Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 1 A AVALIAÇÃO E A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA Profª Tânia Mara Grassi 2 CONVERSA INICIAL As dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar têm sido temas constantes nas discussões de profissionais da educação, professores, pais, psicólogos e psicopedagogos, entre outros. Temas inquietantes e para os quais buscamos soluções. Na tentativa de equacionar essa problemática e compreender sua complexidade, a psicopedagogia foi se estruturando como área do conhecimento especializada no processo de ensino-aprendizagem e suas dificuldades. A disciplina de avaliação psicopedagógica clínica tem como objetivo propiciar uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem com base em uma avaliação diagnóstica clínica, que é um processo complexo e que requer um olhar apurado e uma escuta atenta, além do domínio no manejo dos instrumentos e técnicas de avaliação. Vamos conhecer esse processo refletindo sobre a queixa e o encaminhamento para a avaliação e conhecer, nesta aula, alguns instrumentos utilizados para iniciar o processo de avaliação diagnóstica: a Eoca, a observação lúdica e a anamnese. O objetivo desta aula é instrumentalizar o futuro psicopedagogo, capacitando-o para identificar os principais instrumentos para iniciar uma avaliação psicopedagógica clínica, selecionando-os e aplicando-os de modo a levantar o primeiro sistema de hipóteses, relacionando-os às diferentes concepções teóricas que os fundamentam. CONTEXTUALIZANDO Quando um sujeito não aprende ou apresenta dificuldades de aprendizagem no contexto escolar causa uma inquietação nos profissionais da escola, na família e no próprio sujeito, independementemente de sua faixa etária. Buscar ajuda é uma das ações possíveis. A psicopedagogia apresenta-se como uma alternativa nessa busca. Uma queixa motiva o encaminhamento e indica uma direção, cabendo ao profissioal que a recebe fazer uma análise de sua pertinência e decidir qual será o primeiro passo. Eduardo é um menino ativo, agitado e curioso, tem 5 anos e está no primeiro ano do ensino fundamental, em uma escola pública, sendo também seu 3 primeiro ano nessa escola. No fechamento do primeiro bimestre os pais foram chamados para uma conversa com a equipe pedagógica para procederem a seu encaminhamento a um especialista. As professoras relatam desatenção, agitação motora, dificuldades no processo de alfabetização, o que tem preocupado também os pais. A pedagoga da escola solicitou-lhes que procurassem uma avaliação psicopedagógica em face da suspeita de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e as dificuldades do aluno em relação à alfabetização. Vamos refletir sobre esse encaminhamento! O que vocês acham? Esse encaminhamento foi correto ou precipitado? Apresentar a suspeita de TDAH é um procedimento adequado? Que dados estão faltando para corroborar o encaminhamento? Baseada em que informações a suspeita de TDAH foi levantada? E quanto à alfabetização? Faça uma pausa e registre suas ideias sobre esse caso. TEMA 1 – A AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: INICIANDO A INVESTIGAÇÃO A avaliação psicopedagógica clínica se configura em uma investigação sobre o processo de ensino e aprendizagem de um sujeito que apresente dificuldades. Essa investigação deve ser realizada cuidadosamente por um ou mais profissionais, considerando-se sempre as diretrizes dadas pela queixa. É um processo pelo qual se analisa detalhadamente a situação presente do aluno com dificuldades de aprendizagem no contexto educacional, objetivando proporcionar ao psicopedagogo orientação e instrumentalização para desenvolver em seguida a intervenção psicopedagógica. O processo diagnóstico tem algumas funções, entre as quais destacamos: identificar, localizar e investigar; analisar e interpretar; prescrever e encaminhar; orientar a família, a escola e outros profissionais; prevenir o aparecimento de outras dificuldades bem como a intensificação daquelas já apresentadas; corrigir as dificuldades apresentadas de modo a equacioná-las. Você, com certeza, em algum momento da vida já se queixou de alguma coisa ou de alguém. No seu trabalho como profissional da educação ou da saúde, recebeu ou formulou queixas. Procure se lembrar de uma queixa que você tenha feito em relação a um aluno: que comentários foram feitos? Que 4 argumentos foram apresentados para corroborar a queixa? Para quem ela foi feita? Como a pessoa que ouviu a queixa reagiu? Registre suas ideias. 1.1 A queixa O processo de avaliação psicopedagógica tem seu início com a análise da queixa. Esta chega ao psicopedagogo por escrito, por meio de um encaminhamento formal feito pela escola ou por algum profissional que já atende o sujeito, em geral pelas mãos dos pais, mas pode também chegar por intermédio de um contato telefônico ou pessoalmente, pela fala dos pais ou do próprio sujeito. Realiza-se uma primeira entrevista com quem fornece a queixa, os pais ou o próprio sujeito. Estes são acolhidos e ouvidos, momento em que apresentam os motivos da procura pelo especialista e este apresenta aos sujeitos as constantes do enquadramento e firma-se um contrato de trabalho. Essa entrevista não deve ser longa, tendo a duração de cerca de 20 minutos. Você deve estar se perguntando o que é enquadramento: é a organização do atendimento que será prestado no processo de avaliação psicopedagógica clínica, ou seja, um conjunto de elementos que constitui o processo, definindo como este será desenvolvido e que será expresso e firmado em um contrato que inicialmente é oral, mas que posteriormente pode ser registrado por escrito e assinado pelos participantes. Entre as constantes do enquadramento temos, de acordo com Visca (2010, p. 27): o número de sessões, sua duração e frequência; o local em que as sessões serão realizadas; cancelamentos, faltas, atrasos e interrupções; honorários: valores e opções de pagamento; caixa de trabalho. Em relação ao contrato o autor destaca que há contratos de diagnóstico (avaliação) e de tratamento (intervenção), individuais ou grupais, em que as constantes do enquadramento estão expressas. A queixa nada mais é do que uma reclamação, uma fala, um assinalamento que indica que alguma coisa não está bem, ou seja, que o sujeito não está aprendendo, está apresentando dificuldades em seu processo de 5 aprendizagem, sintomas estão presentes e obstáculos dificultam ou impedem a aprendizagem. O conjunto de sintomas apresentados pela queixa compõe a semiologia, sobre a qual falaremos mais adiante. Quem apresenta a queixa pode ser a escola, representada pela professora ou pela pedagoga; pode ser a família; ou o próprio sujeito. Quem recebe a queixa precisa investigá-la cuidadosamente, ouvindo todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Entre as queixas mais comuns listamos algumas com o intuito de ilustrar o tema e convidá-los a refletir sobre a questão: “O João não aprende nada, já tentei de tudo e não adianta.”; “A Mariana não presta atenção em nada, é distraída, agitada, hiperativa.”; “Jéssica é uma aluna educada, mas não consegue assimilar nada do que é ensinado.”; “Otávio não consegue aprender matemática, sua família não participa, não sei mais o que fazer”; “Jeniffer é uma aluna retraída, chora por qualquer coisa, não consigo alfabetizá-la, já está no quarto ano e não consegue ler.”; “Felipe é desinteressado, só quer jogar bola, não gosta de fazer tarefa, não me obedece”; “Não consigo entender o que o professor explica.”; “Sou bagunceiro, não gosto da escola.”; “Sou incapaz de aprender,acho que sou burro, não tenho jeito.” Essas queixas foram formuladas por familiares, pela escola ou pelos próprios sujeitos e levadas ao psicopedagogo. Perante uma queixa haverá um encaminhamento para o profissional da psicopedagogia que procede, então, a uma pesquisa cuidadosa em relação a ela. É preciso olhar e escutar atentamente a queixa e os sujeitos queixosos. Isso significa investigar o conteúdo da queixa, o que nela está dito, explícita e implicitamente. Ouvir atentamente escola, professores, pedagogos e outros funcionários, quando for pertinente. Ouvir a família, que fornecerá informações importantes sobre sua percepção em relação à queixa, ao processo de aprendizagem e ao sujeito. E, por fim, ouvir o sujeito, como ele percebe a queixa dos outros, qual é a sua queixa em relação ao problema ou à dificuldade apresentada e como ele se percebe nesse processo. Essa análise da queixa permite ao psicopedagogo organizar os próximos passos no processo de avaliação diagnóstica, definindo objetivos, levantando hipóteses, selecionando materiais e instrumentos de avaliação, bem como proceder a encaminhamentos para outros profissionais que auxiliarão no diagnóstico. 6 Cabe, ainda, destacar que o processo diagnóstico tem um paradigma teórico que pode ser o tradicional, o da epistemologia convergente ou o do enfoque psicoeducacional. Esse paradigma norteia a escolha dos instrumentos para a investigação e fundamenta a avaliação, a análise dos dados e a intervenção. É importante que o profissional da psicopedagogia seja um estudioso, conheça os instrumentos e as teorias que os fundamentam e faça sua opção. TEMA 2 – ÁREAS A INVESTIGAR E INSTRUMENTOS A UTILIZAR Um processo de avaliação psicopedagógica clínica pressupõe, após a análise da queixa, definirmos quais os instrumentos de avaliação que serão utilizados, considerando as áreas que precisam ser investigadas. Ressaltamos que não existe um modelo ou receita; cada caso, com suas especificidades, indicará o caminho a seguir. Mas, claro, há um rol de instrumentos que podem ser escolhidos e que instrumentalizam o profissional para a realização da avaliação. Conhecer esses instrumentos é essencial para a prática da avaliação psicopedagógica e serve de referencial para a organização de cada processo de avaliação. O sujeito que será submetido ao processo de avaliação psicopedagógica deve ser visto de modo integrado, considerando-se os aspectos cognitivos, afetivos, sociais, pedagógicos, psicomotores e orgânicos que o constituem. Vamos conhecer um pouco mais esses aspectos? 2.1 Aspectos orgânicos Os aspectos orgânicos dizem respeito à esfera biológica, relacionados aos sistemas que compõem o corpo humano e suas funções, bem como a alterações nesses sistemas. Destacamos os órgãos sensoriais, cujas alterações podem dificultar a aprendizagem e o desenvolvimento por interferirem nas interações com os objetos do conhecimento, afetando as experiências do indivíduo; o sistema nervoso central, suas lesões e disfunções que podem dificultar esses processos; alterações físicas e psicomotoras que podem comprometer o movimento e obstaculizar a aprendizagem, além das doenças que podem acometer o sujeito, 7 impedindo a sua frequência à escola, às experiências e interações físicas e sociais. 2.2 Aspectos cognitivos Os aspectos cognitivos relacionam-se às estruturas cognitivas, a sua organização, desenvolvimento, construção e funcionamento. Envolvem o desenvolvimento de funções psicológicas superiores que acontecem via base biológica em interação com o meio social, econômico, cultural, histórico e político, como nos aponta Vygostsky: atenção, concentração, pensamento, linguagem, memória, raciocínio lógico, imaginação, criatividade, planejamento, percepção, inteligência, entre outras. Alterações nessas funções podem dificultar a aprendizagem e podem ser decorrentes de lesões, disfunções, falta de estímulos ou oportunidades. 2.3 Aspectos pedagógicos Entre os aspectos pedagógicos podemos mencionar o sistema educacional que organiza a escolaridade, a metodologia de ensino utilizada na escola ou pelos professores, as concepções e práticas avaliativas, as concepções que fundamentam as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola, a organização das turmas na escola (número de alunos, faixa etária, expectativas, relações e interações), o currículo e o planejamento das atividades escolares, a estrutura física da escola e os recursos materiais e pedagógicos disponíveis, a formação dos professores (inicial e continuada), o acompanhamento pedagógico pela equipe pedagógica da escola e as medidas de intervenção tomadas antes do encaminhamento do indivíduo para avaliação. Também é preciso considerar os conhecimentos que o sujeito domina, os conteúdos por ele apreendidos e as suas defasagens: leitura, escrita, oralidade, interpretação, compreensão, pensamento matemático e outros, considerando faixa etária e escolaridade e se as dificuldades apresentadas se relacionam à aprendizagem sistemática ou formal, que acontece no contexto escolar, e/ou à aprendizagem assistemática oi informal, que acontece em outros contextos além do espaço escolar. 2.4 Aspectos emocionais 8 Os aspectos emocionais relacionam-se à afetividade, aos vínculos, ao desejo de aprender, à expressão de sentimentos e emoções. Envolvem o sujeito, sua família e outras relações afetivas por ele estabelecidas tanto no contexto escolar, quanto fora dele. Os sintomas podem explicitar essas relações, comunicar problemas, expressar sentimentos e significar um pedido de ajuda. Devemos observar maturidade, comportamento regressivo, comportamentos repetitivos, linguagem, autonomia, independência, instabilidade, agressividade, iniciativa, entre outros aspectos. 2.5 Aspectos sociais Os aspectos sociais dizem respeito aos fatores relacionados à socialização, aos grupos sociais dos quais o sujeito faz parte e às interações sociais que acontecem em diferentes espaços. Relacionam-se a cultura, nível econômico, social, ideológico, tempo histórico e político que determinam práticas, ações e concepções. Aqui é importante considerar as experiências prévias do sujeito, as interações sociais do sujeito e de seus familiares, a sua participação nas atividades escolares, comunitárias e de outros grupos do qual participa. 2.6 Aspectos psicomotores Em relação aos aspectos psicomotores convém destacar o domínio do corpo e sua gestualidade enquanto elemento de comunicação e expressão de pensamentos e sentimentos. A coordenação motora ampla e fina, o equilíbrio dinâmico e estático, a coordenação visomotora, a lateralidade, o esquema corporal, a orientação espacial e temporal do sujeito, que vão se desenvolvendo progressivamente e são importantes para a aprendizagem escolar. Alterações nesses aspectos podem dificultar a aprendizagem e precisam ser trabalhadas para que a condição seja superada. Observarmos todos esses aspectos durante a avaliação psicopedagógica clínica possibilita levantarmos o perfil de desenvolvimento do sujeito e organizarmos a intervenção que complementa o processo. Vamos agora conhecer os instrumentos de avaliação psicopedagógica utilizados para iniciá-la! 9 TEMA 3 – EOCA O primeiro contato entre o psicopedagogo e o sujeito que será avaliado é cercado pela ansiedade natural de uma primeira sessão. Ambos são desconhecidos, há expectativas, dúvidas, receio, entre tantos sentimentos. Justamente pela presença dessa ansiedade e fundamentados em Visca (2010), que sugere iniciar o processo de avaliação pela entrevista operativacentrada na aprendizagem (Eoca), apresentamos esse instrumento para iniciar a avaliação, pois ele possibilita o estabelecimento de um vínculo positivo entre o sujeito e o avaliador, aproximando ambos e diminuindo a ansiedade. Também possibilita ao psicopedagogo conhecer o sujeito antes de conversar com os pais e, portanto, receber informações preconcebidas sobre ele. A Eoca é um instrumento de avaliação desenvolvido por Visca (2010, p. 98) como forma de primeiro contato com o sujeito em avaliação, na perspectiva da epistemologia convergente. Consiste em uma entrevista em que se realizam atividades com materiais relacionados ao processo de aprendizagem escolar, na qual há diálogo e produção, espontaneidade e direcionamento, configurando-se em uma atividade experimental riquíssima para coleta inicial de dados, podendo ser aplicada a pessoas de qualquer faixa etária: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Porto (2007, p. 112) menciona como objetivos da Eoca identificar os sintomas apresentados pelo sujeito, levantando hipóteses sobre as possíveis causas das suas dificuldades de aprendizagem; levantar dados sobre o vínculo do sujeito com a aprendizagem e com o conhecimento; coletar dados sobre o sujeito de modo a conhecê-lo e levantar o primeiro sistema de hipóteses. Você deve estar curioso para saber mais sobre esse instrumento, então vamos lá! 3.1 Material da Eoca Os materiais básicos listados por Visca (2010) e utilizados pelos psicopedagogos consistem em: folhas de papel sulfite brancas, folhas de papel pautado, folhas de papel quadriculado, folhas de papel colorido para dobradura, lápis grafite sem ponta, apontador, borracha, caneta, régua, tesoura, cola, caneta hidrográfica, lápis de cor, giz de cera, marcadores, revista e livro. 10 Outros materiais podem ser adicionados a essa lista, considerando-se o sujeito que será avaliado e a queixa apresentada. Em nossa prática psicopedagógica acrescentamos: brinquedos, jogos, tinta, cola colorida, livros, pincéis, revistas em quadrinhos etc. Carlberg (2012, p. 37) sugere a inclusão de um compasso, um transferidor e uma revista que aborde um tema de interesse para adolescentes; um jogo para crianças em idade escolar; um livro de literatura infantil com ilustrações e texto em caixa alta e/ou um alfabeto móvel, para crianças em idade pré-escolar. Os materiais podem ser acondicionados em uma caixa e colocados sobre uma mesa, sendo apresentados ao sujeito para que ele os explore. 3.2 Aplicação O contato inicial entre o psicopedagogo e o sujeito em avaliação é marcado por uma conversa em que eles se apresentam, momento em que se levantam alguns dados como nome, idade, escola, questionando-se se o sujeito sabe por que está no consultório e quem é o psicopedagogo. Após a apresentação o profissional explica qual é o seu trabalho, com frases como: “Ajudar outras pessoas a aprenderem ainda mais coisas do que já aprenderam”, “É por isso que você está aqui e vamos nos encontrar algumas vezes, para que eu possa conhecer você, seu modo de aprender, de pensar e fazer as coisas”, o que vai variar de acordo com a faixa etária e o nível de compreensão do sujeito que será avaliado. Uma vez selecionados os materiais, estes são organizados sobre uma mesa e apresentados ao sujeito, seguidos de consignas, que são instruções. A solicitação inicial consiste em pedir que o sujeito mostre ao psicopedagogo o que sabe fazer, o que aprendeu ou o que lhe ensinaram utilizando os materiais apresentados. Há diversas consignas a utilizar durante a realização da Eoca, entre elas destacam-se as que listaremos a seguir. 3.2.1 De abertura A consigna de abertura consiste em deixar o sujeito livre para produzir espontaneamente: “Eu trouxe esses materiais para você utilizar como quiser. 11 Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que aprendeu ou o que lhe ensinaram”. O sujeito pode iniciar fazendo algo como escrever, desenhar, recortar etc.; pode permanecer em silêncio, sem ação; pode falar sem parar; pode perguntar o que deve fazer. Cabe ao psicopedagogo fazer uso das outras consignas, mas sem determinar o que deve ser feito. 3.2.2 Fechada A consigna fechada direciona a ação do sujeito para o que o entrevistador precisa observar: “Gostaria que você me mostrasse outra coisa, algo diferente do que já fez”. 3.2.3 Direta A consigna direta indica exatamente o que o sujeito precisa fazer, mas sem indução: “Gostaria que você me mostrasse algo de matemática, escrita, leitura...”. 3.2.4 Múltipla Quanto à consigna múltipla, ela indica opções de escolha para o sujeito, direcionando-se àqueles que têm dificuldade de iniciar a atividade: “Você pode ler, escrever, pintar, desenhar, recortar ou...”. 3.2.5 Pesquisa A pesquisa levanta dados complementares em relação às produções do sujeito, permitindo um diálogo em que o sujeito verbaliza: “Para que serve isto?”, “O que você fez?”, “Que cores você usou?” etc. 3.3 A postura do psicopedagogo O psicopedagogo deve ser um observador da conduta do sujeito avaliado, fazendo somente as mediações e intervenções que forem necessárias e oportunas. 12 A preparação para a realização da entrevista é condição essencial para o desenvolvimento da avaliação: devemos organizar o material, analisar a queixa e estudar as consignas. Precisamos utilizar as diversas consignas para enriquecer a coleta de dados e a observação, inclusive a consigna múltipla, quando percebermos que o sujeito tem dificuldade de iniciar a atividade. Caso o sujeito permaneça sem fazer nada ou sem iniciativa mesmo após a utilização de todas as consignas, podemos registrar o dado, pois pode ser sua postura diante de situações novas, o que merece análise. Cabe-nos colocar limites quando for preciso. 3.4 Análise Durante a aplicação da Eoca é necessário ficarmos atentos à temática, ou seja, aquilo que o sujeito diz, o que terá um aspecto manifesto e um aspecto latente; à dinâmica, aquilo que o sujeito faz, ou seja, suas ações, movimentos, expressão facial, expressão corporal, tom de voz, postura etc.; e ao produto, aquilo que o sujeito produz, o que deixa registrado na folha, a dobradura, a colagem, o desenho, incluindo a sequência em que foram feitos (Visca, 2010, p. 100). Devemos observar a dimensão afetiva: distração, inadequação da postura, desatenção, fuga, condutas defensivas como medo, resistência à tarefa, a ordens ou a mudanças; ordem e escolha dos materiais; aparecimento de condutas reativas como ansiedade, choro, agressividade etc. Precisamos observar a dimensão cognitiva: leitura dos objetos e situações, utilização adequada dos objetos, estratégias utilizadas na produção das tarefas, organização, planejamento da atividade, nível de pensamento. E, ainda, observar atentamente sua postura, sua relação com o material, iniciativa, exploração, organização, conhecimentos demonstrados, passividade, impulsividade, tensão, aspectos psicomotores (coordenação motora fina, ritmo, orientação espacial, orientação temporal, lateralidade etc.), conhecimentos, justificativas, vocabulário, entre outros elementos, registrando as informações, esclarecendo dúvidas e pesquisando pontos referentes à queixa. O registro pode ser feito diante do sujeito, desde que você comunique a ele que vai fazer anotações enquanto ele trabalha. Divida uma folha de papel pautado em duas colunas, sendo a da esquerda mais larga, pois é onde serão 13 registradas as observações durante a entrevista e, na coluna mais estreita, a da direita, serão registradas as hipóteses levantadas. Tudo o que ocorrerdeverá ser anotado, nos ensina o mestre Visca (2010). Analisar essa entrevista possibilita o levantamento das primeiras hipóteses em relação ao sujeito e a seu processo de aprendizagem. Visca (2010) denomina esse momento de primeiro sistema de hipóteses, que vai nortear o restante do processo, uma vez que estabelece hipóteses que precisam ser investigadas, levantadas com base nos dados coletados durante a entrevista. As hipóteses serão levantadas considerando-se três linhas de pesquisa: cognitiva, afetiva e orgânico-funcional. Após o levantamento do primeiro sistema de hipóteses, já é possível a indicação da necessidade de avaliações complementares de áreas específicas como, por exemplo: neurológica, oftalmológica, psicológica, otorrinolaringológica, fonoaudiológica, entre outras. Em relação à semiologia, Visca (2010, p. 108) nos propõe a análise dos sintomas relacionados à aprendizagem assistemática e à aprendizagem sistemática. Quanto à aprendizagem assistemática, apresenta as seguintes categorias de análise: “detenção global da aprendizagem”, “ausência absoluta de uma conduta” e “existência de uma conduta que não alcançou pleno desenvolvimento, ou seja, dificuldade parcial”; e, quanto à aprendizagem sistemática: “sintomas específicos” – subdivididos nas três categorias já nominadas – e “sintomas inespecíficos”. TEMA 4 – OBSERVAÇÃO LÚDICA O brincar é uma atividade importante no desenvolvimento do sujeito humano e, como tal, pode, na avaliação psicopedagógica, fornecer dados significativos e que auxiliarão na compreensão do processo de aprendizagem e de suas dificuldades. Além de distanciar o sujeito do contexto especificamente escolar, por apresentar materiais lúdicos, diminui a ansiedade e permite a expressão espontânea do sujeito. Por intermédio do brincar há a expressão de pensamentos e sentimentos. Há movimentos e manifestações diversas que nos permitem observar e coletar dados que talvez não fossem manifestados por meio de outros instrumentos. 14 Com certeza você se lembra de suas brincadeiras quando criança! Faça uma reflexão sobre essas experiências, do que gostava, de como eram e de quais os brinquedos de sua época. Registre essas memórias. Na avaliação psicopedagógica, a observação lúdica pode ser utilizada como primeiro contato entre o psicopedagogo e o sujeito, pois é uma excelente estratégia para estabelecimento de vínculos, condição essencial para a avaliação. Também tem seu uso indicado na avaliação de sujeitos que não respondem a outras formas de investigação em função da sua faixa etária, da presença de deficiências ou de ausência da fala. Weiss (2004, p. 74) denomina a sessão lúdica inicial de sessão lúdica centrada na aprendizagem, modificando a Eoca com base em suas experiências profissionais. A escolha do material é importante e deve considerar a faixa etária do sujeito, os elementos levados na queixa e as suas dificuldades. Os materiais podem ser apresentados em uma caixa e explorados pelo sujeito. Devem ser simples, de custo baixo, mas de boa qualidade, de modo a não oferecerem riscos para o sujeito; devem ser atrativos por sua função e não por suas características estéticas. 4.1 Os materiais para a sessão de observação lúdica Entre os materiais que podem ser colocados na caixa para compor a sessão de observação lúdica, sugerimos: jogos: dominó, dama, trilha, ludo, memória, entre outros, considerando a faixa etária e os interesses; jogos de construção: peças de encaixe de plástico ou madeira, ferramentas etc.; fantoches; sucata: caixas, potes, retalhos de tecido, tampinhas, palitos de sorvete etc.; miniaturas de utensílios domésticos: panelas, talheres, copos; miniaturas de mobília: cama, mesa, cadeiras, armários, fogão etc.; miniaturas diversas: animais, plantas, pessoas etc.; bonecos e bonecas; carrinho, caminhão, avião etc.; 15 material de arte: tinta, pincel, massa de modelar, papel sulfite, canetas hidrográficas, lápis de cor, giz de cera etc.; bolas de diferentes tamanhos; peças de vestuário e adereços. Outros materiais podem ser acrescentados, considerando-se os sujeitos, a faixa etária e os aspectos a observar. 4.2 Aplicação e análise A caixa com o material lúdico é apresentada ao sujeito pelo psicopedagogo, que o incentiva a utilizar os brinquedos espontaneamente, explorando-os, num primeiro momento. A apresentação do material também pode ser feita sobre uma mesa, sobre um tapete no chão ou ainda parte em uma caixa e parte sobre a mesa ou ao lado da caixa. A consigna inicial consiste em dizer ao sujeito que ele pode usar o material para brincar como quiser. Enquanto o sujeito brinca o profissional observa a atividade, registrando as informações, considerando as escolhas feitas, a maneira como a pessoa brinca e a sua relação como o profissional. Como ele brinca, que escolhas faz, quais materiais utiliza e como (uso funcional ou simbólico), que expressões manifesta (orais, faciais, corporais), quais atitudes, ações e movimentos realiza, o que cria e como cria, sua manifestação de desejos, pensamentos e sentimentos, como se relaciona com o psicopedagogo. Caso seja solicitada sua participação, você pode brincar com ele, participar do processo; caso não, apenas observe e faça mediações, se for necessário: se ele permanecer sem brincar, não mexer no material ou perguntar o que pode ou deve fazer. Quando terminar a sessão, faça a análise, registrando suas hipóteses e impressões; essas hipóteses direcionarão as próximas sessões. A observação lúdica pode se restringir a uma sessão, mas pode ser utilizada em mais sessões, de acordo com o caso em avaliação. O que acha de fazer uma pausa e organizar uma caixa lúdica com os materiais que você tem em casa? Pense em uma pessoa específica: pode ser 16 um aluno, um amigo ou um conhecido. Aproveite e organize um roteiro com itens que podem ser observados durante a sessão lúdica. TEMA 5 – ANAMNESE Uma avaliação psicopedagógica, num paradigma tradicional ou psicoeducacional, pode ter início com a anamnese, mas não epistemologia convergente. A anamnese é uma entrevista, realizada com os pais ou responsáveis pelo sujeito, em que fazemos um levantamento de dados sobre a sua história de vida, desde a concepção até o momento presente. Esses dados vão auxiliar no diagnóstico, complementando informações e confirmando ou refutando hipóteses. Há diversos roteiros de anamnese que podem ser utilizados, mas são apenas referenciais que podem e devem ser modificados e complementados pelo psicopedagogo para enriquecer a coleta de dados e, portanto, a investigação. Alguns itens não podem faltar no roteiro de anamnese. Entre eles, destacamos: os dados de identificação, os dados sobre concepção e gestação − fatores pré-natais −, os dados do nascimento (neonatais), as informações sobre o desenvolvimento do indivíduo nas diferentes fases até o momento presente e áreas (psicomotora, cognitiva, afetiva, social, física), as suas doenças e intercorrências, os seus atendimentos médicos e por outros especialistas, o seu histórico escolar, o seu histórico familiar e dados sobre a queixa e os sintomas. É importante salientarmos que é uma entrevista aberta, que, embora tenha um roteiro, não deve ser realizada como mero preenchimento de um questionário. Os pais devem ser ouvidos atentamente e as informações, registradas para posterior análise. Costumo solicitar autorização para gravar a entrevista, alternativa para não perder informações importantes. Preferencialmente, os pais devem comparecer juntos,mesmo que estejam separados. Quando isso não é possível, realiza-se a anamnese com o pai ou responsável que compareceu. Presenças e ausências são dados importantes e que precisam ser observados. Podem ser feitas duas sessões de anamnese com os pais em separado e seus novos companheiros, o importante é ouvir todos e não julgá-los. 17 A dinâmica da relação entre os pais também deve ser observada. Como falam sobre o filho, pontos de discórdia, dúvidas, desconhecimento, lapsos de memória, expressões verbais e não verbais, silêncios e vacilações. A amamnese pode ser realizada em mais de uma sessão. Quando faltarem dados ou ficarem dúvidas os pais podem ser chamados para complementar as informações. Já a anamnese na epistemologia convergente é realizada mais tarde, quando já temos uma série de dados coletados e hipóteses levantadas. O roteiro é organizado durante o processo de avaliação com base nas informações que são necessárias para complementar os dados, confirmar as hipóteses ou levantar outras. A anamnese tem início com uma consigna aberta que solicita que os pais ou responsáveis façam um relato sobre o que acham importante em relação ao processo de aprendizagem do filho. A partir da fala dos pais os caminhos vão sendo delineados e perguntas vão sendo feitas. Quando necessário, o profissional faz perguntas mais diretas que servirão para esclarecer dúvidas ou responder a questões pontuais. Não há uma ordem cronológica; os pais fazem o relato e observamos a ordem escolhida, as emoções manifestadas, as suas omissões, esquecimentos, escutando com atenção e os acolhendo quando necessário. A função da anamnese é confirmar o segundo sistema de hipóteses, sobre o qual falaremos mais adiante. Alguns autores têm preferido denominar a anamnese utilizada na avaliação psicopedagógica clínica de entrevista histórica, com o intuito de diferenciá-la da anamnese tradicional, utilizada na área médica e em outras áreas com roteiro fixo. Entre esses autores está Serafini (2011). Para Weiss (2004, p. 61), a anamnese integra passado, presente e futuro, reconstruindo a história familiar. A história de vida do sujeito e de sua família explicita o peso que é depositado sobre ele, pelas gerações anteriores. Ela propõe sua utilização após a Efes, que conheceremos mais adiante ou mais tarde, dependendo do caso. Os dados coletados nos auxiliam no levantamento das possíveis causas das dificuldades apresentadas pelo sujeito e no fechamento do diagnóstico. 18 A reflexão que a anamnese solicita dos pais sobre a história de vida do filho pode representar uma intervenção na dinâmica familiar e o psicopedagogo pode fazer mediações importantes nessa dinâmica. Que tal agora você elaborar um roteiro de anamnese? Organize as questões, reflita sobre os aspectos importantes a coletar e faça uma entrevista histórica com uma pessoa conhecida, como um treino. Registre os dados coletados, suas dificuldades e dúvidas. Não se esqueça de formular hipóteses. FINALIZANDO A avaliação psicopedagógica clínica é um processo de investigação cujo objetivo é levantar o perfil de desenvolvimento e aprendizagem de um sujeito que está, num momento presente, apresentando dificuldades. Avaliar é investigar cuidadosamente a queixa e esse processo, de modo a levantar informações que possibilitem a formulação de hipóteses sobre suas causas, levando a uma conclusão diagnóstica e à organização de uma intervenção. O psicopedagogo é o profissional que vai realizar essa avaliação, partindo da análise de uma queixa que norteará a escolha dos instrumentos de avaliação que serão utilizados. De acordo com sua concepção teórica, o psicopedagogo organiza o processo de avaliação diagnóstica selecionando os instrumentos e sua ordem de aplicação. Entre os instrumentos iniciais temos a Eoca, a observação lúdica e a anamnese. A Eoca foi criada por Jorge Visca (2010), sendo utilizada como primeira sessão com o sujeito em avaliação. Analisando temática, dinâmica e produto, levantamos o primeiro sistema de hipóteses. É uma entrevista em que o sujeito é convidado a mostrar, com os materiais a ele disponibilizados, o que aprendeu, o que lhe ensinaram, o que sabe fazer. Os materiais apresentados remetem ao contexto escolar e relacionam-se ao processo de aprendizagem sistemático e assistemático. Levantam-se os sintomas – semiologia –, as primeiras hipóteses, o que norteará os próximos encaminhamentos, a seleção dos instrumentos e a organização do diagnóstico. A observação lúdica pode ser utilizada como primeiro contato com o sujeito, ou em outras sessões, para levantamento de hipóteses ou confirmação 19 de outras. Na caixa lúdica colocam-se brinquedos, jogos, miniaturas, entre outros materiais, com os quais o sujeito é convidado a brincar. O psicopedagogo observa, registra e analisa as escolhas feitas, os modos de brincar e a relação estabelecida com ele. A anamnese é uma entrevista que tem por objetivo levantar dados sobre a história de vida do sujeito. Na epistemologia convergente é realizada ao longo do processo e seu roteiro é construído pelas necessidades que se apresentam. É aberta, partindo de uma consigna que permite que se fale sobre o sujeito espontaneamente sem uma ordem cronológica, mas com a ordem do discurso, apresentando elementos importantes. Num enfoque tradicional, inicia o processo, mas também é aberta, seguindo a referência de um roteiro, mas nunca se limitando a um mero questionário. Os dados coletados permitem conhecer as possíveis causas dos sintomas, levantar e refutar hipóteses. LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica MORAES, M. S.; SOUZA, S. Q. S. Avaliação psicopedagógica: uma teia de possibilidade. Só Pedagogia, 28 out. 2014. Disponível em: <http://www.pedagogia.com.br/artigos/avaliacao_psicopedagogica/index.php?pa gina=0>. Acesso em: 9 jul. 2018. Nesse artigo as autoras falam sobre a avaliação psicopedagógica, abordando o processo diagnóstico e os instrumentos utilizados na perspectiva da epistemologia convergente. Texto de abordagem prática ZEPPONE, R. Estudo de caso: a clínica psicopedagógica em busca de um bom desempenho escolar. Temas em Educação e Saúde, Araraquara, v. 6, 2010. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp.br/tes/article/viewFile/9517/6307>. Acesso em: 9 jul. 2018. A autora apresenta o estudo de caso de uma aluna de escola pública discorrendo sobre a queixa, a avaliação, sua proposta de trabalho e os resultados obtidos. 20 Saiba mais A PSICOPEDAGOGIA: parte 2. Nadia Bossa, 9 jan. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BHvGIAXbSK4>. Acesso em: 9 jul. 2018. No vídeo, Nádia Bossa aborda o processo de avaliação falando sobre os instrumentos de diagnóstico. 21 REFERÊNCIAS CARLBERG, S. Psicopedagogia: uma matriz de pensamento diagnóstico no âmbito clínico. Curitiba: Ibpex, 2012. LOPES, S. V. A. O processo de avaliação e intervenção em psicopedagogia. Curitiba: Ibpex, 2004. PORTO, O. Bases da psicopedagogia: diagnóstico e intervenção nos problemas de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak, 2007. SERAFINI, A. Z. Entrevista histórica: integração da horizontalidade e da verticalidade. In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo, 2011. VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos Campos: Pulso, 2010. WEISS, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
Compartilhar