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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com 
fundamento no disposto no art. 102, § 1º, da Constituição Federal e nos 
dispositivos da Lei nº 9.882/99, vem propor a presente 
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO 
FUNDAMENTAL 
com o objetivo de
 (a) declarar a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 
5.346/08, do Estado do Rio de Janeiro; ou
(b) subsidiariamente, caso a Corte entenda incabível ou 
improcedente o pedido acima, invalidar a decisão do Egrégio Órgão 
Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida na 
Representação por Inconstitucionalidade 09/2009 (Processo nº 
2009.007.00009), que suspendeu a eficácia do citado ato normativo.
DOS FATOS
Em 11 de dezembro de 2008, o Estado do Rio de Janeiro 
editou a Lei nº 5.346, que “dispõe sobre o novo sistema de cotas para 
ingresso nas universidades estaduais e dá outras providências”. O referido 
ato normativo tem a seguinte redação (doc. 1): 
“Art. 1º. Fica instituído, por dez anos, o sistema de 
cotas para ingresso nas universidades estaduais, 
adotado com a finalidade de assegurar seleção e 
classificação final nos exames vestibulares aos 
seguintes estudantes, desde que carentes: 
I- negros;
II- indígenas;
III- alunos da rede pública de ensino; 
IV – pessoas portadoras de deficiência, nos termos 
da legislação em vigor; 
V- filhos de policiais civis e militares, bombeiros e 
inspetores de segurança e administração 
penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do 
serviço.
§ 1º. Por estudante carente entende-se como sendo 
aquele assim definido pela universidade pública 
estadual, que deverá levar em consideração o nível 
sócio-econômico do candidato e disciplinar como se 
fará a prova desta condição, valendo-se, para tanto, 
2
dos indicadores sócio-econômicos utilizados por 
órgão públicos estaduais.
§ 2º. Por aluno da rede pública de ensino entende-
se aquele que tenha cursado integralmente todas as 
séries do 2º ciclo do ensino fundamental e do ensino 
médio em escolas públicas do território nacional.
§ 3º. O edital do processo de seleção, atendido ao 
princípio da igualdade, estabelecerá as minorias 
étnicas e as pessoas portadoras de deficiência 
beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a 
adoção do sistema de auto-declaração para negros 
e pessoas integrantes de minorias étnicas, e da 
certidão de óbito, juntamente com a decisão 
administrativa que reconheceu a more em razão do 
serviço, para filhos dos policiais civis, militares, 
bombeiros militares e inspetores de segurança e 
administração penitenciária, cabendo à 
universidade criar mecanismos de combate à 
fraude.
§ 4º. O candidato, no ato da inscrição, deverá optar 
por qual reserva de vagas estabelecidas no caput e 
nos incisos I ao V do presente artigo irá concorrer.
§ 5º. As universidades estaduais, no exercício de sua 
autonomia, adotarão os atos e procedimentos 
necessários para a gestão do sistema, observados os 
princípios e regras estabelecidos na legislação 
estadual, em especial:
I- universalidade do sistema de cotas quanto a todos 
os cursos e turnos oferecidos;
II- unidade do processo seletivo;
III- em caso de não preenchimento de vagas 
reservadas a determinado grupo, estas serão, 
prioritariamente, ocupadas por candidatos 
classificados dos demais grupos (art. 1º, I ao V), 
seguindo a ordem de classificação
 
IV- caso persistam as vagas ociosas depois de 
esgotados os critérios do inciso anterior, as vagas 
remanescentes deverão, obrigatoriamente, ser 
completadas pelos candidatos não optantes pelo 
sistema de cotas.
3
§ 6º. No prazo de um ano anterior ao fim do prazo 
de prorrogação estabelecido no caput deste artigo, 
o Poder Executivo instituirá comissão para avaliar 
os resultados do programa de ação afirmativa, 
presidida pelo Procurador-Geral do Estado, com 
representantes dos órgãos participantes do referido 
programa, além de representantes das instituições 
da sociedade civil, em cada etnia ou segmento 
social objeto desta Lei.
§ 7º. O Relatório da avaliação do programa será 
publicado e encaminhado à Assembléia Legislativa 
do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, para fins de 
acompanhamento.
Art. 2º. As cotas de vagas para ingresso nas 
universidades estaduais serão as seguintes, 
respectivamente: 
I- 20% (vinte por cento) para os estudantes negros 
e indígenas;
II- 20% (vinte por cento) para os estudantes 
oriundos da rede pública de ensino;
III- 5% (cinco por cento) para pessoas com 
deficiência, nos termos da legislação em vigor, e 
filhos de policiais civis, militares, bombeiros 
militares e inspetores de segurança e administração 
penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do 
serviço.
Art. 3º. É dever do Estado do Rio de Janeiro 
proporcionar a inclusão social dos estudantes 
carentes destinatários da ação afirmativa objeto 
desta Lei, promovendo a sua manutenção básica e 
preparando o seu ingresso no mercado de trabalho, 
inclusive mediante as seguintes ações: 
I- pagamento de bolsa-auxílio durante o período de 
curso universitário;
 
II- reserva proporcional de vagas em estágios na 
administração direta e indireta estadual;
III- instituição de programas específicos de crédito 
pessoal para instalação de estabelecimentos 
profissionais ou empresariais de pequeno porte e 
núcleos de prestação de serviços.
4
Art. 4º. É mantido o procedimento de declaração 
pessoal para fins de afirmação de pertencimento à 
raça negra, devendo a administração universitária 
adotar as medidas disciplinares adequadas nos 
casos de falsidade.
Art. 5º. O Estado do Rio de Janeiro promoverá, 
noventa dias antes das inscrições para os exames 
vestibulares das universidades estaduais, campanha 
publicitária de orientação social para informar os 
estudantes destinatários desta Lei.
Art. 6º. As disposições desta Lei aplicam-se, no que 
for cabível, a todas as instituições públicas de 
ensino superior, mantidas e administradas pelo 
Governo do Estado do Rio de Janeiro. 
Art. 7º. Esta Lei será objeto de revisão a ser 
iniciada seis meses antes do termo final do prazo a 
que se refere o art. 1º, revogadas as disposições em 
contrário, em especial a Lei nº 4.151, de 4 de 
setembro de 2003 e a Lei 5.074, de 17 de julho de 
2007.” 
O ato normativo em questão, que é resultante de projeto 
de lei de iniciativa do Governador do Estado do Rio de Janeiro, substituiu o 
anterior sistema de cotas das universidades estaduais, que era regulado pela 
Lei 4.151/03. As universidades mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro são 
a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e a Universidade 
Estadual do Norte Fluminense - UENF. 
As políticas de ação afirmativa no ensino público 
superior vêm sendo implementadas há vários anos no Estado do Rio de 
Janeiro, que foi pioneiro no país nessa questão1. Elas têm gerado resultados 
extremamente positivos, ampliando o acesso à universidade pública de 
1 Em 2000, o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei 3.534/2000, instituindo reserva de vagas nas 
universidades públicas estaduais para candidatos egressos de escolas públicas, e, em 2001, foi 
promulgada a Lei 3.708/01, prevendo cota nas mesmas instituições de ensino para negros e pardos. Tais 
atos normativos foram revogados pela Lei 4.151/2003, que tratava do sistema de cotas nas universidades 
estaduaisfluminenses , que vigorou até o advento da Lei 5.346/2008. 
5
estudantes de camadas excluídas da população, e pluralizando, com isso, o 
corpo discente dessas instituições, sem qualquer prejuízo para a qualidade 
do ensino ou para o rendimento dos alunos. Neste período, por outro lado, 
não se percebeu no Estado do Rio de Janeiro qualquer agravamento de 
tensão ou animosidade social ou racial que possa ser correlacionado, direta 
ou indiretamente, com tais medidas de democratização do ensino público 
superior. 
Contudo, o ato normativo em questão foi impugnado no 
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, através da Representação 
de Inconstitucionalidade nº 09/2009, proposta pelo Deputado Estadual 
Flávio Nantes Bolsonaro, do Partido Progressista (PP/RJ). 
 Na referida representação (autos em anexo – doc. 2), 
postulou-se a declaração de inconstitucionalidade, em face da Constituição 
do Estado do Rio de Janeiro, de toda a Lei Estadual nº 5.346/08. Contudo, 
na petição inicial (fls. 02/22), foram questionadas apenas as cotas étnicas, 
que criaram reserva de vagas em favor de negros e indígenas, o que, salvo 
melhor juízo, configura hipótese de inépcia.
 Como se percebe da leitura da citada petição inicial, 
toda a argumentação do representante é relacionada a normas e valores 
hospedados na Constituição Federal, notadamente o princípio da isonomia, 
a vedação de discriminações raciais, o acesso igualitário ao ensino e a 
proteção à segurança jurídica. É verdade que o representante fez referência 
também a preceitos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que 
reproduzem os comandos pertinentes da Constituição Federal – são normas 
de reprodução obrigatória - algumas vezes com pequenas variações de 
redação. Porém, verifica-se claramente que inexiste na sua impugnação 
6
qualquer questão que não se reconduza diretamente à Constituição da 
República.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de 
Janeiro, em decisão proferida por 12 votos a 7, em 25/05/2009, concedeu 
a medida cautelar pleiteada na referida Representação, por decisão da lavra 
do Desembargador Joaquim Carlos S. Murta Ribeiro, que tem a seguinte 
ementa:
“REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONA-
LIDADE DA LEI 5346/2008 – APRECIAÇÃO DE 
LIMINAR NO SENTIDO DE SUSPENDER A 
EFICÁCIA DESTE DIPLOMA LEGAL QUE 
ESTABELECE NOVO SISTEMA DE COTAS PARA 
INGRESSO NAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS – 
PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS ANTE A 
PROXIMIDADE DO VESTIBULAR E 
ANTERIORES REVOGAÇÕES DAS LEIS 
ESTADUAIS Nº 3.534/2000 E Nº 3.708/2001 – 
PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL NESTE 
TRIBUNAL ESTADUAL E NO TRIBUNAL 
REGIONAL FEDERAL – LIMINAR QUE SE 
CONCEDE PARA SUSPENDER ATÉ A DECISÃO 
FINAL DE MÉRITO A EFICÁCIA DA LEI 
ESTADUAL Nº 5.346/2008 ORA IMPUGNADA. 
Presentes na hipótese os pressupostos legais das 
medidas cautelares se, como demonstrado nos 
autos, ocorre plausibilidade da tese exposta, 
irreparabilidade e insuportabilidade dos danos 
emergentes do próprio ato impugnado com a 
realização do certame vestibular 2009. As ações 
afirmativas, assim denominadas para a inclusão dos 
menos desfavorecidos, data vênia, não podem ser 
discriminatórias ao reverso, contrariando expressa 
disposição da Constituição Estadual em seu artigo 
9º, § 1º, que estatui, verbis: “Ninguém será 
discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão 
de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado 
civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções 
políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, 
por ter cumprido pena nem por qualquer 
particularidade ou condição”. Esta a justa posição 
da hipótese sub examinem. Por igual, testilha a lei 
estadual impugnada com a Constituição Federal no 
seu artigo fundamental das garantias individuais: 
art. 5º, caput, da Constituição Cidadã de 1988, 
7
verbis: “Todos são iguais perante a lei, sem 
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à 
igualdade, e à propriedade, nos termos seguintes: ... 
omissis”. A contradição é manifesta quando se tem 
Lei Ordinária discriminatória por Etnia – Negros e 
Indígenas –, pela cor - pardos -; convicções 
filosóficas; e, bem assim, quando ocorre qualquer 
particularidade ou condição – alunos da rede 
pública de ensino, pessoas portadoras de 
deficiência, nos termos da legislação em vigor, 
filhos de policiais civis e militares; bombeiros 
militares e inspetores de segurança e administração 
penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do 
serviço -, o que também é expressamente vedado 
pela Carta Magna, também no seu artigo 3º, inciso 
IV: “promover o bem de todos, sem quaisquer 
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e 
quaisquer outras formas de discriminação.” Certo, 
outrossim, que não é o regime de cotas a única ação 
positiva includente nem a melhor. In casu, vulnera-
se de rijo o princípio da igualdade de todos perante 
a lei e, data venia de doutas opiniões em contrário 
porventura existentes, pretende-se prática 
afirmativa includente nas Universidades Estaduais, 
que, como é do conhecimento de todos é o ponto 
culminante da pirâmide da Educação no Brasil. Em 
realidade, tais políticas afirmativas deveriam ter 
lugar no ensino fundamental e médio, reservando-se 
às Universidades o critério de mérito. Porque então 
não aplicar na espécie outras práticas includentes, 
como o sistema de Bolsas de Estudos? A Lei 
impugnada, como posta, cria, na verdade, numa 
proporção de 45% das vagas, privilégios não só 
para os Afrodescendentes e Índios – aqui numa 
direta relação com a Etnia, criando-se um 
“apartheid” até então inexistente em nosso País -, 
mas, também, para alunos provenientes da rede 
pública de ensino; pessoas portadoras de 
deficiência; e filhos de policiais civis e militares e 
inspetores de segurança da Administração 
Penitenciária, nesta parte, contrariando de forma 
cabal e inafastável a parte final do § 1º do Artigo 9º 
da Constituição Estadual e o inciso IV do art. 3º da 
Constituição Federal. Em sede do exame liminar só 
estes argumentos são suficientes para tornarem 
presentes os pressupostos legais das medidas de 
urgência: a plausibilidade da tese exposta, o fumus 
boni iuris, bem como a irreparabilidade dos danos 
8
emergentes, o periculum in mora, isto, face a 
proximidade do certame vestibular. Precedentes 
jurisprudenciais na Argüição de 
Inconstitucionalidade Incidenter Tantun nº 15/2009 
e no Exame da Liminar do Agravo 2008.02.012162-
1 no Mandado de Segurança nº 2008.50.01.007305-
5. Liminar, pos, que se defere.”( fls. 97/100 dos 
autos em anexo) 
Posteriormente, apreciando questão de ordem suscitada 
pelo Estado do Rio de Janeiro, o Órgão Especial atribuiu eficácia ex nunc à 
referida medida cautelar, para excluir da sua incidência o vestibular em 
curso das universidades mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro (fls. 
545/548 dos autos anexo). 
Diante dessa decisão, diversas entidades da sociedade 
civil e do movimento negro, encabeçadas pela Educafro, encaminharam à 
Procuradoria-Geral da República a anexa representação (doc. 3), 
postulando a propositura de ADPF no STF, “a fim de garantir a 
manutenção e permanência das políticas de ações afirmativas já adotadas 
e bem sucedidas pela UERJ e demais instituições de EnsinoPúblico do 
Brasil”. 
No momento, a instrução processual da Representação 
de Inconstucionalidade nº 009/2009 já foi concluída no TJ/RJ, e o seu 
julgamento definitivo pode ocorrer a qualquer momento. 
Sem embargo, a medida cautelar proferida pelo Órgão 
Especial do TJ/RJ já instaurou grave insegurança jurídica em relação à 
política de ação afirmativa em discussão. Isto porque, além da importância 
real e simbólica do instrumento – a ação direta de inconstitucionalidade – o 
Pleno adentrou na discussão do mérito da medida, para desqualificá-la 
juridicamente. 
Como o primeiro vestibular a que se aplica a Lei 
5346/2008 ainda está em curso, não há precedentes de controle incidental 
9
de constitucionalidade envolvendo a referida lei. Contudo, a decisão do 
TJ/RJ, apesar de inaplicável a este vestibular, é um verdadeiro convite à 
judicialização para os candidatos que se sentirem prejudicados com a 
política de ação afirmativa em discussão, pois sinaliza que, no âmbito 
daquela Corte, será praticamente certo o êxito, em eventuais impugnações 
aos resultados do certame. Por outro lado, gera grave insegurança para todo 
o universo de beneficiários das cotas instituídas pelo legislador 
fluminense.
De resto, o Supremo Tribunal Federal discute no 
momento a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no campo 
da educação superior. Tramitam na Corte, dentre outras ações, a ADI 
3.330-1, em que se analisa a constitucionalidade de medidas de 
discriminação positiva previstas no PROUNI; a ADPF 186, em que se 
discute a validade das cotas étnicas instituídas pela UnB; assim como o 
Recurso Extraordinário 597.285/RS, que trata de políticas de ação 
afirmativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Houve, 
inclusive, a convocação de Audiência Pública no STF, a ser realizada nos 
dias 3 a 5 de março de 2010, para discussão do tema, em louvável 
iniciativa do Ministro Ricardo Lewandowski, Relator dos dois últimos 
feitos. 
Nesse quadro, nada justifica que o Tribunal de Justiça 
do Estado do Rio de Janeiro, em sede de fiscalização abstrata de 
constitucionalidade, se antecipe à iminente decisão do STF sobre o tema 
das cotas no ensino público superior, sobretudo quando se percebe a 
inclinação da Corte Estadual no sentido de invalidar a decisão do legislador 
fluminense, que vem se esforçando por concretizar, no campo da educação 
superior, os mandamentos constitucionais de promoção da igualdade 
material e do pluralismo. 
10
DO DIREITO
 O Cabimento da ADPF
 A arguição de descumprimento de preceito fundamental 
ou ADPF, prevista no art. 102, § 1º, da Constituição Federal, e 
regulamentada pela Lei 9.882/99, é cabível quando um ato do Poder 
Público causar lesão ou ameaça a preceito fundamental da Constituição, e 
não houver qualquer outro meio processual apto a saná-las. Tais 
pressupostos estão plenamente configurados na hipótese. 
 O ato do Poder Público, no caso, é a decisão adotada pelo 
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que, no 
julgamento da medida cautelar na Representação de Inconstitucionalidade 
nº 009/2009, suspendeu, por suposta incompatibilidade com os princípios 
da isonomia e de proibição de discriminação, a aplicação da Lei nº 
5.346/08, que instituíra política de ação afirmativa para acesso às 
universidades públicas estaduais fluminenses. 
 A lesão a preceito fundamental resulta do fato de que a 
orientação jurisprudencial seguida pelo TJ/RJ afrontou, por interpretá-los 
incorretamente, os princípios constitucionais da igualdade substantiva (art. 
3º, III e 5º, caput, CF) e da proibição de discriminações arbitrárias (art. 3º, 
IV, CF). De mais a mais, ao gerar quadro de grave incerteza jurídica, a 
decisão também violou o princípio de proteção à segurança jurídica, que 
tem fundamento na cláusula do Estado Democrático de Direito (art. 1º, 
caput, CF). Todos estes princípios, pelo papel destacado que possuem no 
ordenamento constitucional brasileiro, ostentam indiscutivelmente a 
qualidade de preceitos fundamentais. 
 Já a inexistência de outro meio para sanar a lesão a 
preceito fundamental (princípio da subsidiariedade da ADPF, art. 4º, § 1º, 
11
da Lei 9.882/99) decorre de duas circunstâncias. Em primeiro lugar, não 
cabe Ação Declaratória de Constitucionalidade - nem existe qualquer outro 
instrumento na nossa jurisdição constitucional – para reconhecer a 
constitucionalidade de ato normativo estadual, uma vez que a Carta de 88 
autorizou apenas a propositura da ADC que vise à declaração de 
constitucionalidade de norma federal (art. 102, I, “a”, in fine, CF). 
 Tampouco existe qualquer outro meio hábil para impugnar 
a citada decisão judicial. É verdade que cabe recurso extraordinário das 
decisões definitivas proferidas pelos Tribunais de Justiça na fiscalização 
abstrata de constitucionalidade dos atos normativos estaduais e municipais, 
em face das constituições estaduais. Porém, esse recurso é incabível em 
relação às decisões que apreciam os pedidos de medida cautelar, na linha 
da jurisprudência do STF2, que se encontra sedimentada em sua Súmula 
735.
 Por outro lado, a posição majoritária do STF também não 
admite o manejo do incidente de suspensão de liminar, previsto no art. 4º 
da Lei nº 8.437/92, para sustar os efeitos de decisão de Tribunal de Justiça 
proferida em sede de controle abstrato de lei municipal ou estadual3. 
 Daí por que o pressuposto da subsidiariedade da ADPF se 
encontra plenamente configurado no caso. 
 O arguente não ignora a orientação do STF, que demanda a 
existência de ampla controvérsia jurisprudencial a propósito da validade de 
um ato normativo, para a admissibilidade da ação declaratória de 
constitucionalidade.4 Tal exigência justifica-se tendo em vista o princípio 
de presunção de constitucionalidade das leis. Como o exercício da 
jurisdição constitucional não pode se confundir com mera consulta 
2 RE 570610/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 23/05/2008; AI 638462 ED/DF, Rel. 
Min. Menezes Direito, Primeira Turma, DJ 07/05/2009 
3 Susp. Lim. 10 AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 16/04/2004; Pet 1534 AgR/SP, 
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09/11/2001.
4 Questão de Ordem na ADC nº 1, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 157/1. 
12
formulada à Corte Suprema, só se justifica a propositura da ADC diante da 
configuração de um estado de incerteza sobre a validade da norma 
discutida, que abale aquela presunção, o qual se evidencia pela existência 
do dissídio pretoriano. 
 Contudo, cabem aqui algumas rápidas considerações. 
Em primeiro lugar, a presente ação, embora almeje a declaração de 
constitucionalidade de um ato normativo, não é uma ADC, mas uma 
ADPF, e há diferenças entre os pressupostos dessas duas medidas. Por 
outro lado, não há dúvida de que, pela sua própria natureza, uma decisão 
proferida no âmbito do controle abstrato de normas, dotada de eficácia 
erga omnes, que suspende a aplicação de um ato normativo, apontando-lhe 
diversas supostas inconstitucionalidades, já é mais que suficiente para 
instaurar um estado de incerteza a propósito da validade da lei em questão, 
justificando a postulação de reconhecimento da sua constitucionalidade. 
 Além disso, é certo quea Lei 5346/08 apenas introduziu 
mudanças pontuais no sistema de cotas adotado nas universidades estaduais 
fluminenses, e, antes do seu advento, já existia ampla controvérsia judicial 
a propósito da constitucionalidade das normas estaduais que disciplinavam 
a questão5. 
 Finalmente, seria excessivo formalismo deixar de 
admitir a presente ADPF, considerando que uma das mais importantes 
controvérsias constitucionais no país, travada não apenas nos tribunais 
judiciais, mas também na opinião pública e na sociedade civil, é 
exatamente a propósito do tema de fundo da presente ação: a legitimidade 
das políticas de ação afirmativa no ensino público superior. Aliás, não foi 
por outra razão que o Ministro Ricardo Lewandowski decidiu convocar 
uma audiência pública no STF, para discussão da questão. 
5 A favor da constitucionalidade, os seguintes acórdãos doTJ/RJ: Ap. Civ. 32610/2003, 12910/2004, 
26268/2004, e 42897/2005. Em sentido contrário: Ap. Civ. 3512/2004, 4268/2004, e 23440/2005.
13
 Porém, caso esta Corte entenda inadmissível o pedido de 
declaração de constitucionalidade da Lei 5.346/08 do Estado do Rio de 
Janeiro, pela ausência de demonstração de dissídio pretoriano sobre a sua 
validade, ou por qualquer outra razão – hipótese que se levanta apenas para 
argumentar - caberá ainda apreciar a postulação subsidiária, de invalidação 
da decisão do Órgão Especial do TJ/RJ, que concedeu a medida cautelar na 
Representação de Inconstitucionalidade nº 09/2009, suspendendo a eficácia 
do referido ato normativo. 
Igualdade e Ação Afirmativa no Sistema Constitucional Brasileiro
O princípio da igualdade, tal como concebido no sistema 
constitucional brasileiro, não só é compatível, como, em determinadas 
situações, até reclama a promoção de políticas de ação afirmativa, para 
superação de desigualdades profundamente entrincheiradas nas nossas 
práticas sociais e instituições. 
A Constituição de 1988 insere-se no modelo do 
constitucionalismo social, no qual não basta, para observância da 
igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou 
discriminações arbitrárias. Pelo contrário, “parte-se da premissa de que a 
igualdade é um objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas 
públicas, que, portanto, ela demanda iniciativas concretas em proveito dos 
grupos desfavorecidos”.6
Em outras palavras, o constituinte não ignorou a 
profunda desigualdade que viceja na sociedade brasileira. Antes, propôs-se 
6Daniel Sarmento. “Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial”. In: Flávia Piovesan e Douglas 
Martins (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66. 
14
a combatê-la energicamente, o que se evidencia pela própria linguagem 
empregada no texto constitucional, em que muitos dos preceitos 
relacionados com a igualdade foram redigidos de forma a denotar a 
necessidade de ação7. Como salientou Carmem Lucia Antunes Rocha,
“(...) a Constituição brasileira tem, no seu 
preâmbulo, uma declaração que apresenta um 
momento novo no constitucionalismo pátrio: a idéia 
de que não se tem a democracia social, a justiça 
social, mas que o Direito foi ali elaborado para que 
se chegue a tê-los (...)
Verifica-se que os verbos utilizados na expressão 
normativa – construir, erradicar, reduzir, promover 
– são de ação, vale dizer, designam um 
comportamento ativo. (...) Somente a ação 
afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, 
igualadora pelo e segundo o Direito possibilita a 
verdade do princípio da igualdade que a 
Constituição assegura como direito fundamental de 
todos.”8 .
A própria Constituição, aliás, consagrou expressamente 
políticas de ação afirmativa em favor de segmentos sociais em situação de 
maior vulnerabilidade. Para citar os dois exemplos mais evidentes, o art. 7º, 
XX, da Carta, que prevê “a proteção do mercado de trabalho da mulher, 
mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, bem como o seu art. 
37, VIII, segundo o qual “a lei reservará percentual dos cargos e 
empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá 
critérios para a sua admissão”. 
Por outro lado, a Constituição de 1988 não encampou 
uma visão puramente econômica da desigualdade. O constituinte sabia que 
a opressão e a injustiça também são produzidas e reproduzidas no âmbito 
7Cf. Marco Aurélio Mendes de Faria Mello. “Óptica Constitucional: A Igualdade e as Ações 
Afirmativas”. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, 
p. 11/20. 
8“Ação Afirmativa: O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica. In: Revista Trimestral 
de Direito Público nº 15, 1996, p. 93/94 
15
cultural, e que, portanto, para perseguir a igualdade, é necessário atuar não 
apenas no campo da distribuição de bens escassos, como também na esfera 
do reconhecimento e valorização das identidades dos grupos não 
hegemônicos no processo social.9 Esta concepção se revela com nitidez 
nos arts. 215 e 216 da Lei Maior, que determinam a valorização das 
contribuições indígenas e afrobrasileiras à cultura nacional.
Nesse contexto normativo, o art. 3º, inciso IV, da Carta, 
ao vedar os preconceitos de “raça, sexo, cor, idade, e outras formas de 
discriminação”, não pode ser visto como um empecilho para a instituição 
de medidas que favoreçam os grupos e segmentos que são costumeiramente 
discriminados, ainda que tais medidas adotem como fator de desigualação 
qualquer destes critérios. 
Portanto, entre as duas interpretações que disputam 
espaço no direito antidiscriminação – a perspectiva antidiferenciação10 e a 
perspectiva antisubordinação11 - não há dúvida de que é a segunda a mais 
harmônica com o sistema de valores em que se assenta a Constituição 
brasileira, bem como a mais consentânea com a realidade de um país 
fortemente marcado pela desigualdade, em todas as suas dimensões. 
9Sobre a relação entre justiça e reconhecimento veja-se Nancy Fraser. “Redistribuição, Reconhecimento e 
Participação: Por uma Concepção Integrada da Justiça”. In: Daniel Sarmento, Daniela Ikawa e Flávia 
Piovesan (Coords.). Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 
167-190. 
10Nas palavras de Roger Raupp Rios, “a perspectiva da antidiferenciação, como indica o próprio nome, 
reprova tratamentos diferenciados (prejudiciais ou benéficos) em favor de quem quer que seja, 
considerados os critérios proibidos de discriminação. Ela se preocupa com a neutralidade das medidas 
tomadas por indivíduos e instituições”, sendo portanto “hostil à idéia de ações afirmativas em favor de 
certos grupos, considerando-as discriminatórias em relação aos grupos não-beneficiados” (Direito da 
Antidiscriminação: Discriminação direta, indireta e ação afirmativa. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2008, p. 33). 
11Ainda de acordo com Roger Raupp Rios, a perspectiva antisubordinação “reprova tratamentos que 
criem ou perpetuem situações de subordinação. Ela admite tratamentos diferenciados, desde que estes 
objetivem superar situações de discriminação, assim como considera discriminatórios tratamentos 
neutros que reforcem a subordinação de quem quer que seja (...) Primordialmente, ela se preocupa com 
os efeitos sofridos por grupos subordinados em virtude das práticas recorrentes , ainda que não 
intencionais. A perspectiva da antisubordinação, por conseguinte, admite ações afirmativas, sempre que 
estas se revelarem necessáriase eficazes no combate à situação de subordinação, não as considerando 
discriminatórias em face de grupos privilegiados”. (Op. cit., p. 36/37). 
16
Em resumo, tem perfeita aplicação ao ordenamento 
brasileiro a magistral definição de Ronald Dworkin, de que o respeito à 
igualdade não consiste em tratar as pessoas de modo igual, mas sim em 
tratá-las como iguais, merecedoras do mesmo respeito e consideração. Mas 
tratar as pessoas como iguais pressupõe muitas vezes favorecer, através de 
políticas públicas, àquelas em situação de maior vulnerabilidade social.
● É neste sentido que o legislador brasileiro, nas diversas 
esferas da federação, vem promovendo inúmeras políticas de ação 
afirmativa em favor de grupos mais vulneráveis ou estigmatizados, como as 
pessoas com deficiência, mulheres, idosos, negros e indígenas etc, em áreas 
variadas como acesso ao mercado de trabalho, à educação superior e às 
candidaturas nas eleições proporcionais. O próprio Supremo Tribunal 
Federal, quando presidido pelo Ministro Marco Aurélio, instituiu política 
de ação afirmativa na seleção de empresa para prestação de serviços de 
comunicação social à Corte, exigindo que pelo menos 20% do seu quadro 
de jornalistas fosse composto por afrodescendentes12. 
 No campo da educação superior, nada menos do que 82 
instituições públicas de ensino adotam, atualmente, políticas de ação 
afirmativa para favorecer o acesso, às suas vagas, a integrantes de grupos 
desfavorecidos. Essa orientação, de resto, foi estabelecida no Plano 
Nacional de Educação, instituído pela Lei nº 10.172/01, que previu a 
necessidade de criação de “políticas que facilitem às minorias, vítimas de 
discriminação, o acesso à educação superior, através de programas de 
compensação de deficiências de sua formação escolar anterior, 
permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condições nos 
processos de seleção e admissão a esse nível de ensino” (item 19). 
12 Edital de Licitação para a Concorrência nº 03, de 2001. 
17
 E a jurisprudência do STF tem orientação francamente 
favorável às políticas de ação afirmativa. No julgamento da ADI 1.276-
2/SP, a Corte, por unanimidade, considerou válida a concessão de benefício 
fiscal, no que concerne ao IPVA, a empresas que tivessem pelo menos 30% 
dos seus empregados com idade superior a 40 anos. No voto do Relator, 
Ministro Octavio Gallotti, consignou-se: “Os homens são desiguais na 
sociedade e na natureza, tanto quanto as coisas, os lugares, os fatos, as 
circunstâncias. O princípio da igualdade jurídica não traduz, no campo do 
direito, como uma opinião atrasada ou tendenciosa quer fazer crer, o 
desconhecimento desta igualdade natural. É antes um esforço para 
balanceá-la, compensando o jogo das inferioridades e superioridades, de 
modo que elas não favoreçam também uma igual proteção jurídica.”13
 Na mesma linha, a 1ª Turma do STF, no julgamento do 
Recurso. Ordinário em Mandado de Segurança 26.071-1, Relator Ministro 
Carlos Britto, afirmou, por unanimidade: “A reparação ou compensação 
dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica 
constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da 
sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 
1988.”14 
E o voto do Ministro Carlos Britto, proferido no 
julgamento, ainda inconcluso, da ADI nº 3.330-1/DF, em que houve a 
impugnação de normas do chamado PROUNI, que instituíram medida de 
ação afirmativa, inclusive com corte étnico/racial, também enveredou pelo 
mesmo caminho: 
“Esta possibilidade de o Direito legislado usar a 
concessão de vantagens a alguém como uma técnica 
de compensação de anteriores e persistentes 
13 DJ de 15.12.1995. A citação é do julgamento da Medida Cautelar na ADI, que foi corroborada no 
julgamento definitivo, realizado em 29 de agosto de 2002. 
14 Julgamento em 13.11.2007.
18
desvantagens factuais não é mesmo de se estranhar, 
porque o típico da lei é fazer distinções. 
Diferenciações. Desigualações. E fazer 
desigualações para contrabater renitentes 
desigualações. É como dizer: a lei existe para, 
diante dessa ou daquela desigualação que se revele 
densamente perturbadora da harmonia ou do 
equilíbrio social, impor outra desigualação 
compensatória.”
A Normativa Internacional e as Políticas de Ação Afirmativa
 
O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, 
devidamente incorporados ao nosso ordenamento, que são expressos no 
reconhecimento da validade da promoção de políticas de ação afirmativa 
com o objetivo de promoção da igualdade. É o caso da Convenção sobre 
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (art. 1º, item 4), da 
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação 
contra a Mulher (art. 4º), e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas 
com Deficiência (art. 5º. Item 4). 
Destaque-se aqui, por pertinente, a Convenção 
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação 
Racial, devidamente incorporada ao ordenamento interno brasileiro com 
hierarquia supralegal. Tal Convenção é expressa ao autorizar, no seu art. 
1º, item 4, as políticas de ação afirmativa baseadas em critério racial para 
favorecimento de indivíduos e grupos em situação de desvantagem: 
“4. Não serão consideradas discriminação racial as 
medidas especiais tomadas o único objetivo de 
assegurar o progresso adequado de certos grupos 
raciais ou étnicos de indivíduos que necessitem de 
proteção que possa ser necessária para 
proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo 
ou exercício de direitos humanos e liberdades 
fundamentais, contanto que tais medidas não 
conduzam, em conseqüência, à manutenção de 
19
direitos separados para diferentes grupos raciais e 
não prossigam após terem sido alcançados os seus 
objetivos.” 
Vale também ressaltar a Convenção sobre os Direitos 
das Pessoas com Deficiência – a primeira incorporada pelo Brasil seguindo 
o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Lei Maior, e que, por isto, se 
reveste de hierarquia constitucional. Dita Convenção é também 
peremptória ao avalizar as políticas de ação afirmativa: 
“ Artigo 5
 Igualdade e não-discriminação
1. Os Estados Partes reconhecem que todas as 
pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem 
jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e 
igual benefício da lei.
...............omissis
4. Nos termos da presente Convenção, as medidas 
específicas que forem necessárias para acelerar ou 
alcançar a efetiva igualdade das pessoas com 
deficiência não deverão ser consideradas 
discriminatórias.”
 Este quadro reforça o argumento no sentido da 
constitucionalidade da Lei 5.346/2008.
Alguns Argumentos Adicionais em Favor da Ação Afirmativa no 
Acesso ao Ensino Público Superior
Um argumento fundamental em favor da 
constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino 
superior é o de que se trata de promoção da igualdade substantiva, objetivo 
20
fundamental no contexto de um Estado Social, e de uma sociedade que se 
pretende justa e solidária. 
Sabe-se que os processos seletivos das universidades 
públicas tenderam, historicamente, a privilegiar a elite econômica, 
composta quase exclusivamente de pessoas brancas. As provas de 
vestibular favorecem aqueles que estudaramnas melhores escolas – no 
Brasil, quase invariavelmente privadas - que são caras, e portanto, 
inacessíveis aos membros dos grupos desprivilegiados, compostos 
majoritariamente pelos afrodescendentes. 
 Nesse contexto, cotas para os integrantes destes grupos 
desfavorecidos são medidas importantes para viabilização do acesso mais 
igualitário à universidade pública. 
Outra justificativa relevante para a ação afirmativa no 
ensino superior é a promoção do pluralismo. Esse argumento, que teve 
grande peso no debate judicial15 e filosófico16 norte-americano , é 
inteiramente pertinente à realidade brasileira. Afinal, vivemos em um país 
que tem como uma das suas maiores riquezas a diversidade étnica e 
cultural. Porém, para que todos se beneficiem dessa valiosa riqueza, é 
preciso que haja um contato real e paritário entre pessoas de diferentes 
etnias e egressas de variadas realidades sociais. É necessário romper com o 
modelo informal de segregação, que exclui o pobre, o negro e a pessoa com 
deficiência da universidade, confinando-os a posições subalternas na 
sociedade. Especialmente no ensino, o convívio com a diferença torna a 
formação e o aprendizado do estudante uma experiência mais rica e 
frutífera para todos, e não apenas para os beneficiários da política de ação 
afirmativa.
15 No primeiro precedente importante em matéria de ação afirmativa nos Estados Unidos – caso Bakke v. 
Regents of the University of Califórnia, julgado em 1978, o argumento do pluralismo desempatou o 
julgamento, para justificar políticas racialmente sensitivas para acesso ao ensino superior. 
16 Cf. Michael J. Sandel. “Arguing Affirmative Action”. In: Public Philosophy: Essays on Morality in 
Politics. Cambridge: Harvard University Press, 2005, p. 101-104. 
21
As políticas de ação afirmativa para acesso ao ensino 
superior também são positivas na medida em que quebram estereótipos 
negativos, como os que veem os negros como indivíduos predestinados a 
exercerem papéis subalternos na sociedade, ou as pessoas com deficiência 
como “fardos sociais” ou como “coitadinhos”, incapazes de uma vida 
produtiva. A aplicação dessas políticas aumenta a chance de sucesso dos 
seus beneficiários, fazendo com que as crianças e jovens negras ou 
portadoras de deficiência passem a ter cada vez mais exemplos de 
indivíduos semelhantes desempenhando papéis de destaque social, em que 
possam se inspirar. Isso contribui para o fortalecimento da sua auto-estima 
e para que se desfaçam preconceitos ainda muito incrustados na sociedade 
brasileira. 
Outro argumento relevante é o da justiça compensatória, 
sobretudo em relação aos candidatos negros e com deficiência. Quanto aos 
primeiros, não há dúvida de que os vários séculos de escravidão, e as 
fundas cicatrizes que deixaram na estrutura sócio-econômica e cultural do 
país, contribuíram decisivamente para o quadro de desigualdade material 
que penaliza os afrodescendentes no Brasil, inclusive no que tange ao 
acesso ao ensino superior. Nesse contexto histórico, justifica-se ainda mais 
o esforço estatal, no sentido da promoção da igualdade étnico/racial. 
No que tange às pessoas com deficiência, não há dúvida 
de que os sofrimentos que padecem não decorrem apenas dos 
impedimentos resultantes da sua condição, como também das barreiras 
atitudinais e ambientais existentes numa sociedade ainda profundamente 
excludente17. Essas barreiras, impostas pela ação ou pela omissão do Estado 
e da sociedade, comprometem gravemente a possibilidade de que pessoas 
17 Neste sentido, é preciso o item “e” do Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência, ao reconhecer que “a deficiência resulta da interação entre as pessoas com deficiência e 
barreiras atitudinais e ambientais que impedem sua plena e eftiva participação na sociedade em 
igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
22
com deficiência concorram, em igualdade de condições, a uma vaga no 
ensino público superior. Trata-se de uma razão adicional para a 
admissibilidade das cotas em favor das pessoas com deficiência no acesso 
às universidades públicas, que podem ser vistas também como uma 
compensação às barreiras que a sociedade e o Estado impõem à inclusão 
educacional desses indivíduos. 
Finalmente, outro argumento de peso é o da 
razoabilidade na alocação dos recursos públicos. Sabe-se que o custeio do 
ensino superior impõe um elevado ônus econômico ao Estado. Será que, 
numa ordem jurídica que se propõe a instaurar uma sociedade livre, justa e 
solidária, é razoável que esses recursos revertam para as elites de sempre, 
perpetuando o quadro de injustiça social que caracteriza o país? Parece 
óbvio que a alocação dos recursos públicos, também na área do ensino 
superior, não pode prescindir de considerações sobre os destinatários finais 
dos gastos estatais, o que justifica a busca de critérios que visem a 
favorecer os grupos tradicionalmente excluídos do acesso às universidades 
públicas. 
Ação Afirmativa e Meritocracia
Um argumento frequentemente invocado contra as 
políticas de ação afirmativa no acesso às universidades públicas é o de que 
tais medidas seriam incompatíveis com o sistema meritocrático, acolhido 
na Lei Maior, que prevê que “o acesso aos níveis mais elevados de ensino” 
devem se dar de acordo com a “capacidade de cada um”. 
O raciocínio apenas teria procedência se as formas de 
ingresso nas universidades brasileiras de hoje efetivamente medissem 
apenas as capacidades de cada candidato. Ele só seria válido se elementos 
como a pobreza, a péssima qualidade do ensino público fundamental e 
23
médio, o preconceito e desigualdade racial e as barreiras existentes para as 
pessoas com deficiência não contaminassem profundamente os 
procedimentos ditos meritocráticos, como os concursos de vestibular, 
desigualando as oportunidades dos concorrentes. 
Mas não é isso o que ocorre. Aqui, pode-se parafrasear o 
Presidente norte-americano Lyndon Johnson, que, em célebre discurso 
proferido em 1965, no qual cunhou a expressão “ação afirmativa” 
(affirmative action), destacou: “Você não pega uma pessoa que durante 
anos foi tolhida por correntes, e a liberta, a põe na linha de partida de 
uma corrida e então diz – ‘você está livre para competir com os outros’ – e 
ainda acredita que está sendo totalmente imparcial. Não é justo o 
bastante, neste caso, abrir as portas ou oportunidades.”18. 
E, ainda que assim não fosse, o “princípio 
meritocrático” não se reveste de natureza absoluta, podendo ceder numa 
ponderação diante de outros princípios e interesses constitucionais, como 
os que buscam a concretização da igualdade material, a compensação de 
injustiças históricas, a promoção do pluralismo no ensino superior e a 
quebra de estereótipos negativos sobre minorias estigmatizadas.
Ação Afirmativa no Ensino Superior ou Melhoria no Ensino 
Fundamental?: Um Falso Dilema
Outro argumento comumente empregado contra as 
políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior, e utilizado na 
decisão do Órgão Especial TJ/RJ, é no sentido de que não caberia a adoção 
dessas medidas, uma vez que a solução para a inclusão no ensino estaria na 
melhoria dos seus níveis inferiores. 
18 Cf. Daniel Sarmento. Livres e Iguais. Op. cit., p. 158.
24
Contudo, o argumento padece de um vício lógico, já que 
as propostas não são incompatíveis, mas antes se reforçammutuamente. 
Sem dúvida, é um dever do Estado melhorar a qualidade do ensino básico. 
Isso, contudo, não excluiu a necessidade de também atuar no âmbito do 
ensino superior, sobretudo no afã de democratizá-lo, em favor dos grupos 
vulneráveis e historicamente excluídos. 
A seguir, alguns argumentos adicionais serão 
explorados, focados nas ações afirmativas de corte étnico-racial, seja 
porque são elas as mais polêmicas no cenário jurídico-político brasileiro, 
seja porque foram o objeto central da impugnação na Representação de 
Inconstitucionalidade nº 09/2009.
 
A Desigualdade Racial no Brasil: Que Democracia Racial?
As relações sociais e a economia nacional se assentaram 
durante mais de três séculos sobre a escravidão negra. Após a abolição, em 
1888, não se instituiu no Brasil um sistema de segregação oficial, como o 
que existia em alguns estados norte-americanos e na África do Sul dos 
tempos do apartheid, mas, até alguns anos atrás, nunca tinha sido realizado 
no país qualquer esforço de inclusão dos afrodescendentes. 
Esse passado deixou cicatrizes profundas na sociedade 
brasileira. Atualmente, os negros – aqui incluídos os pretos e pardos – 
figuram em situação inferior aos brancos em todos os indicadores sociais 
relevantes: renda, expectativa de vida, mortalidade infantil, acesso a 
saneamento, taxa de analfabetismo, nível de instrução, etc.19 A proporção 
de negros exercendo as funções mais valorizadas na sociedade, nos cargos 
de direção e gerência de empresas, nos parlamentos, na magistratura, em 
19 Cf. Marcelo Paixão. Novos Marcos para as Relações Raciais. Rio de Janeiro: FASE, 2000. 
25
profissões com a Medicina e o Direito, dentre outras, é muito inferior à sua 
representatividade no total da população brasileira. Dá-se o oposto na sua 
super-representação nos presídios e na sua participação nos índices das 
vítimas de homicídio e de violência policial, por exemplo. São precisas, 
nesse ponto, as palavras de Joaquim Barbosa:
“Brancos monopolizam inteiramente o aparelho do 
Estado e nem sequer se dão conta da anomalia que 
isso representa à luz dos princípios da Democracia. 
Por diversos mecanismos institucionais raramente 
abordados com a devida seriedade e honestidade, a 
educação de boa qualidade é reservada às pessoas 
portadoras de certas características identificadoras 
de (suposta ou real) ascendência européia, 
materializando um tendência social perversa, 
tendente a agravar ainda mais o tenebroso quadro 
de desigualdade social pelo qual o país é 
universalmente conhecido. No domínio do acesso ao 
emprego impera não somente a discriminação 
desabrida mas também uma outra de suas facetas 
mais ignominosas – a hierarquização -, que faz com 
que as ocupações de prestígio, poder e fama sejam 
vistas como apanágio os brancos , reservando-se 
aos negros e mestiços aquelas atividades suscetíveis 
de realçar-lhes a condição de inferioridade”20 
Apesar de condenado socialmente, o racismo continua 
marcante nas relações sociais travadas no Brasil. Um racismo muitas vezes 
velado, “cordial”, que raramente se exterioriza de forma violenta, mas nem 
por isso menos insidioso21, e que se revela com nitidez em alguns 
contextos, como na seletividade racial das blitzes policiais.
20 Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 12. 
21Nas palavras de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães: “Assim é o racismo brasileiro: sem cara. 
Travestido em roupas ilustradas, universalistas, tratando-se a si mesmo como anti-racismo, e negando, 
como anti-nacional, a presença integral do afro-brasileiro ou do índio-brasileiro. Para este racismo, o 
racismo é aquele que separa, não o que nega a humanidade de outrem; desse modo, racismo para ele, é 
o racismo do vizinho (o racismo americano)” (Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 
1999, p. 57). 
26
No Brasil, mesmo após a abolição da escravidão, 
tiveram grande penetração as idéias racistas, que viam o negro como ser 
inferior e acusavam a miscigenação de responsável pelo atraso nacional. A 
idéia do “embranquecimento” da população nacional como solução das 
mazelas do país foi sustentada por intelectuais do porte de Silvio Romero, 
Euclides da Cunha, Paulo Prado, Oliveira Vianna e Nina Rodrigues22.
 No início dos anos 30 do século passado, a idéia da 
democracia racial, empregada e defendida na petição inicial, surge na obra 
clássica de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala23. A tese do pensador 
pernambucano era de que as relações raciais no Brasil não seriam tão 
opressivas como aquelas existentes em outros países em que também houve 
escravidão, porque os contatos sexuais, o grau elevado de miscigenação e 
a aproximação cultural teriam levado à inexistência de um fosso tão 
marcante entre brancos e negros. No contexto da época, Gilberto Freyre se 
opunha aos pensadores racistas, que criticavam a mistura entre as raças no 
Brasil, que ele celebrava e via como fator positivo da nossa civilização. 
Com o tempo, o mito da democracia racial transformou-
se em retórica oficial, passando a servir como um álibi para que o Estado e 
a sociedade brasileira nada fizessem no sentido do combate ao preconceito 
e da luta pela inclusão social do afrodescendente. Durante muitas décadas, 
a democracia racial constituiu um discurso legitimador da inércia estatal, 
que, no seu ufanismo, prestou-se ao papel de proteger o status quo de 
injustiça racial, levando a que o problema da brutal desigualdade entre as 
raças fosse completamente ignorado no país. 
Em boa hora, o Estado brasileiro abandonou esse mito, 
reconhecendo a profunda injustiça que permeia a relação entre as raças no 
22 Cf. Sergio Abreu. Os Descaminhos da Tolerência: O afro-brasleiro e o princípio da igualdade e da 
isonomia no Direito Constitucional. Rio de Janeito: Lumen Juris, 1999, p. 5/36.
23Casa Grande e Senzala. 46ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2002. 
27
Brasil. Nos últimos anos, multiplicaram-se no país as iniciativas voltadas à 
inclusão social dos negros, com destaque para a promoção de políticas de 
ação afirmativa, sobretudo no acesso ao ensino superior. Tais medidas não 
são uma afronta à igualdade, mas resultam do reconhecimento de que a sua 
promoção pode e deve envolver uma postura ativa do Estado, em favor de 
grupos tradicionalmente excluídos. 
A Falácia do Argumento da Inexistência das Raças 
Não é preciso ir longe para concordar com a assertiva de 
que o critério raça, numa abordagem biológica, carece de cientificidade. 
Desde o preâmbulo da Constituição da Unesco de 1945 
chegando a inúmeros outros documentos internacionais, com vistas à 
eliminação de quaisquer formas de discriminação racial, todos 
reconheceram que os seres humanos pertencem a uma mesma espécie e têm 
uma mesma origem.
A Convenção para a eliminação de todas as formas de 
discriminação raial, adotada pela Resolução 2016 A (XX), da Assembleia 
Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965, e ratificada pelo 
Brasil em 27 de março de 1968, assinala em seu preâmbulo:
Doutrina de superioridade baseada em diferenças 
raciais é cientificamente falsa, moralmente 
condenável, socialmente injusta e perigosa, 
28
inexistindo justificativa para a discriminação racial, 
em teoria ou prática, em lugar algum24.
Contudo, da inexistência biológica das raças não decorre 
a impossibilidade de que o termo seja usado como resultado de uma 
construção histórico-social, voltada para justificar a desigualdade.25Observa Trina Jones:
Raça é o significado social atribuído a uma 
categoria. É um conjunto de crenças e convicções 
sobre indivíduos de um grupo racial em particular. 
Essas crenças são abrangentes, compreendendo 
convicções sobre a parte intelectual, sobre a parte 
física, sobre classe e moral, dentre outras coisas 
(Shades of Brown: the Law of Skin Color. In: Duke 
Law Journal, v. 49:1487,200, p.1497)26
O Supremo Tribunal Federal empregou argumentação 
muito similar a esta no julgamento do Habeas Corpus nº 82.424/RS, em 
que se discutia a possibilidade de punição de editor de livros anti-semitas 
pelo crime de racismo. Uma das teses de defesa era a de que os judeus não 
constituem raça, o que ensejaria a desqualificação do delito para outro tipo 
penal, com o consequente reconhecimento da prescrição. O STF refutou o 
argumento, não porque os judeus constituam raça no sentido biológico, mas 
porque existe uma construção cultural difundida que assim os identifica, 
24No caso Siegfried Ellwanger, o Ministro Gilmar Mendes invocou Kevin Boyle, segundo o qual; 
reconhecemos hoje que a classificação biológica dos seres humanos em raça e hierarquia racial – no 
topo da qual encontrava-se certamente a raça branca – era produto pseudo-científico do século XIX. 
Num tempo em que nós mapeamos o genoma humano, prodigiosa pesquisa que envolveu o uso de 
material genético de todos os grupos étnicos, sabemos que existe somente uma raça – a raça humana. 
Diferenças humanas em aspectos físicos, cor da pele, etnias e identidades culturais, não são baseadas 
em atributos biológicos. Na verdade, a nova linguagem dos mais sofisticados racistas abandona 
qualquer base biológica em seus discursos. Eles agora enfatizam diferenças culturais e irreconciliáveis 
como justificativas de seus pontos de vista extremistas (Boyle, Kevin. Hate Speech – The United States 
versus the rest os fe world? In: Maine Law Review, v. 53:2, 2001, p. 490).
25cf. parecer produzido pelo professor Celso Lafer, nos autos do HC 82.424-2 (caso Siegfried Ellwanger). 
Vale, também, mais uma vez, a observação do Ministro Gilmar Mendes, por ocasião do julgamento, de 
que historicamente, o racismo prescindiu até mesmo daquele conceito pseudo-científico para estabelecer 
suas bases, desenvolvendo uma ideologia lastreada em critérios outros.
26Extraído do voto do Ministro Gilmar Mendes, acima referido.
29
para tomá-los como vítimas de discriminação e preconceito. No voto do 
Ministro Maurício Corrêa, relator daquele memorável julgado, consignou-
se:
“39. Embora hoje não se reconheça mais, sob o 
prisma científico, qualquer subdivisão da raça 
humana, o racismo persiste enquanto fenômeno 
social, o que quer dizer que a existência de diversas 
raças decorre de mera concepção histórica, política 
e social, e é ela que deve ser considerada na 
aplicação do direito. É essa circunstância de 
natureza estrita e eminentemente social e não 
biológica que inspira a imprescritibilidade do delito 
previsto no inciso XLII do artigo 5º da Carta 
Política.”27 
Ação Afirmativa e Harmonia Social
Outro temor infundado é o de que políticas de cotas para 
negros poderiam criar no Brasil tensão racial até então inexistente. 
O argumento não procede e não possui qualquer lastro 
empírico. Já tem mais de uma década a introdução das primeiras políticas 
de ação afirmativa focadas em critério racial, e não houve, até o momento, 
qualquer episódio sério de tensão ou conflito racial violento no Brasil que 
possa ser associado a tais medidas. 
Na verdade, os efeitos são inversos. As quotas no ensino 
superior aumentam o convívio entre pessoas de raças diferentes, que 
viviam em mundos quase segregados, ampliando os espaços para diálogo, 
interação e aprendizado recíproco. Ademais, elas atenuam um quadro 
crítico de desigualdade, que, este sim, é um solo fértil para a desarmonia e 
o ódio racial.
27 Julgamento concluído em 19 de setembro de 2003. 
30
A Auto-Declaração como Critério de Seleção dos Beneficiários 
das Cotas Étnicas
Num país que tem elevada taxa de miscigenação racial, e 
no qual os códigos culturais de tratamento da raça são mais gradualistas do 
que binários, a forma de identificação dos beneficiários das cotas raciais 
levanta, de fato, um problema complexo. 
Porém, a fórmula adotada no ato normativo em discussão, 
baseada na auto-declaração, com controle de fraudes, parece bastante 
razoável, diante das alternativas existentes.
● Com efeito, critérios genéticos seriam inviáveis, seja 
porque a raça, como antes salientado, é um fenômeno cultural e não 
biológico, seja pelo elevado nível de miscigenação da população brasileira. 
Ademais, como a discriminação racial no Brasil não está associada 
exclusivamente à ascendência, mas envolve e amalgama aspectos 
fenotípicos, culturais e econômicos28, esses critérios seriam plenamente 
arbitrários na promoção da igualdade material.
Parece inequívoco que as classificações raciais devem 
incorporar a idéia de auto-declaração, seja porque ignorar a percepção que 
cada um tem da própria identidade seria uma violência, atentatória à 
própria dignidade da pessoa humana, seja porque o critério encontra-se 
previsto no art. 1º, item 1, alínea “a” Convenção 169 da OIT, em vigor no 
ordenamento brasileiro. 
Por outro lado, a Lei 5.346/08 é expressa ao prever, no 
seu artigo 4º, a necessidade de as universidades mantidas pelo Estado do 
28 É clássica, no pensamento social brasileiro, a distinção feita por Oracy Nogueira entre o “preconceito 
de marca” existente no Brasil, em que predomina a discriminação fundada na aparência física, do 
“preconceito de raça” predominante nos Estados Unidos, focalizado precipuamente na origem biológica 
Veja-se Oracy Nogueira. Tanto preto quanto branco: Estudos das relações raciais. São Paulo: T.A 
Queiroz, 1954. 
31
Rio de Janeiro adotarem mecanismos para coibição de fraudes na auto-
declaração.
O Respeito ao Princípio da Proporcionalidade e Autocontenção 
Judicial
Um dos papéis mais importantes da jurisdição 
constitucional é a proteção das minorias estigmatizadas, diante do arbítrio 
das maiorias instaladas nos poderes políticos. Nessas situações, os 
instrumentos da democracia majoritária tendem a falhar, o que justifica um 
maior ativismo judicial, em proteção dos grupos mais vulneráveis.
Porém, quando o Judiciário se depara com normas e 
medidas que visam a favorecer grupos minoritários e hipossuficientes, a 
sua postura deve ser diferente. Se outros órgãos estatais empenham-se em 
promover um objetivo constitucional de magna importância, que é a 
inclusão efetiva de minorias étnicas no ensino superior, não deve o Poder 
Judiciário frear-lhes as iniciativas, convertendo-se no guardião de um 
status quo de assimetria e opressão, a não ser quando haja patente afronta a 
normas ou valores constitucionais. 
Assentada essa coordenada, chega-se à conclusão de que 
as quotas instituídas pela Lei 5.346/08 não ofendem a nenhum dos 
subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade. 
Quanto à adequação, é evidente que se o objetivo é 
promover a inclusão de grupos desprivilegiados no ensino público 
superior, a medida encetada é idônea, na medida em que contribui para o 
atingimento deste fim. 
No que tange à necessidade, não se vislumbra, a priori, 
qualquer outra medida que promova com a mesma intensidade a finalidade 
perseguida. Políticas públicas de caráter universalista, cegas à cor dos seus 
32
beneficários,ou a outras das suas particularidades, por exemplo, são 
essenciais para o país, mas não tendem a diminuir as gritantes diferenças 
hoje existentes no acesso ao ensino público superior, entre integrantes dos 
grupos hegemônicos e as minorias vulneráveis. 
Finalmente, no que tange à proporcionalidade em 
sentido estrito, cumpre atentar para o valor que tem o ingresso no ensino 
superior na emancipação real dos excluídos no Brasil. A admissão em boas 
universidades talvez seja a mais importante porta de acesso a funções 
socialmente relevantes, que propiciam o empoderamento das minorias 
estigmatizadas e a promoção da justiça material. 
Em um quadro social de brutal exclusão do negro, do 
pobre e da pessoa com deficiência, e no marco de uma Constituição que 
tem como obsessão a conquista da igualdade material e o combate ao 
preconceito e ao racismo, deve-se reconhecer a extraordinária importância 
da promoção dos interesses subjacentes à medida em discussão, na escala 
dos valores constitucionais.
Por outro lado, as restrições a outros bens jurídicos 
acarretadas pela medida não são tão intensas. Mais da metade (55%) das 
vagas das universidades públicas estaduais fluminenses permanece aberta à 
disputa em igualdade formal de condições. E os percentuais das cotas não 
são tão elevados, considerando-se o quadro empírico subjacente. 
● Com efeito, quanto aos negros – aí compreendidos os 
pretos e pardos – estes, no Censo de 2000, correspondiam a cerca de 44% 
da população do Estado do Rio de Janeiro, de acordo com os dados do 
IPEA29. E a cota dos afrodescendentes e indígenas30 é de 20%. 
29 Dados obtidos em http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/GeoShowN.
30 O número de indígenas no Estado do Rio de Janeiro não é significativo do ponto de vista estatístico, 
pois existem apenas algumas centenas de indivíduos. 
33
Em relação às pessoas com deficiência, elas equivalem a 
quase 15% da população do Estado do Rio de Janeiro, de acordo com 
dados do Censo de 2000.31 Contudo a cota das pessoas com deficiência que 
é compartilhada com os filhos de policiais civis e militares, bombeiros e 
inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou 
incapacitados em razão do serviço, é de apenas 5%
● O mesmo pode-se dizer em relação aos alunos egressos 
de escolas públicas. Embora cerca de 78% dos estudantes no Estado do Rio 
de Janeiro estejam matriculados em escolas públicas, percentual que sobe 
para mais de 83% se considerarmos apenas o ensino médio32, a cota 
destinada aos alunos egressos da rede pública foi fixada pelo legislador em 
20%. 
Ressalte-se, por outro lado, que a carência econômica é 
condição necessária para a fruição da política de ação afirmativa prevista 
na Lei 5.346/08, o que visa a evitar que os estudantes da elite, mas 
integrantes das categorias beneficiadas, tenham como “pegar uma carona” 
na referida medida de inclusão social, o que configuraria evidente desvio 
de finalidade. 
Finalmente, o legislador estadual teve o cuidado de 
prever medidas visando a propiciar a efetiva possibilidade de os estudantes 
favorecidos pelas cotas permanecerem na universidade e se aproveitarem 
dessa oportunidade de inclusão social. Pouco adiantaria assegurar vagas 
reservadas, sem proporcionar os meios necessários a que o aluno carente 
pudesse estudar e desfrutar do ambiente universitário. Por isso, a Lei 
5.436/08 previu medidas importantes, como o pagamento de bolsas de 
estudo para os alunos cotistas (art. 3º, inciso I). 
31 Dados obtidos em http://www.ibge.gob.br/home. 
32 Dados obtidos em http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=rj&tema=educacao2008 
34
Assim, não há qualquer afronta ao princípio da 
proporcionalidade, revelando-se razoável e perfeitamente sintonizada com 
os valores e o espírito da Constituição de 1988 a política de ação afirmativa 
instituída pela Lei 5.346/08 do Estado do Rio de Janeiro.
Da Suspensão da Representação de Inconstitucionalidade nº 009/2009 
●
● É firme a jurisprudência do STF, no sentido de que 
quando existir impugnação simultânea à constitucionalidade de um ato 
normativo estadual no âmbito do Tribunal de Justiça e do Supremo 
Tribunal Federal, ambas alicerçadas nos mesmos fundamentos, deve a 
primeira ser suspensa, até que a segunda seja apreciada pela Corte 
Superior33.
Como se sabe, a ADPF, como as demais ações do 
controle abstrato de normas, possui efeito dúplice ou ambivalente. Isto 
significa dizer que se o pedido em uma ADPF é a declaração da 
constitucionalidade de um ato normativo, como ocorre in casu, a sua 
improcedência pode resultar na invalidação desse mesmo ato normativo. 
Daí por que estão presentes aqui as mesmas razões que 
justificam a suspensão do processo na Corte Estadual: a instauração 
duplicada de controle abstrato, nas esferas estadual e federal. A não-
suspensão gera o risco de divergência de entendimentos entre os Tribunais, 
com a possibilidade de que prevaleça a posição do TJ/RJ sobre a 
interpretação do princípio da igualdade, o que contraria toda a lógica do 
33 Cf. Ag.Reg. Rcl 425/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira: “Em se tratando, no caso, de lei estadual, esta 
poderá, também, ser, simultaneamente, imugnada no STF, em ação direta de inconstitucionalidade, com 
base no art. 102, I, letra ‘a’, da Lei Magna Federal. Se isso ocorrer, dar-se-á a suspensão do processo de 
representação no Tribunal de Justiça, até decisão final do STF.”
35
sistema judicial, que tem o STF em sua cúpula, na função de guardião da 
Constituição. 
Por isso, o arguente requer que seja determinada a 
suspensão da Representação de Inconstitucionalidade nº 09/2009, em 
trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, comunicando-
se imediatamente o fato ao Relator daquele feito, Desembargador Sérgio 
Cavalieri. 
Da Medida Cautelar
Estão presentes os pressupostos legais para a concessão 
da tutela cautelar. Quanto ao fumus boni iuris, ele se consubstancia na 
plausibilidade jurídica das teses sustentadas nessa peça, atinentes à 
constitucionalidade da Lei 5.346/08 do Estado do Rio de Janeiro. 
O periculum in mora, por seu turno, se evidencia diante 
da constatação de que, após a decisão proferida pelo órgão Especial do 
TJ/RJ, que suspendeu cautelarmente a eficácia do ato normativo em 
questão, gerou-se grave insegurança jurídica quanto à política de ação 
afirmativa prevista naquela lei. A citada decisão, embora só produza efeitos 
a partir do vestibular de 2010, tenderá a provocar a multiplicação de litígios 
judiciais envolvendo a aplicação da política pública instituída na Lei 
5.346/08, e os efeitos deletérios deste quadro de incerteza não terão como 
ser solucionados por ocasião do julgamento definitivo da presente ADPF. 
Assim, o arguente postula a concessão de medida 
cautelar, para, até o julgamento definitivo dessa ação, sustar os efeitos da 
decisão do órgão Especial do TJ/RJ, que suspendeu os efeitos da Lei 
5.346/08 do Estado do Rio de Janeiro.
36
DO PEDIDO
Pelo exposto, o arguente espera que a presente ação seja 
julgada procedente, a fim de que:
a) seja declarada a constitucionalidade da Lei 5.346/08 
do Estado do Rio de Janeiro; ou
 b) subsidiariamente, caso a Corte entenda incabível ou 
improcedente o pedido acima, seja invalidada a decisão proferida pelo 
órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estadodo Rio de Janeiro na 
Representação de Inconstitucionalidade nº 009/2009, que suspendeu a 
eficácia do referido ato normativo. 
Brasília, de novembro de 2009.
DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA
VICE-PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
APROVO:
ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
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