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Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 423 ISSN: 1517-8595 POTENCIALIDADES DO USO DE RESÍDUOS DE CELULOSE (DREGS/GRITS) COMO AGREGADO EM ARGAMASSAS Maria Lidiane Marques1, Everton Jose da Silva2, Fermin Garcia Velasco3, Celso C.M. Fornari Junior4 RESUMO Os efeitos atuais do desenvolvimento sustentável no setor da construção civil incluem o desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento de materiais de descarte industriais como substitutos de agregados ou aglomerantes tanto em misturas de argamassas como de concreto. A indústria de papel e celulose, por meio do processo Kraft processa a celulose e gera grandes quantidades dos resíduos conhecidos como dregs/grits (DG). Para minimizar os impactos ambientais e atender às exigências legais, estudos estão sendo desenvolvidos para avaliar a viabilidade do aproveitamento destes resíduos em produtos da construção civil. Dentro deste esforço, o presente trabalho tem como objetivo analisar os resultados de uma possível integração do resíduo da indústria de celulose (dregs/grits) na construção civil, através da incorporação deste como agregado miúdo em argamassas. Os resultados indicaram um bom potencial de aproveitamento do resíduo na produção de argamassa de revestimento de paredes, substituindo em até 10% em massa de agregado. Este aproveitamento, além de favorecer a redução da extração da areia nos leitos dos rios, pode contribuir para um gerenciamento adequado para estes resíduos. Palavras-chave: resíduos industriais, construção civil, argamassas, dregs/grits. POTENTIAL USE OF WASTE PULP (DREGS / GRITS) AS ADDED IN MORTAR ABSTRACT The current effects of sustainable development in the construction industry include the development of technologies for the use of discarded industrial materials as substitutes for aggregates or agglomerates in both mixtures of mortars and concrete. The pulp and paper industry, through the process renders the Kraft pulp and generates large amounts of waste known as dregs/grits (DG). To minimize environmental impacts and complying with legal requirements, studies are being conducted to evaluate the feasibility of utilizing these wastes in construction products. Within this effort, this paper aims to analyze the results of a possible integration of industry waste cellulose in construction through the incorporation of this as fine aggregate in mortars. The results indicated good potential for use of residual dregs in the production of mortar coating walls, replacing up to 10% by weight of the aggregate. This advantage, besides favoring the reduction of the extraction of sand in riverbeds, can contribute to appropriate management for these residues. Keywords: residue industry, civil building, mortars, dregs/grits. Protocolo 1 Engenheira Civil. Mestre em Engenharia Civil. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA. Av. David Jons Fadini, S/Nº, Rosa Neto, Eunápolis - BA - CEP: 45823-431 – Telefax: (73) 3281-2266/32812267. E-mail: lidiane_marques@yahoo.com.br 2 Engenheiro Civil. Mestre em Engenharia Civil. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA. E-mail: js_everton@yahoo.com.br 3 Físico. Doutor em Física. Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC Ilhéus, Bahia, Brasil. E- mail: fermingv@gmail.com 4 Engenheiro Químico. Doutor em Engenharia Química. Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: celso@uesc.br 424 Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 INTRODUÇÃO A indústria da Construção Civil atualmente trabalha de maneira sistemática no desenvolvimento de novos materiais alternativos. Em particular objetiva-se que esses novos materiais tenham atributos que permitam a redução de custos, a agilidade de execução, a durabilidade e a melhoria das propriedades do produto final, visando, também à redução da extração de materiais naturais através do emprego de resíduos recicláveis, solucionando o problema de gerenciamento desses resíduos. Segundo Castilho et al. (1996) os materiais alternativos apresentam vantagens ecológicas que poderão viabilizar construções com menor custo. Entretanto, a viabilidade de reciclagem de um resíduo depende de alguns fatores, tais como: i) proximidade da instalação de processamento; ii) custo de transporte dos resíduos; iii) volume de resíduos disponíveis para o reprocessamento e; iv) custo de estocagem do resíduo no local de geração ou afastado da origem. O consumo crescente de produtos naturais e a consequente geração de grandes volumes de resíduos conduzem a necessidade de encontrar soluções para redução do impacto ambiental gerado. Assim, esta passa a ser uma das grandes razões da motivação para o estudo do reaproveitamento de rejeitos oriundos da indústria de celulose. Segundo a Bracelpa (2012) – Associação Brasileira de Celulose e Papel altos investimentos e o desenvolvimento econômico do Brasil tiveram impactos expressivos na produção de celulose na última década. O segmento praticamente dobrou o volume de celulose produzida nesse período, com um crescimento médio de 6,5% ao ano. Em 2008, o setor teve uma grande conquista: alcançou o posto de quarto produtor mundial de celulose – atrás apenas de Estados Unidos, Canadá e China. A posição foi mantida em 2010, quando o setor produziu 14 milhões de toneladas de celulose assim como em 2011. A crescente produção de celulose no Brasil abre espaço para a pesquisa da correta disposição dos resíduos gerados, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista ambiental. Segundo Cenibra (2010) a produção de 1,0 tonelada de celulose produz 0,268 tonelada de resíduos sólidos. Este fato evidentemente estimula mais a necessidade de se encontrar uma destinação adequada para os mesmos. Frente a toda essa produção de resíduo está a disposição desses materiais de forma correta e limpa. Uma das soluções sócio- ambientais-financeiras almejadas pela construção civil é a utilização desses rejeitos em argamassas e concretos com o objetivo de reduzir custos e incentivar a construção de artefatos para a construção civil. A região do extremo Sul da Bahia, conta com uma das maiores fábricas de celulose do país, que é um projeto integrado de celulose branqueada, produzida a partir da fibra curta, extraída do eucalipto. O cultivo de eucalipto é efetuado em 10 municípios nos quais a empresa possui operações. A fábrica de celulose apresenta uma grande quantidade de resíduos, dentre eles podem-se destacar: os Dregs, os Grits e a Lama de cal. Os dregs/grits (DG) é um resíduo produzido em grande quantidade, oriundo da produção de celulose pelo processo kraft. De acordo com Calmon (2007) o processo Kraft (“forte” em alemão) é o método mais utilizado para a fabricação de celulose no mundo. Esse processo se baseia no cozimento da polpa a partir de uma combinação de hidróxido de sódio e sulfeto de sódio, formando o licor de cozimento e aquecido a uma temperatura aproximada de 170º C. O objetivo é dissolver e remover a lignina e, no processo de branqueamento, tornar a celulose o mais alva possível. Denomina-se na pesquisaa nomenclatura do resíduo dregs-grits (DG) pela forma como esse resíduo é depositado no pátio da fábrica. Há uma mistura desses dois resíduos onde se sobressai uma quantidade maior de dregs. No entanto, segundo a empresa não há como quantificar os teores de cada um, pois depende do processo de produção da fábrica. De acordo com Pinto (2005), o ciclo de produção de celulose se inicia com o cozimento dos cavacos da madeira onde são separadas as fibras e é gerado um líquido espesso e negro, chamado de licor negro. Depois, o processo continua com dois sistemas: o de recuperação e o branqueamento. No primeiro, o licor negro é queimado em uma caldeira para recuperação dos reagentes químicos do cozimento (dando origem aos dregs). No segundo, as fibras da madeira que saíram do cozimento amarronzadas, são branqueadas. A celulose branqueada segue para sua secagem e embalagem para ser enviada ao seu destino final. Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. 425 Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 De modo geral, esses resíduos são enquadrados segundo a norma NBR 10004 (2004), como classe II – não inertes. No entanto, os DG possuem valores de pH (10,5 – 13,3) que permitiriam enquadrá-los na classe I – materiais corrosivos. A Tabela 1 apresenta possibilidades de aplicações deste resíduo em diversas áreas através de diferentes métodos. Tabela 1. Propostas de reaproveitamento de Dregs. Método de Valorização Autor Principais Resultados Agentes alcalinizantes de solos Pértile (2011) Permite a correção do pH; melhoria química do solo até 10 cm de profundidade; elevação de relação Ca/Mg; aumento da produtividade das culturas. Medeiros et al. (2009) Permite a correção do pH; elevação da relação Ca/Mg (3/1 para 20/1); aumento de densidade do solo; aumento de produtividade. Almeida et al. (2007) Permite a correção do pH; diminuição da lixiviação de Na; não ocorre lixiviação de K, Ca e Mg. Recuperação de área degradada pela extração de carvão Pértile (2011) Aumento do pH do solo; melhoria da fertilidade química do solo; não houve mudanças nas propriedades físicas do solo. Estabilização dos resíduos de minas Villain (2008) Dregs associados a outros resíduos da fábrica de celulose são eficientes em solidificar/estabilizar resíduos de minas de cobre; melhoramento de imobilização de Cu. Base e sub-base de construções rodoviárias Molina et al. (2004) Resistência à compressão das estruturas com valores acima dos limites mínimos para construção. Dregs juntamente com cal, produz forte efeito ligante, dando maior resistência à tração do que a mistura solo-cal. Produção de cerâmica industrial Wolff (2008) Pode ocorrer formação de fases cristalinas pela maior resistência mecânica à flexão; misturas com valores acima dos limites para perda ao fogo. Ribeiro (2010) Redução da plasticidade da resistência à compressão; baixa reatividade na sintetização; umidade de resíduo dificulta a secagem dos corpos cerâmicos. Excesso de dregs leva a formação de porosidade devido à sua elevada perda de massa durante a queima, prejudicando a resistência mecânica. Produção de agregados leves Pinto (2005) Diminuição da densidade relativa dos agregados leves devido ao aumento de volume de poros interiores levando a uma maior absorção de agua. Pode provocar fragmentação. Processo de compostagem Carvalho et al. (2002) Processo em que o resíduo fica estabilizado com uma relação C/N mais baixa do que a inicial. Agente neutralizante de efluentes ácidos Nurmesniemi (2005) Os dregs têm propriedades adequadas para este fim. Landim (1995) Adequadas propriedades neutralizantes. A solubilidade do resíduo aumenta se o pH do efluente estiver na gama acida. Permite diminuir o consumo de Ca(OH) Substituição de calcário em geral Martins (2006) Pode substituir os calcários naturais em suas diversas aplicações. 426 Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 Pesquisas incorporando resíduos de celulose nas mais diversas áreas da construção civil foram e estão sendo realizadas no Brasil e no mundo, seja em matrizes cimentícias e cerâmicas, seja na estabilização de solos para construção de estradas. Quanto à aplicação em argamassa de cimento, Zanella (2012) avaliaram a durabilidade da argamassa mista de revestimento interno de paredes e tetos, contento 0% (padrão), 10% e 20% do composto dregs+grits, em substituição em massa à areia. Os resultados mostraram durabilidade semelhante à da argamassa padrão, pelos ensaios de degradabilidade térmica, termogravimétrico e radiação ultravioleta, mas foram menos resistentes em ambientes salinos. Já Bandeira (1996) pesquisou a adição de cinzas, dregs e grits em argamassas com diferentes teores de adição: 5%, 15% e 30% de cinzas e outros traços com adição de cinzas, dregs e grits. Quanto à resistência à compressão axial, a incorporação de até 30% de cinzas como adição levam a esses traços desempenho semelhante ao de referência. O maior teor de adição sem comprometimento da resistência mecânica foi o traço realizado com 30% / 30% (cinzas/dregs) e 30% / 15% (cinzas/grits). O melhor desempenho quanto à resistência à tração por compressão diametral foi o traço com adição de 30% de cinzas e 5% de dregs. Gomes et al. (2012) avaliaram a possibilidade de utilização dos resíduos dregs em compósitos cimentícios como material pozolânico, em substituição parcial ao cimento, e como material de preenchimento, filler. Nos ensaios em que os resíduos foram utilizados como material de preenchimento, com 4% de dregs, os compósitos apresentaram resultados de resistência à compressão aos 28 dias superiores aos da mistura padrão. Os resultados de resistência à compressão aos 28 dias das amostras que receberam resíduo em substituição ao cimento, em 5% e 10% em massa, não apresentaram diferença significativa, conforme análise estatística. Ainda segundo os autores, para substituição de 15% houve um decréscimo de 26,3% na resistência à compressão aos 28 dias. Modolo et al. (2009) investigaram a possibilidade do uso de resíduo inorgânico da indústria de papel e celulose, dregs e grits, em misturas betuminosas como substituto ao agregado natural para reduzir os efeitos ambientais da disposição destes resíduos. Os autores caracterizaram química e fisicamente levando em consideração as exigências dos agregados em misturas betuminosas fazendo as substituições dos agregados pelo Dregs nos teores de 1%, 2%, 3%, 4%, 5% e 10%. As propriedades mecânicas destas misturas foram comparadas com amostras de referência, e os resultados mostraram que os grits tiveram um bom desempenho e podem ser diretamente testados industrialmente como um agregado na construção de estradas. Por outro lado, os autores constaram que o resíduo Dregs precisa de um tratamento antes da incorporação para garantir misturas estáveis em termos de sensibilidade à água. Castro et al. (2009) avaliaram a incorporação de grits e dregs, na produção de clínquer de cimento. Ensaios foram desenvolvidos com o clínquer brutoconvencional, utilizado como um material de referência e com a adição de grits e dregs nas proporções de 0,25% e 0,13%, respectivamente. A composição química das misturas, as emissões de gases durante a produção de clínquer e a lixiviação dos produtos finais foram avaliadas. Os resultados mostraram que essa incorporação pode ser um processo eficaz para a gestão de resíduos dos pontos de vista ambiental e econômico. De uma forma geral, a maioria dos resíduos sólidos minerais gerados pela indústria de celulose kraft pode ter uma ou diversas aplicações na construção civil. Essas aplicações vão desde a fabricação de cimento e argamassas até a utilização em blocos de concreto, estruturas, pavimentos de estradas, etc. Constata-se nas publicações técnico-científicas, um incremento de estudos que visam obter alternativas para a substituição total do agregado natural, visto a escassez crescente de oferta e do decorrente aumento de preço dos agregados convencionais no mercado. MATERIAIS E MÉTODOS Foram confeccionadas argamassas com diferentes percentuais de substituição de agregado miúdo natural (areia fina e areia média) por dregs/grits (DG) para avaliar as propriedades do compósito. Os corpos de prova de argamassas foram submetidos à ensaio mecânico de resistência à compressão axial e índice de consistência para verificar a trabalhabilidade da mistura. A Tabela 2 mostra a composição dos traços das argamassas utilizadas na pesquisa sem adição de DG (argamassa controle) e com 10%, 20% e 30% de areia substituída em massa pelo resíduo. Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. 427 Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 Tabela 2. Composição do traço de argamassa Traços Cimento (g) Areia Fina (Branca) (g) Areia Média (Lavada) (g) Dregs (g) Água (g) Controle 400 460 460 0 200 10% de dregs 400 414 414 92 200 20% de dregs 400 368 368 184 200 30% de dregs 400 322 322 276 200 Dregs/Grits (DG) A maioria das fábricas remove dregs e grits de forma misturada, homogênea, apesar de gerados em locais distintos na área de caustificação e preparo do licor, como na indústria que foi coletado o material da pesquisa, portanto, entende-se como um único resíduo. O DG é um material de cor escura, pastoso e suavemente granular, com aparência de um pó de café. Este resulta da queima incompleta do licor preto na caldeira de recuperação e da precipitação de um grande número de elementos minerais não processuais (como Al, Mg, Mn, Fe, Co, P, Si, Ca), que se precipitam em condições alcalinas e na forma de diminutas partículas sólidas. O Dregs quando recolhido isoladamente, é reconhecido por sua finura granulométrica: 90% de suas partículas são inferiores a 1,19 mm em diâmetro. Entretanto, essas partículas são pesadas, cerca de 2,65 g/cm³ de densidade real base seca. Em geral possuem consistências entre 35 a 60%. São gerados na proporção de 7 a 15 kg de resíduos secos por tonelada seca ao ar de polpa de celulose (FOELKEL, 2011). A Figura 1 ilustra o resíduo (dregs/grits) utilizado na pesquisa em substituição ao agregado miúdo natural. Figura 1. Resíduo utilizado na pesquisa (dregs/grits – DG) Resistência à Compressão Os corpos de prova cilíndricos de dimensões 50 mm x 100 mm, em triplicata para cada traço, foram confeccionados utilizando cimento do tipo CP V ARI (Alta resistência inicial). A distribuição do agregado miúdo foi na proporção de 50% de areia fina (branca) e 50% de areia média (lavada). Manteve-se a relação água/aglomerante 0,5 constante para todos os traços. Os corpos de prova foram curados em câmara úmida até a data de realização do ensaio de resistência à compressão axial. Os agregados miúdos, areia média (areia lavada) e areia fina (areia branca) utilizadas na pesquisa são visualizados na Figura 2. Figura 2. Agregados miúdos utilizados na argamassa O ensaio de resistência à compressão seguiu todas as recomendações da NBR 7215 (1996). A máquina utilizada para o ensaio foi 428 Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 uma prensa da marca CONTENCO® modelo I 3025 B com capacidade para 100 toneladas. Índice de Consistência A consistência da argamassa foi medida por meio do ensaio de determinação do índice de consistência NBR 13276 (2002). A Figura 3 ilustra a mesa de consistência para realização do ensaio. Figura 3. Mesa de consistência para determinação do índice de consistência das argamassas O ensaio foi realizado imediatamente após a preparação da argamassa e o valor obtido correspondeu a medida do diâmetro da base do tronco de cone da argamassa após a deformação. A medida expressa em milímetros é feita com o paquímetro. O índice de consistência da argamassa é a média aritmética das medidas de três diâmetros ortogonais. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 4 apresenta os resultados de resistência à compressão para os quatros traços analisados, onde podem-se observar as diferenças entre a argamassa controle e os demais traços. O traço de 10% de DG em substituição ao agregado miúdo natural apresenta um incremento de resistência da ordem de 23%. No entanto, ao elevar o teor de substituição para 20% e 30%, percebe-se uma queda na propriedade, embora não passe de 5% em relação à resistência do traço controle para a substituição de 20%, chega-se à 37% para a substituição de 30% de DG pelo agregado miúdo natural. 0 5 10 15 20 25 30 0 10 20 30 40 50 60 R es is tê nc ia à c om pr es sã o (M P a) Idade (dias) Controle 10% DG 20% DG 30% DG Figura 4. Resistência à compressão para os corpos de prova analisados – Mpa Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. 429 Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 Em argamassas de revestimento a resistência à compressão não chega a ser a principal propriedade requerida. A consistência da argamassa e outras, como: as propriedades pozolânicas e a uniformidade granulométrica desses resíduos, são consideradas vantajosas para a fabricação de argamassas de cimento, concreto, tijolos, cerâmicas, etc. Por isso, esses resíduos são considerados agregados importantes, uniformes e baratos (Foelkel, 2011). Seguindo esse preceito, a Figura 5 mostra os resultados do ensaio de índice de consistência das argamassas estudadas. De acordo com a figura, nota-se que ocorre uma diminuição da fluidez da argamassa de acordo com a inserção de DG na mistura, ou seja, a argamassa apresenta uma consistência mais seca com uma maior quantidade de resíduos presentes. Isso se deve ao fato da menor granulometria do DG em relação a areia e, também, a matéria orgânica existente na composição química do material que contribui para a absorção de água. Controle 10% DG 20% DG 30% DG 0 5 10 15 20 25 Controle 10% DG 20% DG 30% DG 20,56 23,07 25,6225,67 Ín di ce d e C on si st ênci a (% ) Figura 5 – Consistência das argamassas analisadas CONCLUSÕES Constatou-se que a utilização com pequenas proporções do resíduo DG como agregado miúdo em argamassas em substituição ao agregado natural pode melhorar propriedades das argamassas de revestimento. A resistência à compressão axial simples da argamassa foi aumentada para substituições de agregado miúdo pelo resíduo DG nas proporções de 10% em massa, sendo este traço mais eficiente, pois este apresentou resistência maior que o traço controle em 23%. Além disso, este teor de substituição também não prejudicou a consistência da argamassa, viabilizando seu desempenho em processos de moldagem sem a necessidade de emprego de aditivos. É possível concluir também que a substituição de DG em argamassa quando em pequenas porcentagens se mostra eficiente, porém, em maiores quantidades é necessário realizar estudos mais aprofundados e avaliar questões principalmente ligadas à durabilidade para se conseguir dados mais conclusivos, pois a presença de óxidos de cálcio e magnésio podem trazer problemas quanto à essa propriedade e sua estabilidade dimensional. Contudo, a incorporação desses resíduos junto com materiais pozolânicos poderá reduzir esse efeito negativo, já que uma das propriedades pozolânicas é o consumo do hidróxido de cálcio gerando silicato de cálcio hidratado, melhorando a microestrutura da matriz. É possível qualificar tecnicamente como viável a utilização de DG em argamassa, 430 Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grits) como agregado em argamassas Marques et al. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.16, n.4, p.423-431, 2014 substituindo pequenas quantidades de agregado miúdo pelo resíduo, juntamente a isso, o consumo estimado de agregados naturais para concretos e argamassas no Brasil é em torno de 210 milhões de toneladas por ano, logo a redução de 10% desse montante significará benefícios inigualáveis ao meio ambiente e ao setor da construção civil. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 7215: Cimento Portland: determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro: ABNT, 1996. 5p. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 10004: Resíduos Sólidos - classificação. Rio de Janeiro, ABNT, 2004. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13276: Argamassa para assentamento e revestimento. Rio de Janeiro, ABNT, 2002. Almeida, H. C., Ernani, P. R., Albuquerque, J. A., Júnior, J. M., Almeida, D. Composição química de um resíduo alcalino da indústria de papel e celulose (DREGS). 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