Prévia do material em texto
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 25ª CÂMARA DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO Registro: 2017.0000734058 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201, da Comarca de Garça, em que é apelante JOÃO ARNALDO BRAGADINI (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados MARCELO FAVERI JORGE e AGROPECUÁRIA SANTA ESMÉRIA LTDA.. ACORDAM, em 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores HUGO CREPALDI (Presidente sem voto), AZUMA NISHI E MARCONDES D'ANGELO. São Paulo, 21 de setembro de 2017. EDGARD ROSA RELATOR -Assinatura Eletrônica- Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 2 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W APELAÇÃO Nº 0008756-89.2014.8.26.0201 – VOTO Nº 21.741 APELANTE: JOÃO ARNALDO BRAGADINI APELADOS: MARCELO FAVERI JORGE E AGROPECUÁRIA SANTA ESMÉRIA LTDA. COMARCA DE GARÇA - 3ª VARA COMPRA E VENDA DE SAFRA AGRÍCOLA DE TANGERINA PONCÃ CELEBRADA COM O ARRENDATÁRIO DAS TERRAS SAFRA DE 2013 ADIANTAMENTO PARCIAL DO PREÇO OBRIGAÇÃO, NO ENTANTO, CUMPRIDA APENAS EM PARTE, EM RAZÃO DA DERRUBADA DA LAVOURA PELA PROPRIETÁRIA DA FAZENDA E ARRENDANTE DAS TERRAS RESTITUIÇÃO DO PREÇO CORRESPONDENTE À PARTE DA SAFRA NÃO ENTREGUE DEVER QUE SE IMPÕE TANTO AO ALIENANTE DA SAFRA (ARRENDATÁRIO) QUANTO À PROPRIETÁRIA DO TERRENO (ARRENDANTE) QUE DESTRUIU A PLANTAÇÃO EM DESPRESTÍGIO AO CONTRATO CELEBRADO POR AQUELE COM O AUTOR - TUTELA EXTERNA DO CONTRATO MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE EM RAZÃO DA DIMENSÃO EXTERNA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO OPONIBILIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO AOS TERCEIROS QUE DELE TENHAM CONHECIMENTO HIPÓTESE EM QUE A PROPRIETÁRIA ARRENDANTE VIOLOU O DEVER DE ABSTENÇÃO QUE SE LHE IMPUNHA E INTERFERIU DOLOSAMENTE NO CONTRATO CELEBRADO ENTRE O AUTOR E O ARRENDATÁRIO, LEVANDO, POR SEU COMPORTAMENTO, AO INADIMPLEMENTO DE PARTE DAS OBRIGAÇÕES POR ESTE ASSUMIDAS, CUJA EXECUÇÃO NORMAL E ESPERADA RESTOU IMPOSSIBILITADA, ANTE A DERRUBADA DA LAVOURA (DESTRUIÇÃO DO OBJETO PRESTACIONAL) CONDUTA QUE CONFIGURA ATO ILÍCITO (ART. 186 DO CC) E FAZ EMERGIR A RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS CAUSADOS, DEVENDO INDENIZAR O AUTOR, NOS TERMOS DO ART. 927 DO CC ADQUIRENTE Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 3 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W QUE NÃO ASSUMIU OS RISCOS DA EXISTÊNCIA DA SAFRA, QUE INCLUSIVE COLHEU EM PARTE, MAS APENAS O RISCO DA DIFERENÇA NA QUANTIDADE ESTIMADA, FAZENDO JUS À REPARAÇÃO DOS PREJUÍZOS POIS A DESTRUIÇÃO DE PARTE DO POMAR, POR INTERVENÇÃO DA ARRENDANTE, NÃO ESTAVA INCLUÍDA NA ÁLEA INERENTE AO CONTRATO APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 483 E 459, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DANOS EMERGENTES COMPROVADOS, MAS NÃO NA EXTENSÃO PRETENDIDA LUCROS CESSANTES E DANO MORAL NÃO COMPROVADOS - AÇÃO DE COBRANÇA JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. - Apelação parcialmente provida. 1) Trata-se de tempestiva apelação (fls. 241/249), isenta de preparo, interposta contra a respeitável sentença de fls. 223/225, que julgou improcedente ação de reparação de perdas e danos decorrentes do inadimplemento do contrato de compra e venda de safra futura de poncã. Inconformado, o autor recorre para pedir a reforma da sentença. Em síntese, nas razões recursais, alega que o inadimplemento do contrato não decorreu dos riscos normais, típicos de um contrato aleatório, mas sim em razão do comportamento doloso da corré AGROPECUÁRIA SANTA ESMÉRIA LTDA., proprietária do terreno, a qual promoveu a derrubada dos pés de citros, com os frutos ainda pendentes, impossibilitando que o autor os colhesse e frustrando a execução do contrato de compra e venda que havia sido celebrado com o parceiro agrícola da ré, o corréu MARCELO FAVERI JORGE. Aguarda a procedência do pedido, a fim de que se recomponha o prejuízo experimentado com a perda de parte da safra não colhida. Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 4 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W O recurso foi respondido (fls. 253/257). Este é o relatório. 2) Trata-se de apurar a responsabilidade pelas perdas e danos decorrentes do inadimplemento do contrato de compra e venda de safra futura, celebrado entre JOÃO ARNALDO BRAGADINI e MARCELO FAVERI JORGE. Narra a petição inicial que, em abril de 2013, o corréu MARCELO, na condição de parceiro agrícola de AGROPECUÁRIA SANTA ESMÉRIA LTDA., celebrou com o autor a venda da safra de frutas cítricas (poncã) do ano de 2013, com previsão de que as frutas seriam colhidas até o dia 31 de julho de 2013, na lavoura de propriedade da corré SANTA ESMÉRIA, ficando estimado pelas partes a produção de 1,5 (uma e meia) caixa de frutas por pé de tangerina, o que significaria uma produção de 10.674 caixas, pelo preço total de R$ 32.000,00, que teriam sido pagos de forma adiantada. Ocorre que, no dia 26 de junho de 2013, com as frutas ainda no pomar, a corré AGROPECUÁRIA SANTA ESMÉRIA LTDA, por meio da ação de terceira, promoveu a derrubada das árvores, impossibilitando a colheita pelo autor. Diante disso, pretende a condenação dos réus à devolução do preço adiantado, além dos lucros cessantes e danos morais, decorrentes dos negócios que foram frustrados, pois atua como revendedor de frutas no CEAGESP de Ribeirão Preto/SP (fls. 1/14). Pa ra con fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 5 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W A petição inicial foi instruída com cópia do contrato de compra e venda (fls. 20/21), de recibos de pagamento do preço, do boletim de ocorrência, de fotos dos tratores derrubando os pés de tangerina e cópia das notificações extrajudiciais encaminhadas aos réus. Em contestação (fls. 72/79vº), a corré SANTA ESMÉRIA sustentou, preliminarmente, ilegitimidade passiva, pois não tomou parte no contrato celebrado ente o autor e o corréu MARCELO. No mérito, admite que, pelo distrato do contrato de parceria agrícola celebrado com o corréu MARCELO, este teria até 30 de julho de 2013 para promover a colheita da lavoura de poncã. Todavia, por negligência do parceiro corréu, a safra de poncã ficou prejudicada, ante a proliferação de pragas e doenças, o que motivou a derrubada da lavoura para evitar a proliferação de doenças às demais culturas da fazenda. Invoca o princípio da relatividade dos contratos para sustentar que não pode ser obrigada a arcar com os prejuízos do autor, pois não haveria na ordem jurídica qualquer previsão que permitisse a responsabilização do parceiro outorgante (dono das terras) pelos contratos de venda de safra firmados pelo parceiro outorgado (agricultor) com terceiros. Por sua vez, o corréu MARCELO apresentou resposta, na qual esclareceu que mantinha com a corré SANTA ESMÉRIA contrato de parceria agrícola, pelo qual lhe cabia cuidar da lavoura e receber pelos frutos colhidos. Referido contrato foi desfeito, tendo sido estipulado o prazo de 30 de julho de 2013 para a colheita da lavoura de poncã, cuja safra fora vendida ao autor. Todavia, antes do prazo estipulado, a corré SANTA ESMÉRIA, por meio de prepostos autorizados, promoveu a derrubada do pomar, frustrando a colheita. Tal fato teria gerado enormes danos ao réu, que inclusive litiga contra a corré em outra demanda. Afirma que o contrato Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 6 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W celebrado com o autor não foi cumprido por culpa exclusiva da ré, que destruiu a lavoura com os frutos alienados pendentes. Subsidiariamente, alegou que, por se tratar de contrato aleatório, o autor assumiu os riscos da inexistência de frutos a serem colhidos, não fazendo jus à devolução do preço pago ou às perdas e danos (fls. 165/170). Em fase de saneamento e organização do processo, o MM. Juízo a quo rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva da corré SANTA ESMÉRIA e autorizou e a colheita de prova oral (fls. 195/196). Na audiência de instrução, foi colhido depoimento pessoal do autor e ouvidas duas testemunhas arroladas pelos réus (fls. 201/202 e mídia digital de fls. 207). Após as alegações derradeiras das partes, a r. sentença julgou improcedente o pedido, ao fundamento de que “Conforme a cláusula 4 do instrumento contratual (fls. 21), o comprador assumiu todos os riscos decorrentes do contrato, no prazo e nas condições estipuladas. Logo, assumindo o comprador o risco de a coisa não existir, ao vendedor se reconhece o direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, conforme dicção do art. 458 do Código Civil de 2002”, consignando, ainda , que “a relação estabelecida entre as partes daquele feito por força de contrato de parceria não repercute na obrigação contratual aqui assumida. É exatamente com base nessa premissa que não se pode imputar qualquer responsabilização civil à requerida Agropecuária Santa Esméria Ltda. Assim, não havendo nexo de causalidade como requisito primeiro à configuração da responsabilidade civil, é de rigor a improcedência da ação em relação à requerida” (fls. 223/225). 3) Respeitado o entendimento da MMª Juíza de Direito, o recurso está em caso de ser provido em parte. Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 7 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W Para melhor compreensão da controvérsia, assim dispõem os artigos 483, 458 e 459 todos do Código Civil, aplicáveis à espécie: “Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório. Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir. Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido. Como se observa, o contrato de compra e venda de coisa futura - essencialmente comutativo - pode adquirir a feição de contrato aleatório pela vontade das partes. Nesse ponto, como adverte Nelson Rosenvald, “caberá distinguir entre a emptio spei (art. 458 do CC) e a emptio rei speratae (art. 459 do CC). Caso a venda diga respeito à própria incerteza quanto à existência da coisa em si, o contrato é válido e o alienante receberá tudo aquilo que lhe fora prometido. Contudo, tratando-se de negócio aleatório referente à quantidade esperada(v. g., adquiro o que vier na sua rede de pescaria pelo valor x), caso nada venha, tratar-se-á de Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 8 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W hipótese evidente de inexistência do negócio jurídico, com restituição de eventual adiantamento, na dicção do parágrafo único do art. 459 do Código Civil” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência -coordenador Cezar Peluso. 4ª ed. rev. e atual. - Barueri, SP : Manole, 2010 - p. 544). No caso, a cláusula 4ª do contrato de compra e venda celebrado entre o autor e o corréu MARCELO deixa claro que o autor se obrigou pela aquisição de toda a safra de poncã do ano de 2013, que já se encontrava com frutos pendentes, independentemente das possíveis variações na produção estimada, para mais ou para menos (fls. 21). Logo, não se pode afirmar que o autor assumiu os riscos da existência da safra (emptio spei), pois esta já existia e foi, inclusive, parcialmente colhida, como admitido em depoimento pessoal (mídia digital de fls. 207), tendo assumido, apenas, o risco de as frutas existirem em qualquer quantidade - maior ou menor do que a estimada (emptio rei speratae) -, de forma que se aplica ao caso, portanto, a regra do art. 459 c.c. 483, parte final, do Código Civil. Logo, uma vez que a colheita de parcela considerável da lavoura restou prejudicada, remanesce o dever de restituição ao autor de parte do preço pago de forma adiantada pela aquisição das frutas, nos termos do parágrafo único do art. 459 do Código Civil, pois, ainda que se trate de contrato aleatório, a intervenção dolosa da corré SANTA ESMÉRIA não se encontrava na álea esperada e anuída pelas partes, extrapolando os riscos inerentes ao negócio jurídico celebrado. Não obstante isso, ainda que se tratasse de contrato aleatório na modalidade emptio spei, como querem os réus e como foi reconhecido pela r. sentença, ainda assim remanesceria o dever de restituição do preço e a resolução do negócio em perdas e danos, pois os riscos que Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 10 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W compõe a álea da compra de safra futura são aqueles relativos aos acontecimentos naturais (mudanças climáticas, estiagem, doenças, pragas, e etc.) e não a ação humana deliberada, que promove, por seus próprios interesses, a derrubada da lavoura com os frutos ainda pendentes. 4) Posta tal premissa, fica a questão de definir a quem deve ser imputada a responsabilidade pela restituição de parte do preço adiantado pelo autor e de reparar eventuais prejuízos, já que, diante do perecimento do objeto, o cumprimento da prestação se tornou impossível, devendo o remanescente da obrigação ser resolvido em perdas e danos. A resposta é: a responsabilidade deve ser repartida igual e solidariamente entre ambos os réus, ainda que por fundamentos distintos. Ao corréu MARCELO impõe-se a obrigação de restituir parte do preço, em razão do inadimplemento da obrigação contratualmente assumida art. 389 do Código Civil. À corré SANTA ESMÉRIA, que não tomou parte no negócio jurídico celebrado com o autor, impõe-se a obrigação de indenizar os danos que causou com sua conduta, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (art. 186 e 927 do Código Civil), em razão da violação à cláusula geral da função social do contrato (art. 421 do Código Civil), em seu aspecto externo, segundo a qual configura ato ilícito a intervenção prejudicial de terceiro na relação contratual alheia, de modo a contribuir para o inadimplemento das obrigações. Com efeito, ao contrário do alegado pela ré em sua contestação, a relatividade dos contratos, que produzem seus principais Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 11 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 10 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W efeitos entre as partes, não excluiu a irradiação de efeitos outros, externos à relação contratual, e que geram, por força da função social, um dever geral de respeito aos pactos alheios, consubstanciada na oponibilidade do contrato perante terceiros. Na lição do saudoso mestre Antônio Junqueira de Azevedo: “Aceita a ideia de função social do contrato, dela evidentemente não se vai tirar a ilação de que, agora, os terceiros são partes no contrato, mas, por outro lado, torna-se evidente que os terceiros não podem se comportar como se o contrato não existisse” (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Parecer Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 750, 1998, p.116/117). A respeito do tema, leciona Teresa Negreiros que a função social do contrato possui uma relevância externa à relação contratual, na medida em que o contrato é um fato social, cujo cumprimento interessa a toda a coletividade, sendo oponível, portanto, a todos. Daí por que se fala em tutela externa do contrato, responsabilizando o terceiro que interfere dolosamente, de forma não autorizada, na execução das obrigações alheias: “Sai fortalecida, pois, a tese de que o princípio da função social condiciona o exercício da liberdade contratual e torna o contrato, como situação jurídica merecedora de tutela, oponível erga omnes. Isto é, todos têm o dever de se abster da prática de atos (inclusive celebração de contratos) que saibam prejudiciais ou comprometedores da satisfação de créditos alheios. A oponibilidade do contrato traduz-se, portanto, nesta obrigação de não fazer, imposta àquele que conhece o conteúdo de um contrato, embora dele não seja parte. Isto não implica tornar as obrigações contratuais exigíveisem face de terceiros (o que a relatividade impede), mas impõe aos terceiros o respeito por tais situações jurídicas, validamente constituídas e dignas da tutela do ordenamento (é o que a oponibilidade exige)” (Teresa Negreiros - Teoria do Contrato, novos paradigmas. 2ª Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 12 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 11 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W ed., São Paulo: Renovar, 2006, p. 244-75). Corroborando esse entendimento, vale mencionar o seguinte julgado: “PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO. O tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem interferir na esfera jurídica de terceiros de modo positivo ou negativo , bem assim, têm aptidão para dilatar sua eficácia e atingir pessoas alheias à relação inter partes. As mitigações ocorrem por meio de figuras como a doutrina do terceiro cúmplice e a proteção do terceiro em face de contratos que lhes são prejudiciais, ou mediante a tutela externa do crédito. Em todos os casos, sobressaem a boa-fé objetiva e a função social do contrato” (STJ - REsp 468.062/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 01/12/2008 sem o destaque no original). Na hipótese dos autos, vê-se que a corré SANTA ESMÉRIA violou o dever de abstenção que se lhe impunha e interferiu danosamente no contrato celebrado entre o autor e o corréu MARCELO, levando, por seu comportamento, ao inadimplemento das obrigações assumidas pelas partes, cuja execução normal e esperada restou impossibilitada, antes a derrubada precoce do pomar (destruição do objeto prestacional). Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 13 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 12 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W A conduta da ré configura ato ilícito (art. 186 do CC) e faz emergir a responsabilidade civil pelos danos causados, devendo indenizar o autor, nos termos do art. 927 do CC. Ao contrário do alegado pela ré, não havia justificativa para a destruição de parte da lavoura poucos dias antes da colheita dos frutos pendentes. A propalada existência de doenças nos pés de poncã não foi comprovada. O laudo técnico de fls. 118/124, além de constituir documento encomendado e produzido unilateralmente pela ré, sem o condão de constituir prova pericial sob o crivo do contraditório, apresenta a seguinte conclusão: “Há necessidade urgente da liberação das áreas de Tangerina Murcote e Limão Taiti, por parte do Arrendatário, cujas áreas serão utilizadas pelo Arrendante com culturas anuais a partir do ano agrícola de 2013/2014. Essa urgência se deve ao fato de que os pomares terão que ser erradicados e o solo preparado para o cultivo de soja, cujas operações demandam tempo. O prazo para o plantio da soja se esgota em setembro/outubro/2013, sem o que não se preservará uma boa produtividade da lavoura de soja. Além disso, os pomares de Tangerina Murcote e Limão Taiti, no estado de abandono em que se encontram, proporcionam alto risco de contaminiação de doenças para outros pomares da região, visto que as doenças ali presentes tem fácil propagação, e grandes prejuízos para lavouras que venham a ser contaminadas” (fls. 120 sem o destaque no original). Bem se vê que o referido documento alude, apenas e tão somente, às culturas de tangerina murcote e limão taiti, dando-as por condenadas e recomendando a derrubada para preparar o solo para a futura Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 14 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 13 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W plantação de soja. Em nenhum passo do parecer faz-se menção à tangerina poncã, que foi objeto do contrato celebrado com o autor, o que leva a crer que tal cultura não foi analisada pelo especialista. As testemunhas Roberto Luiz Baroni e Roberto Neubern Mafud, ouvidas em juízo, respectivamente, prestador de serviços da fazenda e engenheiro agrônomo contratado pela ré, apresentaram alegações genéricas e se limitaram a confirmar os dados contidos no parecer escrito de fls. 118/124, sem especificar, com segurança, se as doenças e o abandono que acometia as lavouras se limitava às culturas de limão taiti e tangerina murcote, não havendo elementos que apontem para a condenação do pomar de tangerina poncã, que já estava com a safra alienada sendo colhida pelo autor. A segunda testemunha, Roberto Neubern Mafud, que assina o mencionado parecer, sequer se recordava, em audiência, da existência da cultura de tangerina poncã, referindo-se, com segurança, apenas à tangerina murcote e ao limão taiti, tal qual descrito no documento de fls. 118/124, o que corrobora o fato de que a cultura de poncã não foi objeto de análise pelos agrônomos contratados pela ré. De qualquer sorte, deveria ser respeitado o prazo convencionado para que os cítricos fossem colhidos, obrigação que constou expressamente no distrato (fls. 172/173) e decorre de imperativo legal (Estatuto da Terra e Decreto nº 59.566/66). Os pomares de poncã não poderiam ser erradicados antes do dia 30 de julho de 2013 ou antes da colheita dos frutos. Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do, in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 15 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 14 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W Desta forma, os elementos de convicção colhidos na fase instrutória não são suficientes para amparar a tese de exclusão da responsabilidade civil da corré SANTA ESMÉRIA, uma vez que esta não provou a existência de doenças ou a situação de abandono da lavoura de poncã, cuja safra estava vendida ao autor. De acordo com o art. 188, II, do CC, não constitui ato ilícito a destruição de coisa alheia a fim de remover perigo iminente, e, nos termos do parágrafo único do mencionado dispositivo, são considerados legítimos apenas os atos absolutamente necessários, sem exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo. No caso, como visto, além de não ter ficado demonstrado que a lavoura de poncã representava um perigo iminente para as demais culturas da fazenda, também não se provou que a derrubada dos pés era medida absolutamente necessária e tampouco que não tenha excedido os limites do indispensável para remover o perigo hipotético. Cabia à ré a demonstração do perigo e da razoabilidade da medida adotada como causa excludente da ilicitude de seu comportamento, o que não foi feito, de modo que a derrubada do pomar com as frutas pendentes constituiu ato ilícito (art. 186 do CC). Uma vez configurara a responsabilidade civil contratual do corréu MARCELO e extracontratual da corré SANTA ESMÉRIA há o dever de reparar as perdas e danos experimentados pelo autor, cujo valor será a seguir definido. 5) O dano material foi comprovado, mas não na extensão pretendida pelo autor. Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 16 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 15 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W De acordo com o contrato de fls. 20/21, foi acertado o preço de R$ 32.000,00, por toda a safra de poncã. Os recibos de fls. 23 demonstram que houve pagamento adiantado da maior parte do preço, no valor de R$ 30.500,00 (trinta mil e quinhentos reais). O documento de fls. 204 é o recibo original, cuja cópia já havia sido apresentada às fls. 23. Além disso, como confessado pelo autor em depoimento pessoal (art. 389 do CPC), a safra comprada do corréu MARCELO correspondia a quatro quadras de poncã, das quais 3 foram colhidas e apenas uma delas, deixada para o final da colheita, é que ficou prejudicada, em razão da destruição dos pés pela corré SANTA ESMÉRIA. Assim, o autor não faz jus à devolução de todo o preço adiantado, mas apenas à parcela proporcional ao que efetivamente não colheu (última quadra de cítricos). Se o autor confessou que colheu 3/4 da safra adquirida, é justo que receba de volta apenas o preço correspondente à quarta parte da safra não colhida, que perfaz o montante de R$ 7.625,00 (25% de R$ 30.500,00), que será corrigido desde o desembolso (11/04/2013) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação. 6) Os lucros cessantes, como é cediço, demandam prova da sua ocorrência. J. M. DE CARVALHO SANTOS, em sua apreciada obra “Código Civil Brasileiro Interpretado”, Freitas Bastos, 9ª ed., 14/256, ensina que: os lucros cessantes, para serem indenizáveis, devem ser fundados em bases Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 17 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 16 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W seguras, de modo a não compreender os lucros imaginários ou fantásticos. Nesse sentido é que se deve entender a expressão legal: razoavelmente deixou de lucrar. CARLOS ROBERTO GONÇALVES, em sua obra “Responsabilidade Civil” 16ª edição, Saraiva, pág. 589, ensina que “lucro cessante é a frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado”. Na espécie, contudo, afora o fato de o autor afirmar que revenderia as frutas no CEAGESP de Ribeirão Preto, nada provou no sentido de que, diante do inadimplemento contratual motivado pela conduta dos réus, deixou de cumprir compromissos assumidos anteriormente, inexistindo nos autos elementos que indiquem a efetiva frustração de outros negócios celebrados pelo autor, tratando-se de mera hipótese ou expectativa, não amparada pelo direito. 7) Por fim, no que tange aos danos morais, tenho que não estão configurados no caso. Não se nega que a frustração do escopo do contrato por conta do ato ilícito praticado pela ré, nas circunstâncias narradas na petição inicial, é algo desagradável e indesejado, mas, conquanto configure algum dissabor, não teve o efeito de repercutir na esfera moral do autor. Em outras palavras, não é possível extrair dos autos abalo a direito da personalidade que enseje a indenização por danos morais. O dissabor e a frustração experimentados na hipótese não são suficientes para dar ensejo ao ressarcimento almejado, pois, como bem ensina Sergio Cavalieri Filho1: “Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade 1 “Programa de responsabilidade civil”, 7ª edição, São Paulo, Malheiros, p. 80. Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 18 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 17 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto,além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo". Deveras, os meros transtornos e dissabores da vida não podem ser incluídos na esfera do dano moral indenizável, pois o reconhecimento do direito à compensação “não implica o reconhecimento de todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros. É preciso que exista realmente dano moral, que se trate de um acontecimento grave como a morte de um ente querido, a mutilação injusta, a desfiguração de um rosto, uma ofensa grave, capaz de deixar marcas indeléveis, não apenas em almas de sensibilidade de filme fotográfico, mas na generalidade das pessoas, no homem e na mulher medianos, comuns, a ponto de ser estranhável que não sentissem mágoa, sofrimento, decepção, comoção' (Tratado..., 1985, p. 637)” (FLÁVIO TARTUCE - Direito Civil - vol. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : Método, 2014 versão digital). De dano moral só se poderia cogitar se, na hipótese, tivesse ocorrido algum fato excepcionalmente grave e específico, revelador de situação de intenso constrangimento, vexame ou humilhação, capaz de abalar a dignidade do autor, o que, evidentemente, não ocorreu. A alegação singela de que a confiança e a reputação do autor teriam sido abaladas junto aos clientes do CEAGESP (fls. 11), além de não comprovada, deve ser associada ao exagero de estado anímico, diante de situação que, no cotidiano das relações que envolvem negócios de compra e venda de safra futura de frutas, aproxima-se do banal, estando muito longe do Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 19 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 18 Apelação nº 0008756-89.2014.8.26.0201 - Garça - Voto nº 21.741 - W vexame, dor, humilhação e abalo capazes de dar ensejo a uma reparação. O que se tem, no caso dos autos, é situação que, considerados os fatos narrados na petição inicial, gera mero dissabor ou aborrecimento, mas não dano moral indenizável. Antônio Jeová Santos, em sua conhecida obra “Dano Moral Indenizável”, 4ª ed., RT, 2003, pág. 113, bem adverte que "as sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral”. 8) Houve sucumbência recíproca, mas em maior grau do autor, de modo que as partes deverão arcar com as custas processuais na seguinte proporção: 70% a cargo do autor e 30 % a cargo dos réus. Outrossim, os honorários advocatícios, já computado o trabalho adicional em segunda instância (art. 85, §11, do CPC), são devidos aos patronos das partes, na seguinte conformidade: R$ 2.000,00 aos patronos das rés, que dividirão a verba; e 20% da condenação ao patrono do autor, vedada a compensação, nos termos do art. 85, § 14, do CPC. Ante o exposto, dá-se provimento parcial à apelação, para julgar procedente em parte a demanda, assim condenar os réus ao pagamento solidário da quantia de R$ 7.625,00, com correção monetária desde o desembolso (11/04/2013) e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, observando-se a disciplina sucumbencial acima definida. EDGARD ROSA Desembargador Relator Pa ra c on fe rir o o rig in al , a ce ss e o sit e ht tp s: //e sa j.tj sp .ju s.b r/p as tad igi tal /sg /ab rirC on fer en cia Do cu me nto .do , in for me o pro ce ss o 0 00 87 56 -89 .20 14 .8. 26 .02 01 e có dig o R I00 00 01 75 V6 R. Es te d oc um en to é c óp ia d o or ig in al , a ss in ad o di gi ta lm en te p or E DG AR D SI LV A RO SA , l ib er ad o no s au to s em 2 7/ 09 /2 01 7 às 1 3: 30 . fls. 20