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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ WELLINGTHON EVARISTO BARBOSA JURISPRUDÊNCIA COMENTADA: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - Apelação Civil: APC 0034861-23.2012.8.07.0001 DF 0034861- 23.2012.8.07.0001 MARINGÁ 2022 WELLINGTHON EVARISTO BARBOSA JURISPRUDÊNCIA COMENTADA: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - Apelação Civil: APC 0034861-23.2012.8.07.0001 DF 0034861- 23.2012.8.07.0001 Jurisprudência Comentada apresentada à Universidade Estadual de Maringá como exigência parcial para a obtenção de nota na avaliação do 2° trimestre da disciplina de Direito das Obrigações e Contratos, sob a orientação do Prof. Dr. Edvaldo Sapia Gonçalves. MARINGÁ 2022 JURISPRUDÊNCIA COMENTADA: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - Apelação Civil: APC 0034861-23.2012.8.07.0001 DF 0034861- 23.2012.8.07.0001 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CONTRATO ALEATÓRIO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. VARIAÇÕES CLIMÁTICAS. PERÍODO DE FORTE ESTIAGEM. ALEGAÇÃO DE PERDA DA SAFRA EM DECORRÊNCIA DE CASO FORTUÍTO OU FORMA MAIOR. DESCABIMENTO. CLÁUSULA EXPRESSA DE ASSUNÇÃO DE TODOS OS RISCOS. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA BOA- FÉ E PROBIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. CRITÉRIOS NORTEADORES DO § 4º DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. COMENTÁRIOS: A jurisprudência comentada, por mais que sua decisão seja legalmente fundamentada no código de processo civil de 1973, acaba trazendo análises curiosas e relevantes quanto a temática do direito dos contratos. A espécie de contrato discutida nessa decisão é o chamado contrato aleatório, que segundo Carlos Roberto Gonçalves: “Contrato aleatório é o bilateral e oneroso em que pelo menos um dos contraentes não pode antever a vantagem que receberá, em troca da prestação fornecida. Caracteriza-se, ao contrário do comutativo, pela incerteza, para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que dele podem advir.” No atual código civil, os dispositivos que versam sobre contrato aleatório são os arts. 458, 459, 460 e 461. Esse modelo de contrato se divide em duas espécies: aleatórios por natureza, como o jogo de bingo, e acidentalmente aleatório, que por sua vez são classificados ou como venda de coisas futuras (art. 458, 459) ou como venda de coisas existentes, mas expostas a risco (art. 460). Por se tratar de compra e venda de safra futura, as cláusulas estabelecidas no contrato aleatório tomam uma importância ainda maior, vide que o risco, que é inerente as relações contratuais, aqui se encontra de modo muito mais pujante. Por assim dizer, a decisão escolhida pelo tribunal alude à uma apelação civil, referente a rescisão de um contrato de compra e venda de safra futura, com cláusula que o torna aleatório. De um lado, o autor - Paulo Cezar Krauspenhar - alega que “diante da forte estiagem ocorrida na região de plantio, não pode cumprir os contratos de compra e venda de safra futura de soja celebrados com a empresa ré”, ademais ele salienta que os contratos “não são bilaterais e possuem cláusulas ofensivas aos princípios da boa-fé e da probidade causando onerosidade excessiva e imputando- lhe, com exclusividade, a álea do negócio entabulado”. E, do outro, como ré, encontra- se a empresa Multigrain S/A, que se defende de todas as acusações feitas e apela ao tribunal a majoração do valor dos honorários advocatícios. A relatora do processo é a desembargadora Simone Lucindo, ao proferir o voto faz um lembrete quanto ao risco da frustração do resultado pretendido pelo contrato. Ela segue trazendo uma das cláusulas do contrato que diz: correrão por conta do VENDEDOR todos os riscos decorrentes de caso fortuito ou força maior até a entrega das mercadorias à COMPRADORA. Essa cláusula demonstra que a natureza do contrato celebrado é aleatória, sendo o risco um elemento intrínseco neste tipo de avença, não cabendo a aplicação da teoria da imprevisão. Essa teoria, segundo o artigo “Revisão dos Contratos Futuros de Soja: Uma Perspectiva a Partir da Análise Econômico-Comportamental do Direito”, produzido por Clairton Kubassewski Gama, para ser aplicada necessita que: “haja um evento superveniente à contratação cujo risco de ocorrência não seja previsível e cujas causas sejam alheias às partes, gerando um impacto que impossibilite economicamente a execução do contrato através da imposição de prejuízo a uma parte e de extrema vantagem a outra”. Dito isso, o objeto do contrato no momento da celebração ainda não existia, e por se referir a uma safra está exposto a uma série de riscos, como o efeito das condições climáticas, de pragas, estiagem e etc. – não sendo nenhum desses eventos supervenientes. Partindo para uma nova análise, é chamado de incabível as alegações feitas pelo autor de que os contratos de compra e venda de safra futura não seriam bilaterais e que os produtores rurais costumam assiná-los “de maneira impositiva, em situações de urgência e extrema necessidade”. Essa alegação insustentável e sem provas, vai de encontro com alguns princípios fundamentais do direito contratual, como o princípio da autonomia da vontade (arts. 421, 425 CC) e o do consentimento (art. 107 CC). Além disso, o autor sempre teve a opção de vender sua safra para outra empresa, ou seja, ele agiu com base na sua vontade naquele momento. Finalizando, a desembargadora, ao que tange a ofensa aos princípios da boa- fé e da probidade (art. 422 CC), assegura que não há embasamento que sustente a tese de que esses foram feridos, já que as partes são capazes, possuem experiência e o objeto é lícito, possível e determinado/determinável. Após todo esse itinerário é tomada a decisão quanto ao processo: “conhecer dos apelos, negar provimento ao apelo do autor e dar provimento ao do réu, unânime”, isto é, o pedido do autor de rescisão contratual e aplicação da teoria da imprevisão coerentemente foi negado, e o da empresa de majoração dos honorários advocatícios aceito. Com isso alguns pontos sobre a temática como um todo vêm à tona, merecendo um olhar pormenorizado. Desse modo, a compra e venda de safra futura, pode ser acordada segundo à própria existência da coisa (emptio spei) ou quanto à quantidade da coisa esperada (emptio rei speratae). No primeiro caso, opera o art. 458. do CC: Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que da sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir. Esse dispositivo, segundo Carlos Roberto Gonçalves, é o que trata da colheita futura onde a venda fica perfeita e acabada tendo ou não safra, não cabendo ao comprador o direito de reaver o preço pago se, em razão de geada ou outro imprevisto, a safra não existir. Se o risco se verificar, sem o dolo ou culpa do devedor, adquire este o preço; se não houver, porém, colheita por culpa ou dolo do alienante, não haverá risco, e o contrato é nulo. No outro dispositivo, o art. 459 diz que: Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Parágrafo Único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido. Ao fazer sua leitura, nota-se que se o risco da aquisição da safra futuralimitar- se à sua quantidade, pois deve ela existir, o contrato fica nulo se nada puder ser colhido. Porém, se vem a existir alguma quantidade, por menor que seja, o contrato deve ser cumprido, tendo o vendedor direito a todo o preço ajustado. O contrato firmado por Paulo e pela Multigrain S/A por se tratar de uma quantidade fixa de 720.000 kg de soja em grãos, caracteriza-se como emptio rei speratae, porque nele o risco está diretamente ligado a quantidade. Sendo assim, a constatação feita em um trecho do artigo “Teoria da Imprevisão na Compra e Venda de Safra Futura a Preço Fixo: um olhar para o Agronegócio sob a ótima da função social dos contratos”, pode ser observada nesse caso: [...] no entanto, se vier a produzir alguma coisa, ainda que em quantidade escassa, o alienante terá direito ao preço que foi estabelecido no acordo de vontades entre as partes, exceto se incorrer em culpa [...]. Um último ponto que merece destaque é a segurança dos contratos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o dever contratual deve ser mantido por considerar que o referido risco onera tanto comprador como o vendedor. Apenas uma causa superveniente nesse contexto de compra e venda de safra futura poderia extinguir o elo entre as partes, aquela se caracteriza por não estar presente no instante de formação do contrato, surgindo posteriormente. A revisão contratual também acaba sendo danosa, qualquer intervenção deve ser feita sempre de forma excepcional e nunca como regra. Então, para que seja aplicada a teoria da imprevisão é necessário que haja os requisitos que comprovem a sua necessidade, como o já mencionado evento superveniente que impediria a ocorrência da contratação, tendo em vista a impossibilidade de previsão do risco. Atualmente, os tribunais estão se posicionando, na maior parte das vezes, contrários a adoção da teoria da imprevisão, um sinal que demonstra uma convergência com os princípios do direito contratual, principalmente com o da obrigatoriedade dos contratos (arts. 389, 390, 391 do CC). Um exemplo é a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que se baseia na existência do risco como inerente ao negócio: EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA. PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO RÉU. INADIMPLEMENTO DO DEVEDOR. QUEBRA DE SAFRA POR OCORRÊNCIA DE GEADA. INTEMPÉRIE CLIMÁTICA QUE NÃO PODE SER DEDUZIDA COMO FATO IMPEDIDTIVO AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PREVISIBILIDADE. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. VALOR DO PREJUÍZO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO. REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ- PR – APL: 12004101 PR 1200410-1 (Acórdão), Relator: Luiz Cezar Nicolau, Data de Julgamento: 20/05/2015, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1586 17/06/2015). Assim sendo, é chegada a hora de se concluir os comentários tecidos quanto a jurisprudência estudada. Portanto, é sabido que por mais desvantajoso que possa parecer para uma das partes do contrato, o risco acaba sendo um elemento que integra esse acordo, e fugir de seus efeitos não é um caminho seguro juridicamente. A aplicação da teoria da imprevisão, a fim de revisar ou extinguir o contrato é possível, porém, somente em casos excepcionais, se tratando de eventos supervenientes - que ao se falar de compra e venda de safra futura, não cabe ao caso de eventos climáticos e pragas. Mediante o exposto, fica claro que o direito dos contratos deve cumprir com a sua função social, e se tratando de compra e venda de safra, a segurança desses negócios é vital para o agronegócio no país, tangendo aos tribunais decidirem de forma coerente com o Código Civil e de Processo Civil e em consonância com os princípios fundamentais do direito contratual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A. FRANK, Roberta Sinigi Seabra. Contrato também tem função social. 2010. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-mar-11/contrato-respeito-partes-envolvidas-exerce-funcao-social. Acesso em: 02 mar. 2022. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil, Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - Apelação Civil: APC 0034861- 23.2012.8.07.0001 DF 0034861-23.2012.8.07.0001. Disponível em: https://tj- df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/116331476/apelacao-civel-apc-20120111252472-df-0034861- 2320128070001/inteiro-teor-116331495. Acesso em: 23 fev. 2022. BORGES, Jéssica Naiara; COSTA, Everton Leandro; NETO, Nader Thomé. A Aplicação da Teoria da Imprevisão nos Contratos de safra Futura nos Casos de Adversidades Climáticas. Revista da Faculdade de Direito da AJES, Juína/MT, n. 9, p. 25-49, jan/jun. 2020. GAMA, Clairton Kubassewski. Revisão dos Contratos Futuros de Soja: uma perspectiva a partir da análise econômico-comportamental do direito. 2021. Disponível em: https://direitoagrario.com/revisao- dos-contratos-futuros-de-soja/. Acesso em: 01 mar. 2022. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. v. 3: contratos e atos unilaterais. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020. QUEIROZ, Alessandra Freitas; MENDES, Givago Dias; SANTOS, Beatriz Matos. Teoria da Imprevisão na Compra e Venda de Safra Futura a Preço Fixo: um olhar para o Agronegócio sob a ótica da função social dos contratos. Revista da Faculdade de Direito da AJES, Juína/MT, n. 12, p. 1- 14, 2018. SANTOS, Renato Dias. É possível conseguir revisão dos contratos de venda de safra futura?. 2021. Disponível em: https://diarural.com.br/e-possivel-conseguir-revisao-dos-contratos-de-venda-de-safra futura/#:~:text=Logo%2C%20n%C3%A3o%20se%20admite%20a,no%20%C3%A2mbito%20do%20a groneg%C3%B3cio%20brasileiro. Acesso em: 01 mar. 2022.
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