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CRUZ, José (DES)INTEGRAÇÃO PERIFÉRICA E ESPAÇOS REGIONAIS GLOBALIZADOS

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(DES)INTEGRAÇÃO PERIFÉRICA E ESPAÇOS REGIONAIS GLOBALIZADOS 1 
 
José Luis Vianna da Cruz2 
Denise Cunha Tavares Terra3 
Érica Terezinha Vieira de Almeida4 
 
1. Introdução 
 
O Estado do Rio de Janeiro-ERJ, Brasil, vem, desde meados da década de 1990, revertendo 
um longo período de estagnação e declínio econômico, ocorridos entre os anos 1970 e 1990 
(Oliveira, 2008, p. 47), em que chegou a perder, em alguns momentos, a segunda posição no 
ranking dos estados mais ricos do país – em termos do PIB – para o Estado de Minas Gerais. 
A transferência da capital do país, do Rio de Janeiro para Brasília, em 1961, e a crise 
econômica dos anos 1980/1990, produziram um esvaziamento do parque industrial e o 
esgotamento da agricultura e da agroindústria tradicionais, penalizadas pelo baixo nível de 
modernização. A economia fluminense manteve a sua concentração na capital, Rio de Janeiro, 
e na Região Metropolitana, sendo o interior herdeiro da condição de fornecedor de produtos 
primários e semi-industrializados para a capital. 
 
O parque industrial consistia, principalmente, em indústria de base e de semi-industrializados, 
bem como de bens não duráveis. No entanto, ao final dos anos 1970, o ERJ iniciou a produção 
offshore de petróleo & gás, que veio a representar quase 90% da produção nacional de óleo, 
até meados da primeira década do século XXI. O estado também possui um dos três maiores 
complexos petroquímicos do país, na produção de petroquímicos básicos – fundado em 1961- 
ao qual foi agregado um importante polo gás-químico, e uma importante indústria naval, que 
teve um período de decadência, a partir da década de 80, até 2007, quando foi recuperada, 
por uma política federal de encomendas para a indústria petrolífera. A indústria naval 
encontra-se em crise, desde 2015, dados os problemas enfrentados pela Petrobras5, sua 
maior cliente, e devido à retração do mercando internacional de petróleo. A partir de 2008 
inicia-se a construção do que será o maior polo petroquímico do Brasil, o COMPERJ, na 
Região Metropolitana do Rio de Janeiro-RMRJ (Oliveira, 2008, p.48). Este são os principais 
componentes da cadeia da indústria petrolífera no ERJ-Estado do Rio de Janeiro. A extração 
petrolífera gerou rendas, de elevadíssima monta, para o estado e uma dezena de municípios 
privilegiados, particularmente a partir de 1998. 
 
1 Este artigo resulta, em parte, do projeto de pesquisa apoiado pela FAPERJ-Fundação de Amparo à 
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, intitulado “O Norte, o Noroeste Fluminense, as Baixadas 
Litorâneas e o Complexo de Exploração e Produção de Petróleo e Gás: dinâmica socioeconômica, 
mercado de trabalho, desenvolvimento regional e gestão territorial”, coordenado pelo prof. José Luis 
Vianna da Cruz". 
2 , Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro), 
Professor e Coordenador de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Regional e 
Gestão da Cidade, da UCAM-Universidade Candido Mendes, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. R. 
José do Patrocínio, 89, ap. 804,Campos dos Goytacazes/RJ, CEP 28010-385, tel. 22988156214 jose-
luisvianna@uol.com.br 
3 , Doutora em Geografia, UFRJ, Professora Associada do Centro de Ciências do Homem, da UENF-
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ. Av. 28 de 
março, 818, CEP 28010-810, Campos doso Goytacazes/RJ deniseterra@gmail.com 
4 Doutora em Serviço Social, UFRJ, professora Adjunta do Departamento de Serviço Social e do Mes-
trado Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas da UFF-Universidade Federal Flumi-
nense- Campos dos Goytacazes, RJ. R. José do Patrocínio, 89, ap 804, Campos dos Goytacazes/RJ, 
CEP 28010-385, tel. 22999996261 ericalmeida@uol.com.br 
5 A Petrobras, petrolífera estatal, detinha o monopólio da exploração e produção, até 1997, extinto por 
lei federal. A crise se deve, em parte, ao represamento dos preços domésticos dos combustíveis, desde 
2011, inviabilizando o plano de investimentos 2012-2016, e às investigações de corrupção na empresa, 
afetando seu programa de investimentos. 
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Mais recentemente, a partir da segunda metade da década de 2000, um conjunto de Grandes 
Investimentos6, espalhados por grande parte do seu território – principalmente no interior – 
está em curso, provocando profundas alterações nas configurações urbanas e urbano-
regionais da dinâmica espacial estadual. Esses investimentos podem ser tipificados como i) 
de infraestrutura urbana: habitação e saneamento, principalmente; ii) de infraestrutura 
econômica: rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, principalmente; iii) industriais: complexo 
de extração e produção de petróleo e gás – E&P; complexo petroquímico e gasquímico; 
complexo metalmecânico e siderúrgico; complexo automotivo; e iv) turísticos: infraestrutura e 
equipamentos urbanos voltados para grandes eventos esportivos internacionais e 
entretenimento, na capital, Rio de Janeiro. Os investimentos dos três primeiros grupos se dão 
majoritariamente no interior, considerado o território fora do município da capital, incluindo 
municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro-RMRJ (CRUZ, 2015). 
 
Esses investimentos são viabilizados, em sua maior parte, por recursos federais, 
isoladamente ou em parcerias com o capital privado, uma vez que se inscrevem na estratégia 
de inserção do Brasil na economia internacional. Esta, em linhas gerais, se dá: pela 
consolidação da produção agrícola e agroindustrial, com uma pauta variada; pelo 
fortalecimento da tradicional produção mineral; e pela produção de insumos industriais e de 
bens industriais intermediários; além de receber sua cota, na expansão para a periferia, da 
indústria automobilística internacional. No período dos Governos do PT o país chegou a figurar 
entre as seis maiores economias mundiais, tornando-se um dos maiores exportadores 
mundiais de produtos minerais e agroindustriais. O ERJ participa dessa estratégia enquanto 
corredor de exportações de parte dessa pauta, e como produtor de aço e de petróleo. 
 
A crise internacional de 2008 e a consequente desaceleração da economia mundial atingiu o 
país de forma mais dura, a partir de 20147, particularmente com a queda vertiginosa dos 
preços internacionais do barril de petróleo – o que produziu fortes impactos na cadeia de 
fornecimento a esse segmento – e da demanda internacional pelas principais commodities da 
pauta de exportações. A crise brasileira aterrisa em cheio no ERJ, cuja economia tornou-se 
altamente dependente da indústria do petróleo – cerca de 33%, em 20148 – e, particularmente, 
das suas rendas, concentradas no orçamento estadual e em uma dúzia dos seus 92 
municípios. Em entrevista ao jornal Valor, no dia 14/05/2015 (p.A14), o governador Pezão diz 
que “incluindo estaleiros, fábrica de sonda, toda a cadeia produtiva representa 33% do PIB 
estadual” (Moraes, 2015). Com 8,4% da população e 11,2% do PIB do país, o ERJ recebia, 
em 2008, 75,4% das rendas petrolíferas, que consistiam em royalties e participações 
especiais, referentes a um percentual adicional nos poços mais rentáveis (GOBETTI,2011). 
Desde então, não houve significativas alterações nesses percentuais. 
 
Mesmo antes da crise mundial atingir o país e, no caso particular aqui analisado, o ERJ, existe 
um debate acerca das opções nacionais de políticas e ações voltadas para o crescimento 
econômico, caracterizadas como constituintes de um modelo de reprimarização da economia, 
apoiado na exportação de produtos primários e semi-industrializados. 
 
 
6 Os Grandes Investimentos, doravante tratados aqui sob a sigla GI, são investimentos públicos e pri-
vados de grande porte, em termos de capital, da área e do peso, em valores absolutos e relativos,no 
segmento a que estão ligados, e da capacidade de impacto no ambiente natural e construído. 
7 Até então, o Governo Federal implementara um conjunto de políticas anticíclicas, de corte Keynesi-
ano, que conseguiu manter estáveis o crescimento econômico, o consumo, o emprego e a renda, atra-
vés de estímulos ao crédito popular, de aumentos reais do salário mínimo, do Bolsa-Família, de subsí-
dios a segmentos empresariais e de encomendas de governo ao setor privado. O PAC e o Programa 
de Habitação Minha Casa Minha Vida-PMCMV são exemplos. 
8 Conforme declaração do secretário estadual Júlio Bueno, em 4/01/2015, na Associação Comercial do 
Rio de Janeiro (ACRJ): Disponível em: <http://www.acrj.org.br/noticias/secretario-diz-nao-acreditar-
que-2015-seja-ano-promissor-para-crescimento-economico-do-rio-2015-01-05>. 
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A discussão extrapola as fronteiras nacionais e assume centralidade na discussão 
internacional sobre o desenvolvimento dos países periféricos, emergentes, de baixa 
industrialização, dependentes, ou subdesenvolvidos, nas atuais condições da reprodução 
ampliada do capital no nível global, sob domínio do capital financeiro especulativo e fictício, 
que impões políticas neoliberais, ainda mais concentradoras e centralizadoras, articuladas a 
restrições dos direitos, da cidadania e da democracia. 
 
Capital e tecnologia se concentram cada vez mais e a escala de reprodução é crescentemente 
global. As consequências geopolíticas se expressam no agravamento de tensões localizadas, 
orientadas pelos interesses das maiores potências internacionais por fontes de energia, 
matérias primas e insumos estratégicos para a acumulação capitalista, cujos conflitos, 
justificados por questões religiosas, étnicas e ideológicas, ocasionam imensos deslocamentos 
humanos. Esses deslocamentos, tendo a Europa como destino privilegiado, desembocam em 
confrontos de perfil xenófobo. 
 
Ao mesmo tempo, ocorre o aprofundamento da questão social, expressa no agravamento 
exponencial das desigualdades, da exploração, da espoliação/expropriação, da 
marginalização/exclusão/segregação, da redução dos direitos trabalhistas, da proteção e da 
seguridade sociais, e no aumento da violência sob todas as formas, num quadro de crise da 
democracia, da forma republicana, da cidadania e da sociabilidade. 
 
No centro do debate estão os impactos ambientais decorrentes da natureza produtivista, 
consumista, de exploração intensiva e extensiva, ilimitada, dos recursos naturais, apontando 
para uma iminente inviabilização da vida no planeta. É necessário atribuir a devida 
importância à questão ambiental no debate do desenvolvimento à escala mundial. Há uma 
percepção dominante de que: i) a gravidade atingiu tal proporção que não pode mais ser 
tratada de forma localizada, e sim em termos mundiais; todavia os avanços, nesse sentido, 
tem sido insignificantes para as exigências do problema; ii) a dinâmica capitalista, tal como se 
dá hoje, leva ao inevitável e definitivo desastre ambiental global, tanto pelo sentido produtivista, 
guiado pela lógica dos interesses privados, do mercado, o que faz com que as formas, a 
intensidade e a extensividade, da utilização de matérias-primas, insumos, processos e 
técnicas, sejam incompatíveis com as demandas da conservação, recuperação e preservação 
necessárias para viabilizar a vida humana; quanto pelo padrão de consumo chancelado pelo 
“modelo desenvolvido do centro” e que orienta os objetivos, metas e aspirações de todos os 
países e povos do mundo, para cuja unversalização são necessários quatro vezes mais 
recursos que os existentes na Terra (LATOUCHE, 1994). 
 
À luz de tais reflexões, este artigo analisa a dinâmica econômica recente do ERJ, sob a 
perspectiva do padrão de crescimento econômico brasileiro. Serão abordados os impactos 
socioespaciais dos grandes projetos de infraestrutura e produção vinculados a esse padrão, 
bem como os conflitos decorrentes e os enfrentamentos realizados por segmentos sociais 
atingidos. Busca-se contribuir para as reflexões acerca das tendências e implicações da 
participação das economias periféricas na nova DIT-Divisão Internacional do Trabalho, para 
se pensar a amplitude e profundidade da dinâmica atual de domínio do capital financeiro 
especulativo e da crise mundial vinculada estreitamente à crise capitalista. E para refletir sobre 
os caminhos para seu enfrentamento. 
 
O artigo destacará dois dos GIs mais significativos do atual padrão de integração internacional 
da economia brasileira e que tem no ERJ um lócus privilegiado – Complexo de Exploração e 
Produção off shore de Petróleo e Gás da Bacia de Campos-E&P, e o Complexo Industrial e 
Portuário do Açu-CIPA – e quatro casos de grupos sociais atingidos pelos impactos 
desestruturantes desses GIs, que se espraiam na periferia capitalista, e que abarcam 
dimensões ambientais, urbanas, sociais e econômicas. Os dois Complexos situam-se na 
porção nordeste do estado, junto ao litoral – onde se encontra a Bacia Petrolífera de Campos 
– num vetor territorial em direção ao sul, que desemboca na RMRJ (CRUZ, op. cit.). 
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A escolha desses empreendimentos se deve ao fato de que a economia petrolífera 
corresponde a mais de 30% do PIB estadual, conforme já assinalado, e, com a crescente 
exploração e produção off shore na camada do pré-sal, em áreas confrontantes com o Rio de 
Janeiro e outros quatro estados, deverá colocar o país entre os seis maiores em reserva e 
dentre os maiores exportadores do mundo. E, ao fato de que o megaporto do Açu é um dos 
maiores do mundo, tendo suas atividades ancoradas na exportação de minério de ferro – no 
qual o Brasil é o maior exportador do mundo – e no apoio às atividades de E&P de petróleo e 
gás offshore, e com instalações para operar com containers e graneis sólidos e líquidos, além 
de possuir um DI-Distrito Industrial anexo, constituindo um Complexo de Logística e Produção 
Industrial, embora esta última ainda esteja apenas na fase inicial. 
 
Finalmente, essa porção do território fluminense – termo que se refere ao que é do Estado do 
Rio de Janeiro – que vai do norte até a capital, pelo litoral, abriga mais de 80% do total dos 
Grandes Investimentos em curso no estado (FIRJAN, 2014). Os investimentos nessa região 
abrangem obras rodoviárias e ferroviárias de interligação dos espaços nacionais de produção 
para exportação, a consolidação de diversos aeroportos, mais da metade dos portos e 
terminais portuários do estado. 
 
As questões, em última instância, para cujo debate este trabalho pretende contribuir são: é 
possível falar em desenvolvimento na periferia capitalista, no contexto da globalização e do 
neoliberalismo hegemônicos? É possível falar em desenvolvimento no atual estágio do 
capitalismo? Como tratar o desenvolvimento, nesse contexto? 
 
Na Seção 2 será traçado um breve perfil da ordem capitalista atual, no que diz respeito ao 
papel dos países de capitalismo periférico, detendo-se no caso da AL, na nova DIT, e no caso 
brasileiro, analisado através de detalhamento dos aspectos ligados aos investimentos 
selecionados, no que diz respeito aos impactos provocados no território, no ambiente e na 
sociedade; a seção termina com a apresentação das resistências e enfrentamentos dos 
grupos sociais mais afetados. Na Seção 3 será retomada a discussão sobre as possibilidades 
do desenvolvimento na periferia capitalista. 
 
2. A nova ordem capitalista e a inserção da periferia: AL e Brasil 
 
Após mais de três décadas de hegemonia neoliberal no comando da economia e da política 
mundiais, com todas as nuances relativas aos blocos de países europeus, asiáticos e das 
américas, há uma percepção generalizada, reforçada por pesquisas, estudos e relatórios de 
instituições multilaterais, de assessoria e consultoria (PIKETY, 2014) de que houve uma 
aumento das desigualdades sociais e de renda, assim como houveum aumento e aceleração 
da concentração de capitais, uma radicalização e aprofundamento da hierarquia entre nações, 
um agravamento, à escala mundial, incluindo os países centrais, do desemprego 
estrutural/tecnológico, da precarização nas relações de trabalho, nas barreiras às entradas de 
capitais nos segmentos mais lucrativos e tecnológicos, bem como um crescente descrédito 
nas instituições e nas regras do jogo democrático; em suma, o saldo das quase quatro 
décadas de globalização é um mundo mais injusto, mais apartado, mais seletivo, mais violento 
e mais fragilizado politicamente. 
 
Há uma megaconcentração de capitais, subordinados à dinâmica dos capitais fictícios, 
rentistas, que, agregados em mega fundos de investimentos, respondem pela propriedade 
dos ativos que regem o ritmo, a direção e o sentido da economia mundial. Uma das 
características do comando dos fundos de investimentos é que, através da participação 
acionária e financeira, conseguem assentos nos Conselhos de Administração das 
corporações e holdings de um mesmo setor, ramo e segmento, resultando no que alguns 
autores denominam “capitalismo de laços” (Lazzarini, 2011), que neutraliza a concorrência e 
5 
 
permite a organização de cartéis. Na verdade, há a reiteração dos oligopólios e monopólios 
em segmentos estratégicos para a reprodução ampliada dos capitais. 
 
Quadro 1. Grandes empresas e participação no mercado mundial* 
Setor Nº de Empresas % do mercado 
Equipamentos Agrícolas 3 69 
Farmacêutica 10 69 
Computadores pessoais 4 55 
Equipamentos de telefonia 
móvel 
3 77 
Automóveis 10 77 
Aviões comerciais de grande 
porte 
2 100 
Fonte: Financial Times opud Nolan & Zhang (2010). P Nolan, J Zhang - New Left Review, 2010. Nolan, 
Peter, and Jin Zhang. "Global competition after the financial crisis." New Left Review 64.7-8 (2010): 97-
108. *Setores selecionados, 2009 
 
Percebe-se, na Tabela 1, que a concentração na área dos equipamentos agrícolas torna as 
economias periféricas, como as da América Latina-AL, fortemente apoiadas na exportação de 
produtos agrícolas, vulneráveis ao controle tecnológico externo às nações. Ferramentas 
estratégicas para a economia mundial, como a indústria da computação e da telefonia móvel, 
também são controladas por pouco capitais. 
 
A adoção, muitas vezes com característica de imposição, de políticas de recorte neoliberal, 
com adaptações nacionais decorrentes das relações de forças, da história, da cultura e da 
sociabilidade locais/nacionais, tem sido assimétrica, entre países que sediam os principais 
capitais e agentes corporativos, de um lado; e países sem força para traçarem, com autonomia, 
políticas de integração soberanas na economia globalizada. Os expedientes neoliberais de 
flexibilização da produção e da circulação de mercadorias, bem como de desregulação da 
dinâmica econômica, trabalhista e fiscal, promoveram uma Divisão Internacional do Trabalho-
DIT radicalizada, em termos das especializações produtivas. 
 
Os centros nacionais dos capitais financeiros e corporativos especializam-se em indústrias e 
serviços sofisticados, de alta densidade tecnológica, na economia “limpa”, em processos “pós-
fordistas” e na “economia do conhecimento”, enquanto os países fora dos centros de decisão 
e de concentração dos capitais, especializam-se na produção de bens primários e 
intermediários – minerais, agroindustriais, siderúrgicos, dentre outros; ou, na “indústria suja”, 
remanescente do fordismo. O aspecto central a ser considerado nessa ordem econômica é 
que os segmentos estratégicos são controlados por poucos capitais de escala global, que as 
tecnologias mais importantes para a economia capitalista também estão concentradas, e que 
os fundos de investimento globais controlam esses segmentos. É importante esse registro 
para se pensar nas possibilidades do desenvolvimento numa ordem em que as nações 
periféricas são cada vez mais dependentes dos países centrais, em tecnologia e capitais. 
 
Na AL algumas das consequências desse “cerco” internacional, após governos que, na 
década de 90, se propuseram a integrar os países de forma subordinada na ordem neoliberal 
globalizada – desregulando, privatizando, promovendo ajuste fiscal e internacionalizando 
segmentos internos da agroindústria e da indústria, o que gerou o agravamento das situações 
históricas de desigualdade social e espacial – houve uma onda de governos, na Venezuela, 
Bolívia, Brasil, Equador, Chile, Uruguai, Argentina, e em países do Caribe, como El Salvador 
e Nicarágua, voltados para o que seria a elaboração de um conjunto de políticas “pós-
neoliberais” (SADER & GENTILI, 1995), comprometidas com políticas sociais e de 
transferência de renda, de recorte distributivo e com formação de superavit comerciais, com 
o aumento da presença do Estado; ao mesmo tempo em que não abandonaram políticas com 
recortes de ajuste fiscal, para cobrir o deficit e pagar os juros da dívida pública. 
6 
 
 
Coube a esses países, após o processo de desindustrialização e desnacionalização de 
amplos setores da economia nacional, expandirem a produção de commodities minerais e do 
agronegócio, para exportação. Na tabela 2, pode-se observar que, após um movimento 
ascendente de participação no PIB mundial, entre 1970 e 2000, houve uma redução do peso 
das economias latino-americanas e caribenhas, o que significa que a nova DIT, que 
reposiciona esses países enquanto exportadores de produtos primários e industriais de menor 
densidade tecnológica, pode indicar um retorno ao “sistema internacional de trocas desiguais” 
denunciado pela CEPAL de Prebisch et alii. 
 
Tabela 2. Participação das regiões do mundo no PIB mundial (em %) 
País 1970 1980 1990 2000 2010 2015 
América do Norte 39,45 28,12 29,14 33,10 25,26 26,56 
América Latina e Caribe 5,96 6,93 5,17 6,79 8,18 7,01 
Ásia Oriental e Pacífico 13,72 16,17 20,94 24,41 25,40 28,98 
Oriente Médio e Norte da África 1,35 3,58 2,41 2,90 4,18 4,24 
África Subsaariana 2,08 2,40 1,36 1,10 2,06 2,14 
Europa e Ásia Central 34,13 40,76 39,15 29,78 31,73 27,22 
Ásia Meridional 2,94 2,14 1,83 1,89 3,19 3,63 
Mundo 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 
Fonte: Banco Mundial. Disponível em: <databank.bancomundial.org/>. Acesso em: 27 jul. 2016. 
 
Reforçando tal inferência, quanto à evolução da participação das exportações de produtos 
primários em relação ao total, por países, em países selecionados – Argentina, Bolívia, Brasil, 
Chile, Colombia, Equador, México, Uruguai e Venezuela – houve, após significativa redução 
dessa participação entre 1970 e 2000, um importante aumento, entre 2000 e 2014, em todos 
eles, (CEPAL-CEPALSTAT, 2015), ao mesmo tempo em que houve queda na participação no 
PIB mundial, conforme a tabela 1. 
 
Uma outra face dessa integração internacional subordinada dos países periféricos é a 
implantação de uma rede de infraestrutura de grande porte, voltada, internamente, para a 
otimização dos fluxos das mercadorias que respondem pela sua posição na DIT; e, 
externamente, para promover corredores de circulação de mercadorias que reduzem os 
custos na relação espaço/tempo e favorecer a concorrência pelo controle do comércio mundial 
por parte dos seus principais protagonistas, como EUA, China, UE e Rússia. É o que se passa 
com a duplicação da capacidade de trânsito e carga do Canal do Panamá, da ligação entre 
os países do Pacífico, da ligação entre este o Atlântico, por um outro canal projetado pela 
China, na américa Central, dentre outros. (INTELEGO-LATAM, 2013; FERCHEN, 2011; 
NATBRASIL, 2006; PESSANHA, 2015) 
 
O Brasil vem investindo pesadamente em grandes projetos de infraestrutura, enquanto 
estratégia - no Governo Fernando Henrique Cardoso-FHC, com os Planos Brasil em Ação e 
Avança Brasil; nos governos do PT, com o PAC I e PAC II, articulado com o PNLT-Plano 
Nacional deLogística de Transporte, com os Programas de Investimento em Ferrovias, 
Rodovias e Portos – articulando os capitais nacionais associados, ou subordinados, aos 
transnacionais. A figura 1 apresenta o mapa dos investimentos ferroviários previstos. 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
Figura 1 
 
Fonte: PNLT, Ministério dos Transportes, Governo Federal, Brasil. Em: 
http://www2.transportes.gov.br/bit/01-inicial/pnlt.html 
 
Na fig. 1 está assinalada a localização da área do Estado do Rio onde se encontram os dois 
GIs aqui analisados, o Complexo de E&P e o CIPA. Pode-se perceber sua situação estratégica 
na rede de ferrovias de escoamento da produção mineral e agroindustrial do interior do país. 
 
São estruturas desproporcionais em relação às dimensões e capacidade das localidades em 
suportar seu porte. Há ausência das necessárias intervenções de planejamento e 
desenvolvimento territorial, urbano e regional, preventivas e mitigadoras, em decorrência da 
natureza das coalizões de interesses multiescalares constituídas, e da adesão passiva de 
autoridades e populações locais, manipuladas pela propaganda feita pelas mídias, pelos 
porta-vozes, lideranças, e acadêmicos ufanistas. São investimentos comandados de “fora” e 
voltadas para “fora”, numa lógica que se desresponsabiliza da integração com o território, 
região e aglomerações urbanas onde se situam as instalações físicas, restringindo ou 
inviabilizando a regionalização e territorialização dos possíveis benefícios. São portadores de 
uma visão puramente mercantil e rentista, pela qual “otimizam” os projetos, no sentido da 
garantia de que nenhum interesse público, social, coletivo, possa comprometer as 
expectativas das taxas de lucro prometidas pelos investimentos. Sustentam-se em renúncia 
fiscal, subsídios, omissões e cumplicidades dos órgãos públicos de fiscalização referentes 
aos danos sociais, trabalhistas, urbanos, ambientais, econômicos, culturais e políticos. O 
Estado opera em verdadeiro “regime permanente” de Estado de Exceção, conforme será 
ilustrado adiante (Agambem, 2004), pelo qual Estado e Capital operam ao arrepio da 
legislação, para garantir as condições de produção e reprodução do capital. 
 
Isto explicaria, em grande parte, a situação de exceção, pela qual o Estado, por ação e 
omissão, se torna cúmplice de processos de deslocamentos forçados de assentamentos 
urbanos, rurais e florestais consolidados – favelas e bairros pobres, áreas de produção 
8 
 
camponesa e familiar, aldeias indígenas – e de apropriação privada de espaços públicos, 
provocando danos permanentes e irreparáveis (PEDLOWSKI, 2013). 
 
Essa forma de atuação provoca maciça agressão ao ambiente natural. A Universidade 
Autônoma de Barcelona mapeou conflitos ambientais em todo mundo (BBC Brasil, 2014). No 
mapa, o Brasil aparece em terceiro lugar (ao lado da Nigéria) em número de disputas, 
enquanto a mineradora brasileira Vale ocupa a quinta posição no ranking de empresas 
envolvidas nessas questões. Entre os 58 conflitos ambientais em curso no Brasil há disputas 
agrárias como o caso de Lábrea, cidade no Amazonas próxima à fronteira com o Acre e 
Rondônia, onde agricultores são vítimas da ameaça de madeireiros e grileiros. Há, ainda, 
diversos conflitos indígenas, disputas por recursos hídricos e por reservas minerais. No caso 
da Vale, 14 das 15 disputas em que a empresa está envolvida ocorrem na América Latina, 
especialmente no Brasil, mas há casos também na Colômbia, no Peru e no Chile. O mapa 
cita ainda um conflito entre a mineradora e agricultores em Moçambique. Os conflitos estão 
associados à expansão da agricultura, mineração, hidrelétricas e exploração de petróleo em 
áreas de terras altas e no litoral - e destaca entre as áreas afetadas os territórios de 
comunidades tradicionais que, historicamente, viviam de forma sustentável. Na América 
Latina, o maior número de casos documentados pelo mapa está na Colômbia, com 72 casos, 
Brasil, com 58, Equador, 48 conflitos ambientais, Argentina, 32, Peru, 31, e Chile com 30. 
 
No relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2016), sobre conflitos em relação a água 
no Brasil, em 2015, constata-se um total de 135 ocorrências, sendo 30 (22%, ou um em cada 
5) referentes a barragens e açudes. No total, os conflitos pela água envolveram 42.337 
famílias. Das 771 ocorrências de conflitos por terras, mais de 500 (65%) tiveram como agentes 
fazendeiros, empresários, mineradoras (“grileiros” não foram contados, mas costumam estar 
“a serviço” desses agentes); mais de 70 (10% aprox.) ocorrências tiveram como agentes 
empresários e mineradoras internacionais. O nº de famílias afetadas por conflitos de terra 
totalizou 81.602. Esse é um dos aspectos do novo regime de acumulação que compõem a 
ideia de acumulação por despossessão (Harvey, 2005). 
 
Na economia globalizada, há um desgaste das formas de organização do trabalho, de controle 
social sobre o Estado, das instituições, mecanismos de representação e exercício da política; 
enfraquecimento dos partidos e do próprio sistema democrático, numa espécie de “fascismo 
social”, (Santos, 2003), pelo qual o desmantelamento de um sistema de políticas de proteção 
e segurança sociais pode mergulhar a sociedade, ainda que sob o formato democrático formal, 
num fascismo não político, mas social, onde grupos e classes sociais mais pobres e 
destituídos ficam à mercê da filantropia autoritária dos grupos minoritários elitistas dominantes. 
 
Neste cenário se dá o aprofundamento da internacionalização das economias da AL nos anos 
de neoliberalismo, através das privatizações de estatais, da abertura comercial, que provocou 
desindustrialização de segmentos que não resistiram à competição com produtos importados, 
fusões e aquisições, com a participação maior ou menor de transnacionais estrangeiras, 
desmontes de parques industriais completos, como no caso do segmento de bens de capital 
no Brasil, agravado pelo ajuste fiscal nos ditames do Consenso de Washington, adotado em 
maior ou menor grau por governos latinoamericanos, desde os mais afinados com o 
neoliberalismo até os que se consideram de recorte pós-neoliberal, desenvolvimentistas, 
Keynesianos e “populares” (Filgueiras, 2006; Gonçalves, 2012; Sampaio Jr., 2012). 
 
Ocorre o que esses autores denominam reprimarização das economias latinoamericanas, 
como forma de integrá-las à globalização controlada pelos capitais financeiros, pelos 
oligopólios mundiais de investimento, produção e circulação de mercadorias, no interesse do 
barateamento dos custos dos produtos primários e reprodução das formas 
colonialistas/imperialistas contemporâneas. 
 
9 
 
O legado de trinta anos de neoliberalismo e de hegemonia do capital financeiro rentista, 
especulativo, fictício, virtual, à escala global, é uma economia mundial extremamente 
concentrada e centralizada, em capitais, em empresas, em pessoas físicas, em países. É o 
aprofundamento da precarização do trabalho, em que não há um só segmento ultramoderno 
da economia, de alta densidade tecnológica, de ponta, que não utilize, em algum lugar do 
mundo, trabalho análogo à escravidão, possibilitado pela produção em rede, pelas cadeias 
mundiais de valor. É a redução da rede de proteção social nos países centrais e nas tardias 
e restritas redes erigidas nos países periféricos. Há um “excedente populacional”, ou de força 
de trabalho, um imenso exército de reserva mundial, o que provoca grandes deslocamentos 
territoriais, ao lado dos deslocamentos por guerras e conflitos localizados, muitos dos quais 
decorrentes das intervenções imperialistas e neocolonialistas militares das grandes potências, 
em busca de trabalho e segurança. 
 
Simultaneamente, a especialização primária voltada para a exportação tem retomado 
situações e monoculturas em megaescalas, o que, por um lado, agrava a questão ambiental 
– tanto pelo avanço sobre florestase áreas de preservação e conservação quanto pela 
contaminação e desertificação dos solos, em decorrência dos tratos culturais químicos – e, 
por outro, a questão social e econômica, pela redução, pacífica ou violenta, de áreas da 
produção familiar e de alimentos para consumo interno, diminuindo a oferta e elevando preços. 
 
Com a crise iniciada em 2008, que reduziu o volume do comércio mundial, quem mais perdeu 
foram os países dependentes das exportações de commodities minerais e agroindustriais. A 
América Latina tornou-se o maior exportador líquido de alimentos do mundo, ultrapassando a 
América do Norte no início dos anos 2000 e, desde esta data, mostra tendência de 
crescimento, de acordo com o novo relatório da Organização das Nações Unidas para 
Alimentação e Agricultura (FAO) lançado em dezembro de 2015. 
 
2.1 O ERJ como expressão do “caso” brasileiro: GIs, Impactos, Conflitos, Resistências. 
 
Os GIs espalham-se por todo o território brasileiro. No Norte compreendem empreendimentos 
de geração de energia, viários, portuários, minerais, agropecuários, de exploração da floresta; 
no Nordeste, viários, portuários, minerais, industriais; no Centro-Oeste, de geração de energia, 
viários, do agronegócio; no Sudeste e no Sul, centro da economia nacional, de minerais, 
viários, do agronegócio, industriais, portuários, de turismo (PAC9; PNLT, op. cit.). 
 
O território do ERJ é atravessado por GIs viários, portuários, minerais, industriais e de turismo. 
É representativo não só pelo portfólio, mas principalmente pelo porte dos investimentos, entre 
os de maior monta e importância do país. Vem sendo contemplado com novos investimentos, 
alguns de grande porte, no interior, com destaque para a indústria do petróleo & gás e 
automotiva e para a infraestrutura de logística; e na capital, principalmente em intervenções 
urbanas voltadas para grandes eventos, nos quais se destacam a Copa de Mundo de futebol 
e a Olimpíada mundial. Os empreendimentos industriais e urbanos se associam ao conjunto 
de obras de infraestrutura em curso no estado, de suporte físico à circulação de mercadorias 
vinculadas a grandes investimentos produtivos nacionais. O uso do território do ERJ será 
intensificado, como plataforma de corredores nacionais de exportação e importação, previstos 
nos PNLT, no PAC e nas ações setoriais apoiadas pelo BNDES (figura 2). 
 
 
 
 
 
 
 
9 Programa de Aceleração do Crescimento. Programa federal que abarca os investimentos considera-
dos prioritários pelo Governo, e que, por isso mesmo, estão fora do cálculo do superávit primário. 
10 
 
Figura 2 
 
 Fonte: PELC-Plano Estratégico de Logística e Cargas do RJ (SET/RJ, 2012). 
 
De um lado, o crescimento do ERJ vem sendo liderado pela produção de petróleo e gás 
extraídos da plataforma continental off shore, iniciada ao final dos anos 70 e geradora de um 
volume fabuloso de rendas, a partir do final dos anos 90, a título de compensações financeiras, 
transferidas ao estado e aos municípios classificados como produtores, além de alguns 
órgãos do Governo Federal. O Complexo de Exploração e Produção de Petróleo e Gá-E&P 
situa-se a nordeste do estado, na mesorregião Norte Fluminense-NF (destacado na figura 2). 
 
De outro, o ERJ é sede de uma série de investimentos em infraestrutura de logística de 
circulação de mercadorias, voltada para a exportação de produtos primários e bens 
intermediários, destacando-se a construção de portos e terminais portuários privados. O maior 
deles é o Complexo Industrial e Portuário do Açu (destacado na figura 2), também no nordeste 
do estado, na mesma região que sedia o Complexo Industrial Extrativista de petróleo, o NF. É 
um dos maiores portos do mundo, e começou a operar em 2014. 
 
O Complexo de Exploração e Produção de Petróleo e Gás-E&P foi instalado no município de 
Macaé, gerando dezenas de milhares de empregos diretos, na Petrobras - até 1997 detentora 
do monopólio da exploração e produção – e nas demais petroleiras, e nas centenas de 
empresas fornecedoras de serviços e de equipamentos à produção. Até 2012 a produção do 
ERJ representava cerca de 80% do total nacional. Com a exploração do petróleo da camada 
do pré-sal, cuja bacia estende-se ao sul do Brasil, sua participação caiu (agosto/2016), para 
algo em torno de 55% do total nacional. 
 
Diversos fatores concorreram para que essa experiência estadual como maior produtor 
nacional de petróleo viesse a produzir – ao lado dos impactos positivos na geração de 
produção, de trabalho e renda – impactos socioespaciais altamente desestruturantes, no que 
diz respeito às atividades econômicas, ao ambiente natural, às estruturas e à dinâmica urbana. 
 
11 
 
Dentre os mais importantes para o objeto deste artigo figuram: i) a concentração espacial das 
empresas em um só município, promovendo uma fragorosa implosão urbana, em um 
curtíssimo período de tempo, em Macaé e em alguns dos municípios produtores 
concentradores das rendas. Estes, entre 2000 e 2010, situaram-se entre os municípios de 
maior crescimento demográfico do país, agravando problemas de infraestrutura, moradia, 
mobilidade e segurança para a população trabalhadora, apresentando sérios problemas de 
pobreza e desigualdade social; ii) a configuração de um enclave econômico, na medida em 
que não se implantaram atividades industriais upstream e dowstream, ou, a montante e a 
jusante das atividades locais de E&P; iii) a geração de municípios petrorrentistas, ou seja, 
recebedores de ricas rendas petrolíferas, sem que houvesse crescimento, integração ou 
diversificação das atividades produtivas, ou planejamento das suas aplicações; por um lado, 
esses municípios se tornaram altamente dependentes das rendas petrolíferas, e, por outro, 
incapazes de desenvolver atividades complementares, ou alternativas, geradoras de fontes 
diferenciadas de arrecadação própria; iv) monopólio exercido sobre os recursos existentes e 
os novos recursos, pelas atividades da indústria extrativa regional de petróleo, mobilizando-
os para atividades subsidiárias de baixa tecnologia e de baixo rendimento, inibindo outras 
atividades, no que se poderia classificar como uma nova forma de monocultura; v) os impactos 
ambientais negativos de grande monta, com elevados prejuízos para atividades econômicas 
regionais de elevada importância social, como a pesca artesanal, com a restrição das áreas 
de pesca, a ampliação do perímetro a ela proibido – onde muitas vezes se instalam 
importantes pesqueiros – a rede de tubos submarina, quase ao nível da superfície, causando 
prejuízos aos barcos pesqueiros. Os pescadores são profundamente afetados, cabendo às 
empresas a obrigação de promover inúmeros projetos compensatórios, mas que só acentuam 
o fato de que a pesca artesanal regional poderá se tornar inviável, no curto prazo. 
 
A dimensão rentista, parasitária, dessa economia regional dependente das rendas da E&P, 
traz insegurança, na medida em que não gera integração e encadeamento produtivo, através 
de atividades industriais a montante e a jusante. Os municípios dependentes das rendas 
petrolíferas defrontam-se, desde o final de 2014 até o momento (agosto de 2016), com a 
tragédia da redução drástica e brusca das suas rendas, decorrentes da baixa dos preços 
internacionais do petróleo, sobre os quais os valores são calculados (PIQUET, 2007) 
 
Já o Complexo Portuário Industrial do Açu-CIPA é um empreendimento da PRUMO Logística, 
pertencente ao Fundo de Investimento americano EIG. É um megaporto que pode receber 
super navios de até 320 mil toneladas de carga. Opera com exportação de minério de ferro, 
oriundo do estado de Minas Gerais, que chega ao porto através de um mineroduto de 525 km 
de extensão – considerando o maior do mundo – atravessando 32 municípios de 3 estados; 
e com apoio às atividades off shore de produçãoda Bacia de Campos, denominação da bacia 
petrolífera regional. Tem dois terminais, com capacidade para operar com grãos, líquidos e 
gases, e containeres. Seu Complexo Industrial consiste num Distrito Industrial e numa 
retroárea. No total, abarca uma área equivalente a um terço do município de S. João da Barra. 
Estão previstas as construções de um Corredor logístico, com ferrovia e rodovia próprios, e 
entroncamentos rodoviários e ferroviários que o tornarão um escoadouro de alguns dos 
principais centros produtores de commodities do país, conforme a figura 1. 
 
Dentre os principais impactos negativos que já se manifestaram – em contraponto à geração 
de trabalho e renda – encontram-se: i) deslocamento forçado e violento de centenas de 
famílias de pequenos produtores e produtores familiares agrícolas e agropecuários 
tradicionais, de um distrito rural do município, junto ao litoral, para implantação do Distrito 
Industrial; ii) destruição de lagoas e áreas de restinga destinadas à preservação e proteção; 
salinização do lençol freático pelo depósito de sedimentos do fundo do mar em terra firme, 
inviabilizando atividades agropecuárias; iii) inviabilização da pesca, pelo perímetro de 
operação do porto; iv) como no caso do Complexo de E&P, configuração de um enclave, pelo 
fato de que os portos, contemporaneamente, não interagem positivamente com a cidade e 
com o seu entorno (MONIÉ & VIDAL, 2006); no entanto, são capazes de exercer um grande 
12 
 
poder de atração de força de trabalho, provocando impactos negativos sobre a infraestrutura 
e a vida urbana, tais como precariedade dos serviços, problemas de moradia, de segregação 
socioespacial, de mobilidade, de pobreza e violência, como já são observados e analisados 
no município de S. João da Barra (PEDLOWSKIi, op. cit.); v) ainda, semelhante ao GI de 
petróleo e gás, observa-se uma elevada capacidade de mobilização de recursos locais para 
atividades subsidiárias de baixa tecnologia e de baixo rendimento. 
 
No que diz respeito à dinâmica urbana, o rápido e intenso afluxo de trabalhadores provocou 
uma total reconfiguração funcional da rede regional de cidades. As características 
concentradoras, de enclave e de elevada polarização das estruturas econômicas montadas 
em Macaé, a partir de 1978 - de exploração e produção de petróleo e gás – e em S. João da 
Barra, a partir de 2007 – do complexo portuário e industrial – transformaram esses dois 
municípios, pequenos e pouco populosos, em polos de trabalho e atividades empresariais. Os 
dois são os mais impactados diretamente. Campos, por ser o maior, o mais antigo polo 
regional e possuir a maior, melhor e mais diversificada rede de infraestrutura urbana, de 
comércio e serviços, também. Os três municípios são litorâneos e pertencentes ao NF, ficando 
Macaé mais ao sul da região e S. J. da Barra ao norte, com Campos entre eles. 
 
Campos dos Goytacazes, tradicional e maior polo regional durante mais de três séculos, 
reflete essa dinâmica espacialmente concentrada. Com a derrocada da economia 
agroindustrial de açúcar e álcool, no final da década de 80, o ritmo do seu crescimento 
demográfico só se elevou após as mudanças na legislação da exploração e produção de 
petróleo, que aumentou enormemente o montante das rendas recebidas pelo município, a 
partir de 1999. Por ter a maior área confrontante com a Bacia de Campos, é o maior recebedor 
nacional de rendas do petróleo, o que eleva artificialmente o seu PIB, f igurando como um dos 
13 maiores PIBs do país em 2013. Mesmo possuindo uma infraestrutura urbana completa, 
situando-se entre os municípios de S. João da Barra e Macaé, sendo um dos maiores 
municípios do estado, com mais do dobro da população, somada, desses dois municípios que 
sediam investimentos de capital fixo em instalações portuárias e industriais, e, ainda, após 
mais de 20 anos da economia regional do petróleo, só após a entrada maciça das rendas 
petrolíferas no orçamento, o município foi impactado, no crescimento demográfico. A atividade 
produtiva, em si, não foi capaz de alterar a dinâmica municipal, corroborando o argumento de 
que esses GIs possuem diversas características de enclaves (PIQUET, op. cit). Ainda assim, 
o ritmo de crescimento demográfico dos municípios beneficiados pelas instalações 
petrolíferas e pelo vetor territorial dos negócios ligados ao petróleo estadual – isto é, a faixa 
litorânea que vai de Macaé à capital do estado, Rio de Janeiro – mantém-se muito acima do 
ritmo de Campos dos Goytacazes, mesmo após a elevação das rendas por este recebidas. 
 
O mercado de trabalho de Macaé, que possuía um terço da população de Campos quando 
da implantação do Complexo e hoje possui ainda menos da metade, é o dobro do de Campos, 
em termos do número de empregos com carteira assinada. Ressalve-se que esses números 
compreendem os trabalhadores que se deslocam diariamente, ou sazonalmente, no caso do 
trabalho embarcado, nas plataformas off shore, entre seus municípios de residência e Macaé. 
 
Com a evolução do Porto do Açu, o município de Campos, pelo seu porte, localização e 
infraestrutura de comércio e serviços – é um grande centro de ensino profissional, técnico e 
com mais de uma dezena de unidades de ensino superior e um dos maiores centros federais 
de formação profissional de nível médio e superior do país – vem se reforçando como polo 
regional, sediando unidades de logística de distribuição de mercadorias e centross de moradia 
e de consumo sofisticado. Os GIs estão produzindo três polos regionais, nesses três 
municípios, apontando para uma aglomeração urbano-regional ampla, com características de 
região metropolitana do interior. 
 
Em 2015 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou o documento 
"Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil", uma referência para a 
13 
 
compreensão da reestruturação do espaço urbano brasileiro. Segundo o IBGE, existe no 
Brasil 294 arranjos populacionais (que envolvem um total de 938 municípios), espacialmente 
concentrados nas regiões Sudeste (112 unidades) e Sul (85). À partir destes arranjos foram 
definidas as concentrações urbanas, classificadas, segundo o tamanho populacional, em 
dois grupos: até 100 mil habitantes e acima de 100 mil habitantes. Estas últimas 
reclassificadas em concentrações urbanas de médio (entre 100 e 750 mil habitantes), e de 
grande (acima de 750 mil habitantes) porte. O IBGE define um arranjo populacional como 
"um agrupamento de dois ou mais municípios onde há uma forte integração populacional 
devido aos movimentos pendulares para trabalho ou estudo, ou devido à contiguidade entre 
as manchas urbanizadas principais". 
 
Os arranjos populacionais de Macaé e Campos dos Goytacazes foram sugeridos pelo IBGE 
(2015) como casos especiais a serem acompanhados, pois, "caso o dinamismo econômico 
nesta região venha a aumentar o movimento de pessoas entre estes três arranjos, levará à 
criação de uma nova unidade urbana que somará mais de 1,2 milhão de habitantes". Estes 
novos arranjos populacionais são fruto do processo de urbanização. Foram utilizados três 
critérios de integração para a identificação dos arranjos populacionais: i) forte intensidade 
relativa dos movimentos pendulares para trabalho e estudo, que deve ser igual ou superior a 
0,25 do índice de integração; ii) forte intensidade absoluta dos movimentos pendulares para 
trabalho e estudo, igual ou superior a 10.000 pessoas; iii) contiguidade das manchas 
urbanizadas, quando a distância entre as bordas das manchas urbanizadas de dois 
municípios é de até 3 km. 
 
Campos dos Goytacazes e Macaé-Rio das Ostras aparecem em primeiro e segundo lugar 
entre as médias concentrações urbanas com população acima de 300.000 até 500.000 
habitantes com os 10 maiores Produtos Internos Brutos (PIBs). Estes resultados refletem o 
elevado peso da atividadepetrolífera na composição do PIB destas três concentrações. 
 
Esse processo já apresenta impactos desestruturantes da vida urbana, agravados pela 
ausência de políticas de ordenamento territorial e urbano: i) há uma elevada concentração e 
valorização do solo urbano, com construção de imóveis voltados para a locação por parte de 
empresas e de trabalhadores de média e alta renda, elevando os preços dos aluguéis e dos 
imóveis; ii) em consequência, promove-se um processo crescente e permanente de 
deslocamento forçado de assentamentos urbanos de baixa renda, particularmente das favelas, 
de áreas destinadas à valorização e especulação imobiliária; os novos projetos habitacionais 
populares distanciam-se cada vez mais das áreas beneficiadas com infraestrutura, 
particularmente de transporte coletivo, e próximas dos locais de trabalho, dos serviços e do 
consumo, aprofundando a segregação socioespacial e gerando novas periferias, com o 
agravamento da desproteção às populações mais pobres, submetidas a regimes de extrema 
violência; iii) instalam-se nessas áreas recém-valorizadas condomínios residenciais fechados 
de classes alta e média alta; shopping centers de grandes redes nacionais; hotéis de grandes 
redes nacionais e internacionais; condomínios verticais voltados para atividades comerciais e 
para moradia de renda alta e média alta; equipamentos de logística de armazenagem e 
distribuição de mercadorias, de grandes capitais nacionais, e internacionais. 
 
O que se quer destacar é que o processo de apropriação do território pelos grandes capitais 
nacionais e internacionais se estende às atividades subsidiárias dos GIs, sobrepondo-se aos 
capitais de médio porte locais tradicionais, esvaziando o controle dos grupos sociais e do 
poder local sobre as dinâmicas urbana, econômica e de infraestrutura. Prevalece o padrão de 
“comando de fora das decisões estratégicas” e de controle sobre a dinâmica territorial urbana 
e regional, a partir de fora e ditado pela dinâmica do mercado, ao sabor da instável, insegura 
e volátil, economia internacional. 
 
Quatro casos exemplares ilustram esse processo. O espaço deste artigo não permitirá uma 
análise e exposição profundas e detalhadas desses casos. Eles figuram aqui como exemplos 
14 
 
do poder desestruturante que está na raiz desse modelo, o que reforça a dependência e a 
desigualdade reprodutoras do subdesenvolvimento. 
 
2.2 Resistências e enfrentamentos 
 
As questões urbanas assumiram centralidade em decorrência dos dois grandes projetos 
incrustados na região. Não se pode denomina-los “projetos regionais”, uma vez que o território 
constitui mera plataforma, no sentido instrumental de um verdadeiro trampolim, para negócios 
de grandes capitais globalizados, cuja dinâmica de acumulação é ditada pelos movimentos 
do mercado mundial e por decisões de interesse geopolítico externos e estranhos ao território 
local, regional e nacional, na medida em que são interesses de empresas, empresários e 
capitais que têm o mundo como território de acumulação corporativa. 
 
No caso do Porto do Açu, a sua representação como oportunidade econômica e como uma 
possibilidade única de geração de milhares de emprego e a sua identificação como a 
“redenção” para uma região atrasada e decadente, do ponto de vista da sua economia, 
obstruiu qualquer possibilidade de um debate público consequente em torno dos seus 
impactos socioambientais e que pudesse oferecer alguma negociação entre os diversos 
atores coletivos envolvidos. 
 
O que se quer destacar é que, de maneira distinta e com resultados também distintos, os 
grupos subalternos aqui destacados – catadores de recicláveis do lixão e moradores de áreas 
de remoção, em Campos dos Goytacazes; pescadores e pequenos agricultores de São João 
da Barra - tiveram um protagonismo que contaminou o ambiente político local, construindo 
algumas alianças locais, regionais, nacionais e internacionais, que não apenas deu 
visibilidade aos conflitos envolvendo a implantação do porto e o complexo petrolífero e seus 
impactos no campo e na cidade, como, também, alterou a correlação de forças no cenário 
local fazendo com que algumas negociações fossem possíveis. 
 
2.2.1 Catadores de lixo 
 
Mesmo distante do Porto do Açu, os catadores de materiais recicláveis do lixão de Campos 
também foram afetados com a sua implantação, assim como os pescadores e os pequenos 
agricultores. A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, depois 
de 19 anos de tramitação no congresso, colocou na agenda pública o desafio de não apenas 
fechar os lixões10 e aterros controlados, mas, sobretudo, de criar alternativas de inclusão 
produtiva para os milhares de catadores de recicláveis que sobrevivem da cata de recicláveis 
nos lixões e aterros11. Em Campos dos Goytacazes, o aterro controlado foi fechado em junho 
de 2012, dois anos antes do prazo previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, 
2010) e teve como principais motivações o processo de concessão do aeroporto local e da 
gestão do novo aterro sanitário que atende ao município de Campos e municípios vizinhos. 
 
Localizado a 10 km de distância do referido aeroporto, o lixão foi acusado, depois de quase 
30 anos de existência e nenhum acidente, de ser um perigo ao tráfego aéreo, agora em 
expansão em virtude da implantação do porto do Açu. Além do tráfego aéreo, o aterro sanitário 
 
10 Segundo dados da ABRELPE só 58% dos resíduos domésticos têm destinação adequada, ou seja, 
2.500.00o t/dia ainda seguem para lixões e aterros controlados. 
11 Segundo o MNCR são cerca de 1 milhão de catadores de materiais recicláveis no Brasil, nas ruas e 
nos lixões. Eles são responsáveis por nada menos que 90% dos recicláveis que chegam às indústrias 
recicladoras brasileiras, todavia, ainda constituem a parcela vulnerável, desprotegida e não-paga da 
rica cadeia de reciclagem. Estima-se que, no ano de 2012, coleta, triagem e processamento de mate-
riais em indústrias recicladoras geraram um faturamento de R$10 bilhões no Brasil e que esse mon-
tante tende a crescer (DIAS, W. Mercado de reciclagem investe em expansão. JORNAL DO COMÉR-
CIO, agosto de 2014. < www. jconline.uol.com.br > Acesso em 17 de maio de 2016). 
15 
 
que substitui o lixão e que atualmente é administrado pela Empresa Concessionária 12 já 
estava pronto desde 2011, aguardando o fechamento do referido aterro e a negociação com 
os catadores que se recusaram a aceitar a proposta do governo municipal de incluir, como 
assalariados, em uma Usina de Triagem, apenas 90 catadores13. Além de pressionarem o 
Executivo municipal, os catadores também acionaram o Ministério Público e a Defensoria 
Pública exigindo o cumprimento da nova PNRS com a inclusão de todos os catadores no 
Programa de Coleta Seletiva. Esta denúncia se transformou em uma ACP (Ação Civil Pública) 
e teve seu desfecho favorável aos catadores no início do ano de 2015. 
 
O curioso no caso de Campos é que embora a nova legislação sobre resíduos (PNRS, 2010) 
determinasse o fechamento dos lixões em agosto de 2014,14 como já salientado, o governo 
local se antecipou em quase três anos, sem, no entanto, oferecer nenhuma contrapartida aos 
catadores de recicláveis, do ponto de vista da sua inclusão socioeconômica, como determina 
a própria PNRS, a não ser a inclusão em programas locais e nacional de transferência de 
renda e outros programas de assistência social residuais e temporários e outros de 
capacitação profissional, amplamente recusados pelos representantes dos catadores. 
 
Aliás, cabe ressaltar que a inclusão em programas de Assistência Social, sejam eles de 
transferência de renda ou de capacitação profissional, têm se constituído nas principais 
respostas do Estado brasileiro, em suas diferentes instâncias, aos conflitos gerados pelos GIs 
e que temacarretado na perda do trabalho e das fontes de rendimentos, como é o caso dos 
catadores e dos agricultores do Açu. Segundo MOTA (2008), esse padrão de resposta por 
parte dos Estados liberal -periféricos expressa o abandono do trabalho protegido socialmente 
como estratégia de integração social na periferia do capitalismo. 
 
Considerado um oligopsônio, i,e,, um mercado concentrado em pouquíssimas empresas 
recicladoras, a cadeia da reciclagem no Brasil, assim como em outros países periféricos, 
apresenta, em sua base, um imenso exército de trabalhadores precarizados e empobrecidos, 
que comercializam com pequenos e médios sucateiros submetidos a grandes compradores, 
que negociam diretamente com as recicladoras, em sua maioria, no Estado de S. Paulo. 
 
A intenção de problematizar o fechamento dos lixões no país não significa ir contra a PNRS, 
ao contrário, implica chamar a atenção para as experiências que substituirão os mesmos, 
considerando o acúmulo de crítica às formas subalternas de participação dos catadores na 
cadeia e os desafios já anunciados à sua implementação, em especial, no que se refere à 
 
12Desde o início dos anos 90 que o município de Campos dos Goytacazes privatizou os serviços de 
limpeza pública, contratando os serviços de uma concessionária, neste caso, a Empresa Vital Enge-
nharia Ambiental, do grupo Queiróz Galvão, um dos cinco maiores grupos nacionais no ramo da lim-
peza pública, do petróleo e da construção civil. 
13No momento do fechamento do lixão havia mais de 400 catadores de recicláveis que vendiam a sua 
mercadoria para as dezenas de pequenos compradores que comercializavam diretamente com eles 
no lixão. O fechamento penalizou não apenas aqueles que faziam a cata no lixão, mas, também, 
aqueles que trabalhavam na triagem para os pequenos sucateiros. Embora as jornadas de trabalho 
variassem, 80% trabalhavam mais de cinco dias na semana, o que lhes dava, à época, uma média de 
R$800,00, acima do salário mínimo nacional em 2013, que era de R$678,00. 
14 Aprovada em setembro de 2010, a PNRS prevê não só o fechamento de todos os lixões e aterros 
controlados em todo o território nacional e sua substituição por aterros sanitários, mas, também, um 
conjunto de medidas que devem acompanhar os aterros, dentre elas, a redução do consumo, o rea-
proveitamento e a reciclagem dos resíduos e, ainda, a implementação de uma agressiva Política de 
Coleta Seletiva com a participação dos Catadores organizados em associações e cooperativas, em 
substituição aos monopólios existentes nos serviços de Limpeza Pública. A nova legislação, embora 
o prazo de fechamento dos lixões tenha sido prorrogado, tem sido um importante instrumento na luta 
do MNCR pela inclusão dos catadores na Coleta Seletiva. 
16 
 
inclusão socioeconômica dos catadores, timidamente colocadas em prática até o momento15. 
E ainda, dar visibilidade às propostas apresentadas pelo MNCR (Movimento Nacional de 
Catadores de Materiais Recicláveis) em defesa dos direitos dos catadores nesta nova etapa 
da reciclagem no Brasil. A PNRS e a pressão do MNCR tem estimulado alguns municípios 
brasileiros a colocarem em prática políticas públicas de inclusão socioeconômica dos 
catadores. São experiências de prestação de serviços urbanos ambientais pelas cooperativas 
e/ou associações de catadores16, considerando a primazia dos catadores na prestação de 
serviços da coleta seletiva nos municípios.17 Essa experiência pode significar uma forma 
intermediária entre o trabalho precarizado e inseguro dos catadores dos lixões e aquela 
encaminhada pelo MNCR e nomeada de “reciclagem popular” cujo principal objetivo é 
combater a desigualdade nesta cadeia, fazendo com que as organizações autogestionárias 
(de catadores) ocupem todos os elos do ciclo produtivo, desde a coleta até a industrialização 
do material reciclável, garantindo a gestão integrada dos resíduos (www.mncr.org.br) 
 
A luta dos catadores para assumir a coleta seletiva, em Campos, e sua comercialização, 
conquistou a criação de três cooperativas de catadores, possibilitada com recursos oriundos 
de programa federal e de um projeto de extensão da UFF-Universidade Federal Fluminense, 
unidade de Campos, e da Prefeitura Municipal, processo conduzido pela associação dos 
catadores e pelos alunos e professora coordenadora do projeto de extensão, com apoio do 
MNCR, do programa federal, e de organizações e movimentos locais, como o IFF- Instituto 
Federal de Educação Ciência e Tecnologia Fluminense, instituição de formação profissional 
média e de ensino superior – estaduais e nacionais; e do Ministério Público-MP, através da 
Defensoria Pública, o que foi fundamental para as conquistas, uma vez que produziu 
sentenças e liminares que obrigaram o poder público municipal a atender diversas 
reivindicações dos catadores (ALMEIDA, 2016). Utilizou como instrumentos de resistência e 
luta, manifestações de rua, audiência pública, a mídia tradicional – rádio, televisão, jornais – 
e encontros e seminários em instituições de ensino superior .Apesar das três cooperativas, as 
negociações com a Prefeitura local ainda não atenderam às demandas do movimento, que 
inclui contrato para a realização da coleta seletiva. Atualmente (agosto de 2016), a coleta 
continua sendo feita pela mesma grande empresa, que a repassa às cooperativas e estas a 
comercializam. No entanto, estas já conseguiram contratos com grandes compradoras e estão 
recebendo equipamentos de transporte que possibilitarão a realização da coleta. 
 
2.2.2. Moradores de favela 
 
A favela Margem da Linha possuía, segundo o Censo Demográfico de 2010, 571 moradias e 
2.196 habitantes. Em 2012 a Prefeitura de Campos identificou 782 residências. É uma favela 
linear, tendo, de um lado, a rodovia nacional e, de outro, após a linha férrea, terras da antiga 
Usina de Açucar. É a maior e mais antiga favela de Campos dos Goytacazes, surgida no início 
da década de 60, a partir de trabalhadores da Usina, situada na principal entrada da cidade, 
próxima à área mais urbanizada, Com a falência da Usina do Queimado, no início da década 
de 1980, suas terras, que sempre se localizaram próximas da área urbana da cidade, 
passaram, com o Plano de Desenvolvimento Físico-Territorial Urbano de Campos (PDUC) de 
1979, a integrar, definitivamente, o plano de expansão urbana da cidade (GONÇALVES, 2014). 
 
 
15 Dados de 2014 afirmam que 17% dos municípios brasileiros realizam coleta seletiva, atingindo uma 
taxa de apenas 13% da população. Concentrada nas regiões Sul e Sudeste a coleta seletiva ainda é 
um desafio para a agenda pública. 
16Sobre a discussão acerca do Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos (PSAU) prestados pelas 
Cooperativas e Associações de Catadores ver: IPEA. Pesquisa sobre pagamento por serviços ambien-
tais urbanos para gestão de resíduos sólidos. Relatório de Pesquisa. DIRUR/IPEA. Brasília/DF, 2010. 
17 Ver: Folha de São Paulo. Catadores assumem coleta de lixo reciclável em 50 cidades no país. Ca-
derno Cotidiano, em 23/06/2014. 
17 
 
Com isso, surgem os primeiros condomínios residenciais privados, fechados, de classe média 
e média alta, e onde o poder público constrói, na década de 1990, a nova estação rodoviária 
interestadual, configurando, como previa o Plano, um importante espaço de expansão da 
cidade. No final da década a área recebe, na chamada Rodovia do Contorno – passagem da 
rodovia nacional pela área urbana de Campos – o primeiro Hipermercado da cidade, que, 
anos mais tarde, já nos anos 2000, serviria de base para a construção do maior Shopping da 
cidade, o Boulevard, do Grupo Iguatemi, o maior do Brasil no ramo. Logo surgiram novos 
condomínios fechados e um hotel de bandeira internacional. A existência da favela 
comprometia os planos de intensificaçãoda valorização do espaço onde se inseria. Com a 
sua remoção, novos condomínios fechados de classe alta estão sendo projetados, bem como 
novos equipamentos de consumo e serviço às atividades voltadas para os GIs em operação. 
 
Os boatos sobre a remoção datam de 2011. Então, um grupo de Articuladores Sociais do 
Centro Juvenil São Pedro, entidade de Assistência Social da Rede Salesiana, que trabalha 
com crianças e adolescentes da referida Comunidade, iniciou um projeto de mobilização e 
assessoria que tinha como finalidade buscar defender os interesses dos moradores e a 
preservação dos vínculos familiares e comunitários, tendo que para isso buscar esclarecer 
este chamado “boato”. Ante a resistência dos moradores, a Prefeitura classificou a área da 
favela como “área de risco”, para justificar a remoção dos seus moradores, no âmbito do 
Programa Municipal de Habitação Popular, denominado “Morar Feliz”. Em 2013 a Prefeitura 
anunciou as obras do novo conjunto habitacional. 
 
Após três anos de luta, utilizando manifestações de rua, fechamento da estrada, audiências 
públicas, matérias em jornais, rádio e televisões locais, com apoio de pesquisadores docentes 
e discentes de universidades locais, como UFF, UENF e IFF, dos movimentos de estudantes, 
do MST e do Sindicato dos Petroleiros da região, além do Conselho Municipal de Assitência 
Social, os moradores resistiram, até que, em 2015, a prefeitura terminou a obra do conjunto 
habitacional e eles destinados. A Margem da Linha sofreu um processo agressivo de remoção 
para uma área situada a 7 km, ainda à margem da rodovia, mais afastada da área urbanizada 
central, sob condições de infraestrutura de mobilidade, segurança, saúde e educação, bem 
piores que as da sua antiga moradia. A quase totalidade dos moradores foi removida para a 
nova residência. A sua antiga área se consolida como área valorizada para empreendimentos 
direcionados para o público atraído pelos novos investimentos de grande porte na região. 
 
2.2.3. Pescadores 
 
O terceiro exemplo é o dos pescadores prejudicados pelas atividades petrolíferas e do Porto 
do Açu. Como já foi antecipado, ambos os empreendimentos agravaram as dificuldades da 
pesca artesanal, já ameaçada pelos grandes navios que varrem o fundo do mar, e pela 
poluição. No entanto, sem dúvida, a implantação dos dois GIs, em áreas próximas, guardando 
imensos perímetros de proibição da atividade pesqueira, bem como implantando redes de 
tubulações que podem causar acidentes, terminou por ameaçar a própria sobrevivência da 
atividade e a reprodução social dos trabalhadores da pesca. 
 
O processo de licenciamento ambiental reconheceu os danos inevitáveis e prevê diversas 
medidas compensatórias e mitigadoras dos impactos negativos. No entanto, nas audiências 
públicas, com a presença da Petrobras e dos órgãos ambientais estaduais e federais, bem 
como do executivo dos municípios envolvidos, e do Ministério Público, os pescadores vêm 
reiterando suas insatisfações com essas medidas e deixando claro que a atividade está 
ameaçada e deve se tornar inviável, pelos danos irreversíveis causados pelas atividades 
portuária e extrativa petrolífera, na região. 
 
Atendendo às exigências do licenciamento ambiental, conduzido pelo IBAMA-Instituto 
Brasileiro do Meio Ambiente, a Petrobras financia projetos de mitigação dos impactos e gestão 
dos conflitos com os pescadores. Assim surgiu o Programa Plataformas de Cidadania, 
18 
 
elaborado em conjunto com o Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais, do Centro 
de Ciências do Homem, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro-UENF. 
O Programa é composto por dois projetos: o “PESCARTE” e o “Territórios do Petróleo: 
royalties e vigília cidadã na Bacia de Campos”, ambos construídos a partir da análise dos 
resultados do Diagnóstico Participativo do PEA-BC (2012). O Plano de Ação do Pescarte tem 
por objetivo o fortalecimento de organização comunitária de comunidades de pescadores 
artesanais para ações de geração de trabalho e renda. O Diagnóstico Participativo identificou 
5 macroimpactos socioeconômicos decorrentes das atividades petrolíferas na região da BC: 
a) ocupação do espaço marinho; b) dinâmica demográfica; c) ocupação e uso do solo; d) 
pressão sobre a infraestrutura urbana; d) royalties. Os projetos propostos foram originados 
dessas percepções e demandas dos grupos sociais desta região. 
 
A proposta do Pescarte é de formação, para que os pescadores possam intervir de forma 
qualificada e autônoma, tornando-os capazes de dominar ferramentas e desenvolver 
competências para elaboração de projetos que identifiquem alternativas de atividade 
econômica que reforce a sua identidade produtiva e possibilite a incorporação de estratégias 
de economia solidária. Fazem parte deste projeto 9 municípios da Bacia de Campos. 
 
O Territórios do Petróleo: royalties e vigília cidadã na Bacia de Campos (PTP) objetiva 
“Controle Social da aplicação de royalties e de participação especiais da produção de petróleo 
e gás natural”. O PTP tem por objetivo difundir e debater, com um público diversificado, o 
acompanhamento, a divulgação, e a discussão pública em torno do recebimento e da 
aplicação dos recursos financeiros das participações governamentais (royalties e 
participações especiais) pelo poder público municipal. A é promover e ampliar o acesso à 
informação e compreensão pública deste tema por meio de estratégias coletivas de 
qualificação e articulação nas comunidades impactadas direta e indiretamente pela indústria 
petrolífera, promovendo o aumento dos níveis de organização e de controle social dos 
cidadãos sobre os recursos públicos. 
 
2.2.4. Pequenos produtores rurais 
 
Centenas de famílias foram expulsas da terra, no distrito rural onde o Complexo Industrial do 
Porto do Açu-CIPA implantou um Distrito Industrial-DI, sob a forma de condomínio, de 
propriedade da PRUMO, dona do porto. Após um violento processo de expulsão assumido 
pelo governo do Estado, através da Polícia Militar, a área foi repassada à empresa, sem 
atender às demandas relativas aos valores das indenizações e às condições de 
reassentamento dos produtores expulsos (PEDLOWSKI, op. cit.). A área foi cercada e se 
encontra vigiada por seguranças privados armados, e os pré-contratos feitos com empresas 
interessadas em se instalar futuramente no DI rendem quase 200 milhões de reais de aluguel, 
por ano, à PRUMO. As do CIPA totalizam cerca de um terço da área do município. 
 
O Porto, em construção desde 2007, opera há dois anos, com exportação de minério de ferro 
e com o apoio às atividades off shore do Complexo petrolífero. A implantação do porto contou 
com recursos federais e estaduais, isenções fiscais e cumplicidade legislativa e da prefeitura 
local. O novo Plano Diretor Urbano do município de S. João da Barra reordena o território para 
os interesses do porto, transformando área rural em urbana e industrial. Seus terminais, ainda 
não totalmente concluídos, permitirão operar com granéis líquidos e sólidos, e com 
containeres, com capacidade para os navios de maior porte hoje existentes no mundo. O 
minério de ferro que é exportado pelo porto e que constitui a sua principal operação, chega a 
este através do maior mineroduto do mundo, com 525 km, atravessando 32 municípios de 3 
estados, constituindo o Sistema Minas-Rio, sendo Minas Gerais o estado de origem do 
minério/mineroduto e Rio o destino portuário. O Sistema vai desde a extração até o porto. 
 
Enquanto GI, este complexo provoca megadesestruturações em toda a cadeia que o envolve. 
O mineroduto, desde sua origem, é responsável por deslocamentos forçados de populações 
19 
 
e pelo desvio das águas dos rios que abastecem os três municípios – para dentro do 
mineroduto, como o meio que viabiliza o deslocamento do minério, bombeado até o porto – a 
ponto de comprometer o abastecimentourbano (COSTA & BARCELLOS, 2014). 
 
A areia retirada do fundo do mar para a construção do canal de navegação foi alocada de 
forma inapropriada em terra firme, provocando a contaminação do lençol freático, salinizando 
grande parte do solo rural, inviabilizando a agropecuária local. A delimitação do perímetro do 
porto, no mar, afastou os pescadores dos pesqueiros tradicionais, causando danos 
irreparáveis às atividades dos pescadores artesanais do maior porto pesqueiro da região. 
Finalmente, a expulsão dos pequenos produtores para a implantação do DI, exterminou a 
produção agrícola local, que, em alguns produtos, representava o maior volume do estado 
(COSTA & BARCELOS, op. cit.; BARCELOS, 2014) 
 
O movimento de resistência e luta dos pequenos produtores rurais ameaçados ganhou o 
mundo. Conta com o apoio da Universidade, principalmente da UFF-Universidade Federal 
Fluminense, mas, também de diversos movimentos sociais locais, estaduais, nacionais e 
internacionais. A mobilização envolveu um conjunto de entidades, dentre elas, outras 
Universidades; sindicatos de trabalhadores; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra 
(MST); a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação de Produtores e Imóveis do 
Município de São João da Barra (ASPRIM), Associação de Geógrafos do Brasil, dentre outros. 
Em se tratando de um empreendimento de porte mundial, ganhou publicidade ampla, tendo 
sido tratado em diversos seminários e encontros nacionais e internacionais de discussão 
sobre os impactos dos grandes empreendimentos sobre grupos sociais de camponeses, 
índios e outros. No entanto, exatamente por essa dimensão e porte, não conseguiu evitar a 
consumação da expulsão da quase totalidade dos agricultores, reassentandos em condições 
precárias e inviáveis para a retomada dos patamares produtivos das antigas condições de 
reprodução. Neste caso, foi ainda mais forte o entrelaçamento entre o Estado, nacional, 
estadual e local; os órgãos do judiciário, do legislativo e executivo, às diversas escalas; as 
lideranças, mídia e elites, às diversas escalas; e os grandes capitais envolvidos no 
empreendimento, de escala global. 
 
 
3. Para além do desenvolvimento? 
 
Nos quatro casos aqui apresentados, entrelaçam-se elementos de apropriação por 
despossessão (HARVEY, op. cit.), do Estado de Exceção (AGAMBEM, op. cit) e do rentismo, 
com renda da terra apropriada por espoliação de pequenos produtores tradicionais de 
alimentos. Aparentemente, o processo de modernização tecnológica, de “destruição criativa”, 
funciona aqui só no elemento destrutivo, recriando a cada momento processos semelhantes 
ao de acumulação primitiva, pelo qual são “recuperadas” terra e força de trabalho, pela 
despossessão e destituição dos saberes dos trabalhadores pregressos às atividades dos GIs, 
para a recriação das condições primárias de reprodução ampliada do capital. Trata-se de uma 
faceta do permanente processo de destruição de ativos pelo capital, para recompor suas 
condições de acumulação, revalorizando recursos fundamentais para sua reprodução 
ampliada (HARVEY, 1990). Nessa recriação permanente das condições de produção e 
reprodução do capitalismo são também recriadas formas “atrasadas”, informais, precárias de 
trabalho e produção, reintegradas ao processo de acumulação, reafirmando o caráter desigual 
e combinado do desenvolvimento capitalista (SMITH, 1999). 
 
Os processos concretos vivenciados – após a reestruturação produtiva iniciada nos anos 70; 
após a queda do Muro de Berlim, com o Consenso de Washington e com a progressiva 
hegemonia neoliberal que sustentaram a ordem econômica e geopolítica na nova rodada da 
globalização capitalista; com as crises capitalistas decorrentes da dinâmica ditada pelo capital 
financeiro especulativo e fictício, reunidos em fundos de investimento globais – redefiniram as 
condições de reprodução do capitalismo, nas relações entre as nações. Não se pode 
20 
 
negligenciar o papel da ausência de uma força mundial organizada, com território, população, 
armas e recursos econômicos, contrapondo-se à hegemonia capitalista. Desde a Revolução 
Russa que as conquistas econômicas, jurídicas, políticas e sociais, foram balizadas pelo 
fantasma da revolução socialista que figurava no horizonte das lutas dos trabalhadores em 
cada país. Não se pode subestimar o papel da revolução socialista na construção do EBES-
Estado do Bem Estar social, na Europa, principalmente, esvaziando o conteúdo revolucionário 
dos partidos social-democratas e socialistas históricos. 
 
A atual globalização, com a compressão espaço/tempo possibilitada pelas novas tecnologias, 
permite que essa combinação, repleta de desigualdade, se realize à escala global. Nesse 
sentido, grande parte do território de grandes continentes, como a Ásia, a África e América 
Latina, são incorporadas às cadeias globais de valor, pelo diferencial de taxa de mais valia, 
ou, em outras palavras, pela incorporação do trabalho de baixa remuneração, pela 
combinação do “atrasado” com o “moderno”, do “informal” com o “formal”. O que torna 
bastante atual uma das teses centrais de Ruy Mauro Marini sobre a natureza do 
subdesenvolvimento, ou da dependência como sua condição, nas relações entre as nações, 
a do regime de superexploração a que estão submetidos, permitindo a transferência de 
grande parte da mais valia para os centros do capitalismo mundial (MARINI, 2000). Ou, de 
Furtado, quando se refere ao desenvolvimento dependente como “desenvolvimento do 
subdesenvolvimento”. Esse mecanismo inviabiliza a geração de poupança interna e de 
autonomia tecnológica, reproduz a dependência que enfraquece politicamente o país. 
 
Os países da AL, no processo de enfrentamento dessa desigualdade manifestada nas 
estruturas subdesenvolvidas, passaram pela substituição de importações, nos anos 50/60; 
pelo desenvolvimento associado, nos anos 70; por esforços de projetos nacionais, nos 
interstícios; submeteram-se às políticas neoliberais, nas décadas de 80 e 90; e realizaram 
esforços de políticas pós-neoliberais, na primeira década do presente século, resgatando 
elementos distributivos, pela forte presença do Estado, de corte Keynesiano, com elementos 
de políticas sociais de bem-estar. Em meio às crises capitalistas recorrentes, no novo século, 
revelaram-se fortalecidos pelo incremento da produção de commodities minerais e do 
agronegócio para exportação. Ao mesmo tempo, têm que combinar a continuidade das 
políticas sociais distributivas com formas atualizadas de ajuste fiscal, nova rodada de 
liberalização do comércio, do sistema financeiro e de privatizações, como sua parcela de 
contribuição para a recuperação dos países capitalistas centrais. 
 
A essa combinação, particularmente cara ao Brasil, mesmo na Era dos governos do PT, vem 
sendo dado o nome de neodesenvolvimentismo, que teria desembocado na reprimarização 
da economia e na especialização regressiva nas exportações, crescentemente apoiadas em 
produtos primários e intermediários. No entanto, há grande incorporação de tecnologia nas 
commodities exportadas por esses países. Apesar de existirem tecnologias nacionais de 
produção de sementes, mudas e alguns insumos e equipamentos, é conhecida o reduzido 
número de transnacionais dos países centrais que controlam a tecnologia e a produção 
mundiais de sementes e insumos, como os agrotóxicos, e as máquinas e equipamentos 
agrícolas (ver tabela 1 deste artigo). Ao mesmo tempo, um pequeno número de trading 
companies transnacionais estrangeiras controlam o comércio mundial. Nesse sentido, quanto 
maior o domínio do comércio mundial das commodities do agronegócio pelos países 
periféricos maior sua dependência dos países centrais. Mais uma face do desenvolvimento 
do subdesenvolvimento se manifesta. 
 
Questões como dependência e superexploração se tornam atuais na discussão sobre o 
desenvolvimento na periferia do

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