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A família a partir das tragédias gregas

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A família a partir das tragédias gregas: os Atridas
Mestrado em História Antiga
Grécia Clássica – Prof. Dr. Nuno S. Rodrigues
Aluna: Clara Pires Gastão
Bibliografia
ÉSQUILO. Agamêmnon. Rio de Janeiro: Expresso Zahar, 1992. 
ÉSQUILO. Coéforas. Rio de Janeiro: Expresso Zahar, 1991.
ÉSQUILO. Eumênides. Rio de Janeiro: Expresso Zahar, 1991.
EURÍPIDES. Electra. In: Teatro completo: volume II. São Paulo: Iluminuras, 2016.
EURÍPIDES. Ifigênia em Áulis. Rio de Janeiro: Expresso Zahar, 1993. 
EURÍPIDES. Ifigênia em Táurida. In: Teatro completo: volume II. São Paulo: Iluminuras, 2016.
SÓFOCLES. Electra. Rio de Janeiro: Expresso Zahar, 1992.
ADKINS, Lesley, ADKINS, Roy A (ed.). Handbook to life in Ancient Greece. Nova York: Facts on File, 2005.
GRAVES, Robert. Os mitos gregos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.
RAWSON, Beryl et al. A companion to families in the Greek and Roman world. Chichester: Blackwell Publishing, 2011.
VEYNE, Paul et al. História da vida privada: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
As tragédias
 Agamêmnon: o rei de Argos volta para casas após ter vencido a Guerra de Tróia e é assassinado pela mulher, Clitemnestra, como vingança pela morte da filha mais velha deles, Ifigênia, no porto de Áulis, dez anos antes. Seu único filho homem, Orestes, é exilado.
 Coéforas: dez anos depois, Orestes volta para Argos a fim de vingar a morte do pai e matar a própria mãe e seu amante, o agora rei Egisto. Ele é ajudado pela irmã Electra.
 Eumênides: perseguido pelas Fúrias, Orestes vai até Atenas onde um conselho de sábios presidido pela própria deusa deve julgá-lo pelo assassinato de Clitemnestra.
 Electra: após anos sofrendo pela morte do pai, Electra se reencontra com o irmão Orestes e planeja enfim a vingança de ambos contra a mãe e Egisto.
 Ifigênia em Áulis: a frota grega não consegue partir para Tróia e está parada no porto de Áulis. Para que os ventos se tornem favoráveis e eles partam, é preciso que Agamêmnon sacrifique sua filha Ifigênia para a deusa Ártemis.
 Ifigênia em Táurida: após ser salva em Áulis pela deusa, Ifigênia vive em Táurida como sacerdotisa encarregada do sacrifício dos estrangeiros que ali chegam. Orestes viaja até lá com o intuito de roubar uma estátua de Ártemis para se livrar da perseguição das Fúrias e é capturado. Os irmãos se reencontram.
 Orestes: atormentado pelas Fúrias após assassinar Clitemnestra e temendo pela própria vida, Orestes acredita que o único que pode ajuda-lo é seu tio Menelau e portanto vai a procura dele.
Os Atridas
Pélops e Hipodâmia: Atreu e Tiestes
Atreu e Aérope: Agamêmnon e Menelau
Tiestes e Pelopeia (filha dele): Egisto
Agamêmon e Clitemnestra: Orestes, Electra, Ifigénia, Crisotêmis e Ifiânassa (esta citada apenas por Sófocles).
Menelau e Helena: Hermione
 O ramo dos Atridas se forma a partir de Atreu e é um dos mais comentados por poetas gregos devido a “maldição” ligada aos mesmos. Outra razão é a participação chave de seus mais famosos descendentes, Agamêmnon e Menelau, na Guerra de Troia e os eventos posteriores à ela.
 Segundo os gregos os fados ou uma maldição familiar era decorrente da violação da ordem divina e portanto, os erros dos antepassados precisavam ser purgados pelas gerações subsequentes, num infindável caminho de mortes e tragédias.
CORO:
Ah! Corrida remota do rei Pêlops,
tão fértil em desditas infindáveis!
Como foste funesta à nossa raça!
Desde que Mírtilo sumiu nas ondas,
lançado brutalmente de seu carro,
jamais esteve ausente desta casa
a violência pródiga em desgraças.
 (versos 493-499, Electra, Sófocles)
 Não existe uma definição simples ou única para “família” na cultura grega. Nem oikos nem família sugerem para eles o que estamos acostumados a destacar hoje. De acordo com Rawson (2011, p.3), “não existe para ele, por exemplo, o conceito que nós conhecemos como família nuclear”. Apesar disso, ela – composta pelo pai, a mãe e os filhos -, são um importante elemento tanto da oikos quanto da ideia própria da sociedade da época do que constituía uma família.
 Oikos possui várias definições e na época poderia se referir a três termos diferentes: a família, a casa e a propriedade familiar. Ela era a unidade básica da sociedade na maioria das cidades-Estado. No conceito padrão, correspondia à linha de descendentes, de geração para geração. Era também caracterizada pela autoridade do pai no espaço privado e seus interesses eram representados por ele para com a polis. Segundo Aristóteles, muitas vezes o termo poderia incluir qualquer pessoa que vivia num mesmo local, incluindo assim escravos, preceptores e amas. 
 Sociedade patriarcal: o chefe da família era o pai. Ele tinha total autoridade sobre a mulher e os filhos e esses lhe deviam total obediência. 
 A mulher durante toda a vida respondia à uma figura masculina. Primeiro seu pai, depois seu marido e caso esse morresse, ao filho ou tutor designado. Se se casasse novamente, voltava a responder ao marido.
ELECTRA: 
Por certo, isto é vergonhoso, a mulher mandar
na casa, não o homem. 
(versos 932-933, Electra, Eurípides)
CORO: 
Pois é preciso que uma mulher, aquela que é prudente, concorde
em tudo com o esposo. 
(versos 1052-1053 , Electra, Eurípides)
ELECTRA:
Ah! Presença querida que agora recebes
minha ternura quatro vezes, pois terei
de chamar-te de pai, de dar-te todo o amor
que deveria dedicar à minha mãe
(aquela que por todas as razões odeio),
de transferir-te ainda o carinho devido
à minha irmã sacrificada cruelmente
e de te amar por ver em ti neste momento
o irmão fiel capaz de me trazer de volta
a consideração de todos os mortais! 
(versos 311-320, Coéforas, Ésquilo)
Electra, que obedecia ao pai, passou dez anos vivendo em sua memória e planejando a vingança contra a mãe para quando o irmão regressasse. Ela não toma para si esta tarefa, pois o combate era dever do homem. Assim que Orestes finalmente volta a Argos, toma a frente do plano e ela lhe trata com respeito e acata suas decisões. 
CLITEMNESTRA:
Casamo-nos violentando os meus desejos.
Mataste um dia meu primeiro esposo, Tântalo;
Arrancaste meu filho de minhas entranhas
para esmagá-lo ainda vivo contra o solo. 
Depois, meus dois irmãos, ambos filhos de Zeus,
vieram contra ti em seus corcéis brilhantes;
Meu pai, o idoso Tíndaro, a quem recorreste
A monogamia era regra. Evitava-se o matrimônio com mais de uma pessoa ao mesmo tempo além de ser desencorajado que se vivesse com amantes dentro de mesma casa. Apesar disso, muitos homens (as mulheres não) mantinham múltiplas relações sexuais, notavelmente com escravos (de ambos os gêneros). (SCHEIDEL, 2011, p. 109)
 
com um aflito suplicante que implorava 
o seu auxílio, salvou-te do degrado
prontificando-se a ser o teu protetor
e dando-te o direito de casar comigo. 
Contive meu ressentimento desde então;
Mostrei-me para ti e para tua casa
uma mulher considerada incensurável
- és testemunho disto. 
(versos 1611-1625, Ifigénia em Áulis, Eurípides)
 As famílias nobres escolhiam com quem os filhos iriam se casar, eles em si tinham pouca opinião no assunto. Havia um dote pago ao noivo pelo pai da noiva, que era devolvido caso ocorresse o divórcio. O casamento simbolizava a passagem para a vida adulta, mas não tinha uma idade “legal” para que pudesse acontecer. 
 Laços sanguíneos não eram impedimento para o matrimônio: primos, tios e sobrinhas entre outros, não eram um problemas. Porém era considerado indigno se casar com alguém “inferior”. A cerimônia era privada e não era necessária a presença de uma autoridade de justiça ou religiosa. 
LAVRADOR
A partir disso, Egisto tramou o seguinte:
exilado o filho de Agamêmnon, 
prometeu ouro a quem o matasse,
e a mim, concedeu-me ter Electra
como esposa. Sou nascido de antepassados micênicos
(quanto a isso não me censuro,
pois há pessoas ilustres na minha família, mas de bens
são pobres e logo a nobreza é extinta).
Fez isso porque, dando-apara um homem fraco, fraco seria seu medo.
Se a tivesse desposado um homem de prestígio,
o dormente assassinato de Agamêmnon despertaria
e a justiça alcançaria, então, Egisto. 
(versos 31-42, Electra, Eurípides)
 O pai tinha o direito de aceitar ou rejeitar tanto filhos nascidos de sua mulher quanto bastardos. Cabia à ele decidir se o filho podia ser ou não parte da família. Assim, no quinto dia após o nascimento, o pai comunicava sua decisão. Se ela fosse favorável, a criança ganhava um nome e passava oficialmente a participar daquele núcleo. Já os bebês rejeitados (geralmente crianças doentes, deficientes físicos etc.) eram depositados em vasos de argila e abandonadas nos campos.
Por ser composta por várias cidades-Estados independentes, a dinâmica familiar na Grécia Antiga poderia variar devido à diversidade cultural local, porém, geralmente, a mulher permanecia dentro de casa. Ela tinha uma sala particular, o “gineceu”, para onde ia quando tinha visitas. A regra comum era o marido ficar todo o dia fora. Enquanto isso, a esposa executava inúmeras atividades, como dirigir o trabalho doméstico, cuidar das homenagens aos deuses, vigiar os escravos, regular as despesas da família... 
 APOLO:
Aquele que se costuma chamar de filho
não é gerado pela mãe – ela somente
é a nutriz do germe nela semeado -;
de fato, o criador é o homem que a fecunda;
ela, como uma estranha, apenas salvaguarda
o nascituro quando os deuses não o atingem.
Oferecer-te-ei uma prova cabal
de que alguém pode ser pai sem haver mãe.
Eis uma testemunha aqui, perto de nós
- Palas, filha do soberano Zeus olímpico -,
que não cresceu nas trevas do ventre materno;
alguma deusa poderia por si mesma
ter produzido uma criança semelhante?
(versos 868-880, Eumênides, Ésquilo)
Nesses versos de Apolo, é possível ver tanto como o homem era soberano na sociedade quanto como os deuses ditavam os comportamentos e carregavam as verdades para o povo grego. O julgamento de Orestes é influenciado e ganho devido ao fato dele ter apenas feito o que o oráculo lhe disse e vingado o pai. A mãe de modo como a vemos hoje não é reconhecida e o pai recebe todo o crédito pelos filhos.
 Segundo Veyne (2009, p.31), “a escola grega constituía parte da vida pública” e portanto tomavam como espaço palestras e ginásios. Dentre os assuntos estudados estavam filosofia, retórica e música, que dividiam seu tempo com a prática de esportes. 
 Filhos homens em famílias nobres eram ensinados por tutores (e passavam mais tempo com eles do que com o próprio pai) e as mulheres por suas mães, para que aprendessem a se tornar boas esposas e donas de casa. Também podiam possuir uma ama, que ajudava na criação e cuidava da alimentação, higiene e outras necessidades da criança. Muitas vezes ela era considerada como segunda mãe.
 Esparta era a cidade-Estado mais distinta de costumes, inclusive em relação à educação. Por ser um local com características militares e grande concentração de escravos e estrangeiros, também as mulheres eram preparadas para ajudarem em caso de conflitos e tinham mais liberdade de participar de atividades fora de casa.
 
ELECTRA (para preceptor de Orestes):
Salve, meu pai, pois foste para mim um pai! 
(verso 1360, Electra, Sófocles)
AMA:
Na presença de seus criados Clitemnestra
quer dar a impressão de estar preocupada;
seus olhos, todavia, ocultam um sorriso,
pois tudo para ela se encaminha bem;
para o palácio dos Atridas, ao contrário,
os estrangeiros anunciam claramente
a mais completa ruína. Certamente Egisto
irá ficar com o coração cheio de júbilo
quando escutar as novidades que lhe trazem.
Ah! Infeliz de mim! Como as antigas mágoas,
caindo esmagadora e repetidamente
sobre o palácio do muito famoso Atreu,
amarguraram-me no peito o coração!
Nunca, porém, ao longo de minha existência
senti tamanha dor. As outras, numerosas,
eu suportei com natural resignação,
mas meu querido Orestes, a quem dediquei 
dias sem número de minha vida, ele, 
que recebi na hora de seu nascimento
e criei como um filho!... Ah! 
(versos 958-978, Coéforas, Ésquilo)
 A religião fazia parte do cotidiano familiar grego e muitas homenagens e sacrifícios eram feitos aos deuses, tanto como sinal de agradecimento, como para pedir boas fortunas ou aplacar a “fúria” dos mesmos. Eles acreditavam que tudo era organizado e julgado pelas divindades e portanto para que fossem influenciados de modo positivo deveriam honrá-los. Além disso, também eram feitos rituais aos antepassados. 
PRECEPTOR:
Não; mas tratemos de atender, sem vacilar,
às ordens dadas por Loxias; comecemos
oferecendo as libações sacramentais
ao morto, pois somente assim será possível
colher enfim a dificílima vitória.
(versos 81-85, Electra, Sófocles)
ORESTES:
Hermes das profundezas infernais, que velas
pelo poder paterno, vem juntar-te a mim,
vem logo e salva-me como aliado nosso,
a quem elevo nesta hora minhas preces!
Volto do exílio agora para minha terra...
(versos 1-5, Coéforas, Ésquilo)
ANCIÃO:
Invoco Apolo e peço a sua intercessão;
não prenda Ártemis as naves gregas
com ventos fortes insuflados contra elas
impondo mais um sacrifício ímpio,
adverso às leis, incompatível com o júbilo,
artífice de lutas em família, 
amargo fim da reverência conjugal.
Já antevejo a cólera bem próxima,
terrível, inapaziguável, sem remédio,
guardiã insidiosa desta casa
alerta sempre, sempre ansiosa por vingar
com crueldade a vítima inocente.
 (versos 178-189, Agamêmnon, Ésquilo)
 O modo como vemos família hoje difere da forma grega clássica. Não havia uma ligação afetiva forte entre todos os braços que ela pudesse ter. Apesar de ambos afirmarem amar seus filhos, Clitemnestra é mostrada como a mãe cruel que trata mal Electra durante anos e que se regozija ao saber da suposta morte do único filho homem. Ela é julgada tanto por eles, quanto pelos anciões, coros e habitantes da “cidade”. Já Agamêmnon, mesmo tendo sacrificado uma filha, é visto como o herói de guerra que foi obrigada ao ato para apaziguar os deuses. Sua atitude não é censurada e sua morte após voltar vitorioso é vista como a ação terrível de uma mulher infiel. 
APOLO:
Sim, veio, pois é totalmente diferente
a morte de um herói ilustre, respeitado
por ser o detentor do cetro instituído
graças a vontade divina; 
(versos 818-821, Eumênides, Ésquilo)
CLITEMNESTRA:
Há um poder estranho na maternidade...
As mães jamais conseguem odiar os filhos, 
nem quando maltratadas pelos mais perversos... 
(versos 779-781, Electra, Sófocles)
ELECTRA:
Parece-vos aflita esta perversa mãe
e compungida com a morte de seu filho?
Pois ela estava rindo! Ai! Infeliz de mim...!
Orestes muito amado! Matas-me, morrendo...! 
(versos 815-818, Electra, Sófocles)
AGAMÊMNON:
Ouvindo o oráculo, cheguei a resolver
que nosso arauto deveria apregoar
em altas vozes a dissolução total
das forças gregas, pois minha decisão
era não consentir jamais no sacrifício
de minha filha. 
(versos 119-124, Ifigênia em Áulis, Eurípides)
MENELAU:
Mostra-te altivo enquanto empunhas o teu cetro
depois de haver traído assim o teu irmão! 
(versos 552-553, Ifigênia em Áulis, Eurípides)

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