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IMUNOLOGIA DE TRANSPLANTES

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Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp 
Os transplantes constituem um tratamento que traz uma melhora dramática na 
sobrevivência e na qualidade de vida dos pacientes com doenças terminais, mas 
infelizmente os pacientes precisam utilizar imunossupressores pro resto da vida para 
evitar a rejeição. 
A rejeição demonstra a capacidade do nosso sistema imune reconhecer o que é próprio 
(self) do que não é próprio (non-self), ou do que está alterado (altered self). É um 
sistema que nos protege de agentes externos, mas constitui um enorme desafio no 
manejo dos transplantes. 
Sabemos que há diversos tipos de transplantes classificados com base na origem do 
tecido: Autoenxerto, Aloenxerto e Xenoenxerto. 
Autoenxerto (enxerto autólogo) → tecido do mesmo indivíduo, só tirou de uma parte 
do corpo e colocou em outra. 
Aloenxerto (enxerto autólogo) → tecido é da mesma espécie, mas não do mesmo 
indivíduo (genética diferente). 
Xenoenxerto → tecido é de outra espécie. 
 
Para impedir que a rejeição ocorra podemos utilizar drogas imunossupressoras, que 
diminuam a atuação do sistema imune. Embora aja melhora na sobrevida do enxerto, a 
principal consequência são as infecções oportunistas que aparecem quando o SI está 
enfraquecido. 
A reação de rejeição começa quando é identificado o antígeno do enxerto, que podem 
ser antígenos dos grupos sanguíneos (transplante de sangue – tranfusão) ou antígenos 
do tecido (MHC – HLA). 
➢ ANTÍGENOS 
- Antígenos Sanguíneos: ocorre reação do nosso sistema imune com antígenos 
sanguíneos quando recebemos um transplante sanguíneo, que no caso é chamado de 
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transfusão. Também é importante para transplante de órgãos, pois pode ter sangue do 
doador. 
Temos os antígenos do sistema ABO e do sistema Rh. O sistema ABO é determinado 
por um gene ABO que ativa glicosiltransferases que convertem um carboidrato em 
antígeno A ou B. Bactérias da microbiota induzem a produção de anticorpos IgM contra 
os antígenos A e B. 
O sistema Rh (imunoglobulina humana anti-Rh): as imunoglobulinas IgG sequestram 
esse antígeno Rh na membrana das hemáceas a partir da 28ª semana de gestação, ou 
seja, atravessa a placenta e destrói as hemácias do feto (doença hemolítica do RN). A 
IgG é um anticorpo anti-Rh. 
- Antígenos do órgão: o principal é o MHC (complexo maior de 
histocompatibilidade). É uma molécula que está ancorada na membrana de todas as 
nossas células e difere conforme a genética. É codificada por genes com muitos alelos 
e reconhecida pelos linfócitos T CD4 e CD8. Se o MHC for próprio, os linfócitos não 
reagem contra. Mas caso o MHC seja estranho (alogênico), como nos transplantes, os 
linfócitos T causam uma resposta vigorosa que desencadeia a rejeição do órgão. 
Quando é reconhecido complexos 
MENORES de histocompatibilidade 
(menos importantes), a rejeição ocorre, 
mas é mais lenta. 
Os genes MHC estão localizados no 
braço curto do cromossomo 6. Possui os 
genes de classe I (ABC), de classe II 
(DP, DQ, DR) e de classe III. Esses 
genes codificam proteínas de mesmo 
nome que irão ancorar na membrana 
plasmática das células nucleadas. Os 
MHC de classe I estão em quase todas 
as células, enquanto os MHC de classe II 
estão somente nas células do sistema 
imune e em células especiais, como 
endotélio, espermatozóide etc. 
Moléculas do MHC de classe I e II são os antígenos mais imunogênicos encontrados 
durante a rejeição de um transplante alogênico. 
O MHC pode ser chamado também de HLA (antígeno leucocitário humano) quando 
estamos falando apenas de humanos. Os genes que determinam seu HLA (sua 
identidade celular) geralmente são herdados em blocos, pois estão muito próximos no 
cromossomo. 
Assim, devido a recombinação e a herança paterna e materna, os irmãos possuem HLA 
mais próximo, podendo ser praticamente idênticos. Por isso que diante de um 
transplante procuramos primeiro os irmãos biológicos para serem doadores. Quanto 
mais semelhante é o HLA do doador e do receptor, melhor a sobrevivência do órgão 
transplantado. 
1. A REJEIÇÃO AO TRANSPLANTE 
Branda
Destacar
Branda de Oliveira de Lima, Turma LVI - MedUnicamp 
A rejeição pode ocorrer por 3 mecanismos: rejeição hiperaguda, rejeição aguda e 
rejeição crônica. Na rejeição HIPERAGUDA, o receptor tem anticorpos pré-existentes 
contra o MHC do enxerto, por algum motivo (pode ter sido sensibilização prévia, ou 
mesmo coincidência já que os anticorpos são gerados por acaso). Com isso, há uma 
reação grave de coagulação, hemorragia, perda do fluxo sanguíneo para o tecido 
enxertado e morte desse tecido. Geralmente isso é causado por uma incompatibilidade 
do sistema ABO e do MHC classe I. 
Para identificarmos se o receptor do transplante já tem anticorpos para o enxerto ou 
não, utilzamos teste Cross-Match (citometria de fluxo para detecção de Ac pré-
formados). Nesse teste colocamos soro do receptor (plasma sanguíneo) em contato 
com as células do doador, para vermos se tem reação. 
Na rejeição AGUDA acontece depois de 7 dias, quando os linfócitos T CD4, CD8 e 
anticorpos causam uma reação inflamatória aguda contra o enxerto. Essa reação ocorre 
mais no começo do transplante, principalmente nos primeiros 3 meses (maior risco), 
mas pode ocorrer até 1 ano depois. Felizmente, as drogas imunossupressoras 
conseguem atuar e conter o processo de rejeição nesse caso. 
Na rejeição CRÔNICA há participação de linfócitos TCD4, CD8 e principalmente 
anticorpos contra o MHC de classe I. É dito crônica porque ocorre ao longo do tempo, 
não cessa, apenas diminui com imunossupressores. 
➢ MECANISMOS DE REJEIÇÃO NO TRANSPLANTE RENAL 
→ O Transplante Renal 
O transplante renal pode se dar por 
um doador vivo ou morto. No caso do 
doador vivo, ele tem que ter os 2 rins 
funcionantes em perfeito estado, não 
pode ter doenças transmissíveis, sem 
anomalia nos vasos, etc. No doador 
morto deve haver uma boa função 
renal com pouco tempo de isquemia, 
não pode ter morrido por infecções 
(sepse) ou ter doenças transmissíveis 
(HIV), nem câncer. 
Devemos fazer o teste Cross-
Matching primeiro para detectar se o 
receptor tem anticorpos prévios 
contra o enxerto. Caso dê positivo 
para anticorpos contra o MHC classe 
I não podemos fazer o transplante, 
pois haverá uma rejeição hiperaguda. 
Caso dê positivo para anticorpos 
contra MHC classe II, podemos 
prosseguir com o transplante. 
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→ A Rejeição 
Há várias fases de rejeição após o 
transplante que podem ocorrer ou 
não. A rejeição hiperaguda 
geralmente ocorre nos 3 primeiros 
dias após o transplante, causando 
necrose tubular aguda, obstrução 
dos vasos e bloqueio do ureter. 
A rejeição aguda ocorre até os 6 
meses e causa trombose da veia 
renal e citotoxicidade da 
ciclosporina. Há edema intesticial e 
infiltrado de linfócitos no rim. 
Já a rejeição crônica ocorre após 
os 6 meses e pode haver retorno 
para a doença original, ou seja: se o 
paciente perdeu o rim por Lúpus e 
recebeu um transplante, ele pode 
perder esse novo para o Lúpus 
novamente. Ocorre proliferação da 
túnica íntima e estreitamento do 
lúmen arteriolar. 
 
➢ IMUNOPATOLOGIA DA 
REJEIÇÃO AOS 
TRANSPLANTES 
Uma vez que aconteceu o 
transplante, o órgão tem que se 
recuperar, ocorrer perfusão neste e 
então começa a expressão de 
citocinas inflamatórias e recrutamento de células inflamatórias do enxerto, ativação 
de células T e desencadeamento da resposta imune com a polarização dos linfócitos 
em suas subpopulações caracterizadas pelas citocinas que elas produzem.Assim, há duas fases, a fase de sensibilização (aferente) e a fase efetora (eferente). Na 
FASE DE SENSIBILIZAÇÃO, as células dendríticas do doador que vem junto com o 
órgão transplantado apresentam em sua membrana o MHC do doador e vão para o 
baço, sendo reconhecidas como non-self pelos linfócitos T ali residentes ou mesmo pelis 
linfócitos que vão até o tecido transplantado. Assim, ocorre reconhecimento alogênico 
direto, a partir da própria molécula de MHC intacta. 
Outra possibilidade é as células dendríticas do receptor irem até o órgão 
transplantado e captarem um antígeno do doador, que geralmente é um peptídeo do 
MHC estranho. Elas levam até os linfonodos e apresentam aos linfócitos T, que iniciam 
o reconhecimento alogênico indireto, por meio do fragmento de um peptídeo do MHC 
doador. 
Na FASE EFETORA, há vários mecanismos que desencadeiam a resposta de rejeição 
ao órgão transplantado, como anticorpos, linfócitos T helper (Th1, Th2), macrófagos, 
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tudo adentrando o tecido transplantado e causando mudanças estruturais. Há 
produção de citocinas pró-inflamatórias, causando trombose nos vasos etc. 
 
 
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➢ DROGAS IMUNOSSUPRESSORAS E SEUS ALVOS 
Podemos utilizar drogas para prevenir ou 
tratar rejeição de enxertos, que agem 
com base na supressão do sistema 
imune, ou seja, inibindo a ação das 
células imunes e a produção de citocinas 
pró-inflamatórias. 
As principais drogas são Predinisolona, 
Cliclosporina, Tacrolimus etc. De modo 
geral, essas drogas inibem a ativação e 
proliferação dos linfócitos T, 
interferindo na sinapse imunológica 
(apresentação do antígeno pelas células 
dendríticas aos linfócitos T). 
 
O uso dos imunossupressores pode trazer muitas complicações, dentre elas o aumento 
da susceptibilidade a infecções (bactérias, fungos, vírus, protozoários) e do 
aparecimento de neoplasias no tecido transplantado. Pode ocorrer também infecções 
por CMV (citomegalovírus – subtipo de herpesvírus), muito comum em pacientes 
imunossuprimidos, como os portadores de HIV. 
A imunossupressão excessiva também pode aumentar os casos de infecções por vírus 
BK. O BK vírus (BKV) está associado à nefropatia pós-transplante renal e aparece como 
a causa predominante de danos e subsequente perda do enxerto (1-10% das perdas 
dos Tx Renais), sendo a maioria dos casos ocorridos no primeiro ano pós-transplante. 
Pode ocorrer também a Doença Linfoproliferativa Pós-Transplante desencadeada 
pelos vírus Epstein-Barr (EBV), o herpesvirus humano 4. 
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Além dessas infecções, as outras complicações são: recorrência da doença original 
(como no lúpus) e aumento do risco de infarto agudo do miocárdio (hipertensão, 
hipertrigliceridemia), diabetes resistente à insulina, e doenças pré-transplantes e que 
foram agravadas pelo uso de esteroides (alguns imunossupressores). 
2. TRANSPLANTES DE CÉLULAS TRONCO HEMATOPOIETICAS 
Também chamado de Transplante de Medula Óssea (TMO), é indicado para pacientes 
com anemia aplástica grave idiopática ou iatrogênica, leucemia mieloide aguda/crônica 
(1ª remissão), Leucemia linfoblástica aguda, Linfoma não Hodgkin (pacientes jovens em 
remissão), imunodeficiência comum variável grave, casos graves de Doença 
Granulomatosa Crônica (DGC), Síndrome de Wiskott-Aldrich e deficiência de CD40L. 
Os transplantes de medula óssea também podem ser de dois tipos, alogênico ou 
autólogo. O TMO Alogênico é quando as células precursoras da medula óssea tem 
origem de outra pessoa da mesma espécie, um doador compatível. A primeira opção 
sempre será o irmão, depois estendemos para os pais. As células precursoras também 
podem ser retiradas do sangue do cordão umbilical. 
No TMO Autólogo, as células precursoras da medula óssea vem do próprio indivíduo 
(receptor), que são coletadas da medula óssea ou do sangue periférico e congeladas 
para uso posterior. É indicado para as doenças que não tem origem na medula óssea 
ou para as que estão num estado de remissão, ou seja, não são mais detectáveis na 
medula. 
Os principais problemas no transplante de medula óssea é a falha na pega, causado 
ou por número pequeno de células precursoras transfundidas ou por rejeição. Para 
diminuir o risco de rejeição, os pacientes com leucemia em estado de remissão ou com 
imunodeficiências (ID’s) parciais precisam começar a fazer uso de imunossupressão 
já antes do transplante. 
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Também podemos utilizar GM-CSF (Fator Estimulador de Colônias de Granulócitos 
e Macrófagos), que é um medicamento que funciona como uma citocina que estimula 
as células-tronco a produzir granulócitos ( neutrófilos , eosinófilos e basófilos ) e 
monócitos. Ele é importante para diminuir o tempo de neutropenia (poucos neutrófilos 
e outros leucócitos) a que estes pacientes transplantados estão expostos, pois até a 
medula nova “pegar” eles precisam de proteção contra infecções. Com isso, esses 
medicamentos ajudam a reduzir o risco de infecções oportunistas. 
Como todo transplante, tem o risco de 
infecções oportunistas por 
imunossupressão, mas nos TMO tem mais 
risco ainda porque a medula que produz as 
células de defesa e tem que esperar “pegar” 
para ter essas células. Assim, há função 
diminuída dos linfócitos T e B nos primeiros 
meses, sendo que os linfócitos B demoram 
muito mais para reestabeleceram sua função 
(pacientes podem precisar de reposição de 
Ig’s durante toda a vida). 
Podemos dizer que o transplante foi bem 
sucedido quando vemos um aumento do número de leucócitos e aparecimento de 
células precursoras na medula óssea nova após 10-20 dias do transplante. 
➢ DOENÇA ENXERTO VS HOSPEDEIRO 
A doença do enxerto versus o hospedeiro (DECH ou 
GVHD) é a principal complicação após um 
transplante alogênico de células hematopoéticas 
(TMO) e ocorre quando as células T do doador 
respondem aos antígenos dos tecidos do hospedeiro, 
ou seja, quando os linfócitos T do doador atacam 
as células do hospedeiro. É diferente da rejeição 
propriamente dita pois os linfócitos doadores atacam 
todas as células do hospedeiro, é sistêmica, não 
ataca só o enxerto (é o contrário, o enxerto quer nos 
rejeitar). 
Ocorre na maioria dos transplantes e apresenta-se 
branda no caso de HLA idênticos ou muito 
semelhantes, como no caso de transplante entre 
irmãos. Mesmo se o HLA forem idênticos há a 
doença enxerto vs hospedeiro por diferenças entre os 
antígenos meores (complexos menores de 
histocompatibilidade, são peptídeos pequenos 
derivados de proteínas citoplasmáticas). 
Os sintomas clínicos comuns aparecem geralmente 
após 1 ou 2 semanas do transplante e são rash 
cutâneo (vermelhidão), febre, 
hepatoesplenomegalia, diarréia, falta de ar etc. A 
mortalidade por GVHD é mais de 70% nos casos 
graves e cerca de 1/3 nos casos brandos. 
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O tratamento ideal das formas agudas e crônicas da GVHD ainda 
precisa ser totalmente definido, mas geralmente a prática atual 
envolve o uso de corticosteroides sistêmicos com 
imunossupressores adicionais conforme necessário. 
 
3. TRANSPLANTE HEPÁTICO 
O transplante de fígado é um pouco diferente do transplante renal e 
de medula óssea, ele é mais bonzinho. 
Não há problemas de sobrevivência do transplante (rejeição) caso 
o cross-match dê positivo, haja incompatibilidade do sistema ABO 
ou do HLA (a compatibilidade do HLA não é pré-requisito). 
Ele possui baixa incidência de rejeição hiperaguda quando 
comparado com outros órgãos, comoos rins. Além disso, possui 
uma recuperação espontânea frequente após rejeição grave 
(hiperaguda). 
O transplante hepático é tão louco que protege outros transplantes 
da rejeição quando são do mesmo doador. Possui baixa incidência 
de rejeição crônica e quando ocorre, é reversível em 30% dos casos 
(muito bom). 
 
4. CASO CLÍNICO – Aplicação dos conceitos 
Homem, 22 anos foi tratado para leucemia mieloide aguda (LMA) com quimioterapia 
com remissão completa depois de 3 cursos. Entretanto, a remissão de LMA é 
geralmente curta e metade dos pacientes a doença recidiva em um ano. 
Como a segunda remissão é muito difícil de tratar foi considerado TMO após alta dose 
de quimio e radioterapia. O irmão do paciente com HLA idêntico foi doador da MO. O 
paciente foi tratado com ciclofosfamida (120 mg/kg) seguido de irradiação total do corpo. 
Imediatamente depois recebeu 109 células/kg de MO não fracionadas provenientes de 
seu irmão. 
Nos dias de aplasia antes da pega do transplante recebeu GM-CSF e transfusão de 
plaquetas. Também foi tratado com metotrexate para prevenir GVHD. Recebeu alta 7 
semanas após transplante e permanece livre da doença 7 anos depois.

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