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AULA 2 GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO DE LÍNGUA Profª Daíne Cavalcanti da Silva 2 CONVERSA INICIAL Seja bem-vindo à segunda aula da disciplina “Gêneros discursivos no ensino de língua”. Na aula anterior, falamos sobre Círculo de Bakhtin, relações dialógicas, o que são os gêneros do discurso e campos da atividade humana. Nesta aula, retomaremos os campos da atividade humana. Mas você deve estar se perguntando: O que ainda vamos discutir sobre isso? Na Aula 1, também comentamos sobre os sujeitos e as vozes que encontramos no discurso, e será por esta vertente que encaminharemos esta aula. Aprofundaremos nossos estudos a fim de discutir os campos da atividade humana e os gêneros neles encontrados, quais mudanças sociais impactaram o uso dos gêneros discursivos, além de falar especificamente sobre a escola como campo da atividade humana. Nossa discussão nesta aula estará voltada especificamente para a escola, a comunidade escolar e os sujeitos que ali estão. CONTEXTUALIZANDO A partir das discussões realizadas nesta disciplina, espero que você já tenha compreendido que a escola é um campo da atividade humana, correto? Mas... por que ela é um campo da atividade humana? Você já parou para pensar? Quais são as características que nos fazem entendê-la dessa forma? Isso é o que veremos ao longo desta aula. Iniciaremos pela retomada do conceito de campos da atividade humana. Vamos lá? TEMA 1 – O QUE SÃO OS CAMPOS DA ATIVIDADE HUMANA Na Aula 1, vimos que o discurso de um sujeito está permeado de vozes dos campos da atividade humana pelos quais ele circulou. Convém enfatizar que os diferentes campos da atividade humana, ou esferas da atividade humana, têm ideologias, características que lhes são próprias. Nas palavras de Volochínov: no domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma jurídica etc. Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral. (2014, p. 33, grifo do autor) 3 Ao lermos a afirmação de que “cada campo dispõe de sua própria função no conjunto social”, devemos considerar que todos esses campos são “locais” de circulação dos mais diversos sujeitos e que estão ligados ao uso da linguagem. Quando pensamos na realidade das escolas, devemos lembrar, como já foi dito, que a escola é um campo de atividade humana, um campo que hibridiza diferentes sujeitos com as vozes dos campos pelos quais eles circularam. Retomando os gêneros discursivos e campos da atividade humana, vamos elencar alguns pontos-chave para nossa discussão. Para tal, destaca-se a definição de gêneros do discurso, já vista na Aula 1, mas, neste momento, com informações adicionais: Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (Bakhtin, 2016, p. 11-12, grifo do autor) Essa definição de Bakhtin é norteadora para o trabalho com os gêneros discursivos. Sendo assim, vamos desmembrar uma de suas frases-chave para que fique evidenciada sua importância, sua aplicação para nossos estudos na disciplina e também para o ensino na área de linguagens: “Campos da atividade humana e uso da linguagem”. Cada campo tem seus assuntos comuns, expressões, gêneros discursivos; todo campo tem características que lhe são próprias. Tenhamos, por exemplo, o campo da atividade humana da área jurídica. Dentre os gêneros que ali circulam, pode-se citar a sentença. Uma sentença, segundo o Dicionário Aurélio, é: “Julgamento proferido por juiz, tribunal ou árbitro(s); veredicto”. Esse seria o seu conteúdo temático, porém, uma sentença pode se referir a diferentes assuntos. A construção composicional de uma sentença diz respeito à sua organização do texto, que é uma estrutura geral, um “formato” prévio para composição de enunciados. O estilo está relacionado à escolha dos meios linguísticos que, embora variem de um falante para outro, 4 normalmente seguem um padrão já tido como específico da área; neste caso, é um discurso mais rebuscado, mais autoritário, muitas vezes com o uso de verbos no imperativo. Vejamos o exemplo a seguir. As palavras em destaque são típicas do campo jurídico – muitas vezes os enunciados só são compreendidos pelos sujeitos que circulam por tal campo. Considerando o exemplo, observe que há uma construção composicional específica, e as escolhas linguísticas obedecem à norma culta da língua, com expressões que, por vezes, podem ser consideradas jargões profissionais. Juizado Especial Cível Processo: 10796076 Autora: Vanice Maria Castilhos de Souza Ré: C&A Modas Vistos etc. Dispensado o relatório em conformidade com o art. 38 “caput” da Lei 9.099/95. Cuida-se na espécie de Ação de indenização de Dano Moral intentada por xxxxxxxxx contra C&A Modas. A ré foi devidamente citada (fl. 19), tendo comparecido à audiência de Instrução e Julgamento, apenas, seu procurador. É dever das partes estarem presentes no horário aprazado para a audiência. Inobstante tal fato e, com a anuência da autora e de sua procuradora, o prazo foi dilatado, tendo, inclusive, o procurador da ré entrado em contato com a empresa demandada informando, aos presentes, fatos diversos dos relatados, posteriormente, em petição (fls. 61 a 63). Sendo a ré empresa de grande porte, cabia a mesma providenciar, com antecedência, preposto que deveria estar presente à audiência. Foi a desídia de ré que acarretou a decretação de sua revelia (fl. 64). É condição sine Qua non a presença das partes a qualquer das audiências. O não comparecimento, de qualquer das partes, implica sanção. No presente caso se operou a revelia, forte no art. 20 da Lei 9.099/95 que prevê: Art. 20 - Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz. Presente o procurador da ré apresentou contestação, o que foi recebido, uma vez que a revelia incide, apenas, sobre a matéria de fato, sendo plenamente válida a argumentação com relação à matéria de direito. Inobstante tal fato, a revelia autoriza o julgamento antecipado da lide e faz presumir como verdadeiros os fatos alegados na inicial e não contraditados pela demandada. Nesse sentido a jurisprudência dos Juizados Especiais Cíveis diz: A ré arguiu preliminar sustentando a inépcia da inicial, o que não prospera. A peça vestibular é clara quanto aopedido e seus fundamentos. Inobstante tal fato, a simples leitura da Lei 9.099/95 já esclarece as regras procedimentais aplicáveis ao Juizado Especial. Conforme prescreve o art. 14, § 2º, é admissível, no JEC, a formulação de pedido genérico e, o momento da produção de provas e na audiência de Instrução e julgamento, forte no art. 33 da Lei 9.099/95. Diante da revelia, é de ser acolhido o pedido da autora quanto à matéria de fato. No presente caso, ter soado o alarme, inobstante a autora já ter pago pelos produtos, por si só, já expõe a pessoa, que encontra-se em situação regular, a uma situação vexatória perante os transeuntes, que não têm conhecimento da real situação que envolve as partes. Ainda mais prejudicada restou a autora, visto que os fatos se deram nas dependências de um shopping center, local muito frequentado. Levando em conta o caráter disciplinador e compensatório do instituto do Dano Moral, tenho por parcialmente procedente o pleito da demandante. A autora deve ser indenizada pela exposição indevida a que foi submetida. Desta forma, forte nos art.’s 5º e 6º da Lei 9.099/95, firmo convicção pela parcial procedência da ação intentada por XXXXXXX contra C&A Modas para condenar a ré ao pagamento de 5 R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos monetariamente a contar do ajuizamento da ação, 16/08/02, e acrescido de juros legais a contar da citação, 23/08/02. À consideração da Juíza Presidente para homologação, de acordo com o art. 40 da Lei 9.099/95. Registre-se. Publique-se. Intime-se. Porto Alegre, 12 de dezembro de 2002. Vale notar que tanto o gênero discursivo como a construção composicional e o estilo estão atrelados ao campo jurídico da atividade humana. Pensemos que o ocorrido descrito na sentença tenha acontecido com um aluno da escola em que você leciona. Como ele contaria para um colega? Notou a diferença? Nos dois textos, o assunto é o mesmo, mas temos sujeitos diferentes, campos da atividade diferentes e objetivos distintos. Consequentemente, a escolha do gênero no segundo texto considerou outro contexto de produção e outro estilo. Perceba que o texto do aluno é simples, sem a preocupação de atender à norma culta da língua e com uso de gírias, diferente da sentença judicial. Acredito que esteja claro para você que os campos da atividade humana podem ser os mais diversos, intrinsecamente ligados ao uso da linguagem e às escolhas do falante. Agora, veremos as mudanças sociais e os impactos na linguagem relacionados aos campos da atividade humana. TEMA 2 – MUDANÇAS SOCIAIS O estudo dos gêneros discursivos, como já vimos, não é algo de longa data. De acordo com Bakhtin (2016), os estudos na Antiguidade estavam voltados para os gêneros retóricos, da literatura, sem considerar o enunciado, as relações dialógicas etc. A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multifacetada atividade humana e porque em cada campo dessa atividade vem sendo elaborado todo um repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que tal campo se desenvolve e ganha complexidade. (Bakhtin, 2016, p. 12) O crescimento e o desenvolvimento de um campo está atrelado a mudanças sociais de uma sociedade. Na medida que há mudanças sociais, a Cara, sabe aquela parada que falei da minha mãe? Que ela tava saindo da loja e apitou o alarme como se ela tivesse roubando? Então, ela ganhou, o juiz disse que a loja vai tê que pagá R$ 2000,00 pra ela. Se pá, vou pedir um tênis novo. 6 forma de se comunicar se altera: novos campos da atividade humana e novos gêneros surgem. Os gêneros discursivos digitais, por exemplo, surgiram a partir do advento e popularização das novas tecnologias de informação e comunicação, que foram suportes para o surgimento de tais gêneros. Essa ideia de mudança, indicada por Bakhtin, é apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa: [...] hoje, por exemplo, a conversa informal não é a que se ouviria há um século, tanto em relação ao assunto quanto à forma de dizer, propriamente – características específicas do momento histórico. [...] Basta pensar nas diferenças entre uma carta de amor de hoje e de ontem, entre um poema Camões e um poema de Drummond. (1998, p. 20) Esse trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN exemplifica de forma muito didática as mudanças sociais e os impactos na forma de se comunicar e nos gêneros discursivos. Se pararmos para pensar, os PCN foram publicados em 1998 e faziam menção às cartas; hoje, possivelmente, o gênero carta não seria usado como exemplo, uma vez que as cartas de amor caíram em desuso. É importante que você, professor, no momento em que trabalha com linguagem, pense sempre na diversidade de gêneros do discurso e nas situações reais de uso para tal gênero. Você deve estar refletindo acerca das reais situações de uso. Pensemos no exemplo da carta: Será ideal que se trabalhe ao longo de cinco ou seis aulas sobre como escrever uma carta? Seus alunos fazem uso do gênero carta fora da escola? Por que não trabalhar o gênero e-mail? A escolha discursiva do gênero está atrelada à nossa familiaridade com o ele; assim, é comum que nós, professores, trabalhemos o ensino dos gêneros que nos são comuns, e não os gêneros comuns aos alunos. Então devo trabalhar apenas os gêneros que os alunos já conhecem? Não, não é isso. Temos de, como professores de língua portuguesa, trabalhar os mais diferentes gêneros discursivos, considerando a realidade dos alunos e da sociedade como um todo. Isso significa que a variedade de gêneros deve estar presente na escola, na educação básica. Vale ainda lembrar que precisamos trabalhar com os gêneros levando o aluno a considerar o real contexto de uso, ou seja, com interlocutores reais, situações reais. Ter apenas o professor como interlocutor não seria uma atividade real de uso do gênero dentro da língua. 7 Agora que já vimos que o uso dos gêneros está atrelado à realidade social, precisamos saber a relação entre campos da atividade humana e gêneros discursivos. TEMA 3 – HÁ GÊNEROS ESPECÍFICOS PARA CADA CAMPO? Como vimos no tema anterior, há uma relação entre as mudanças sociais e os campos da atividade humana e, por isso, iniciamos esse tema com a pergunta: Há gêneros específicos para cada campo? A resposta não é tão simples, mas podemos dizer que sim, cada campo tem gêneros que são mais comuns ou que são encontrados apenas naquele campo. Por exemplo, os artigos científicos: eles são gêneros comuns do campo acadêmico, porém, há gêneros que podem ser encontrados em diferentes campos, como a palestra. Podemos ter uma palestra no campo acadêmico, mas também é possível encontrar tal gênero no ambiente empresarial, como as palestras motivacionais. Como dito anteriormente, o ensino de línguas a partir dos gêneros discursivos não deve estar pautado em um estudo estruturalista que considera os gêneros como forma. Espera-se que o trabalho com os gêneros discursivos proporcione aos alunos a possibilidade de escolha dos gêneros de acordo com a situação de uso, ou seja, que ele avalie a situação em que se encontra, faça a escolha do gênero e, consequentemente, da linguagem a ser utilizada. É comum encontrarmos listas que relacionam os campos da atividade humana e seus respectivos gêneros. Tais listas têm um caráter estrutural, mas podem auxiliar na compreensão da temática. É importante, ao trabalhar com este tipo de lista, que se tenha a consciência de que são exemplos de relação entre campo da atividade e gêneros, mas que são situações flexíveis, de acordo com o contexto de uso. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) trazem algumas listas, como as que seguem abaixo. Elas tratam de gêneros privilegiados para a escuta e de gêneros privilegiados para a produção de texto. Vejamos os quadros para fazeruma análise: 8 Quadro 1 – Gêneros privilegiados para a prática de escuta GÊNEROS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA DE ESCUTA E LEITURA DE TEXTOS LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA Literários Cordel, causos e similares Texto dramático Canção Literários Conto Novela Romance Crônica Poema Texto dramático De imprensa Comentário radiofônico Entrevista Debate Depoimento De imprensa Notícia Editorial Artigo Reportagem Carta do leitor Entrevista Charge e tira De divulgação científica Exposição Seminário Debate Palestra De divulgação científica Verbete enciclopédico (nota/artigo) Relatório de experiências Didático (textos, enunciados de questões) Artigo Publicidade Propaganda Publicidade Propaganda Fonte: PCNLP (1998) Quadro 2 – Gêneros sugeridos para a prática de produção GÊNEROS SUGERIDOS PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS LINGUAGEM ORAL LINGUAGEM ESCRITA Literários Canção Textos dramáticos Literários Crônica Conto Poema De imprensa Notícia Entrevista Debate Depoimento De imprensa Notícia Artigo Carta do leitor Entrevista De divulgação científica Exposição Seminário Debate De divulgação científica Relatório de experiências Esquema e resumo de artigos ou verbetes de enciclopédia Fonte: PCNLP (1998) 9 Esta disciplina não tem por intuito categorizar todos os gêneros do discurso, pois, conforme já comentamos, não é possível fixá-los em um campo da atividade humana e, por serem inúmeros e passarem por mudanças sociais, não seria possível descrevê-los. Os quadros dos PCNs, de acordo com Silva (2017, p. 59), “corroboram a ideia de que os gêneros são relativamente estáveis, mas que podem passar ao uso ou desuso de acordo com o contexto da época em que circula”. A partir dos quadros dos PCN você deve estar se perguntando: Não basta que eu trabalhe com os gêneros em sala de aula, é necessário que eu fale sobre os campos da atividade humana em sala de aula? Esse é nosso próximo tema de discussão: Por que falar sobre os campos da atividade humana na escola? TEMA 4 – POR QUE FALAR SOBRE OS CAMPOS DA ATIVIDADE HUMANA NA ESCOLA? Até agora, temos visto nesta disciplina a importância de trabalhar os gêneros discursivos na sala de aula; possivelmente, você já compreendeu que os gêneros são norteadores do ensino. Assim, é a partir deles que são trabalhados os outros conteúdos, mas eles não devem compor as aulas apenas como pretexto de ensino para diferentes conteúdos, como a gramática, por exemplo. De acordo com os PCNs de língua portuguesa: A escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical. (PCNLP, 1998, p. 49) Cabe ressaltar que ainda há muito a discutir acerca dos gêneros do discurso e da inserção de diferentes gêneros em sala de aula, pois, considerando que os PCNs já foram publicados há bastante tempo e, como cita o próprio documento, a conversa informal de hoje não é a mesma de anteriormente – e os gêneros também não –, trabalhar os novos campos da atividade humana é algo essencial na área de linguagem. A importância de trabalhar com diferentes gêneros discursivos está em despertar o interesse pela leitura. Uma pesquisa sobre a leitura no Brasil aponta que não há uma variedade tão grande. Vejamos a imagem: 10 Figura 1 – Pesquisa sobre a leitura no Brasil Fonte: Retratos da leitura no Brasil 4 (Failla, p. 216). A Figura 1 não trata apenas dos gêneros; as informações trazidas são de gêneros, de temas e de campos da atividade humana; porém, desconsiderando tal informação, analisemos os gêneros história em quadrinhos, gibis ou RPG comparados ao gênero romance. De acordo com a pesquisa, alunos do Fundamental I leem mais histórias em quadrinhos que romances; em relação aos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, a situação se inverte. Os dois gêneros pertencem ao mesmo campo de atividade humana: o literário. Se tais gêneros forem comparados aos gêneros enciclopédia e dicionários, vê-se que o número de leitores em todos os níveis de ensino é menor em relação aos gêneros do campo literário. Por se tratar de uma pesquisa que considera apenas a leitura de livros ou de partes de um livro, não encontramos, por exemplo, o gênero notícia do campo de atividade humana jornalístico. Outro ponto que dificulta a análise é o fato de o quadro considerar gêneros, campos e conteúdo, sem distinção; porém, podemos analisar que são diversas as escolhas de leitura e, se são diversas, a escolha do leitor deve ser diversa, tanto quanto as possibilidades em sala de aula. O fato é que o termo campos da atividade humana não precisa ser necessariamente discutido em sala de aula, mas os diferentes campos da 11 atividade humana devem ser. É importante que os alunos da Educação Básica, seja Ensino Fundamental ou Médio, sejam expostos a gêneros dos campos/esferas literária, jornalística, científica, de publicidade, cotidiano, e que, dentro desses campos, sejam apresentados os gêneros – não de forma apenas estrutural, mas contextualizada. Considerando que já temos o conceito de “campos da atividade humana” esclarecido, cabe pensarmos os sujeitos e os campos da atividade humana, pois, como já dito, os sujeitos da interação verbal trazem diferentes vozes dos campos pelos quais circularam e circulam. TEMA 5 – SUJEITOS E CAMPOS DA ATIVIDADE HUMANA O processo de interação verbal, já discutido na Aula 1, estabelece uma ideologia entre as relações do cotidiano e os campos da atividade humana, conforme cita Grillo (2012). Mas o que isso quer dizer? As relações dialógicas estabelecidas pelos sujeitos são fruto do ambiente em que vivem. De acordo com Silva (2017), os sujeitos moldam e são moldados pelo local em que vivem; sendo assim, os participantes de uma relação dialógica têm seu discurso formado a partir das crenças, das ideologias e das identidades dos campos da atividade humana pelos quais passaram. Em todo estudo relacionado à educação e no processo de formação de professores você é orientado a pensar o ensino a partir da realidade do aluno. Dessa forma, para que se tenha êxito no processo de ensino-aprendizagem, é necessário conhecer os sujeitos que estão na escola e as vozes que compõem esses discursos. Resta-nos pensar: Eu conheço a realidade dos sujeitos que estão na escola em que atuo, como é a comunidade em que estão inseridos, qual a estrutura familiar em que se encontram? Mais adiante, nesta disciplina, trabalharemos com os gêneros discursivos digitais: Será que meus alunos têm acesso à internet em suas casas? Quando falo sobre determinado personagem de uma novela, será que a família desse aluno tem o hábito de assistir novelas? Eles têm um aparelho de televisão? 12 Vamos pensar em uma situação-problema simples: A professora do 6º ano do Ensino Fundamental resolveu trabalhar o gênero discursivo receita. A escola está localizada em uma comunidade simples. Ela escolhe fazer um bolo em sala de aula e pede para que os alunos auxiliem com os ingredientes. No dia marcado, percebe que alguns alunos não vieram; depois, descobre que eles não participaram por não terem condições de contribuir com o ingrediente da receita, e sequer tinham noção do que era uma receita, já que ocardápio das suas casas não tinha variedade. Você deve estar pensando: Mas o que isso tem que ver com o ensino de língua portuguesa e com os gêneros discursivos? A resposta é simples: a professora da nossa escola não conhecia a realidade dos alunos e fez uma proposta de atividade que não contemplava a todos. Isso significa que não se deve trabalhar um gênero que não seja de conhecimento de todos? Não. Isso significa que todo trabalho deve considerar o todo quando há um grupo grande de sujeitos. No nosso exemplo, a professora poderia, por exemplo, ter explicado antecipadamente o que é uma receita e, então, pedir, aos que pudessem contribuir, a contribuição. Você deve achar esse exemplo simplório, mas ele traz a realidade de muitas escolas. A partir desse exemplo traremos outros atrelados ao ensino de línguas. Pensemos, portanto, no trabalho com os gêneros do campo literário que, de acordo com a pesquisa que citamos, estão entre os mais lidos pelos alunos. A pesquisa trata de pessoas que leram pelo menos um livro, ou parte dele, nos três meses que a antecederam e também daqueles que não leram: Quais são os motivos? Podemos ter aqueles alunos que não possuem o hábito de ler, pois este não é o costume daqueles com quem eles convivem; há também os que não têm acesso a livros, pois sua cidade é pequena, ou o custo é caro etc. Entre os leitores, temos diferentes perfis. Muitas vezes, a leitura dos clássicos, por exemplo, é exigida pelos professores e refutada pelos alunos que, por sua vez, têm interesse em histórias de literatura fantástica, como Harry Potter e Senhor dos anéis. Nos casos em que os alunos não foram considerados leitores, temos a influência dos campos da atividade humana, pois é fato que, no contexto de famílias leitoras, seja mais recorrente que os alunos pertencentes a elas também o sejam – o campo da atividade humana família interfere no discurso desses alunos. Quando o aluno não lê por não ter acesso a livros, também temos a influência do campo da atividade humana: cidades que não têm bibliotecas ou a 13 não existência de livros indicados para a idade daquele público influenciam na decisão. Em relação àqueles alunos que são leitores, temos uma clássica discussão na escola: “Meus alunos só querem ler o que eles gostam, e agora?”. Muitas vezes, a escolha do que eles gostam é feita com base na identificação que têm da realidade. Na literatura fantástica de Harry Potter, por exemplo, temos adolescentes como personagens principais em uma escola. Embora não seja uma escola regular, como a de nossos alunos, há professores, grupos de afinidades, aprendizado. Os alunos conseguem estabelecer relações dialógicas com o texto, por se assemelharem aos costumes trazidos dos campos de atividades humanas pelos quais circulam. Considerando o que foi visto até agora, é importante que a escolha dos gêneros discursivos esteja atrelada aos campos da atividade humana da realidade do aluno e da sociedade em que vive. Ainda que não seja uma relação direta, é necessário que se estabeleça uma relação dialógica com aquele texto. FINALIZANDO Nesta aula, discutimos os campos da atividade humana e as influências de tais campos na escola e nos sujeitos alunos. Reafirmamos a posição de que o êxito no processo de ensino-aprendizagem depende de o ensino estar atrelado à realidade do aluno. É necessário que nosso aluno possa estabelecer uma relação dialógica com o que é ensinado. Vimos ainda que há gêneros encontrados com mais facilidade em um campo da atividade humana que em outros, e que o ensino deve contemplar gêneros de diferentes campos. Vale ainda lembrar que o professor deve estar atento às mudanças sociais que se refletem nos usos da linguagem. Dessa forma, o ensino não estará pautado em gêneros em desuso e que, muitas vezes, estão distantes da realidade do aluno. 14 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016. BRAIT, B. (Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais, terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2018. FAILLA, Z. (Org.). Retratos da leitura no Brasil 4. Rio de Janeiro: Sextante, 2016. Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/images/2016/RetratosDaLeitura2016_LIVRO_EM_P DF_FINAL_COM_CAPA.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2018. SILVA, D. C. Os gêneros discursivos digitais no livro didático de língua portuguesa: um possível campo de hibridação. 144f. Dissertação (Mestrado em Educação). Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Disponível em: http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/49091/R%20-%20D%20- %20DAINE%20CAVALCANTI%20DA%20SILVA.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 1 mar. 2018. VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.
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