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Epidemiologia e Saúde Pública Epidemiologia e Saúde Pública Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2017 Grace Prá Kátia Gonçalves dos Santos Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. ISBN: 978-85-5639-255-8 Dados técnicos do livro Diagramação: Jonatan Souza Revisão: Igor Campos Dutra O livro Epidemiologia e Saúde Pública vem ao encontro da necessidade vivenciada por aqueles que estão iniciando os seus estudos nesta área do conhecimento, que é dispor de uma fonte de consulta abrangente e, ao mesmo tempo, acessível. Esta obra não tem a pretensão de substituir os vários bons livros-texto existentes sobre a epidemiologia (e citados no final de cada capítulo). Ao contrário, Epidemiologia e Saúde Pública se propõe a ser uma fonte de referência básica e inicial para todos que buscam se familiarizar com os conceitos, definições e métodos empregados na epidemiologia. Os dez capítulos que compõem este livro fornecem a base conceitual para a interpre- tação adequada dos estudos epidemiológicos. Cabe mencionar que, durante a escolha dos exemplos apresentados em cada capítulo, foi dada prioridade, sempre que possível, para os estudos realizados no Brasil e para as doenças (ou outros desfechos de saúde) mais comuns na nossa população. No primeiro capítulo, são apresentados os conceitos gerais que são ex- plorados com maior detalhamento ao longo do livro. No segundo capítulo, é feito um breve histórico da epidemiologia e da evolução dos conceitos de saúde-doença. Já o terceiro capítulo trata dos dois principais indicadores de saúde, que são a prevalência e a incidência, apresentando suas defini- ções e a estrutura dos estudos feitos para determiná-las. Os Capítulos 4, 5 e 6 abordam os vários tipos de delineamento – observacionais e expe- rimentais – que um estudo epidemiológico pode ter. Nestes capítulos, são apresentadas a estrutura básica de cada tipo de estudo e as medidas de efeito e de associação que podem ser estimadas, bem como as suas vanta- gens e desvantagens. Os Capítulos 7, 8 e 9 tratam dos diferentes enfoques de pesquisa que um estudo epidemiológico pode ter. Por fim, o Capítulo 10 aborda a questão dos sistemas de informação e gerenciamento da vasta gama de dados epidemiológicos disponíveis. Bom estudo! Grace Prá Kátia Gonçalves dos Santos Apresentação 1 Conceitos Gerais ..................................................................1 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença e a História da Epidemiologia ...................................................20 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência ...................38 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos de Coorte ...........................................................................54 5 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos Transversais e de Caso-Controle .........................................77 6 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos Ecológicos, Ensaios Clínicos e Outros Tipos de Estudo .........99 7 Enfoques da Pesquisa Epidemiológica: Etiologia e Prognóstico ....................................................................123 8 Enfoques da Pesquisa Epidemiológica: Diagnóstico e Tratamento .......................................................................141 9 Enfoques da Pesquisa Epidemiológica: Prevenção ..............163 10 Sistemas de Informação e Gerenciamento de Dados .........181 Sumário Conceitos Gerais1 1 Mestra em Genética e Biologia Molecular, Professora do Curso de Ciências Bio- lógicas da ULBRA. Grace Prá1 Capítulo 1 2 Epidemiologia e Saúde Pública Introdução Neste capítulo, serão apresentados os conceitos, importância, aplicações da epidemiologia, além da metodologia epidemio- lógica. Também serão discutidos vários conceitos que darão suporte para os capítulos posteriores. 1 Definição de Epidemiologia A etimologia do termo “Epidemiologia” (epi = sobre; demos = povo e logos = estudo) a estabelece como a “ciência do que ocorre sobre o povo”. Portanto, é o estudo daquilo que ocorre em uma população. Mais precisamente, o estudo dos fenômenos relacionados à saúde de uma população. Para Lilienfeld (1980), a epidemiologia é a ciência que es- tuda os padrões da ocorrência de doenças em populações humanas e os fatores determinantes destes padrões. Segundo Rouquayrol e Goldbaum (2003), Epidemiologia é a “ciência que estuda o processo saúde-doença em coletivida- des humanas, analisando a distribuição e os fatores determi- nantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou erradicação de doenças, e fornecendo indicado- res que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde”. Os conceitos de epidemiologia foram se transformando ao longo do tempo, de acordo com a evolução do seu conhecimen- Capítulo 1 Conceitos Gerais 3 to e, “apesar de não haver um consenso em relação a sua defini- ção, ela é entendida em sentido amplo, como o estudo do com- portamento coletivo da saúde e da doença” (PEREIRA, 1995). A epidemiologia é considerada uma ciência fundamental para a saúde coletiva, constituindo-se em um dos pilares para todas as ciências da saúde, envolvendo profissionais de várias áreas do conhecimento, tais como médicos, enfermeiros, den- tistas, biólogos, estatísticos, farmacêuticos, assistentes sociais, geógrafos, dentre outros. 2 Importância da Epidemiologia Um dos princípios básicos da Epidemiologia é o de que os agravos à saúde não ocorrem por acaso em uma população, mas a distribuição dos agravos à saúde é produto da ação de fatores que se distribuem desigualmente na população. A identificação dos fatores responsáveis pela distribuição das doenças é uma das preocupações constantes da Epidemiolo- gia. O conhecimento dos fatores determinantes das doenças permite a aplicação de medidas preventivas com o propósito de resolver o problema (PEREIRA, 1995). Considerada como a ciência da saúde pública, a epide- miologia contribui para a promoção da saúde das comunida- des através do desenvolvimento de inúmeras medidas, como a implementação da vigilância epidemiológica, a investigação da distribuição das doenças e a monitorização das estratégias de intervenção em saúde (KOHATSU e cols., 2004). 4 Epidemiologia e Saúde Pública 3 Aplicações da Epidemiologia De acordo com Pereira (1995), as aplicações da Epidemiolo- gia são: Â Descrever as condições de saúde da população: deta- lhar a ocorrência de eventos relacionados à saúde nas populações, determinar a distribuição e as frequências dos agravos à saúde ocorridos em uma população, co- nhecer padrões gerais no comportamento de doenças e identificar os subgrupos populacionais afetados por esses problemas. Â Investigar os fatores determinantes da situação de saú- de: identificar os determinantes do surgimento e manu- tenção dos agravos à saúde na população. Â Avaliar o impacto das ações para alterar a situação de saúde: determinação da utilidade e eficácia das ações iso- ladas, dos programas e dos serviços de saúde na interven- ção e prevenção dos problemasde saúde na população. 4 Metodologia epidemiológica A investigação epidemiológica pode ser realizada, basicamen- te, através de estudos observacionais ou experimentais e classi- ficados em: Epidemiologia observacional descritiva, Epidemio- logia observacional analítica e Epidemiologia experimental. a. Epidemiologia observacional descritiva – estuda a distribuição das doenças na população. Procura ob- Capítulo 1 Conceitos Gerais 5 servar e descrever a distribuição das doenças em uma população, em função de variáveis ligadas ao tempo (quando), ao espaço físico ou lugar (onde) e à pessoa (quem). b. Epidemiologia observacional analítica – faz a análi- se das observações feitas a partir do estudo descritivo. Busca explicar o fenômeno, bem como os fatores deter- minantes para a distribuição observada, isto é, analisa como e de que forma o agravo atinge a população. c. Epidemiologia experimental (intervencional) – nesse tipo de pesquisa, são realizados experimentos controla- dos para evidenciar diretamente os fatores causais do agravo em estudo. Esses estudos podem ser do tipo en- saio clínico randomizado, ensaio de campo ou ensaio comunitário. 5 Conceitos 5.1 Saúde/doença Os conceitos de saúde/doença são universais e possuem im- plicações legais, sociais e econômicas para todas as socieda- des. Entretanto, devido às dificuldades de se conceituar saúde, definições mais práticas de saúde e doença se tonam necessá- rias. Nesse sentido, a epidemiologia se concentra em aspectos que são relativamente fáceis de medir, tais como “doença pre- sente” ou “doença ausente”. 6 Epidemiologia e Saúde Pública O desenvolvimento de critérios para determinar a presença de uma doença requer a definição de “normalidade” e “anor- malidade”. Entretanto, pode ser difícil definir o que é normal ou anormal, pois frequentemente não há uma clara distinção entre normal e anormal e, muitas vezes, esses estados fazem parte de um espectro contínuo. Para realizar uma discussão mais aprofundada, os concei- tos de saúde e doença serão discutidos no próximo capítulo. 5.2 Desfechos de saúde São os eventos relativos às condições de saúde dos indivíduos e estão relacionados aos sintomas (dor ou desconforto referido por um paciente), deficiência funcional, doença e morte. Segundo Fletcher (2014), os desfechos de saúde podem ser descritos como os “Cinco Ds” (Tabela 1). Tabela 1 Desfechos de doenças Desfechos de doenças (os cinco Ds) Desenlace ou morte (death) Um desfecho ruim, se for antes do tempo. Doença (disease) Um conjunto de sintomas, sinais físicos e anormalidades laboratoriais. Desconforto (discomfort) Sintomas como dor, náusea, dispneia, prurido e zumbido. Deficiência funcional (disability) Limitações da capacidade de desempenhar as atividades domésticas normais, no trabalho ou no lazer. Descontentamento (dissatisfaction) Reação emocional à doença e ao seu cuidado, como tristeza e raiva. Fonte: adaptado de FLETCHER, 2014 Capítulo 1 Conceitos Gerais 7 Os desfechos normalmente se referem a doenças ou con- dição de saúde, mas podem ser também medidas antropomé- tricas, fisiológicas ou bioquímicas. 5.3 Variáveis São as características dos indivíduos ou dos eventos clínicos re- lacionados aos indivíduos. Como essas características podem variar entre os indivíduos ou eventos, são conhecidas como variáveis. Exemplos de variáveis: sexo, peso corporal, idade, altura, hábitos de vida etc. Existem três tipos de variáveis. a. Variável independente (ou preditora): é uma supos- ta causa para um determinado efeito ou consequência, aquela que é o fator determinante para que ocorra um determinado resultado. b. Variável dependente (ou de desfecho): é o efeito possível ou a resposta observada como resultado da manipulação da variável independente. c. Variável externa (ou covariável): é aquele fator ou propriedade que pode afetar a relação entre a variável dependente e a independente, isto é, afetar o fenômeno observado. 5.4 População É um grupo total de indivíduos que habitam determinada re- gião ou que possuam determinadas características comuns: 8 Epidemiologia e Saúde Pública sociais, culturais, econômicas ou históricas. Nesse caso, pode- -se denominar população geral. Exemplo: adultos da zona urbana de Caxias do Sul, RS. População de risco: pode ser definida como o conjun- to de pessoas suscetíveis a determinadas doenças; podem ser estudadas conforme fatores demográficos, geográficos e am- bientais. Exemplo: a população de risco para câncer de próstata é constituída somente por homens, já a população de risco para acidentes de trabalho é constituída somente por trabalhadores. 5.5 Amostra É um subconjunto de indivíduos com características represen- tativas da população de origem, ou seja, é uma parte do total da população que será estudada (Figura 1). Para que a amos- tra seja representativa da população, é necessário que todas as características dessa população estejam representadas na amostra. Inferência estatística: processo pelo qual se examina uma amostra e se obtêm informações de que as características da amostra sejam semelhantes àquelas da população de origem (FLETCHER, 2014). Exemplo: amostra aleatória simples de 1000 adultos mora- dores de Caxias, RS. Capítulo 1 Conceitos Gerais 9 Figura 1 População e amostra.Adaptado de https://pixabay.com/pt/ comunidade-multid%C3%A3o-grupo-homem-150124/ 5.6 Viés (erro sistemático) Viés é um erro sistemático (de concepção, metodologia, co- leta e análise de dados) introduzido em qualquer fase de um estudo. Esse erro é não intencional e resulta de questões con- ceituais ou metodológicas (coleta, análise, interpretação ou revisão de dados) que não foram apropriadamente resolvidas. (PEREIRA,1995) Qualquer desvio na coleta, análise, interpretação, publi- cação ou revisão de dados que pode levar a conclusões que são sistematicamente diferentes das verdadeiras (LAST, 2001). Normalmente, é muito difícil ou até impossível eliminar totalmente os vieses. No entanto, se deve sempre tentar mi- nimizá-los, e os seus efeitos devem ser identificados e com- 10 Epidemiologia e Saúde Pública preendidos para limitar a interpretação e utilização errada dos resultados. Os vieses podem ser classificados em três categorias: sele- ção, aferição e confusão (ou de confundimento). a. Viés de seleção: erro na identificação da popula- ção ou grupos de estudo; diferença sistemática entre os grupos causada pela forma de escolha ou por perdas de segmento. Ocorre devido a erros na identificação da população ou na seleção da amostra, tamanho da amostra insuficiente, perdas na amostra durante a co- leta de dados, não resposta de alguns participantes da pesquisa, não equivalência de características dos gru- pos objetos de comparação, entre outros. Exemplo: Um determinado estudo sobre desnutrição grave e po- breza em crianças seleciona os casos (de desnutrição grave) em um hospital público e os controles através de amostragem aleatória de alunos de escolas particulares. Nesse caso, não há equivalência de características dos grupos objetos de comparação. b. Viés de aferição (mensuração/informação): erro de informação sobre exposição ou a doença que pode distorcer os resultados do estudo. As principais fontes de viés de informação ocorrem por preparação deficiente dos observadores, resposta equivocada dos participan- tes da pesquisa, perdas (proporção de não respostas) ou Capítulo 1 Conceitos Gerais 11 admissão na seleção da amostra e uso inadequado dos instrumentos apropriados para coleta de dados. Exemplo: Em um estudo sobre o índice de massa corporal (IMC) em uma população, uma das equipes utiliza balança não aferida, mostrando umpeso sempre acima do real. c. Viés de confusão (confundimento): Erro sistemático que ocorre quando os resultados de uma associação entre dois fatores são atribuídos, total ou parcialmente, a um terceiro fator não levado em con- sideração; este terceiro fator é a variável de confundi- mento (PEREIRA, 1995). Pode-se afirmar que o viés de confundimento ocorre devido a um terceiro fator que está associado tanto com a exposição quanto com o desfecho, mas não se encontra no elo causal entre os dois. Assim, um fator de confusão distorce uma associa- ção entre uma exposição e um desfecho. Exemplo: Os primeiros estudos sobre anticoncepcionais orais apre- sentaram associação entre o uso de contraceptivos orais e risco aumentado de infarto do miocárdio. Entretanto, estudos posteriores revelaram haver um grande núme- ro de fumantes entre as usuárias de anticoncepcionais orais. Nesse caso, o fumo era o fator de confundimento, pois muitas das mulheres que utilizavam anticoncepcio- nais orais também fumavam – fator desconsiderado nas pesquisas (Figura 2). 12 Epidemiologia e Saúde Pública Figura 2 Viés de confundimento. A relação entre o uso de anticoncepcional oral e risco aumentado de infarto do miocárdio é potencialmente confundida pelo hábito do tabagismo por muitas das usuárias de contraceptivos orais. 5.7 Acaso (erro aleatório) As observações que são feitas em amostras da população e podem, eventualmente, não representar a real situação na po- pulação como um todo, apenas por obra do acaso. A diver- gência entre a observação feita na amostra e o valor verdadei- ro na população total devido apenas ao acaso é chamada de variação aleatória ou randômica. O erro aleatório pode ser eliminado ou minimizado se amostras maiores forem tomadas da população fazendo com que os resultados se aproximem em torno do valor que repre- senta a realidade da população. Ainda, o erro aleatório pode ser estimado por testes estatísticos. Relações entre o acaso e o viés a. Tipo de erro: - O viés está associado ao erro sistemático. Capítulo 1 Conceitos Gerais 13 - O acaso está associado ao erro aleatório. b. Relação com o tamanho da amostra: - Os erros derivados de um viés não desaparecem com o aumento do tamanho da amostra. - Os erros devidos ao acaso desaparecerão com o aumen- to do tamanho da amostra. c. Correção: - O viés pode ser evitado através de investigações clínicas apropriadas ou pode ser corrigido durante a análise dos dados. - O acaso não pode ser eliminado, mas pode ser minimiza- do através do planejamento adequado de pesquisa, além da correção estatística de seus efeitos. d. Exemplo: Medição de pressão arterial diastólica em uma amostra de pessoas adultas (Figura 3). - No erro sistemático (viés), as medidas tendem a de deslo- car preferencialmente para um dos lados da média real. Por exemplo, poderá haver um aumento de valores de pressão arterial diastólica por fatores tais como esfigmo- manômetro mal calibrado, manguito de tamanho inade- quado para o braço dos pacientes ou mesmo muitos in- divíduos que ficam ansiosos simplesmente por terem sua pressão arterial aferida etc. 14 Epidemiologia e Saúde Pública - No erro aleatório (acaso), se a variável for medida repeti- das vezes, obtêm-se valores diversos entre si, mas que va- riam, uniformemente, em torno de um valor médio, o valor real. Esses valores são devidos a inúmeros fatores ligados ao método (variabilidade biológica, largura do manguito, calibração inadequada, dificuldade auditiva do médico) ou, simplesmente, pela variação aleatória na medida. Figura 3 Comparação entre erro sistemático (viés) e erro aleatório (acaso). Fonte: Modificado de FLETCHER et al., 2014 5.8 Validade interna e externa Um estudo epidemiológico deve apresentar resultados corre- tos e aplicáveis à amostra estudada e à população de onde a amostra foi retirada ou mesmo outras populações. A validade de um estudo epidemiológico está associada à ausência de erros sistemáticos. Capítulo 1 Conceitos Gerais 15 A validade interna define se os resultados de um estudo são corretos para a amostra estudada. É determinada pela qualidade do planejamento e da execução do estudo, incluin- do adequada coleta e análise dos dados. Os erros sistemáti- cos e o acaso podem ameaçar a validade interna do estudo, e as medidas para seu controle devem ser previstas durante as fases iniciais de planejamento de um estudo de qualidade (COUTINHO 1998). A validade externa, também chamada de capacidade de generalização, se refere à capacidade de generalização do estudo feito em uma amostra para a população de origem – ou para outras populações semelhantes. Ela depende do quanto a amostra é representativa da população (COUTINHO 1998). A capacidade de generalização é, muitas vezes, um con- ceito subjetivo e o melhor que o pesquisador pode fazer acer- ca da capacidade de generalização é garantir a validade in- terna e a ausência de erros sistemáticos visando à validade da investigação. Recapitulando Este capítulo apresentou os elementos essenciais para a com- preensão da Epidemiologia como a definição de epidemiolo- gia, importância da epidemiologia, aplicações da epidemiolo- gia, e a metodologia epidemiológica. 16 Epidemiologia e Saúde Pública Ao longo do capítulo, também foram trabalhados os se- guintes conceitos em epidemiologia: saúde/doença, desfechos de saúde, variáveis, população, amostra, viés, acaso, bem como validade interna e externa e suas relações com a pesqui- sa epidemiológica. Referências CORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Constitui- ção da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) - 1946. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp. br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mun- dial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mun- dial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 15 dez. 2016. COUTINHO, M. Princípios de epidemiologia clínica aplicada à cardiologia. Arq. Bras. Cardiol., São Paulo , v. 71, n. 2, p. 109-116, Aug. 1998 . Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X1 998000800003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 Jan. 2017. FLETCHER, R. H.; FLETCHER, S. W.; FLETCHER, G. S. Epide- miologia clínica. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. KOHATSU, N.; ROBINSON, J. & TORNER, J. (2004). Evi- dence-based public health: an evolving concept. Am J. Prev Med, 5, 417-421. Capítulo 1 Conceitos Gerais 17 LAST, J. M. A dictionary of epidemiology. 4. ed. New York: Oxford University Press; 2001. LILIENFELD, A. M.; LILIENFELD D. E. Foundations of Epide- miology. 2 ed. London/New York: Oxford University Press, 1980. PEREIRA, C.; VEIGA, N. (2014). A Epidemiologia. De Hipócra- tes ao século XXI. Millenium, 47 (jun/dez). Pp. 129‐140. ROUQUAYROL, M. Z.; GOLDBAUM, M. Epidemiologia: his- tória natural e prevenção de doenças. In: ROUQUAYROL, M. Z; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia e saúde. 6 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2003. Atividades 1) Desenlace ou morte, doença, desconforto, deficiência fun- cional e descontentamento são considerados: (a) variáveis de doenças; (b) desfechos de doenças; (c) sinais e sintomas de doenças; (d) NDA. 2) Analise as seguintes afirmativas e assinale com V as verda- deiras e com F as falsas. ( ) Ocorre devido a erros na identificação da população ou na seleção da amostra, tamanho da amostra insu- 18 Epidemiologia e Saúde Pública ficiente; perdas na amostra durante a coleta de dados são exemplos de viés de confusão. ( ) Viés de aferição é todo erro de informação sobre ex- posição ou a doença que pode distorcer os resultados do estudo. ( ) O erro sistemático que ocorre quando os resultados de uma associação entre dois fatores são atribuídos, total ou parcialmente, a um terceiro fator nãolevado em consideração é denominado viés de seleção. Assinale a alternativa que apresenta a sequência de letras CORRETA. a) (V) (V) (V) b) (V) (F) (V) c) (V) (V) (F) d) (F) (V) (F) 3) Complete A epidemiologia _____________________________ busca explicar o fenômeno, bem como os fatores determi- nantes para a distribuição observada. Já a epidemiologia _____________________________ estuda a distribuição das doenças na população. 4) Sobre variáveis, afirma-se o seguinte: Capítulo 1 Conceitos Gerais 19 ( ) Variável dependente é o efeito possível ou a resposta observada como resultado da manipulação da variá- vel independente. ( ) Variável externa é uma suposta causa para um deter- minado efeito ou consequência, aquela que é o fator determinante para que ocorra um determinado resul- tado. ( ) Variável independente é aquele fator ou propriedade que pode afetar a relação entre a variável dependente e a independente, isto é, afetar o fenômeno observa- do. Assinale a alternativa que apresenta a sequência de letras CORRETA. a) (F) (V) (V) b) (V) (F) (F) c) (V) (V) (F) d) (F) (V) (F) 5) Um estudo epidemiológico deve apresentar resultados cor- retos e aplicáveis à amostra estudada e à população de onde a amostra foi retirada ou mesmo outras populações. ( ) certo ( ) errado A Evolução dos Conceitos de Saúde- Doença e a História da Epidemiologia1 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 1 Mestra em Genética e Biologia Molecular, Professora do Curso de Ciências Bio- lógicas da ULBRA. Grace Prá1 Capítulo 2 Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 21 Introdução Este capítulo apresenta uma perspectiva histórica da evolução do conceito de Epidemiologia desde a Grécia antiga até os dias atuais. Também discute os conceitos de saúde e doença e as suas interações com as concepções de prevenção e trata- mento relacionadas com a saúde das populações. 1 História da Epidemiologia 1.1 Hipócrates e seus seguidores A história da Epidemiologia remonta a Grécia antiga, ain- da que o termo “epidemiologia” seja relativamente recente. Hipócrates, médico grego que viveu há cerca de 2.500 anos, relacionava as doenças ao ambiente em que o indivíduo vivia e não aos fatores sobrenaturais, como era o pensamento da época. Os termos “epidêmico” e “endêmico” derivaram das palavras gregas epidemeion (“visitar”) e endemeion (“resi- dir”) que Hipócrates utilizou para diferenciar as enfermidades que “visitam” a comunidade daquelas que “residem” na co- munidade. Hipócrates analisou a distribuição da enfermidade relacionando-a ao tempo, espaço e população afetada, o que constitui a base das investigações epidemiológicas atuais. 22 Epidemiologia e Saúde Pública Figura 1 Hipócrates. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki /File:Hippocrates.jpg Na Roma antiga, a tradição de Hipócrates foi mantida por Galeno (138-201 a.C.), talentoso médico investigativo e seus seguidores. Também na era romana, muitos censos periódicos foram realizados, além do Imperador Marco Aurélio introduzir um registro periódico de nascimentos e óbitos. Essas medidas anteciparam o que mais tarde seriam as “estatísticas vitais” (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2006). 1.2 A Idade Média Na idade média, a Europa sob o domínio da igreja católica, considerava que as doenças eram causadas por forças má- gicas religiosas, relacionando a cura a orações e cultos reli- giosos; a preocupação era a salvação da alma, pois o corpo poderia perecer. Entretanto, no século X, enquanto a Europa se encontra mergulhada na barbárie, a medicina árabe alcança o seu Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 23 apogeu nos califados de Bagdá e Córdoba. Surge o nome do médico e filósofo Avicena (980-1037) cujas obras reintro- duzem os ensinamentos de Hipócrates e Galeno na medicina mundial. 1.3 Os séculos XIV e XVII Entre os séculos XIV e XVII, predominou a teoria miasmática, a qual propunha que a origem das doenças se daria a partir dos miasmas – vapores fétidos do ar oriundos da putrefação de corpos, dos dejetos de doentes e de pântanos que poderiam ser inalados ou espalhados através do contato entre as pesso- as. As epidemias seriam originadas pelos miasmas que passa- riam dos doentes para os indivíduos suscetíveis. Malária (mal + ar) deve seu nome à crença nesse modo de transmissão. Figura 2 Obra de Robert Seymour (1798-1836) sobre a morte e a cólera. Fonte: https:// https://en.wikipedia.org/wiki/Miasma_theory 24 Epidemiologia e Saúde Pública 1.4 A quantificação dos problemas de saúde Nos séculos XVII e XVIII, com a revolução científica e as pro- fundas mudanças de mentalidade, alguns cientistas passaram a acreditar que o comportamento biológico poderia ser regido por leis observáveis assim como acontecia com o universo físi- co. Nesse período, são introduzidos os métodos quantitativos no estudo dos problemas de saúde nas populações. John Graunt (1620-1674), no ano de 1662, publicou um tratado sobre as tabelas mortuárias de Londres, no qual anali- sou a mortalidade por sexo e região e conseguiu medir o risco de mortalidade em função da idade, bem como as principais causas de mortalidade da população de Londres. Pelo seu pio- neirismo na utilização de coeficientes – óbitos em relação à população – ele é considerado o pai da demografia ou das estatísticas vitais. Ele foi o primeiro a calcular o número de habitantes, a estrutura etária e a taxa de crescimento da popu- lação de Londres, além de elaborar uma tabela que resumia os padrões de mortalidade e sobrevivência, criando as bases de uma nova ciência – a demografia (PEREIRA, 1995). Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 25 Figura 3 John Graunt e sua obra. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/ Talk%3AJohn_Graunt e https://commons.wiki- media.org/wiki/File: Graunt_Observations.jpg 1.5 O Século XIX A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em 1750 e disse- minada por outros países, promoveu um intenso deslocamento das pessoas do campo para as cidades na busca de emprego nas fábricas. Essa agregação de pessoas levou ao surgimento de epidemias como cólera, febre tifoide, febre amarela, entre outras. Questões relacionadas à higiene, legislação sanitária e urbanização e desenvolvimento de políticas de saúde passam a ocupar as discussões nos meios político e médico da época. Nesse contexto, alguns investigadores se destacam na França e Inglaterra, produzindo obras de grande valor para a Epidemiologia. Pierre Alexandre Louis (1787-1872), médico francês que estudou a tuberculose e a febre tifoide, introduziu o método 26 Epidemiologia e Saúde Pública estatístico na investigação clínica das doenças. Segundo ele, “era necessário” para trazer quantificação para a medicina. Com esse método, considerava ser possível avaliar os sinto- mas, conhecer a evolução e duração da doença, atribuir um grau de seriedade, saber sua frequência, além de avaliar a eficácia dos tratamentos. Também na França, Louis Villermé (1782-1863) investigou a relação entre a pobreza, condições de trabalho e as suas repercussões sobre a saúde. Seus trabalhos relacionaram a estreita relação entre situação socioeconômica e mortalidade. Na Inglaterra, William Farr (1807-1883) é considerado um dos fundadores da epidemiologia moderna. Entre suas con- tribuições para a Epidemiologia, destacam-se a descrição do estado de saúde das populações, o estabelecimento de deter- minantes da saúde pública, além de desenvolver o conceito de aritmética política, que viria a ser substituído pelo conceito de estatística – ainda utilizado atualmente. Edwin Chadwick, (1800-1890) contemporâneo de Farr, foi considerado um fundador da saúde pública. Definiu as ba- sespara o desenvolvimento das reformas sanitárias e teve um papel importante na promoção da saúde das populações a partir de seus estudos sobre as condições de saúde das classes trabalhadoras na Inglaterra. Jonh Snow (1813-1858) conduziu investigações buscan- do esclarecer a origem das epidemias de cólera ocorridas em Londres, no período de 1849 a 1854. Relacionou o consumo de água contaminada aos episódios da doença desconside- rando a teoria mismática. Ele examinou as águas como possí- Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 27 vel meio de transmissão do agente causador, o Vibrião chole- rae, somente identificado por Robert Koch, em 1883. Snow é considerado o pai da epidemiologia moderna e seu trabalho é um clássico na “epidemiologia de campo” que se refere à coleta planejada de dados em uma comunidade. Figura 4 Jonh Snow e o mapa da cólera. Fonte: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Snow-cholera-map.jpg e https://commons. wikimedia.org/wiki/File:John_Snow.jpg Ignaz Semmelweis (1818-1865) registrou o número de nascimentos e os casos de morte materna no Hospital Geral de Viena. Observou uma elevada mortalidade devido à sepse puerperal em mulheres que eram atendidas na primeira seção da clínica obstétrica do Hospital Geral de Viena que nas da se- gunda seção, embora em ambos os setores as mães recebes- sem idêntico tratamento. Relacionou a transmissão de infec- ções ao atendimento destas por estudantes de medicina que procediam diretamente das salas de dissecação de cadáveres para as salas da maternidade. Determinou então que todos os 28 Epidemiologia e Saúde Pública estudantes de medicina lavassem as mãos com água e sabão e hipoclorito de cálcio antes de entrarem na sala de parto. A partir dessa iniciativa, a taxa de mortalidade de parturientes caiu acentuadamente. Florence Nightingale (1820-1910) enfermeira britânica re- conhecida por ser pioneira no tratamento a feridos de guerra, durante a Guerra da Crimeia. Em 1858, publicou um relató- rio usando comparações estatísticas para demonstrar que do- enças, alimentação inapropriada e condições sanitárias ruins eram os responsáveis pelas mortes dos os soldados. É conside- rada a precursora da Epidemiologia Clínica. Os trabalhos de Snow, Semmelweis e Nightingale resulta- ram em mudanças sanitárias e clínicas que diminuíram a inci- dência de doenças, embora o conhecimento sobre as causas das doenças infecciosas fosse limitado. Louis Pasteur (1822-1895), uma das figuras mais impor- tantes da ciência no século XIX, contribuiu imensamente para a teoria dos germes. Identificou e isolou inúmeras bactérias. Realizou estudos sobre fermentação e identificou os microrga- nismos responsáveis por esse processo; a partir daí, desenvol- veu um método, chamado de pasteurização, no qual utilizava o calor para provocar a sua morte. Foi ainda pioneiro na ideia da criação de formas atenuadas de microrganismos para pro- mover a vacinação. Robert Koch (1843-1913), seguindo os trabalhos de Pas- teur, isolou e identificou o bacilo do antraz, a bactéria da có- lera – confirmando a teoria de Snow – a da tuberculose e da conjuntivite, contribuindo para o desenvolvimento de uma Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 29 nova era. Koch estabeleceu, então, uma sequência de pas- sos experimentais para correlacionar diretamente um micróbio específico a uma doença específica. Surgia, assim, a era mi- crobiológica e o reconhecimento dos microrganismos como causadores específicos de algumas doenças. A partir dos estudos de Pasteur, Koch e outros, a teoria mi- crobiana, para a qual os microrganismos eram, por si, os cau- sadores das enfermidades, passa a predominar. Com a conso- lidação da teoria microbiana, as enfermidades infecciosas se tornam o foco principal dos estudos epidemiológicos. 1.6 O século XX O primeiro grande avanço no estudo das doenças não infec- ciosas ocorreu a partir de 1912, quando Casimir Funk de- senvolveu a teoria de enfermidades causadas por deficiências nutricionais. Entretanto, a era da epidemiologia das doenças infeccio- sas durou até à Segunda Guerra Mundial, acontecimento que marcou uma transição epidemiológica, surgindo um novo pe- ríodo denominado epidemiologia das doenças crônicas. Os estudos do câncer de pulmão revelaram-se especialmente in- fluentes em conferir credibilidade ao novo paradigma. A partir da segunda metade do século XX, a Teoria Mono- causal (um único agente etiológico) é substituída paulatina- mente por uma tendência ecológica (multicausalidade). A saú- de passa a ser compreendida como uma resposta adaptativa do indivíduo ao meio em que vive, e a doença, como um de- sequilíbrio dessa adaptação, resultante de complexa interação 30 Epidemiologia e Saúde Pública de múltiplos fatores. A Epidemiologia é, então, considerada como “Ecologia Médica” por sua preocupação com o estudo das doenças em relação a fatores ambientais. Nos anos 70 e 80 surgem três tendências principais: 1) o aprofundamento das bases matemáticas; 2) a proposta de uma epidemiologia clinica; 3) a reafirmação do processo saúde- -enfermidade-cuidado, considerando os aspectos econômicos e políticos de seus determinantes, salientando a influência dos determinantes sociais da saúde no processo saúde-doença. Essas abordagens trazem maior complexidade ao delinea- mento dos estudos epidemiológicos, ainda mais considerando- -se que, nas últimas décadas, tem sido colocado à disposição dos epidemiologistas um grande número de técnicas biológi- cas e biomédicas até aí desconhecidas. 1.7 Tendências da epidemiologia atual Atualmente, a epidemiologia tem sido proposta em termos de duas tendências distintas: A epidemiologia clínica: aplicação do método epidemioló- gico no diagnóstico clínico e no cuidado direto do paciente, com maior rigor científico na prática médica. A epidemiologia social: contesta a visão clássica de epi- demiologia e preconiza o retorno do estudo da determinação social da doença, buscando melhorar o atendimento à saúde da população, especialmente as mais subdesenvolvidas, de maneira multidisciplinar, procurando trabalhar na diminuição das desigualdades sociais e prevenção de doenças evitáveis. Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 31 1.7.1 Pilares da epidemiologia atual A compreensão e a aplicação da epidemiologia nos dias atuais se baseiam nos conhecimentos derivados das seguintes áreas. a. Ciências Biológicas Clínica – Patologia – Microbiologia – Imunologia – Parasi- tologia – Imunologia Fundamentais para a descrição e classificação das doen- ças. b. Ciências Sociais Conferem uma dimensão ampla à epidemiologia. A intera- ção do social com o biológico passa a ter um papel imprescin- dível nos determinantes do processo saúde-doença. c. Estatística É a arte de coletar, resumir e analisar dados sujeitos a va- riações. Ferramenta de trabalho fundamental nos estudos epi- demiológicos. Presente em todas as etapas de um estudo, a es- tatística foi impulsionada pelo desenvolvimento de programas estatísticos para microcomputadores. 32 Epidemiologia e Saúde Pública 2 A evolução dos conceitos de saúde- doença 2.1 Saúde Etimologicamente, o termo saúde origina-se do latim, sanitas, que se refere a um “estado positivo do viver”, aplicável a todos os seres vivos e com mais especificidade à espécie humana. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu em 1948 que “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença” (OMS, 1948). Esse conceito ressaltou a interdependência da saúde com o desenvolvimento econômico e social. Entretanto, atualmente, tem sido criticado devido à dificuldade em se de- finir e mensurar “bem-estar”. A Carta de Ottawa, elaborada na ConferênciaInternacio- nal sobre a Promoção da Saúde, em Ottawa, em1986, define saúde como qualidade de vida condicionada por vários fato- res, tais como: paz, abrigo, alimentação, renda, educação, re- cursos econômicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, equidade e justiça social (OMS, 1986). Já no Brasil, em 1986, na VII Conferência Nacional de Saúde, adotou-se o seguinte conceito sobre saúde: “... em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” (BRASIL, 1986). Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 33 A partir das definições acima, compreende-se que a res- ponsabilidade pela saúde da população vai além dos setores saúde, pois a área da saúde sozinha não consegue assegurar qualidade de vida e, consequentemente, de saúde. Dessa for- ma, há necessidade do envolvimento de todos os segmentos da sociedade para assegurar a dignidade da vida humana. Vale salientar que, apesar de abrangentes, as definições acima não são funcionais, sendo assim, na prática, a saú- de é quase sempre quantificada em termos de presença ou ausência de algum sinal, sintoma, ou diagnóstico de doença (PEREIRA, 1995). 2.2 Doença A origem etimológica da palavra doença vem do termo em latim dolentia que significa “sentir ou causar dor, afligir-se, amargurar-se”. Entretanto, articular uma definição satisfatória de doença é surpreendentemente difícil. E não é de muita ajuda definir a doença como o oposto da saúde uma vez que, como vimos anteriormente, as definições de saúde são igualmente compli- cadas. Estudos em antropologia médica e sociologia mostraram que o conceito de doença e o “estar doente” varia com classe, sexo, grupo étnico e fatores menos óbvios, como a proximida- de ao apoio dos membros da família. O que é considerado doença também muda ao longo do tempo, devido a fatores como resultantes de expectativas cres- 34 Epidemiologia e Saúde Pública centes de saúde, em parte devido a mudanças na capacidade de diagnóstico, mas principalmente por uma mistura de razões sociais e econômicas. 2.3 História Natural da Doença Evidentemente, saúde e doença não são conceitos isolados, do tipo presença ou ausência, mas compõem um sistema con- tínuo. Sendo assim, ao invés de considerar saúde e doença como fatores isolados, pode-se mais adequadamente inseri- -las dentro de um processo. A História Natural das Doenças (HND), também conheci- da como modelo processual dos fenômenos patológicos, foi proposta por Leavell e Clark, em 1976, definida como o con- junto de processos interativos que cria o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar, passando da resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (LEAVELL; CLARK, 1976 APUD ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002). O processo natural da doença evolui em um contínuo e apresenta dois períodos consecutivos: 1. Período pré-patogênico – fase em que a patologia ainda não está manifesta, mas os determinantes intrínsecos ao indiví- duo estabelecem disposições ao adoecimento: são os agentes físicos e químicos biológicos, nutricionais, agentes genéticos, além dos fatores econômicos, culturais e psicossociais. Neste período, o nível de aplicação das medidas preventivas é o da prevenção primária, feita por meio da promoção da saúde e da proteção específica. Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 35 2. Período patogênico – no qual o processo patológico já está estabelecido e as alterações físico-químicas que ocorrem com o estabelecimento da doença ou agressão já se manifestam. De modo geral, o modelo proposto por Leavell e Clark considera o entendimento da saúde como um processo, no qual o restabelecimento da normalidade está fundamentado na visão positiva da saúde, valorizando a prevenção sobre as doenças (PUTTINI, 2010). Recapitulando Este capítulo apresentou a evolução do conceito de saúde- -doença sob uma perspectiva histórica. Discutiu-se também a influência de fatores culturais, sociais, econômicos, políticos e científicos sobre o desenvolvimento da epidemiologia. As ten- dências de uma abordagem mais abrangente do conceito de saúde-doença também foram temas deste capítulo. Referências ALMEIDA FILHO, N.; ROUQUAYROL, M. Z. Introdução à epidemiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo- gan, 2006. BRASIL Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saú- de. Projeto Promoção da Saúde. Distritos sanitários: con- cepção e organização o conceito de saúde e do processo saúde-doença. Brasília. Ministério da Saúde, 1986. 36 Epidemiologia e Saúde Pública LEAVEL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. São Paulo: Mc Graw-Hill, 1976. OMS. Carta de Ottawa. In: Ministério da Saúde (Br). Pro- moção da saúde: Cartas de Ottawa, Adelaide, Sundsvall e Santa Fé de Bogotá. Brasília (DF): Ministério da Saúde/ FIOCRUZ; 1986. PEREIRA, C.; VEIGA, N. A Epidemiologia. De Hipócrates ao sé- culo XXI. Millenium, n. 47 (19) p. 129-140, jun/dez 2014. http://www.ipv.pt/millenium/Millenium47/11.pdf PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Ja- neiro: Guanabara Koogan, 1995. PUTTINI, R. F.; PEREIRA JUNIOR, A.; OLIVEIRA, L. R. Mode- los explicativos em Saúde Coletiva: abordagem biopsi- cossocial e auto-organização. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 2, n. 20, p.753-767, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v20n3/ v20n3a04>. Acesso em: 9 jan. 2017. Atividades 1) Do ponto de vista epidemiológico, a descrição de uma doença significa notadamente: a) caracterizar os diferentes períodos da doença quando atinge o indivíduo; b) revelar os problemas de saúde-doença em nível coletivo; Capítulo 2 A Evolução dos Conceitos de Saúde-Doença... 37 c) descrever as características de doenças nos diferentes períodos da história; d) identificar o seu agente causal. 2) Na idade média, a Europa considerava que as doenças eram causadas por forças mágicas religiosas relacionando a cura a orações e cultos religiosos; a preocupação era a salvação da alma, pois o corpo poderia perecer. ( ) certo ( ) errado 3) Apesar dos parcos conhecimentos sobre as causas das doenças infecciosas na época, Snow, Semmelweis e Ni- ghtingale realizaram trabalhos que conduziram a mudanças sanitárias e clínicas diminuindo a incidência de doenças. ( ) certo ( ) errado 4) O processo natural da doença apresenta dois períodos consecutivos, o _______________________________ e o ______________________________. 5) Segundo o modelo da História Natural das Doenças, no período da pré-patogênese, podem ser aplicadas as se- guintes medidas preventivas: a) promoção da saúde e proteção específica; b) diagnóstico precoce e tratamento imediato; c) promoção da saúde e diagnóstico precoce; d) proteção específica e diagnóstico precoce. Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência1 1 Mestra em Genética e Biologia Molecular, Professora do Curso de Ciências Bio- lógicas da ULBRA. Grace Prá1 Capítulo 3 Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 39 Introdução Neste capítulo, estudaremos alguns indicadores utilizados na área de Epidemiologia, como a prevalência e a incidência. Esses indicadores são as principais medidas utilizadas para mensurar e verificar a frequência de doenças e descrever as condições de saúde de uma população. Tanto na pesquisa clínica quanto nos ambulatórios e hospitais, as informações, muitas vezes, são transmitidas do médicopara o paciente, do paciente para o médico em termos de probabilidade, como: raramente, às vezes, geralmente etc. Nesse caso, as palavras são substitutas de números, diminuindo assim, a informação transmitida, com consequente indução de erros que podem acarretar em um tratamento demorado, caro, com efeitos co- laterais etc. Desse modo, é importante confiar nos números, como veremos neste capítulo. 1 Prevalência e incidência As medidas de frequência são geralmente expressadas em pro- porções, onde o numerador representa o número de pacien- tes que sofrem um evento (caso) e, o denominador representa o número de pessoas nas quais o evento (caso) poderia ter ocorrido. Nesse caso, o denominador é considerado como a população. As medidas de frequência básicas são: prevalência e incidência. 40 Epidemiologia e Saúde Pública 1.1 Prevalência A prevalência é a proporção ou percentual de um grupo de pessoas que possui uma condição ou desfecho clínico em um dado ponto no tempo. Desse modo, a prevalência é uma me- dida por meio do levantamento em uma população já defini- da, na qual é averiguada a presença ou não de determinada condição. A prevalência-ponto constitui na medida em único ponto no tempo para cada tempo. Essa medida não precisa ser rea- lizada no mesmo momento considerando o tempo-calendário em todas as pessoas da população. A prevalência-período constitui nos casos que estavam presentes em qualquer momento durante um determinado pe- ríodo de tempo. 1.2 Incidência A incidência representa a fração ou proporção de um grupo de pessoas inicialmente livres do desfecho e que o desenvol- vem durante um determinado período de tempo. Portanto, a incidência é a medida que apresenta os novos casos de uma doença que ocorre em uma população que não apresentava casos até então registrados, ou então, sintomas ou complica- ções em pacientes com uma determinada doença e que ini- cialmente não apresentavam esses sintomas e complicações. Para compreender melhor as medidas de prevalência e in- cidência, vamos considerar o exemplo da Figura 1. Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 41 Figura 1 Ocorrência de casos de febre Chikungunya durante 2014 e 2016 em uma comunidade hipotética com 5.000 pessoas. Fonte: modificado de Fletcher; Fletcher; Fletcher (2014). Após o registro de início (quadrado escuro), todos os casos aparecem no tempo (indicados pela linha contínua) até que o indivíduo apresentasse melhoras ou, então, ocorresse mor- te. Antes de 2014, duas pessoas apresentavam febre Chikun- gunya e 13 indivíduos desenvolveram a doença nos três anos, portanto o restante da população não apresentou sintomas e/ou a doença no período analisado. Para determinarmos a prevalência da febre Chikungunya no início de cada ano, te- remos os seguintes cálculos: 42 Epidemiologia e Saúde Pública a. em 2014, temos dois casos existentes, portanto a pre- valência nesse período é 2/5.000 (dois casos já exis- tentes na população de 5.000 pessoas). b. em 2015, temos no numerador: um caso já existente e outros três novos de 2014; temos no denominador: 4.499, pois um caso morreu em 2014, antes de 2015, portanto o cálculo final será de 4/4.499. c. em 2016, temos no numerador: um caso existente de 2014 e outros quatro casos novos de 2015; temos no denominador: 4.996, pois um caso morreu em 2014 e outros três morreram em 2015, portanto o cálculo final será de 5/4.996. Para determinarmos a incidência da febre Chikungunya na população, consideramos somente os novos casos da doença, portanto apenas as 4.998 pessoas sem a doença no início de 2014: 3 novos casos em 2014; 4 novos casos em 2015 e 6 novos casos em 2016. A incidência da doença nos três anos são todos os casos que se desenvolveram nesse período (13) divididos pelo núme- ro de indivíduos suscetíveis no começo do período (4.998), ou seja, 13/4.998. Em relação às incidências anuais, devemos considerar os casos anteriores do denominador, pois os indivíduos não cor- rem mais o risco de desenvolver a febre Chikungunya, portan- to em cada ano teremos as seguintes incidências: a. em 2014: 3/4.998 Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 43 b. em 2015: 4/4.495 c. em 2016: 6/4.991 1.3 Prevalência e incidência em relação ao tempo A cada frequência de alguma doença mensurada necessaria- mente contém uma indicação de tempo. A prevalência repre- senta uma situação naquele ponto do tempo para cada indiví- duo, embora possam ter sido necessárias observações de cada indivíduo na população durante vários meses para a finaliza- ção da coleta de informações. Para a incidência, o tempo é o intervalo onde os indivíduos suscetíveis foram observados quanto ao surgimento do evento que está sendo analisado. Observe o Quadro 1, com as características da prevalência e incidência. Quadro 1 Resumo das características das medidas de frequência e relação com o tempo. Característica Prevalência Incidência Numerador Todos os casos em um ponto do tempo ou um período de tempo. Novos casos que ocorrem durante um período de tempo em um grupo inicialmente livre da doença. Denominador Todas as pessoas examinadas, incluindo aquelas com ou sem o caso. Todas as pessoas suscetíveis (sem a doença) no começo do período. Tempo Um único ponto ou período. Duração do período. Fonte: modificado de Fletcher; Fletcher; Fletcher (2014). 44 Epidemiologia e Saúde Pública A relação entre prevalência e incidência varia entre diferen- tes doenças. Uma doença pode apresentar baixa incidência e alta prevalência ou o contrário, uma alta incidência e baixa prevalência. Exemplo: o diabetes apresenta baixa incidência e alta prevalência, enquanto que o resfriado comum aparece com alta incidência e baixa prevalência. A partir desses dados, podemos inferir que o resfriado ocorre com mais frequência em relação ao diabetes, mas por um curto período de tempo; enquanto que no diabetes ocorre o contrário. 1.4 Relação entre prevalência, incidência e duração da doença A probabilidade de um paciente ser identificado em estudos de prevalência está relacionada com qualquer fator que aumente a duração da doença. Acompanhando o exemplo da Figura 1, você poderá notar que os casos prevalentes são aqueles que continuam afetados, pois, se ocorre cura, morte ou se o paciente deixa a população que está sendo estudada, ele não poderá ser mais um caso no estudo de prevalência. A duração da doença ou do caso tem efeitos na probabi- lidade desses eventos serem detectados nos estudos de pre- valência. Se a doença tiver uma curta duração, vários casos poderão passar despercebidos pelos estudos de prevalência. As doenças que apresentam uma longa duração são bem re- presentadas nos estudos de prevalência, mesmo que a inci- dência seja baixa. Portanto, a relação entre prevalência, incidência e duração da doença em situações estáveis, ou seja, nenhuma das vari- Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 45 áveis se altera muito através do tempo, pode ser representada pela seguinte expressão: Prevalência = incidência X duração média da doença 2 Outras taxas comumente utilizadas Existem outras taxas que são utilizadas na área da saúde. Den- tre elas, podemos citar: a. Taxa de fatalidade: é a proporção de pacientes que mor- rem de determinada doença. b. Taxa de complicações: se refere à proporção de indiví- duos que têm uma complicação de uma doença ou um tratamento. c. Taxa de mortalidade infantil: é o número de mortes de crianças (<1 ano) em um ano dividido pelo número de crianças nascidas no mesmo ano. d. Taxa de mortalidade perinatal: corresponde ao núme- ro de partos natimortos e mortes ocorridas na primeira semana de vida para cada 1.000 nascidosvivos. Esta definição é dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). e. Taxa de mortalidade materna: é o número de mortes ma- ternas relacionadas com os partos em um ano dividido pelo número de nascidos vivos na população durante o determinado ano. 46 Epidemiologia e Saúde Pública 3 Estudos de prevalência Em estudos sobre prevalência, os indivíduos de determinada população são examinados para verificar a presença ou não de uma condição de interesse. Nesse determinado ponto de tempo, alguns indivíduos apresentarão a condição de interes- se, enquanto que outros não. A proporção ou fração da po- pulação que apresenta a condição constitui a prevalência do caso examinado (Figura 2). Figura 2 Método de delineamento em estudos com prevalência. Fonte: modificado de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ thumb/9/93/Rejon_Person_Outline_1.svg/363px-Rejon_Person_Outline_1.svg.png e Fletcher; Fletcher; Fletcher (2014). Outra denominação utilizada é estudo transversal, pois os indivíduos são estudados em um corte transversal de tempo. Quando a principal forma de aferição dos estudos de preva- lência for um questionário, esses estudos podem ser chamados de inquéritos. Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 47 4 Estudos de incidência Nos estudos de incidência, a população que está sendo in- vestigada recebe o nome de coorte, pois constitui um grupo de indivíduos que têm algo em comum (o caso ou a doença) quando são reunidos pela primeira vez e então são acompa- nhados por um tempo até verificar o desfecho (cura ou morte). Desse modo, qualquer estudo de incidência é também deno- minado estudo de coorte. Nesses estudos, os indivíduos podem ser sadios e serem acompanhados para verificar o surgimen- to da doença, como, por exemplo, uma população na qual alguns indivíduos sadios são acompanhados para verificar o início de um tipo de câncer. De outra forma, os indivíduos de uma população que já sofrem com um tipo de câncer são acompanhados para verificar a melhora (cura) ou não (morte) da doença. 4.1 Incidência cumulativa x incidência- densidade (pessoa-ano) A incidência cumulativa é aquela na qual os novos casos se acumulam assim que o tempo passa. Nesse contexto, a taxa de novos eventos ou casos em um grupo de indivíduos de ta- manho fixo é observada durante um período de tempo. Contudo, podemos averiguar o número de novos casos que surgem em uma população com mudanças constantes, na qual os indivíduos estão susceptíveis por tempos variados. Nesse caso, a incidência é denominada incidência-densidade, pois se refere à densidade de novos casos em um determi- 48 Epidemiologia e Saúde Pública nado tempo e lugar. A incidência-densidade corresponde ao número de novos casos pelo total de pessoas-ano em risco. Por exemplo, um indivíduo acompanhado por cinco anos sem a ocorrência de um desfecho contribui cinco pessoas-ano (no denominador) em um estudo de incidência-densidade, en- quanto que outro indivíduo acompanhado por um ano, contri- bui como uma pessoa-ano para o denominador. Esse método de abordagem é útil para estimar a incidência de casos em populações dinâmicas, ou seja, naquelas que os indivíduos entram e saem com o passar do tempo. As entra- das podem ser nascimentos ou mudanças de pessoas para a comunidade e, as saídas podem ser mudanças dos indivíduos para outra comunidade ou as mortes. 5 Usos dos estudos de prevalência Os estudos sobre prevalência podem ser úteis para responder a algumas questões importantes, contudo, podem ser inade- quados para responder outras. Em situações clínicas, os estu- dos de prevalência podem fornecer informações importantes sobre o que pode se esperar em frente a determinado caso ou doença. A prevalência de uma doença afeta a interpretação nos resultados de testes diagnósticos. Além disso, a prevalên- cia constitui uma medida importante para planejar como serão realizados os serviços de saúde. Existem situações em que os estudos sobre prevalência são inadequados, pois somente fornecem evidências fracas Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 49 de causa e efeito. Nos estudos de prevalência, geralmente é difícil saber se uma suposta causa precede ou segue o efeito analisado, pois, nesses estudos, os dois não são medidos no mesmo ponto no tempo. Como exemplo hipotético, conside- ramos que determinados pacientes internados com problemas respiratórios são mais suscetíveis à outra infecção. Nesse caso, será que os problemas respiratórios debilitam o sistema imune, acarretando na infecção ou será que a infecção já estava pre- sente e provocou o surgimento dos problemas respiratórios? Recapitulando Na Epidemiologia, são utilizados alguns indicadores como a prevalência e a incidência. A prevalência consiste na medida por meio do levantamento em uma população já definida, na qual é averiguada a presença ou não de determinada condição. No estudo de prevalência, quando for aplicado um questionário, esse estudo é chamado de inquérito. A incidência representa os novos casos de uma doença que ocorre em uma população que não apresentava casos até então registrados, ou então, sin- tomas ou complicações em pacientes com uma determinada doença e que inicialmente não apresentavam esses sintomas e complicações. Na incidência, a população recebe o nome de coorte. A incidência cumulativa é aquela na qual os novos ca- sos se acumulam assim que o tempo passa. A incidência-densi- dade se refere à densidade de novos casos em um determinado tempo e lugar, portanto corresponde ao número de novos casos pelo total de pessoas-ano em risco. A relação entre prevalência e incidência varia entre diferentes doenças. 50 Epidemiologia e Saúde Pública Referências BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTRÖM, T. Epidemiolo- gia básica. 2. ed. São Paulo: Grupo Editorial Nacional, 2010. 213p. FLETCHER, R. H.; FLETCHER, S. W.; FLETCHER, G. S. Epide- miologia clínica. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 296p. Atividades 1) Complete os espaços com uma das opções entre parênte- ses. a) A __________________ (prevalência/incidência) é ob- tida através do levantamento de dados em uma popu- lação já definida, na qual é averiguada a presença ou não de determinada condição. b) A __________________ (prevalência/incidência) cons- titui a medida que apresenta os novos casos de uma condição que ocorre em uma população que não apresentava casos até então registrados, ou então, sintomas ou complicações em pacientes com uma de- terminada doença e que inicialmente não apresenta- vam esses sintomas e complicações. c) Em estudos de prevalência, muitas vezes, a princi- pal forma de aferição dos estudos é um questioná- Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 51 rio, portanto esses estudos podem ser chamados de __________________ (diagnósticos/inquéritos). 2) Em estudos sobre saúde populacional, muitas vezes, ex- pressamos os casos de determinada população através de números, obtidos por indicadores como diferentes taxas. O número de mortes de crianças em partos natimortos e mortes ocorridas ao longo da primeira semana de vida para cada 1.000 nascidos vivos representa: a) taxa de fatalidade; b) taxa de complicações; c) taxa de mortalidade infantil; d) taxa de mortalidade perinatal; e) taxa de mortalidade materna. 3) Em determinada comunidade, foi aplicado um questioná- rio no qual os indivíduos foram examinados para verificar a presença ou não de casos com fraturas de ossos. Este é um exemplo de estudo sobre: a) taxa de fatalidade; b) taxa de complicações; c) prevalência; d) incidência cumulativa; e) incidência densidade. 52 Epidemiologia e Saúde Pública 4) Um estudo de coorte realizado em uma população com adultos quesofreram infecção por pneumonia demonstrou que os indivíduos têm uma probabilidade elevada de de- senvolver outro quadro de pneumonia após os 65 anos de idade. Esse exemplo é um tipo de: a) taxa de complicação; b) prevalência-ponto; c) prevalência-período; d) incidência cumulativa; e) incidência-densidade. 5) Considere as seguintes afirmações. I – A probabilidade de um indivíduo ser identificado em estudos de prevalência está relacionada com qualquer fator que aumente a duração da doença. II – Em estudos de prevalência, a população recebe o nome de coorte, pois constitui uma amostra de indivíduos que têm algo em comum e são acompanhados por um tempo até verificar o desfecho do caso. III – A incidência-densidade corresponde ao número de no- vos casos pelo total de pessoas-ano em risco, utilizada para estimar a incidência em populações dinâmicas. IV – Nos estudos sobre incidência cumulativa, uma amostra é verificada de uma determinada população para ana- lisar a presença ou não de uma condição de interesse em um ponto do tempo. Capítulo 3 Indicadores de Saúde: Prevalência e Incidência 53 Estão corretas: a) I e III; b) I e II; c) II e IV; d) III e IV; e) I e IV. Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos de Coorte1 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 1 Doutora em Genética e Biologia Molecular (UFRGS), Professora Adjunta, Labo- ratório de Genética Molecular Humana, Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular Aplicada à Saúde/ULBRA, Campus Canoas. Kátia Gonçalves dos Santos1 Capítulo 4 Capítulo 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 55 Introdução No capítulo anterior, foi apresentado o estudo de coorte que tem como objetivo descrever a incidência de um evento clíni- co. Neste capítulo, será abordado o estudo de coorte que tem o objetivo de avaliar a associação entre um suposto fator de risco e o desfecho clínico. Inicialmente, serão apresentadas algumas definições e características desse tipo de estudo, as- sim como as suas vantagens e desvantagens. Também serão apresentadas as medidas de efeito que podem ser estimadas nos estudos de coorte e sua interpretação. Para isso, dados recentemente publicados sobre um estudo de coorte de base populacional de idosos serão usados como exemplo. 1 Estrutura Básica O estudo de coorte é um estudo de incidência. Portanto, as pessoas incluídas no estudo (a coorte) não apresentam o des- fecho de interesse no momento em que a investigação come- ça. O grupo é então acompanhado por um determinado perí- odo de tempo para que se verifique a ocorrência do desfecho. O tempo de seguimento pode ser de alguns dias, meses ou até mesmo anos, dependendo do desfecho. O desfecho pode ser uma doença (crônica ou aguda), um evento (como a morte), um sintoma, uma mudança nos níveis de um biomarcador ou um estado que reflete a capacidade funcional ou o bem-estar do indivíduo. 56 Epidemiologia e Saúde Pública No estudo de coorte analítico, os indivíduos são divididos em dois grupos: exposto e não exposto. Como o próprio nome sugere, o grupo exposto é formado pelas pessoas que apre- sentam o fator de exposição, enquanto os não expostos são aqueles que não apresentam o potencial fator de risco. Quan- do o seguimento termina, o desfecho é aferido em ambos os grupos, registrando-se a frequência de pessoas que desenvol- veram o desfecho de interesse durante o tempo de seguimento (incidência). A partir daí, calcula-se o risco associado à pre- sença do fator em exposição pela comparação do risco de desenvolver o desfecho nos grupos exposto e não exposto. A Figura 1 ilustra o delineamento básico de um estudo de coorte analítico. Figura 1 Delineamento básico de um estudo de coorte analítico. Fonte: Autoria própria (2016). Os estudos analíticos observacionais têm como objetivo comum avaliar se o desenvolvimento de certa condição clínica ou ocorrência de um evento está associado à presença de um determinado fator de exposição (que pode ser de risco ou de Capítulo 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 57 proteção). Devido a sua natureza prospectiva, no qual parte-se do fator em exposição para o desfecho, o estudo de coorte é o único no qual o risco de ocorrer o desfecho associado à ex- posição pode ser estimado diretamente, como exemplificado no Tópico 5. 2 Exemplos de Estudos de Coorte Além do conhecimento gerado, alguns grandes estudos de coorte de base populacional se tornaram referência mundial por terem atravessado gerações, mantendo o seguimento dos descendentes das pessoas incluídas na coorte inicial. O Es- tudo de Framingham (Framingham Heart Study) começou em 1948 com o objetivo de identificar os fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, cujas causas eram pouco conhecidas na época. Inicialmente, foram arrola- dos mais de 5.000 homens e mulheres, residentes na cidade norte-americana de Framingham. Todas as pessoas incluídas no estudo não apresentavam doença coronariana quando fo- ram examinadas pela primeira vez e, portanto, corriam o ris- co de desenvolvê-la. A cada dois anos, todas passavam por avaliação física, exames laboratoriais e entrevista sobre o es- tilo de vida. No início dos anos 1970, o estudo avaliou cerca de 5.000 filhos dos participantes da coorte inicial e, no início dos anos 2000, cerca de 4.000 netos. O acompanhamento da população de estudo por mais de 50 anos possibilitou a identificação do fumo, obesidade, diabetes, sedentarismo, hi- pertensão e hipercolesterolemia como os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares. No Brasil, podemos 58 Epidemiologia e Saúde Pública destacar a Coorte de Nascimentos de Pelotas (RS) e o Estudo de Coorte de Idosos de Bambuí (MG), que tiveram início em 1982 e 1997, respectivamente. Doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doença respiratória crô- nica, são doenças multifatoriais que se desenvolvem ao lon- go da vida e têm longa duração. Atualmente, constituem um sério problema de saúde pública, pois são a principal causa de mortalidade e de perda dos anos de vida com qualidade. No Brasil, em 2009, as doenças crônicas foram responsáveis por 72% do total de óbitos. A Organização Mundial da Saúde (OMS), ao elencar essas quatro doenças como prioridade nas estratégias de enfrentamento das doenças crônicas, também elegeu como foco de ação os seus principais fatores de risco, que são o fumo, sedentarismo, alimentação inadequada e uso prejudicial de álcool. Apesar dos inúmeros estudos brasileiros sobre essas doen- ças crônicas e seus fatores de risco, não existem grandes estu- dos de coorte que abranjam diferentes regiões do Brasil, nem conhecimento sobre a incidência dessas doenças e os fatores de risco associados na população brasileira. Nesse contexto, em 2008 foi dado início ao Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA Brasil), o maior estudo epidemiológico já desen- volvido na América Latina. A coorte é composta por 15.000 funcionários e docentes de seis instituições brasileiras de en- sino e pesquisa, que serão acompanhados por um período de 20 anos e avaliados periodicamente por meio de exames laboratoriais, exames físicos e questionário. Capítulo 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 59 3 Tipos de Estudos de Coorte Em relação ao seu desenho, os estudos de coorte são sem- pre estudos prospectivos (ou longitudinais), pois partem da ex- posição para o desfecho, com o acompanhamento ao longo do tempo dos indivíduos que compõem a coorte. Porém, com relação ao tempo do calendário propriamente dito, a coor- te pode ser retrospectiva (ou histórica). No estudo de coorte prospectiva, a coorte é constituída no presentee acompanha- da em direção ao futuro, enquanto a coorte retrospectiva é constituída a partir de dados já registrados no passado e acompanhada daquele momento até o presente. O Estudo de Framingham, a Coorte de Nascimento de Pe- lotas e o ELSA Brasil são exemplos de estudos de coorte pros- pectiva. À medida que aumenta a informatização dos pron- tuários e registros médicos, com grandes bancos de dados sendo constituídos e tornando-se cada vez mais acessíveis, os estudos de coorte retrospectiva vêm se tornando mais comuns na literatura. Uma vez que o acompanhamento já foi feito e os dados sobre a exposição e o desfecho já foram registrados, as principais vantagens do estudo de coorte histórica em relação à coorte prospectiva clássica são a redução no tempo neces- sário para o estudo ser realizado, o custo menor e a maior facilidade de condução. Por outro lado, não é possível estudar outros desfechos ou as variáveis que podem estar relacionadas ao desfecho de interesse e não foram registrados. 60 Epidemiologia e Saúde Pública 4 Vantagens e Desvantagens dos Estudos de Coorte Entre os estudos observacionais, o estudo de coorte é o que constitui o melhor tipo de delineamento para avaliar o risco de ocorrência de um desfecho em função da exposição a um determinado fator. Mesmo assim, os estudos de coorte tam- bém estão sujeitos a um número maior de potenciais vieses em comparação aos estudos experimentais. As principais vantagens dos estudos de coorte em rela- ção aos demais tipos de estudos observacionais são: (a) são o único tipo de estudo capaz de estabelecer a incidência de um evento clínico e, consequentemente, o risco absoluto de forma direta; (b) são o único tipo de estudo capaz de estabelecer uma relação temporal de causa e efeito; (c) a exposição é ava- liada antes que o desfecho ocorra, o que evita um possível viés de aferição da exposição que poderia ocorrer se o desfecho já fosse conhecido; e, (d) podem avaliar a relação da exposição com vários outros desfechos. Porém, são desvantajosos para (a) avaliar eventos raros e aqueles que levam muito tempo para ocorrer, pois é neces- sário arrolar um número muito maior de pessoas do que as que sofrem o desfecho; (b) são caros e exigem uma logística mais complexa, pois é necessário acompanhar muitas pesso- as por muito tempo; (c) a exposição pode mudar ao longo do tempo (por exemplo, pessoas que fumam podem parar de fumar e aqueles que não fumavam no início do estudo e fo- ram classificados como não expostos podem começar a fumar durante o seguimento); e, (d) a perda do seguimento pode ser Capítulo 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 61 considerável, uma vez que as pessoas sob estudo podem se mudar, morrer ou simplesmente ficar de fora do alcance dos pesquisadores por outras razões. Até mesmo os grandes estu- dos podem ser afetados por essas particularidades do estudo de coorte. No Estudo de Framingham, por exemplo, as mais de 5.000 pessoas tiveram que ser acompanhadas por 8 anos para que os primeiros dados pudessem ser analisados e publi- cados. Nesse período, apenas 5% das pessoas haviam sofrido um evento coronariano. 5 Medidas de Efeito: Risco Absoluto, Atribuível e Relativo Oliveira e colaboradores (2016) quantificaram e compa- raram o risco de morte em 6 anos atribuível à hipertensão, ao diabetes e ao fumo em duas coortes de idosos (ingleses e brasileiros). Para fins de simplificação, serão apresentados apenas parte dos dados obtidos na coorte brasileira (Quadros 4.1 e 4.2). Na coorte brasileira de Bambuí, 1.382 idosos fo- ram acompanhados por um período médio de 5,5 anos entre 1997 e 2002. Nesse período, 241 indivíduos faleceram, tota- lizando a observação de mais de 7.000 pessoas-ano. 5.1 Risco Absoluto A primeira e a mais simples das perguntas que pode ser feita é: “Qual é o risco de morte em 6 anos para um indivíduo dessa população”? O risco absoluto, que é a probabilidade de um 62 Epidemiologia e Saúde Pública evento ocorrer em uma população sob estudo, é equivalente à sua incidência. Portanto, o risco de morte em 6 anos para qualquer indivíduo dessa população, desconsiderando a pre- sença de qualquer outro fator, é de 31,8/1.000 pessoas-ano. Porém, considerando que o estudo foi feito para avaliar se a hipertensão, o diabetes e o fumo aumentam o risco de morte, é preciso comparar o risco de morte entre os grupos que apre- sentam esses fatores e aqueles que não os apresentam. O Quadro 1 descreve as taxas de morte ocorridas durante o período de seguimento (1997 a 2002) para os hipertensos e normotensos, assim como a prevalência de hipertensão no momento inicial do estudo (isto é, em 1997). Quadro 1 Taxa de morte em 6 anos e prevalência de hipertensão na coorte de idosos de Bambuí, Minas Gerais. Taxa de morte entre os hipertensos 34,9/1.000 pessoas-ano Taxa de morte entre os normotensos 24,7/1.000 pessoas-ano Prevalência de hipertensão 70,4% (ou 0,704) Fonte: Adaptado de Oliveira et al. (2016). 5.2 Risco Atribuível e Risco Relativo Comparando-se diretamente a incidência de morte nos hiper- tensos com a incidência nos normotensos, percebe-se que o risco absoluto de morte parece ser maior para os hiperten- sos do que para os normotensos. As questões que surgem a partir dessa observação são: “Qual é o risco de morte em 6 anos atribuível à hipertensão”? Isto é, “Quantos casos ocor- Capítulo 4 Desenhando a Pesquisa Epidemiológica: Estudos... 63 rem devido ao fato do indivíduo ser hipertenso”? Além disso, “quantas vezes é mais provável que hipertensos morram em 6 anos em comparação aos normotensos”? Em outras palavras, o risco de morte em 6 anos para os hipertensos é quantas ve- zes maior em relação ao risco de morte para os normotensos? O risco atribuível é a incidência do desfecho relacionado à exposição. Embora a taxa de morte em 6 anos seja maior en- tre os hipertensos do que entre os normotensos, nem todas as pessoas dessa população morrem por causa da hipertensão. O risco atribuível é simplesmente uma diferença entre dois ris- cos absolutos, isto é, uma diferença entre o risco absoluto nos expostos e o risco absoluto nos não expostos. Nesse exemplo, o risco de morte (desfecho) atribuível à hipertensão (exposição) é de 10,2/1.000 pessoas-ano (pois 34,9 − 24,7 = 10,2). Já o risco relativo expressa quantas vezes é mais provável que as pessoas expostas apresentem o desfecho em relação às pessoas não expostas. Essa probabilidade é uma razão entre o risco absoluto nos expostos e o risco absoluto nos não expos- tos. Nesse exemplo, inferimos que os hipertensos têm um risco 1,4 vezes maior de morrer em 6 anos em relação aos nor- motensos (pois 34,9/24,7 = 1,4). Repare que a unidade de incidência empregada (1.000 pessoas-ano) no numerador e no denominador se cancela. Portanto, o risco relativo é um nú- mero puro. Dito em outras palavras, a probabilidade de morte em 6 anos é 1,4 vezes maior entre os hipertensos do que entre os normotensos. Ou ainda, o risco de morte em 6 anos entre os hipertensos é 40% maior do que entre os normotensos. 64 Epidemiologia e Saúde Pública O risco atribuível e o risco relativo são estimados a partir dos mesmos dados, isto é, comparando-se a incidência do desfecho nos grupos expostos e não expostos. Porém, essas duas medidas de risco expressam informações diferentes. O risco relativo, por expressar a magnitude da associação entre a exposição e o desfecho, é utilizado nos estudos etiológicos. Na prática clínica, entretanto, o risco atribuível pode ser mais apropriado, uma vez que o risco relativo não esclarece o ta- manho do risco associado com o fator em exposição. Para visualizar melhor essa situação, suponhamos que um determinado fator de risco duplique o risco de desenvolvimen- to de uma doença qualquer