brasil, a Constituição de 1934 (lembrando que nos textos anteriores também havia alguma previsão). (grifos do autor). Nesta dimensão se percebem principalmente os direitos sociais, culturais, econômicos, bem como os direitos coletivos. 2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO Assim como os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensão, os direitos fundamentais de terceira geração também são estudados pela doutrina, sendo que esta dimensão trata dos interesses humanos transindividuais. Os direitos fundamentais de terceira dimensão são marcados pelas grandes mudanças na comunidade internacional, com o crescente desenvolvimento tecnológico e científico, o que acarretou em diversas alterações nas relações econômico-sociais (LENZA, 2011). Tais direitos são denominados direitos de fraternidade ou solidariedade, e se diferenciam da primeira e segunda dimensão de direitos, nas quais as políticas sociais eram voltadas ao homem-indivíduo, tendo em vista de que a terceira dimensão dos direitos fundamentais privilegia a proteção de grupos humanos (seja povo ou nação), ou seja, a titularidade destes direitos é transindividual, que significa ser indefinida e indeterminável (SARLET et al, 2012). Segundo Bonavides (apud LENZA, 2011, p. 862, grifo do autor), compreendem-se num rol exemplificativo os direitos de fundamentais de terceira dimensão: direito ao desenvolvimento; direito à paz (lembrando que Bonavides classifica, atualmente, o direito à paz como da 5ª dimensão); 18 direito ao meio ambiente; direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade; direito de comunicação; Na chamada terceira dimensão dos direitos fundamentais, além de contemplar os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensão, os da terceira passam a proteger não tão somente os direitos individuais e sociais, mas também os direitos transindividuais como, por exemplo, a defesa do consumidor e a manutenção do meio ambiente. 2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA DIMENSÃO Nos direitos fundamentais de quarta geração, poucos doutrinadores aceitam e lecionam sobre a existência destes direitos como Bonavides, sendo que Lenza e Sarlet et al mencionam esta dimensão, além disso, poucos juristas expõem esta dimensão. Segundo Bobbio (apud LENZA, 2011), os direitos fundamentais de quarta dimensão são decorrentes dos grandes avanços no campo da engenharia genética, pois acabam colocando em risco a própria existência humana com a manipulação genética. Bonavides (2012, p. 590-591), leciona: [...] a asserção de que os direitos da segunda, da terceira, e da quarta gerações não se interpretam, concretizam-se. É na esteira dessa concretização que reside o futuro da globalização política, o seu princípio de legitimidade, a força incorporadora de seus valores de libertação [...]. Segundo Bonavides (apud LENZA, 2011), os direitos fundamentais de quarta dimensão, se concretizam através da globalização dos direitos fundamentais, o que importa em sua universalização no campo institucional. Nas palavras de Bonavides (2012, p. 589): “A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”. Ainda segundo o doutrinador Bonavides (2012, p. 590): São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. 19 Sendo assim, têm-se os direitos fundamentais de quarta dimensão, os quais emergem diante da evolução dos estudos científicos, bem como da institucionalização de outros direitos ao Estado social. 2.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUINTA DIMENSÃO A quinta dimensão dos direitos fundamentais, assim como a quarta dimensão, é lecionada por Bonavides, e bem pouco mencionada entre os demais juristas, sendo esta dimensão lembrada por Lenza e Sarlet et al, devido à escassez de estudos ligados ao referido assunto. Bonavides (apud LENZA, 2011, p. 863, grifo nosso) acredita que o direito à paz deva ser tratado numa dimensão independente, quando afirma que a paz é axioma da democracia participativa, ou ainda, um supremo direito da humanidade. Bonavides (2012) afirma que Karel Vasak, o grande precursor que colocou a paz no rol dos direitos da fraternidade – direitos fundamentais da terceira dimensão –, o fez de forma incompleta. Ao tratar de forma mais profunda sobre o assunto Bonavides (2012) salienta que Karel Vasak: “[...] Não desenvolveu as razões que a elevam à categoria. Sobretudo aquelas lhe conferem relevância pela necessidade de caracterizar e encabeçar e polarizar toda uma nova geração de direitos fundamentais, como era mister fazer, e ele não o fez. [...]”. Na mesma sequência ensina: “O direito à paz caiu em esquecimento injusto por obra, talvez, da menção ligeira, superficial, um tanto vaga, perdida entre os direitos da terceira dimensão” (BONAVIDES, 2012, p. 598). Nesse contexto, frisa-se que os direitos fundamentais de primeira dimensão surgiram com o advento do Estado liberal, com os direitos individuais; já os direitos fundamentais de segunda dimensão, despontaram com os direitos sociais. Os da terceira dimensão emergiram da preocupação com a coletividade e com o meio ambiente. Ainda os direitos de quarta e quinta dimensões, apesar de serem menos estudados, procuram resguardar os direitos de manutenção genética, e pela paz, nessa ordem. 20 2.6 NOÇÕES GERAIS SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS Neste tópico versa-se sobre os aspectos gerais dos direitos fundamentais, a classificação de direitos fundamentais individuais e coletivos, bem como a diferenciação dos direitos individuais e sociais. 2.6.1 Classificação dos direitos fundamentais A Constituição Federal de 1988 enumera os direitos fundamentais em seu Título II, em cinco capítulos distintos, os quais se classificam em: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos denacionalidade, direitos políticos, e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos. Os direitos fundamentais são classificados conforme a sua natureza, de acordo com o bem protegido e com o objeto de tutela. Direitos individuais e coletivos: estão expressos no artigo 5º da Constituição Federal e dizem respeito aos direitos que dão autonomia a todos os indivíduos. Paulo e Alexandrino (2008) conceituam de forma categórica: “Os direitos individuais correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo, o direito à vida, à dignidade, à liberdade”. Ainda lecionam, que os direitos fundamentais coletivos expressos no artigo 5º, previstos nos incisos XVI, (direito de reunião), LXX, (mandado de segurança coletivo) são os exemplos de direitos fundamentais coletivos (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). Direitos sociais: estes dispostos no artigo 6º e outros a partir do 193 da Carta Magna, bem como dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que objetivam igualdade social. Nas palavras de Paulo e Alexandrino (2008) os direitos sociais estabelecem as liberdades positivas, de forma harmônica com um Estado Social de Direito, as quais objetivam à melhoria de condições de vida dos hipossuficientes. Direito à nacionalidade: previsto no artigo 12 da CRFB, e traz em seu conteúdo a definição da nacionalidade. 21 Os direitos de nacionalidade conforme Paulo e Alexandrino (2008) cuidam do vínculo jurídico-político, os quais ligam um indivíduo a um determinado Estado. Direitos políticos: elencados a partir do artigo 14 da Constituição Federal, os quais são denominados de direitos democráticos. Segundo Paulo e Alexandrino (2008) os direitos políticos zelam um conjunto de regras as quais disciplinam as formas de atuação da soberania popular. Direitos à existência, organização e participação em partidos políticos: consagrados no artigo 3º e 225 da CRFB, que são aqueles relativos ao gênero humano. Paulo e Alexandrino (2008) afirmam que estes direitos são instrumentos necessários à preservação do Estado Democrático de Direito. 2.6.2 Diferença entre direitos individuais e direitos sociais Analisando a Constituição Federal de 1988, verifica-se que existe uma forte ligação entre os direitos fundamentais do homem com os direitos sociais. Porém, para que haja uma maior compreensão a respeito do assunto, é preciso diferenciar ambos os conceitos. Os direitos individuais estão diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). Ainda de acordo com Paulo e Alexandrino (2008), os direitos individuais são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo independência aos demais indivíduos da sociedade. Já os direitos sociais são de observação obrigatória com o Estado Democrático de Direito, e se constituem liberdades positivas com intuito de proporcionar melhores condições de vida à população (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). Martínez (apud FILETI, 2009, p. 62) anuncia que os direitos sociais são: “[...] direitos para os carentes. Atuam como uma liberdade, isto é, protegem o titular frente às interferências de terceiros, é um direito protetor ou de não-interferência que cria um âmbito para o titular no qual ninguém, ao menos prima facie, pode entrar [...]”. Nos ensinamentos de Luño (apud FILETI, 2009, p. 62) consta que “o principal objetivo dos direitos sociais é assegurar a participação na vida política”. 22 Nos pressupostos apresentados demonstraram-se as diferenças entre os direitos individuais e os direitos sociais; daqui em diante se estudarão esses deveres sociais constitucionalmente previstos. 2.7 DEVERES SOCIAIS CONSTITUCIONALMENTE PREVISTOS Ao longo de toda a Constituição da República Federativa do Brasil, observam-se artigos que dispõem sobre os direitos sociais que são constitucionalmente previstos, entre os quais se citam: direito social à educação, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a assistência aos desamparados, à proteção, à maternidade e à infância, à saúde. Sendo que o presente trabalho dá maior ênfase a estes três últimos direitos sociais, tendo em vista, principalmente, a forte ligação do tema central com a saúde, a assistência aos desamparados e a proteção à maternidade e à infância. 2.7.1 Direito social a assistência aos desamparados O direito social de assistência aos desamparados está constitucionalmente previsto no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, e tem por objetivo assistir e proteger os necessitados, in verbis: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). O direito social de assistência aos desamparados está também disposto no artigo 203 da Carta Magna, in verbis: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...]” (BRASIL, 1988). Segundo Lenza (2011), deverá ser prestada a assistência social independentemente de contribuição à seguridade social. E o autor acrescenta: “Além disso, nos termos do art. 204, as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes” (LENZA, 2011, p. 979). Para Sarlet et al (2012), o direito de assistência social aos desamparados configura-se como expressão máxima do princípio da solidariedade e do princípio da 23 dignidade da pessoa humana, pois desempenha uma proteção político-jurídica especialmente destinada a indivíduos e grupos sociais vulneráveis e necessitados. Nesse âmbito, observa-se que além de estarem previstos constitucionalmente no artigo 6º, o direito social de assistência aos desamparados assim como os demais direitos sociais, todos também estão previstos ao longo do texto da Carta Magna brasileira. 2.7.2 Direito social a proteção à maternidade e à infância Direito social fundamental que está disposto no artigo 6º, 201, II e 203, I, ambos da Constituição Federal, além de estarem dispostos na Carta Magna, este como outros direitos, estão elencados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e do cidadão de 1948. Especificamente, o artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, trata sobre a proteção à maternidade e à infância, o que revela uma preocupação com este tipo de assistência social, in verbis: Artigo XXV 1. [...]. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 201, II, está prevista a proteção à maternidade e à infância, conforme segue: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; (BRASIL, 1988). De acordo com Sarlet et al (2012), a caracterização deste direito compreende-se do período da concepção, gestação, nascimento até aos primeiros anos de vida da criança, com intuito de assegurar a proteção de todos os direitos fundamentais que estão interligadosna relação mãe-filho. 24 Nas palavras de Sarlet et al (2012, grifo do autor): “São titulares do direito à proteção à maternidade e à infância tanto a mulher, gestante e mãe, quanto o nascituro e a criança [...]”. Segundo Lenza (2012), a proteção à maternidade tem natureza de direito previdenciário, bem como de direito assistencial, sendo este um dos objetivos da assistência social. O direito a proteção à maternidade e à infância estão expressamente previstos na Carta Magna e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que significa dizer que estes direitos são inerente a toda população. Ademais, este direito social será objeto de estudo nos capítulos subsequentes deste trabalho monográfico. 2.7.3 Direito social à saúde O direito à saúde é um direito social de extrema importância devido a sua transindividualidade. O direito à saúde é um direito social, que além de estar disposto no artigo 6º, está também contemplado no artigo 196 da Constituição Federal. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Para Sarlet et al (2012), o direito à saúde encontrou no artigo 196 sua concretização num nível normativo-constitucional, o que abrange uma regulamentação normativa numa esfera infraconstitucional, na qual se destacam leis que dispõem sobre a organização e benefícios do Sistema Único de Saúde e o fornecimento de medicamentos. Segundo Lenza (2012), a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que deverá ser garantido através de políticas sociais e econômicas que objetivem a redução dos riscos de doenças, além de outros agravos, sendo que estas ações deverão oferecer acesso universal e igualitário. Nas palavras de Paulo e Alexandrino (2008): A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Ademais, as instituições privadas poderão participar de forma complementar ao sistema único de 25 saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas. Percebe-se a relevância do assunto supra, no que tange à previsão do legislador, ao deixar o direito à saúde na Seção II, do Capítulo I do Título VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil. Isso esclarece sobre a importância do assunto, principalmente na forma em que se demonstra este direito social: com característica transindividual que abrange toda a população. 2.7.4 Outros deveres sociais constitucionalmente previstos Além da assistência social aos desamparados, a proteção à maternidade e à infância, e à saúde, têm-se outros deveres sociais constitucionalmente previstos, os quais foram elencados anteriormente no artigo 6º da Constituição da República Federativa. O direito social à alimentação foi incorporado ao caput do artigo 6º da Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 64, de 04.02.2010. Segundo Sarlet et al (2012), essa recente inovação constitucional solidificou o reconhecimento do direito à alimentação como um direito fundamental social integrante do sistema constitucional brasileiro. Conforme Lenza (2012), o direito à moradia foi positivado expressamente com a Emenda Constitucional nº. 26 de 14.02.2000. Extrai-se da obra supra referida de Lenza: Antes mesmo da EC n. 64/2010, que introduziu o direito à alimentação como direito social, a Lei n. 11.346/2006, regulamentada pelo Dec. n. 7.272/2010, já havia criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada (LENZA, 2012, grifos do autor). Ainda nas palavras de Lenza (2012), o artigo 2º da lei supracitada, define a alimentação, sendo ela direito fundamental do ser humano, intrínseco à dignidade da pessoa humana e certamente indispensável à concretização dos direitos legitimados na Constituição Federal. O direito social à moradia assim como o direito social à alimentação foram incorporados ao texto original da Carta Magna brasileira. 26 Segundo Sarlet et al (2012) apesar de ter sido uma incorporação tardia, o direito de moradia já estava amparado nos termos do artigo 23, IX, da Constituição Federal, o que segue in verbis: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; (BRASIL, 1988). Desta forma, verifica-se que o direito à moradia é um dever de todo o Poder Público, o qual deverá ser proporcionado à população em geral. O direito à educação está previsto também no artigo 6º da Carta Magna, o qual é o primeiro no rol dos direitos sociais. Além no artigo 6º, está expresso também no artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Conforme Paulo e Alexandrino (2008) comentam, o ensino deverá ser ministrado seguindo os princípios do artigo 206 da Constituição Federal. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 1988). Sabe-se então que a União, simultaneamente, com os outros entes, tem o dever de fornecer a toda população uma educação de qualidade. O direito social ao trabalho está disposto também no artigo 6º da CRFB. 27 Segundo Sarlet et al (2012), o direito social ao trabalho soma-se a um rol significativo de disposições constitucionais, as quais versam sobre aspectos específicos de proteção ao trabalhador e dos direitos dos trabalhadores. De acordo com Lenza (2012), o artigo 170, caput da Constituição Federal, é um importante instrumento para implementar e assegurar uma existência digna a todos. Além do direito social ao trabalho estar previsto na Constituição Federal, está previsto também na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Neste sentido, contemplando extrai-se da doutrina de Sarlet et al: “Declaração Universal é precisa ao reconhecer a favor do trabalhador o ‘direito a uma remuneração justa e satisfatória’, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana [...]” (2012, p. 602). Ou seja, deve ser garantido trabalho à população, trabalho ao trabalhador; um trabalhoque lhe ofereça uma condição digna com remuneração compatível que atenda suas necessidades básicas. O direito ao lazer, assim como os outros direitos supramencionados também está previsto no artigo 6º da Carta Magna. Nos ensinamentos de Silva (apud LENZA, 2012, p. 1079), lazer e recreação são funções urbanísticas, sendo que sua natureza social advém do fato de constituírem prestações estatais, as quais interferem diretamente nas condições de trabalho e principalmente com a qualidade de vida. Em seus ensinamentos Sarlet et al (2012) destaca que a garantia do lazer é dever do Poder Público ao assegurar estas condições, as quais são necessárias à concretização de uma fruição do mínimo de lazer. Além de estar expresso no artigo 6º, o artigo 217 da CRFB dispõe sobre o dever do Estado de incentivar o lazer: “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: [...] § 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social” (BRASIL, 1988). Neste viés, o direito ao lazer se mostra como mais um direito social de toda população, bem como um dever do Poder Público. O direito social à segurança está disposto não tão somente no artigo 6º, mas também nos artigos 5º, caput, e 144 da Constituição Federal (LENZA, 2012). 28 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 1988, grifos nosso). Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares [...] (BRASIL 1988). Sendo que o direito à segurança está amplamente previsto na CRFB, percebe-se que tal dever é de todo o Poder Público, seja na esfera Federal, estadual ou municipal. E por último tem-se o direito social à previdência social, que amplamente está previsto na Carta Magna, no artigo 6º, artigo 24, XII, 201 e 203. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; [...] (BRASIL, 1988). Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] (BRASIL, 1988). Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] (BRASIL, 1988). Segundo Silva (apud LENZA, 2012) previdência social: [...] é um conjunto de direitos relativos à seguridade social. Como manifestação desta, a previdência tende a ultrapassar a mera concepção de instituição do Estado-providência (Welfare State), sem, no entanto, assumir características socializantes - até porque estas dependem mais do regime econômico do que do social. Infere-se uma grande preocupação do legislador no que se refere ao direito social à previdência social, direito este contemplado em vários dispositivos espalhados pela Constituição Federal. Portanto, observa-se que é dever de todos os entes federados, garantir um acesso de qualidade à previdência social. Diante do exposto, verifica-se a relevância do estudo acerca dos direitos sociais constitucionalmente previstos, pois além de serem imprescindíveis ao estudo 29 da Constituição Federal, estes direitos, estão intimamente ligados ao objeto central de estudo deste trabalho monográfico. No próximo capítulo explana-se o estudo do canabidiol e suas diferenciações das demais substâncias presentes na cannabis sativa, o poder de proibição e legalização de substâncias, bem como o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, no processo de legalização desta substância, passando pelo processo de importação, bem como a sua desjudicialização. 30 3 DESMISTIFICAÇÃO DO CANABIDIOL (CBD) Neste segundo capítulo analisam-se os conceitos legais de medicamento e de droga, a conceituação e definição do canabidiol, conceito de agência reguladora e os poderes da Anvisa, bem como a legalização do canabidiol. Além da conceituação e definição do canabidiol, efetua-se a distinção do canabidiol do tetrahidrocanabidiol, também a diferenciação do canabidiol do canabinol, bem como a análise se o canabidiol é droga ou não. Neste capítulo ainda se trata de um tópico sobre agência reguladora, mais especificamente sobre a Anvisa, bem como sua competência, e seu poder de proibição/legalização de substâncias em todo território nacional. E por fim aborda-se sobre a legalização do canabidiol, sobre seu processo de importação, a desjudicialização do processo de importação, além de todos os problemas enfrentados entre eles, os altos custos desta substância. 3.1 MEDICAMENTO OU DROGA? Aqui se expõe a conceituação doutrinária e jurídica construída acerca dos medicamentos e das drogas. 3.1.1 Conceito legal de medicamento No Brasil as palavras “fármaco” e “medicamentos”, são distintas no mundo acadêmico. A seguir evidencia-se uma conceituação mais precisa destes dois vocábulos, pois o estudo destes elementos é imprescindível para se entender o canabidiol. Segue o conceito de fármaco: Fármaco – substância química, estruturalmente definida, utilizada para o fornecimento de elementos essenciais ao organismo, na prevenção e no tratamento de doenças, infecções ou de situações de desconforto e na correção de funções orgânicas desajustadas (LARINI, 2008). Ainda nas palavras de Larini (2008, p. 16), medicamento: “é o mesmo que fármaco, especialmente quando este se encontra em uma formulação farmacêutica”. 31 O conceito legal de medicamento é: “produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico” (BRASIL, 1973). Com a conceituação precisa dos termos, observa-se que, no caso do canabidiol, não existe esta “diferença”, ou seja, analisando os termos técnicos, pode- se dizer que o canabidiol pode ser considerado fármaco e medicamento, devido a seu grande potencial medicinal, sendo que muitos estudos o apontam como uma substância paliativa eficaz, além desta não causar dependência. Agora se investiga se o canabidiol poderá ser considerado também como uma droga. 3.1.2 Conceito legal de droga Como fora destacado no subtítulo anterior, o canabidiol deve ser considerado medicamento devido às suas grandes propriedades terapêuticas, e, principalmente, por não causar dependência. Apresentam-se, a seguir, alguns conceitos sobre as drogas. Primeiramente analisa-se o conceito trazido pela Anvisa: “Droga – substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária” (BRASIL, 1973). Verifica-se neste caso, um conceito muito genérico sobre as drogas, tendo em vista, principalmente, o tempo em que fora escrito o referido texto legal – década de 1970 –, pouco tempo depois de começaram os grandes estudos acerca da cannabis sativa, planta de origem do canabidiol. Nas palavras de Pratta e Santos (2006) tem-se um conceito mais temporal sobre as drogas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga corresponde a qualquer entidade química ou mistura deentidades que podem alterar a função biológica e, possivelmente, sua estrutura (GALDURÓZ; NOTO; CARLINI apud PRATTA; SANTOS, 2006, grifos nosso). Com um conceito temporal sobre as drogas é possível verificar que, para uma substância ser considerada droga, ela tem que alterar uma função biológica, como por exemplo, o efeito psicoativo, ou seja, uma alteração psíquica decorrente do uso da substância. 32 Já na Lei 11.343/2006 – a Lei de Drogas, mais especificamente em seu artigo 1º, parágrafo único, observa-se o conceito legal no âmbito do direito brasileiro sobre as drogas. Art. 1º [...] Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União (BRASIL, 2006, grifo nosso). O conceito legal sobre as drogas é atual e preciso, ao afirmar que são consideradas drogas todas aquelas substâncias que causam, ou são capazes de causar dependência, ou seja, como estudos apontam que o canabidiol não é capaz de produzir efeitos psicoativos, bem como causar dependência, logo não poderá ser considerado droga. No próximo subtítulo descortinam-se os estudos acerca do canabidiol, a sua diferenciação de outras substâncias encontradas na cannabis sativa, bem como a sua grande propriedade terapêutica. 3.2 CANABIDIOL Primeiramente, um breve histórico a respeito da planta cannabis sativa, da qual se deriva o canabidiol, somente assim se pode vislumbrar o canabidiol. Sabe-se que a cannabis é uma planta originária da região da Ásia Central, e seu uso pode gerar efeitos psicoativos e até mesmo causar dependência. Segundo Rehfeldt (2006), “o primeiro registro concreto do convívio entre o homem e a cannabis, são cordas feitas do cânhamo (fibra da planta cannabis) usadas em um vaso datado de pelo menos 7.000 (sete mil) anos”. Com relação ao uso medicinal existem indícios de que a planta foi utilizada há pelo menos 6.000 anos. Os antigos chineses já sabiam do potencial curativo da planta, comprovada na primeira farmacopeia conhecida do mundo, o Pen Ts’ao Ching, obra escrita por volta de 2737 a.C. Nesta época utilizava-se a planta para tratamentos de reumatismo, malária, dores menstruais dentre outras doenças (BURGIERMAN, 2003). No início do século XX extratos de cannabis eram muitas vezes comercializados para o tratamento de transtornos mentais, usados principalmente 33 como sedativos e hipnóticos. Houve um declínio no uso da droga a partir de 1930 para fins médicos, pois os princípios ativos da cannabis ainda não haviam sido isolados, trazendo dúvidas e inconsistências aos efeitos gerados (ZUARDI, 2008). A partir da década de 1960 a planta cannabis sativa foi alvo de estudo de cientistas, mas foi Raphael Mechoulam que por fim conseguiu isolar os principais componentes ativos da planta, obtendo desta forma, um conhecimento maior sobre os seus componentes químicos (PEDRAZZI et al, 2014). Conta Mechoulam: “Parecia estranho que, mesmo que a morfina tivesse sido extraída do ópio em 1805 e a cocaína das folhas da coca em 1855, os cientistas não soubessem qual era o ingrediente psicoativo da maconha” (SIDES, 2015). Ou seja, da curiosidade do jovem cientista à época – Raphael Mechoulam, abriu-se uma grande porta de entrada para as pesquisas cientificas relacionadas ao uso da cannabis. Dentre os componentes isolados da cannabis, se encontram os fitocanabinoides mais conhecidos, que são: delta-9-tetrahydroCannabinol (Δ9- tetrahidroCanabinol – THC), Cannabinol (Canabinol – CBN), Cannabichromene (Canabicromeno – CBC), Cannabigerol (Canabigerol – CBG), Tetrahydrocannabivarin (tetrahidrocanabivarim – THCV), Cannabidiol (Canabidiol – CBD) este último componente que será alvo de um maior estudo (RUSSO, 2011). Adiante diferenciam-se as três substâncias encontradas com maior abundância, dentre os componentes presentes na cannabis sativa, os quais são: o THC, CBD, CBN. 3.2.1 Diferenciação entre o Canabidiol (CBD) e o TetrahidroCanabinol (THC) Aqui se contempla a grande diferença que existe entre o THC e o CBD, e quão importante é a diferenciação de ambas as substâncias, tanto para fins científicos/didáticos, quanto para fins legais. O THC é o fitocanabinoide mais comum da cannabis, é conhecido pela sensação que dá nas pessoas que fumam/ingerem a planta, também alivia dores e inflamações e é um anti-espásmico e relaxante muscular, também é muito conhecido por suas propriedades psicoativas (RUSSO, 2011). Nas palavras de Schier et al. (2012): “O canabidiol (CBD) é outro composto abundante na cannabis sativa, constituindo cerca de 40% das substâncias ativas da 34 planta. Os efeitos farmacológicos do CBD são diferentes e muitas vezes opostos aos do Δ9-THC”. O CBD é o segundo fitocanabinoide mais abundante na cannabis sativa. Este, segundo especialistas, não produz efeitos psicoativos, nem efeitos de dependência. O CBD ainda se mostra benéfico e versátil, em relação ao THC, na forma de lidar com diversas doenças, como: o diabetes, artrite reumatoide, câncer, epilepsia, síndrome de Rett, infecções resistentes a antibióticos, alcoolismo, stress pós-traumático e problemas neurológicos (RUSSO, 2011). Além destas doenças, o canabidiol se mostra eficaz também no tratamento de distúrbios como glaucoma, doença de Crohn, perda de apetite, síndrome de Tourette e asma (SIDES, 2015). A grande diferença entre o THC e o CBD é que o THC produz efeitos psicoativos e efeitos que causam a dependência, já o CBD, não produz efeitos psicoativos nem a dependência da substância, ou seja, o CBD, apenas produz os mesmos efeitos paliativos do THC, porém não gerando os efeitos psicoativos, bem como os sintomas de dependência da substância. Portanto o uso do canabidiol não deve ser confundido com o uso in natura da cannabis sativa, ou seja, não se pode confundir o uso medicinal deste medicamento – o qual passa por rigorosos procedimentos industriais, testes, e controle de qualidade, até chegar ao enfermo necessitado –, com o uso recreativo da cannabis, que ao contrário, não passa por nenhum tipo de procedimento industrial ou teste. Por isso, na Resolução 2.113/142, o Conselho Federal de Medicina – CFM veda o uso in natura da cannabis sativa na prescrição para tratamento de doenças, por se tratar de substância que ocasiona efeitos psicoativos, e também por não oferecer segurança alguma à pessoa que necessita. 3.2.2 Diferenciação entre o Canabidiol (CBD) e o Canabinol (CBN) Existe diferença entre estas duas substâncias CBD e CBN, que comumente são confundidas – principalmente pela escrita dos nomes, mas que são de certa forma, parecidas nos efeitos causados a quem usa. 2 Vide Anexo A 35 O CBD é o segundo composto mais abundante encontrado de forma natural na cannabis sativa, já o CBN é derivado do THC. O CBN para existir, depende de uma série de transformações no THC, como exposição prolongada ao ar, bem como a exposição prolongada ao calor e a raios UV (DORM, 2013). Assim como o CBD, o CBN também oferece uma série de benefícios a quem necessite de seu uso, e a principal característica desta substância é o seu efeito sedativo, mas também o CBN se mostra eficaz em uso tópico, em tratamentos de psoríase e de queimaduras (DORM, 2013). Embora tenha se mostrado eficiente nos tratamentos supracitados, o CBN ainda não foi alvo de grandes pesquisas científicas por ser superveniente à degradação do THC, fato que põe em risco a segurança desta substância, em relação à possibilidadede gerar efeitos psicoativos a quem use. No próximo título, destaca-se o órgão responsável pelo controle dessas substâncias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que também é responsável pelo processo de importação do canabidiol. 3.3 AGÊNCIA REGULADORA Neste tópico será abordado o conceito da agência reguladora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, a sua competência bem como suas atribuições em todo o território nacional. 3.3.1 Anvisa Observa-se neste título, a competência em proibir ou legalizar substâncias e medicamentos, bem como sua a importância na fiscalização destes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é uma pessoa jurídica de direito público interno, especificamente é uma autarquia especial dotada de autonomia, ou seja, é uma agência reguladora (MAZZA, 2012). As agências reguladoras foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecem regras para o setor. Atualmente, existem dez 36 agências reguladoras, implantadas entre dezembro de 1996 e setembro de 2001, mas nem todas realizam atividades de fiscalização (BRASIL, 2009). A Anvisa foi criada em 1999, tem independência administrativa e autonomia financeira e é vinculada ao Ministério da Saúde. A agência protege a saúde da população ao realizar o controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços que devem passar por vigilância sanitária, fiscalizando, inclusive, os ambientes, os processos, os insumos e as tecnologias relacionados a esses produtos e serviços. A Anvisa também controla portos, aeroportos e fronteiras e trata de assuntos internacionais a respeito da vigilância sanitária (BRASIL, 2015a). Na sequência trata-se da competência da Anvisa, bem como os poderes nela instituídos. 3.3.1.1 Competência A Lei nº 5.991/1973 que dispõe sobre o controle sanitário de drogas e medicamentos, define o conceito de órgão competente, em seu artigo 4º, inciso V: Art. 4º - Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos: V – Órgão sanitário competente - órgão de fiscalização do Ministério da Saúde, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (BRASIL, 1973); Sabe-se que a Anvisa tem poder de regulação, neste liame, extrai-se: As agências, ao exercerem o poder regulatório, atuam administrativamente dentro dos limites impostos pelas leis criadoras, não atingindo competências dos Poderes Executivo ou Legislativo. Essa atuação deve estar limitada também aos princípios e preceitos existentes na Constituição Federal. Portanto, os atos normativos emitidos pelas entidades reguladoras devem estar em conformidade com as leis (BATISTA JÚNIOR, 2014). Dentre as atribuições estabelecidas no Regulamento da Anvisa, destacam- se as seguintes: a) coordenar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; b) conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação; c) proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; d) promover a revisão e atualização periódica da farmacopeia; 37 e) medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias (BRASIL, 2015a). A competência da Anvisa definida pela Lei 9.782/99, é tratada em seu artigo 7º, incisos II a VII, in verbis: Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: [...] II - fomentar e realizar estudos e pesquisas no âmbito de suas atribuições; III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; IV - estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde; V - intervir, temporariamente, na administração de entidades produtoras, que sejam financiadas, subsidiadas ou mantidas com recursos públicos, assim como nos prestadores de serviços e ou produtores exclusivos ou estratégicos para o abastecimento do mercado nacional, obedecido o disposto no art. 5º da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998; VI - administrar e arrecadar a taxa de fiscalização de vigilância sanitária, instituída pelo art. 23 desta Lei; VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de medicamentos (BRASIL, 1999). Observando as atribuições bem como a competência da Anvisa, percebe- se a importância desta agência reguladora, no que se refere a conceder os registros de medicamentos e substâncias, a atualização de sua farmacopeia, bem como a reclassificação de substâncias, como no caso do canabidiol. Dentre as competências que a Anvisa tem como agência reguladora, o poder de proibir ou legalizar uma substância, será alvo de maior estudo, pois é necessário para uma melhor compreensão na dificuldade em que foi a legalização do canabidiol no Brasil. Novamente na Lei nº 9.782/99 nos artigos 7º, inciso XV e artigo 8º, §1º, inciso I, divisa-se o poder atribuído à Anvisa de proibir qualquer substância que ocasione risco à saúde da população. Art. 7º [...] XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. 38 § 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias (BRASIL, 1999, grifo nosso); Com esses poderes incumbidos à Anvisa, verifica-se o rigor imposto pela lei, tanto para que uma substância até então desconhecida seja liberada à população, ou a proibição de uma substância já à disposição de toda a sociedade, que por algum motivo ou teste, ficou comprovado o risco iminente à saúde pública. Neste caso distingue-se a importância da Anvisa, pois é ela que efetua os mais variados testes de segurança com as substâncias, e avalia as possibilidades de proibir ou de liberar uma substância. Com o canabidiol não foi diferente, o rigor e a burocracia atrasaram o processo de legalização deste medicamento no Brasil, e as pessoas que necessitavam demoraram a ter acesso ao medicamento, vez que com a legalização muitas pessoas se beneficiaram disso. Porém, nessa situação específica enfrentaram-se diversos questionamentos, entre eles, científicos (a efetividade e a segurança do medicamento), legais (canabidiol é derivado da cannabis, cannabis = droga, canabidiol é droga?), morais (é imoral utilizar-se de um medicamento derivado de uma droga?), religiosos (é ilegal, imoral, e principalmente pecado, usar um remédio derivado da maconha). A seguir mostra-se como se deu a legalização do canabidiol no Brasil. 3.4 LEGALIZAÇÃO DO CANABIDIOL Conforme dito anteriormente, muitas barreiras, tabus, e paradigmas foram quebrados, a partir do momento em que a Anvisa decidiu liberar o uso do canabidiol em tratamentos médicos. Foi uma longa espera para muitas famílias, que aguardavam ansiosamente pela liberação deste medicamento. Após uma grande batalha de aproximadamente um ano, no período entre2014 a 2015, especificamente no dia 14 de janeiro de 2015, a Anvisa reclassificou o canabidiol passando-o de substância proibida para uma substância controlada, enquadrada na lista C1 da Portaria nº 344/98. Extrai-se trecho da notícia veiculada no próprio site da Anvisa, que mostra o entendimento dos diretores da agência: 39 A decisão foi tomada em reunião pública da Diretoria Colegiada da Anvisa por unanimidade. O entendimento dos diretores foi fundamentado nas indicações técnicas de que a substância, isoladamente, não está associada a evidências de dependência, ao mesmo tempo em que diversos estudos científicos recentes têm apontado para possibilidade de uso terapêutico do CBD. Com isso, a Diretoria entendeu não haver motivos para que o CBD permaneça proibido, conforme apontou o relatório das áreas técnicas que participaram da avaliação e o voto dos quatro diretores da Anvisa (BRASIL, 2015a, grifo nosso). Contempla-se que a decisão colegiada da direção da Anvisa, foi absolutamente técnica, levando em consideração as pesquisas científicas realizadas, embasadas nos resultados positivos apresentados pelo canabidiol, bem como a confirmação científica de que este não causa dependência nem gera efeitos psicoativos, além da grande possibilidade de uso terapêutico. A referida decisão que reclassifica o canabidiol em substância controlada, foi publicada no Diário Oficial da União, na data de 21 de janeiro de 2015, e acarretou outros dois grandes problemas, o processo de importação do canabidiol, bem como seus elevados custos de importação. A seguir examina-se como se dá o processo de importação do canabidiol, bem como o problema enfrentado pela população que necessita do medicamento, os altos custos da importação, além da recente novidade: a simplificação no processo de importação do canabidiol. 3.4.1 Do processo de importação do Canabidiol Aqui se averigua como se dá o processo de importação do canabidiol, assim como as dificuldades enfrentadas, e por fim, a simplificação no processo de importação. O processo de importação se dá através de várias etapas, as quais o paciente ou o responsável deverá cumpri-las, para que possa ter acesso ao medicamento. O primeiro passo é o cadastramento do paciente na Anvisa, que poderá ser feito eletronicamente no site, via e-mail, ou através de carta. Observando-se os 40 requisitos necessários3. Com a aprovação do cadastro, a importação poderá ser feita por registro do Licenciamento de Importação – LI no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX IMPORTAÇÃO, e será feita a remessa, para que possa acontecer o último passo: o desembaraço aduaneiro, que é a apresentação da documentação necessária para a retirada do canabidiol, a qual poderá ser feita diretamente nos postos da Anvisa nos aeroportos (BRASIL, 2015c). Como se percebe, o processo de importação do canabidiol é complexo, burocrático, geralmente demorado, e se mostra muito caro à população, e muitas vezes se torna inviável para algumas famílias. Verifica-se, a seguir, este grande empecilho, o qual é enfrentado pelas pessoas que necessitam deste medicamento. 3.4.1.1 Problema enfrentado devido aos altos custos de importação As famílias que necessitam do canabidiol esbarram, frequentemente, nos altos custos de importação do medicamento, o que impossibilita as pessoas menos favorecidas economicamente em terem acesso ao medicamento, sendo que o direito à saúde é um direito fundamental social garantido constitucionalmente e anteriormente estudado. Na prática, os altos custos dessa importação privam as pessoas de receberem um medicamento que lhes forneça uma maior e melhor qualidade de vida. Atenta-se aos custos dos dois medicamentos mais indicados para os tratamentos médicos. Em consulta on-line ao site HempsMedsBrasil, constatou-se os preços de duas versões permitidas à importação no Brasil, a primeira Hemp Oil [RSHO] Blue Label, uma versão mais simples do canabidiol, custa U$ 199.00 dólares a unidade (1 (um) tubo contendo 10 (dez) gramas). A segunda versão, Hemp Oil [RSHO] Gold Label, uma versão melhorada por ser filtrada, custa U$ 249.00 dólares a unidade (1 (um) tubo contendo 10 (dez) gramas), adicionando os custos e taxas de envio de U$ 3 Requisitos: I – preenchimento do formulário para importação e uso do canabidiol; II – laudo médico contendo o CID, bem como o histórico dos tratamentos anteriores; III – prescrição do canabidiol – feito por médico –, contendo posologia, quantidade necessária, tempo do tratamento; IV – Declaração de Responsabilidade e Esclarecimento. 41 51.29 dólares, cada tubo dessas versões não saem por menos de U$ 250.00 dólares4 (HEMPSMEDBRASIL, 2015). Também em consulta on-line ao site do portal de notícias do Uol – na data de 18 de outubro de 2015 –, observou-se a cotação de U$ 1.00 dólar, o qual convertido em real custa R$ 3,87 (três reais e oitenta e sete centavos) (UOL... 2015). Considerando a situação hipotética de uma criança necessitar de 50 (cinquenta) gramas mensais de canabidiol em seu tratamento, ou seja, 5 (cinco) tubos custando o equivalente a U$ 250.00 dólares5. Convertendo diretamente os U$ 250.00 dólares em reais, cada tubo sairia por R$ 968,38 (novecentos e sessenta e oito reais e trinta e oito centavos), sendo o valor mensal do tratamento de R$ 4.841,90 (quatro mil oitocentos e quarenta e um reais e noventa centavos) – sem levar em consideração impostos e taxas. Ou seja, é muito dificultoso à população ter acesso a este medicamento, pois além do processo burocrático de importação, as famílias se deparam com os altos custos do canabidiol, e, na maioria das vezes, não conseguem manter o tratamento por não terem condições financeiras de arcar com a importação. Mas existe uma luz no fim do túnel, a Anvisa, em meados de julho, alterou o processo de importação do canabidiol, fazendo com que fique mais simples a importação do mesmo, é o que se analisa a seguir. 3.4.1.2 Simplificação do processo importação do Canabidiol O Brasil teve mais um avanço com a publicação no Diário Oficial da União – DOU da Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa – RDC nº 17/2015, a qual simplifica o processo de importação do canabidiol. A Anvisa simplificou o procedimento de importação de produtos à base de canabidiol, em associação com outros canabinoides, dentre eles o tetrahidroCanabinol (THC), por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde conforme RDC nº 17/2015 (BRASIL, 2015d). 4 Sem levar em consideração as taxas e impostos devidos a importação. 5 Sem levar em consideração as taxas e impostos devidos a importação. 42 Uma das grandes novidades na simplificação da importação é a validade do pedido que agora será de um ano, ao contrário de como era antes da RDC nº 17/2015. A autorização excepcional concedida pela Anvisa possui validade de um ano e, a partir da publicação da RDC nº 17/2015, durante o período de validade desta autorização, para a importação dos quantitativos necessários, os pacientes ou responsáveis legais deverão apresentar somente a prescrição médica com o quantitativo previsto para o tratamento, diretamente nos postos da Anvisa localizados nos aeroportos, para a internalização do produto no país (BRASIL, 2015d). Destaca-se que, antes da vigência da RDC nº 17/2015, cada pedido era analisado de forma individual, bem como a prescrição do CBD era feita de acordo com àquela receita. O que não acontece nesta RDC nº 17/2015, pois agora cada prescrição
Compartilhar