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C G Jung Texto - Por que somos junguianos

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Por que somos junguianos? 
 
 Por que será que somos junguianos? Ou pelo menos, mais 
modestamente, por que reconhecemos na teoria de Jung algo que nos revela? 
 C.G. Jung deu uma resposta que muito nos ajuda a compreender por que 
buscamos esta e não aquela escola de psicologia. Em ¨A divergência entre 
Freud e Jung¨, volume IV de Obras Reunidas, o psicólogo de Zurique, 
responde com um não à tentativa de separar a obra e a pessoa do psicólogo. Aí 
Jung se revela devedor da crítica filosófica que o ajudou a perceber que ¨toda 
a psicologia – inclusive a minha – tem o caráter de uma confissão subjetiva¨. 
Na psicologia, Jung estava convencido – não é possível encontrar a verdade 
sobre a psique. Para Jung o que melhor se consegue nessa área são ¨expressões 
verdadeiras¨ sobre a psique: confissões e testemunhos detalhados do que se 
observa subjetivamente. Múltiplas são as ¨expressões verdadeiras¨ nas searas 
da psicologia por que múltiplas são as subjetividades. É a partir desse 
pressuposto – da confissão subjetiva – que tanto para Jung como para 
Nietzsche – é possível a objetividade. Ignorar esse pressuposto para Jung 
significa ingenuidade teórica, pois a subjetividade não deixa de atuar por que, 
em parte, é inconsciente e, o que é pior, atua buscando universalizar-se. 
 Para Jung , as diferentes teorias psicológicas revelam diferentes 
instintos: a teoria de Freud está comprometida com o instinto sexual, a de 
Adler com o instinto de poder e a de Jung com uma multiplicidade 
relativamente autônoma de complexos psíquicos, ou seja de 
instintos/arquétipos. Estamos então insistindo que o primeiro momento da 
construção da sua psicologia, a psicologia analítica, é a sua própria 
subjetividade. Para Jung, a psicologia freudiana, adleriana e outras também se 
explicam a partir da subjetividade desses autores. É por isso que Jung defende 
psicologias que se opõem a ele, como as de Freud e de Adler. Jung pode fazer 
isso por que seu marco de compreensão é outro, o do perspectivismo. Cito o 
autor: 
 ¨Tenho plena consciência dos méritos de Freud, e não tenho 
intenção alguma de diminuí-los. Sei, inclusive que o que ele diz, se adapta 
a um grande número de pessoas, e é possível afirmar que tais pessoas tem 
exatamente a psicologia que ele descreve. Adler, cujo ponto de vista era 
completamente diverso, também tem um grande número de seguidores, e 
estou convencido de que muitos tem uma psicologia adleriana. Também 
tenho os meus – não são tão numerosos como os de Freud – pessoas que, 
presumivelmente, tem a minha psicologia. Chego a considerar minha 
contribuição, como minha própria contribuição subjetiva. É a minha 
psicologia que está nisso, meu preconceito que me leva a ver os fatos da 
minha própria maneira. Mas espero que Freud e Adler façam o mesmo, e 
confessem que suas idéias, representam pontos de vistas subjetivos.Desde 
que admitamos nosso preconceito estamos realmente contribuindo para 
uma psicologia objetiva¨ ( CW,VIII, pr. 275). 
 Eis por que reconhecemos na teoria e na prática junguiana algo que nos 
revela. Nossa psicologia – nossa subjetividade – tem em alguma medida 
¨afinidade eletiva¨- no sentido goethiano – com a psicologia analítica. 
 
 Jung viveu no final do século XIX e primeira metade do século XX e 
constatou – sem nomeá-lo – um fenômeno que estava se difundindo 
insidiosamente por todas as esferas da cultura: o niilismo. Niilismo é um 
fenômeno destrutivo, na nossa perspectiva, afetando radicalmente a situação 
humana no mundo, pois mina as possibilidades de se afirmar um sentido para 
a vida. A face (medonha) do niilismo moderno revela, em si mesmo, a crise 
de sentido. As manifestações mais explícitas desse niilismo é a banalização da 
experiência de morte, a violência que por toda a parte nos espreita, a 
corrupção, a exclusão bárbara, o espetáculo do aparecer, do simulacro, do 
virtual1. 
 Desprovido das razões de viver, isto é, de um sentido possível, se não 
da vida, pelo menos para a vida, o homem do século XX – e mais ainda no 
século XXI - vive um individualismo exacerbado e, na sua fragilidade, 
defende-se agarrando-se ao coletivo. 
 Como chegamos a isso? Não são poucos os autores – e Jung entre eles – 
que atribuem o niilismo contemporâneo à lógica moderna do 
antropocentrismo. É o antropocentrismo que produz desamparo e estranheza e, 
também, não sentido. Como o homem tornou-se o centro? Que homem é esse 
que ocupou esse lugar? Como o não-sentido acabou por prevalecer e com ele 
uma razão fabricadora, uma razão legisladora do aparecer, do simulacro, do 
virtual? 
 A discussão é longa e a ela não nos ateremos nesse momento. Jung 
criticou longamente a modernidade e nela a hegemonia da razão e da ciência 
arvorando-se como único sentido possível do mundo. Para impor-se assim, a 
ciência e a razão praticaram um verdadeiro epistemicídio roubando aos 
demais conhecimentos e práticas sentidos de mundo. A relação do homem e o 
mundo, do homem com o mundo se faz, agora, segundo as categorias de 
estranhamento e dominação, e é somente o arbítrio da vontade livre que define 
 
1 BARRETO. Marco Heleno. Símbolo e sabedoria prática – C.G.Jung e o Mal- estar da modernidade. Tese de 
doutoramento. UFMG, 2006. Especialmente os capítulkos: ¨Em busca do sentido: o resgate do símbolo¨e 
¨Tradição, Modernidade, Experiência simbólica¨.VAZ. H.C.L. Escritos Filosóficos III. S.P. Loyola, 1992. 
os rumos da ação humana na modelação do mundo. Esse Eu soberano, 
legislador está, doravante, enredado no projeto de extensão ilimitada de seu 
próprio poder. Tornou-se sinônimo de hybris. Como se sabe, Jung nunca se 
deixou seduzir pela idéia do progresso. Ao contrário, e como um bom 
romântico, via o futuro e o progresso com muita desconfiança. 
 Na sociedade moderna o homem corre um sério risco: sua captura pela 
razão, pela ciência e pela técnica reduzindo-o a um ¨fragmento de si mesmo¨ - 
como gostava de afirmar Jung. O perigo, ou os perigos revelam-se no 
achatamento, na impessoalidade, na impropriedade e na inautenticidade do 
homem moderno. 
O coração dessa captura é a noção de re-presentação – como único 
acesso ao real. A filosofia moderna, a ciência moderna re-presentam. A 
modernidade é sinônimo de representação. Isto significa que o mundo 
moderno está dividido em sujeito e objeto – sujeito racional do conhecimento 
e os objetos do conhecimento: a natureza, o próprio homem. Para que haja 
conhecimento é preciso, assim prega a filosofia e a ciência moderna, 
objetificar o mundo. Só com a divisão radical entre sujeito do conhecimento e 
objeto do conhecimento a re-presentação alcançou o privilegiado lugar de ser 
o único acesso ao real. E, com ela a ciência e a técnica pois a ciência 
moderna só conhece através da re-presentação, quero dizer, da radical 
separação entre sujeito e objeto. Eis onde habita o perigo: decorre do fato de o 
homem ler a si mesmo e ao mundo com base em seus modos derivados de 
ser: como sujeito que teoriza e o mundo como objeto de teorização. 
Acrescente-se a isso a contradição instalada no cerne do projeto da 
civilização moderna, e que determina o seu destino. De uma lado é uma 
civilização que dispõe de todos os instrumentos e recursos materiais para 
assegurar a sua sobrevivência e seu progresso tecnológico, mas assiste 
inquieta a uma crise profunda do seu universo simbólico e das suas próprias 
razões de ser. A modernidade encontra - se pois, ao mesmo tempo triunfante – 
dado seu poder tecnológico e científico – e em profunda crise, se a 
considerarmos desde o ponto de vista do dever ético fundamental que é, para o 
homem, a instauração do sentido na sua vida – o dever de realizar a verdade 
da sua existência. Esse diagnóstico é do filósofo – e também padre – Henrique 
Vaz2, mas poderia, sem hesitação, ser atribuído a C.G. Jung. 
Ora, a psicologiaanalítica se construiu em oposição ao niilismo 
presente na modernidade e nos convoca, de novo, à velha pergunta 
existencial: qual o sentido das nossas vidas? qual é nossa verdade existencial? 
Eis um outro motivo de nossa possível ¨afinidade eletiva¨ com a teoria 
 
2 VAZ. H.C.L. Escritos Filosóficos III. S.P. Loyola, 1992 - p . 172-175. 
junguiana: estamos famintos de sentido e significado e queremos oferecer 
para os outros sentido e significado existencial. 
 
 Vamos apresentar agora um terceiro possível motivo da nossa filiação 
à psicologia analítica e, daí por diante, já estamos entrando no coração da 
teoria junguina. Refiro-me a uma ¨atitude de Jung¨, atitude, que diga-se de 
passagem, é romântica: a relação com o mistério. Se o nosso pensamento e 
nossas ações no mundo pudessem levar em conta o mistério – uma espécie de 
reserva de sentido que o homem não acessa – com certeza seríamos 
culturalmente bem diferentes, seríamos, como discute R. Safranski, 
românticos3. Essa ¨reserva de sentido¨ impõe um senão à claridade, à 
saturação, ao esgotamento de todos os processos. Sempre sobra um senão, 
sempre um senão. Levar em conta o mistério transforma completamente nosso 
pensamento e nossa ação no mundo por que o homem deixa de estar sozinho, 
deixa de contar consigo mesmo e só consigo mesmo. O homem já não se 
basta! 
 O mistério aparece na obra de Jung de múltiplas maneiras. Aquela que 
nos revela como junguianos – e, talvez, dela decorra todas as todas as outras 
questões – é que Jung não foi capturado pela noção moderna de re-
presentação. Jung é partidário da idéia que o sentido e o significado estão 
sempre aquém da re-presentação. Vale dizer, o homem, vindo do não-ser 
chega com o que poderíamos chamar um potencial herdado e, esse potencial 
herdado revela-se – muito palidamente - através de sentido e significado. 
Esse sentido e significado potencial não se esgota ao longo de toda a travessia 
humana antes que, de novo, o homem, passe para o não ser, quando então, 
sua travessia chega ao fim. 
 Esse potencial herdado, esse a priori de sentido e significado, essa 
reserva de sentido antecede o mundo intersubjetivo, muito embora, 
obviamente, só se revele através desse mundo intersubjetivo, vale dizer, na 
relação com o outro. Jung chamava essa base, esse a priori de 
instintos/arquétipos e muito escreveu sobre isso. É daí que decorrem todas as 
outras grandes questões da psicologia analítica. Esse é o diferencial da escola 
junguiana e se compreendermos profundamente essa questão, 
compreenderemos o coração da psicologia analítica. O potencial herdado com 
que somos lançados ao mundo envolto está em imagens arquetípicas – 
fantasias originárias. Elas, as imagens originárias – ou inconsciente coletivo 
– são o reservatório de sentido e significado. Entramos pois no mundo, vindos 
de não sei onde portando uma nesga se sentido e de significado. A escola 
 
3 SAFRANSKI. R. O Romantismo – uma questão alemã. S.P. Estação Liberdade, 2010. 
junguiana é inatista e todas as escolas inatistas – inclusive na psicanálise – 
tem alguns diferenciais que vale à pena discutir. 
 Uma formulação interessante aparece no livro de Jung chamado O 
segredo da flor de ouro: não há separação entre o ser e a dinâmica da sua 
realização e, então, do fulgor do princípio. Essa formulação que Jung 
retoma dos pré-socráticos e de Heráclito em particular transforma a nossa 
perspectiva – moderna – de interpretação de todos os entes e, particularmente, 
do ente-homem, pois se não há separação entre o ser e dinâmica de sua 
realização, isto significa que o colorido emocional e afetivo inato – que Jung 
chama de imagens arquetípicas portadoras de uma nesga de sentido e 
significado – brotará ao longo de toda a vida. Cito Jung: ¨... o que nasce ou é 
criado num dado momento adquire as qualidades desse momento¨ (p. 15). A 
individuação – uma espécie de lei interna para Jung – é, então, esse brotar que 
jamais cessa ao longo da vida e, particularmente, na metanóia. Esse brotar é 
numinoso, ou seja, nele se inscreve o paradoxo do terror e do êxtase – tal 
como propôs Rudolf Otto, no livro O sagrado. E então podemos compreender 
que a experiência do sagrado, para Jung, está inscrita na própria vida, bem 
vivida, quero dizer que se individua: aceitando e realizando sua própria lei 
interna. 
É assim que começamos a revelar a importância de Jung e de outras 
correntes teóricas não devedores da re-presentação. Aliás, fazem a crítica da 
re-presentação – e então da objetificação – como único acesso ao real. Jung é 
radical: o acesso privilegiado ao real se dá pelo sentido e pelo significado, 
pelo valor – emocional inscrito nas imagens originárias - e não pela re-
presentação. Para que fique definitivamente claro, vimos no início, que Jung 
fez da sua ¨confissão subjetiva¨, do testemunho de si mesmo - vale dizer das 
suas fantasias originárias, emoções, afetos, traumas, do seu chão de sentido e 
significado existenciais - a base da psicologia analítica. Repare pois o leitor 
quão longe estamos da re-presentação inscrita na ciência moderna. A 
psicologia analítica convive melhor com narrativas, com testemunhos, com 
confissões. Como afirma M. Blanchot, a narrativa não relata um 
acontecimento; ela é o acontecimento4! Jung não se ocupa da ciência no 
sentido estrito do termo, muito embora se valha de tipologias, e de tipos 
ideais. 
 A escola junguiana, não toma o homem como objeto de conhecimento, 
não objetifica o mundo. Nessa clínica tratar o homem como objeto é adoecê-
lo! Tratar o homem como se fosse um entre tantos objetos da ciência é um 
convite ao adoecimento e não à saúde. O homem é um hermeneuta: capaz de 
 
4 BLANCHOT. M. O Livro por vir. 
atribuir ou colher sentido e significado, capaz de compreender o mundo, capaz 
de interpretar o mundo. Como hermeneuta, o homem é abertura e não um 
¨animal racional¨ - como insiste a modernidade. 
 
 Claro está que a discussão acima terá repercussões importantes na 
clínica e, particularmente na clínica junguiana: 
 
 1) Nela, na clínica, o paciente readquire capacidade de mitologizar, 
de criar e viver imagens e então sentido e significado. É devolvida ao homem 
sua capacidade de fabular, de narrar histórias – via sonhos e imaginação ativa 
– a seu respeito e a respeito do mundo, da história e da natureza. Cito Jung: 
...¨No entanto, isto é ainda ¨psicologia¨, apesar de não mais ser ciência, é 
psicologia no sentido lato da palavra, uma atividade psicológica de natureza 
criativa, na qual à fantasia criativa é dada primazia. Ao invés de usar o termo 
¨fantasia criativa¨, seria igualmente correto dizer que na psicologia prática 
deste tipo, o papel principal é dado a própria vida¨ ( Obras Reunidas, volume 
6, pr. 84). 
 O que interessa para Jung é este chão de sentido e significado que 
volta a ter vida! A psicologia analítica é voltada, sobretudo, para o futuro. 
Jung mantinha presente o ¨para quê¨ e não só o ¨por quê¨. Pergunta implícita 
sempre presente: ¨onde a psique quer chegar ao produzir tal sintoma¨? Os 
meandros, contratempos, desvios nada disso ou tudo isso ganha sentido para a 
alma, para onde a psique quer chegar: seus des-caminhos não raro revela 
caminhos. E então, o paciente é convidado a mitologizar o início e o fim, a 
arché e o telos, o por quê e sobretudo o para quê; é convidado a atribuir 
sentido para o não ser, para o morrer. Um chão de sentido e de significado é 
então construído. Para Jung é fundamental o início, a arché e o fim o telos. O 
ser humano então se situa entre dois mistérios. Estamos sempre iniciando e 
finalizando algo. O convite a mitologizar permite que o homem na suadimensão pessoal desvele pressentimentos da verdade universal da condição 
humana: não é exatamente isto que sustenta o método de amplificação de 
Jung? Dito de outra maneira, na clínica junguiana quem impera é o 
pensamento-fantasia – e não o pensamento dirigido, quero dizer, o 
pensamento científico -: pensamento criativo por excelência, pensamento 
clínico: uma espécie de devaneio. É um pensar por imagens e quem o dirige 
são os motivos inconscientes: é improdutivo em relação à adaptação, inútil, 
não eficaz. É diferente do sonho, pois, para Jung o sonho é fantasia passiva, 
linguagem do inconsciente. O pensamento-fantasia aproxima os opostos ( 
consciente e inconsciente) e por isso tem para Jung papel central dando 
nascimento ao não previsto. É a ¨ área intermediária¨, a brincadeira. É esse 
pensamento analógico que compõe a clínica junguiana. (Obras Reunidas, 
volume V, pr. 18 -20). 
 Trata-se de um conjunto de concepções imagéticas que estão 
relacionadas entre si. E, de alguma maneira, o que está no início, as 
imagens/fantasias originárias ¨indicam¨/ ¨sinalizam¨ o telos, o para quê. 
Individuar-se significa endereçar-se para a finalidade, o para quê. Esta, talvez, 
seja uma das chaves importantes da compreensão da divergência entre Freud e 
Jung. Para Jung, não bastava o porquê (a causalidade dos processos psíquicos, 
dos sintomas) — o “para trás” —, pois Jung se preocupava, também, com o 
para quê — “o para frente”: qual a finalidade da psique ao produzir um 
determinado sintoma, um sonho, uma imagem, um complexo. 
 
2) Nela, na clínica, duas pessoas se encontram e o método, gostava de 
afirmar Jung, é a personalidade do próprio analista. Personalidade, claro está, 
analisada. O paciente aqui não é um objeto, não é objetificado e o método está 
incorporado ao analista analisado e, então, não é um dispositivo técnico. 
 A análise propicia o encontro de dois sistemas psíquicos – do analista e 
do analisando -: duas pessoas cujo sistema psíquico não se reduz só à 
consciência, mas também a uma vasta área inconsciente. Esses dois sistemas 
psíquicos pressupõem um procedimento dialético, quero dizer, diálogo. Jung 
refere-se à dialética como arte de conversação dos antigos filósofos. Os 
sonhos e as fantasias ativas serão objeto desse diálogo. 
 É importante ter presente uma inflexão significativa no sentido da 
palavra dialética que deriva de dialegesthai ( falar com, discorrer, raciocinar) 
e pressupõem interlocutores. Friso isso por que Jung tem presente essa sutil 
inflexão, que a palavra dialética sofreu na filosofia platônica. Originariamente, 
entendia-se por dialética o processo de discussão oral por meio da pergunta e 
da resposta. A palavra passou, porém, do simples significado de discorrer para 
o de ¨ discorrer com o fim de atingir a verdade ¨. De designação do método, a 
dialética passou a identificar-se com o próprio objeto a alcançar por esta via: a 
verdade, o saber filosófico. Jung usaria a palavra dialética/diálogo em seu 
sentido originário, ou seja, valorizaria o ¨em aberto¨5. O processo dialético, de 
acordo com Jung, ¨consiste numa comparação entre os nossos ( terapeuta e 
paciente) achados mútuos. Mas isto se torna possível somente se dou à outra 
pessoa a chance de participar por inteiro, sem ser tolhida pelas minhas 
pressuposições. Desta forma, seu sistema liga-se ao meu, agindo sobre ele; 
minha reação é a única coisa com que eu, como indivíduo, posso 
 
5 MARONI. Amnéris. Jung o poeta da alma. S.P. Summus, 1998, p. 126 e 127. 
legitimamente confrontar o meu paciente¨ ( Obras Reunidas, volume 16, pr. 
2). 
Quem mais se aproxima de Jung nesta questão, do fazer clínico, é Bion, 
psicanalista inglês, falecido em 1979, pois afirmava que o valor do analista 
não reside tanto no que sabe ou diz, mas ¨no que ele realmente é¨. Para ele, a 
análise é de natureza vincular entre duas pessoas que enfrentam juntas 
verdades dolorosas de serem reconhecidas. Bion foi um dos psicanalistas que 
mais refletiu sobre o destino e as vicissitudes do pensamento científico em 
psicanálise; criticava os jargões, a reificação das idéias e dos conceitos, o 
desgaste do sentido inscrito nessa reificação e a infiltração de uma 
mentalidade religiosa no pensamento psicanalítico com a atribuição de dotes 
messiânicos a determinados autores e a formação de um séquito de 
admiradores. Uma das contribuições mais significativas de Bion é a natureza 
vincular do par analítico que pode ser: parasitário, comensal, e simbiótico. 
 
3) Na clínica junguiana as pretensões da análise e do analista são 
limitadas. A transferência pode ser lida como facilitadora e o analista como 
uma espécie de tradutor de portais - celeiros de sentido e significado. E isso é 
assim por que, fundamentalmente Jung desenhou, através de um tipo ideal, um 
caminho. É essa a contribuição que Jung ofereceu-nos um caminho muito 
aberto onde cada um pode se reconhecer à sua maneira. Nesse caminho estão 
assinalados alguns grandes portais: a máscara social, a sombra, o feminino e o 
masculino, os perigos das personalidades-manas: o velho sábio e a grande mãe 
e o self, o lugar de chegada jamais alcançado. Ora, tal processo é urobórico: 
nas fantasias originárias inscrevem-se, em alguma medida, a finalidade — e 
por isso dissemos que individuação é destinação. Jung evita o termo 
“teleológico” para não dar margem ao mal-entendido que vem associado ao 
conceito corrente de teleologia, ou seja, a opinião de que a teleologia encerra a 
idéia de prefixação de um fim a ser alcançado (CW 8, pr. 3, nota 3). Vamos 
levar essa diferença a sério: a idéia de destinação junguiana não comporta um 
fim prefixado. Se comportasse, retiraria a aventura do processo, da experiência. 
É preciso vivê-la aberta; só assim nos mantemos no aguardo, na espreita; 
aquietados, mas na espreita e na espera. E, todavia, a finalidade está, de alguma 
maneira, inscrita nas fantasias originárias. Nelas, aliás está inscrita uma certa 
dinâmica, um tender para, um para quê e, por isso — insistimos —, uma 
destinação que conta com o “homem todo” para se realizar. Conta com sua 
capacidade de perguntar. Entre a arché e o telos está a consciência do 
processo, uma consciência em expansão, pois que a meta (o Self) é 
inalcançável e irrepresentável — pelo menos pela palavra, pelo logos6. 
Se esta é a contribuição decisiva da escola junguiana, compreende-se 
que a análise ganha limites e, ganha limites porque parte do inatismo: algo 
deve ser levado em conta: as fantasias originárias – a base instintiva/ 
arquetípica inscrita no nosso potencial herdado – e, como vimos o seu brotar 
ao longo do caminho. A escola junguiana é convidada a lidar com esses 
limites e é por isso que a clínica junguiana tem as características que tem: a 
transferência e o analista são facilitadores de uma personalidade – do 
analisando – que tem uma lei própria: a da individuação e uma base afetiva 
emocional inata. Insisto as escolas de psicologia inatistas encontram aí os seus 
limites. E então, essas escolas de base inatista opõem-se fortemente ao 
humanismo moderno e a sua pretensão ténico-científica de tudo transformar. 
 
 4) A clínica junguiana dá um lugar de honra para o mistério através da 
sincronicidade que não deixa de ser uma linguagem-pensamento não causal. 
Sincronicidade e tempo qualitativo caminham juntos no pensamento 
junguiano. Cito Jung: ¨Longe de ser uma abstração. O tempo se apresenta 
como continuidade concreta, contendo qualidades e condições básicas, que 
se podem manifestar em locais diferentes com relativa simultaneidade, num 
paralelismo que não se explica de forma causal, por exemplo, na ocorrência 
simultânea de pensamentos, símbolos ou estados psíquicos similares¨ ( Flor de 
ouro, p. 14. Na coincidência, na sincronicidade, na temporalização conjunta,o 
ocorrer junto é dito em grego sym-bebekos e em latim ad cadere, cair ao lado 
de. O tempo certo do symbebekos é o próprio tempo em que ele ocorre. É da 
co-incidência, ela mesma, que advém a certeza, a evidência de seu dizer 
verdadeiro. Não há mediação, não há causa. É subitamente que se revela 
tornando-se verdade. O princípio de sincronicidade, o princípio de articulação 
( espaço-temporal) dos eventos: é o princípio mesmo a partir de onde a 
causalidade encontra sua origem e sua justificativa. A sincronicidade enquanto 
vivencia significativa comporta, para Jung, a emoção, a emoção numinosa: 
terror e êxtase ao mesmo tempo. A sincronicidade, a observação de 
sincronicidades, é muito importante no caminho da individuação. Nesse 
momento excepcional algo novo se impõe, algo não previsto pela cadeia da 
causalidade que repõe o mundo no sempre igual, no conhecido, no 
previsível.O indivíduo é atravessado por algo novo de outra ordem, talvez da 
ordem do tempo, um tempo aiôntico. Esta linguagem-pensamento não causal, 
fora da cadeia de causa e efeito, juntamente com o pensamento-fantasia, são 
 
6 MARONI. Amnéris A. ¨ A Singularidade do Encontro Analítico¨.In: Eros na Passagem – uma leitura de Jung 
a partir de Bion.. S.P. Idéias e Letras, 2008. 
grandes desconstrutores da modernidade, da objetificação, da fabricação, pois 
atravessam nossas vidas doando sentido e sacralidade. 
 
 ////////////////////////////////////////////////////////////////////////// 
 
 Por todas as características que discutimos acima, a clínica 
junguiana – como todas as escolas de psicanálise – contribui muito com uma 
perspectiva, com um olhar sobre a psique e, todavia, se mantém faltante, se 
mantém aquém da complexidade da psique. É preciso compô-la com outras 
escolas de psicanálise que doaram outros olhares, outras perspectivas sobre a 
psique. Entre essas escolas que muito contribuiriam com a clínica junguiana 
cito a psicanálise inglesa de D. Winnicott e W.R. Bion. A aproximação entre 
esses autores e C.G.Jung é muito maior do que a primeira vista podemos 
supor. E se aproximam no que é fundamental e que eu retomo aqui a título de 
conclusão. Para os três autores o sentido e o significado antecedem a re-
presentação e então o acesso ao real é mais originário; os três autores 
convivem bem com o mistério e então o sagrado e a vida dão-se as mãos. Cito 
ainda outra escola que acrescentaria muito à psicologia analítica: a 
fenomenologia e a hermenêutica e, então, a psicologia existencial. Multiplicar 
pontos de vistas na clínica ajuda muito o par analítico e enriquece a análise. 
Talvez não haja vantagens em se afirmar – como se fazia no século XX - ¨sou 
junguiano¨, ¨sou lacaniano¨, sou ¨kleiniano¨, sou ¨freudiano¨, sou 
¨existencialista¨. Essa afirmação e construção de identidade é uma confissão 
não muito inteligente de que somos capazes de pensar só em uma única 
direção, só de um jeito! E essa confissão não é vantajosa, não é útil, não é 
inteligente. A era das escolas e a guerra entre elas está começando a desabar. 
Que bom! 
 
 
 
Amnéris A. Maroni

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