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Olavo de Carvalho - 02 - O Projeto Socrático

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coleçáo
-..-l!
História
Essencial da
Filosofia
to
l,lillr.t
O Projeto Socrático
Aula2
por Olavo de Carvalho
coleÇão
História
Essencial da
Filosofia
:
por Olavo de Caúalho
Coleçao Hh1ória Esencial dà Filosofia
Àcompanha esta públicaçáo um DvD,
não podendo ser vendido sepâradamente
Impresso no Brâsil. março d€ 2006
copyrighl @ 2006 by Olavo do cdvalho
Folo Olavo dê Camlho
Edilor
Edson Manoel de oliveira Iilho
MoniqÍe Schenkels e Dagm Rizzolo
Dâgui Design
Terezâ Mdia tourenço Pereira
Os direitos âutorais dessa ôdiçáo peúencem à
É Realizâçóes Editora, Livraria e Dishibuido.a Ltda.
CEP:04010'970 Sáo Paulo - sP
Telele: (11) 5572 5363
Email: e@erealizacoes.com.br
Il/werealizaoes.com.br
Resêradc lodos os dirilos desta obra Púibids túda e quatquet reprcduçio dc§a êdiçáo
por qualquêr ôêio ou fomq, rejâ ela elelóni@ ou mecânica, loloúpia, gravaçào ou quâlqúer
O Projeto Socrático
Aula 2
por Olavo de Carvalho
coleção
História
Essencial da
Filosofia
.-
d
@
2006
l
,
§
Colcaáo Hisiória Essencial da Filosofia
o Pro,eto SocÍático - Aula 2
poÍ Olavo de Carvalho
Expusemos na aula anteiior a idéia de que havia três modelos básicos
de História da Filosofia: o pimeiro, que hata as várias doutdnasmais ou
menos independentemente, formando uma exposiçáo de tipo enciclo-
pédico; o segundo, das Históiias da Filosofia baseâdâs mais ou menos
nas liçóes sobre âlJisldlia daFílosoha U íüefialdeHegel, que procura
interpretar o coniunto da sucessáo das doutrinas como se fosse um
movimentoúnico, umaespécie de dialética que se desenvolveriâ unita_
riamente desdeos primeiros trlósofos até o próprio Hegel;e, finalmente,
os modelos de Históriaque tratam afilosofiacomo um obieto histó co
como qualquer outro, tentando utilizat portanto, critérios de ciência
social e de ciência histórica para expor e explicar o "desenvolvimento
das idéias" em funçáo de fatores sociais, culturâis, etc.
Expliquei iambém por que esses três modelos me pareciam
cientes, emborâ cada um tivesse a sua utilidade, e em seguida expus
os criiérios nos quais iríamos nos baseâr para essa investigaçáo. Esses
critérios sáo os s€guintes: primeiro, a História da Filosofia tem de set
passadâ comummínimo de pressupostos de ordem metafísica. socioló-
gica, culturâl, etc.;temos de partir apenas de princípios auto-evidentes
que náo limitem nem amoldem excessivamente o conjunto da maiéria
que vamos abordar.
Um desses princípios - e todos eles naturalment€ têm de ser auto-
evidentes, que náo tenham que voltar a ser discutidos em seguida - é
o de que a filosofiâ náo nasceu pronta, o que eü âcho que ninguém
questionará, porque náo pode hâver nenhuma discussáo séria â respeiio
disso. A filosofia, portanto, náo surge como uma realidâde ou comouma
coisâ realizâda, mas como um ideâl ou um projeto (convcncionâmos
aqui us a palavm "proieto"), que se torna autoconsciente, como um
projeto de sabcr. entre o tempo de Sócrates e o iempo de Aristóieles.
Seriam esses os três grandes lormuladores do pÍojeto filosófi-
co. Nâo que náo houvesse anies atividades que merccessem de algum
modo o nolne de "filosóíicas", mâs e]âs náo tinham ainda consciência
de si mesmas con1o üm projeto dilerenciado, destinado a prosseguir
depois da morte de seus aulc,res. Quando lemos aqucles âforismos de
Heráctito ou os texto! que nos sobrâram de todos os outros filósolbs
ditos pré-socráticos, vemos que eles se constituem de obscrvações
feitâs por individuos sem a nlenor intençáo de que aquilo se tornasse
objeto de discussáo numa comunidâde, sem muito menos a mcnor
intenção dc que aquilo fossc umâ pesqui§a destinada a continuâr
historicamente. Iá com Sócrates, a idéia de um empenho coletivo e
passível de continuidade aparecc dâ maneira mais clara possivcl. A
própria possibilidade da realizâção desse projcto setorna depois objeto
de discussào na âcademia platônica. E, enfim, comÀrisiótcics. iecha_se
üm conjunto de critérios que podem ser encarâdos como as diretrizcs
básicas do projeto filosófico ao longo do tempo.
Ora. entáo â Hisiória da Filosofia não seriê somenie a históriâ da
Íealizaçâo desse projeto, mâs a hisiória de todos os percalços, de todas as
dificuldâdes encontradâs ao longo d€ssâs tentativas. Por um lâdo, vê'se
que uma das atitudes possívcis dentro de um projeio é retomá_lo literal_
mente e tentar prosseguir tal cono ele foi formulado em sua origem. Uma
segundê possibilidade é impugná-lo, ser contra aqüele projeto c propor
algumaoutn coisa compl€tamenle diferenic. Uma tercei.a possibilidade é
tentar alterá-lo. ou seia, nemtentar realizá_lo fielmenie nelnabândoná_lo.
Tcnta-se lâzer um ürmposto, quer dize! propõe_se üm segurdo proieto que,
eniende-sc,seriâmelhordoqueaqueleinicial. Eumaquarta possibilidade
é de que alterações no projeto surjam mâis ou menos por casualidade, ou
6
s(ill, por dificuldades enconttadas mais ou menos acidentalmente em
srrr líânsmissáo de uma geraçáo para outra, por inflüência de fatores
cltcÍ » que náo vêm do próprio círculo de pessoas empenhâdas em
sur realizêção, mas viâ acontecimentos de ordem política, religiosa,
Com esse método, podemos obter uma narrativa contínua da His_
l(iria dâ lr'ilosofia, vendo, portanto, a unidade do seu desenvolvimento.
Mâs nÃo no sentido de uma unidadc simples, como em Hegel, e muito
rrenos de umâ unidade linear como se pot trás de todos os tiló§ofos
houvesse lrm único Espírito, um macrocérebro filosófico invisível
pcnsando e se expressândo pela boca destes. Nosso tipo de narrativa
histórica procura se ater o mais possível à realidâde empírica da vida
dc indivíduos considerados como unidâdes autônomas e criadoras,
isio é, um filósofo seguinte para nós não é somente a continuaçáo do
anterior, ele é um outro sujeito que tem a sua própria idéia, que náo
csiá obrigado de maneirâ algumâ a continuar na linha do anteÍior, nem
a trât& dos mesmos assuntos.
Em todos os casos e por trás da imensa variedade de possibili'
dades que essas qüatro principais permitem através das suas múliipla§
combinâções -, haverá sempre a Íeferência a este projeto originário.
Alguma posição as pessoas tomam com relaçáo ao proieto ori-
ginário, e é só por causa disto que sua atividade é considerada
filosófica. Aquilo que náo contenha ü ma especulaçâo, uma doutrina,
umateoria, que náo contenha nenhuma referência, nem implícitanem
explícita, ao projeto socrático originário está evidentemente forâ da
História da Filosofia. Ádmitimos até a hipótese de que pessoas que
nAo tenham tomado conhecimento histórico da existência desse proieto
como fato possam ter se posicionado em face dele, tomado apenas como
possibilidade ideal, ou seja, de que pessoas, sem ter tido conhecimento
de Sócrates, pensaram nais ou menos as mesmas possibilidades e se
posicionaram posiliva ou ncgativamenie em lace dê14s, mesmo porque
tudo que existe. tudo quc é reâI, por defiirição ó possíve].
Se apâÍeccu nun1 certo rnonrento da Histórià un1 suieito chamado
Sócrâtês com uma certa idéiâ a rcâlizar, é porque o intLrito de realizá l,r
é umâ espécie dc possibilidâde permancntc do ser humano c nada
inpede que cla icnha apârecido em ouiros lugâres, em olriros tempos,
sem ncnhuma conexão histórica. 
^liás. 
é nruito comum na tlisiória
quc umâ ou duâs, ou várias pessoas sem conexão cntre si,lenhâm mâis
Lru menos as mcsnlas idéiâs ao mesmo tempo, ou en épocas históricâ§
ulr pouco distantes. Seja por contato histórico, seja por similaridade
inicrna, seja por ideniidade lógica ou semelhânça lógica, é possível
que se encontrcn projetlrs análogos cm outros circulos civilizacionais
loialmcntc alhcios ou loialinentc scpârâdos dLr ciclo ocidcnial do qual
faz parte o projeb $crático c a históriadas tentativasde suarealização
Como cnlerdemos â Illosofiacomo proieto. conlo um intuito, cono
urn descjo hunlÀno a ser rcalizado. e conro erisic a possibilidade dc
que algunâs pessoas, cm vez de tenta. Íealizá-lo tenlent iustâmcnte
inrpugná-lo, proibi io, reiutá'lo ou propor outra coisa completameniedifcrcnte no lugaÍ . oLr scia, comt-r admitimos a hipótese de que âo
longo do percurso pcrcorrido desde Sócratcs até âgora le havido
muilas âtitudes possiveis enr lacc dcsse proieio, nresmo a dc negá lo,
a dc ignorálo. â de s0bstiiuí-lo por outrâs idéias, por outros proietos.
cniâo náo se podeÍáconiârâ Hisiória daFilosofia sem cLrntaÍ taÍrbóm
â hist(iiâ do quc nós poclemos châmar a 'aniifilosofia'. ou seja, de
todas aquelas corÍente doutrinais que tenlaram por uln moiivo ou
por olrtro inrpugrar ou bloquear a Íealizaçáo do proieto filosófico.
tj o tenlaram dc uma nâneira conscicntc, conlo vemos em alguns dos
primciros pa.lres da Igrcja (Tertuliano, por excmplo), inpugnanclo
reâlnenlc.t atividâdc filosófica enr noffe do cristiânisno; já outros a
ll
,,lt.r(l( rnr ranrbém ern nomc c1o cistianismo Querdiz€r, houvctodo
,Lrr (lrl)rtc cm torno de fillrsolia e cristiânismo ncsse periodo, e esse
t .l)rLl( la/ parte da I listória da Iilosofia. Ernborê as posiçÕes iomâdas
rl rr s|rrpre sej;rrn Iilosóficas. podem ser iolalnrenle ântifilosóficas
^ 
lrist(jriâ dâquilo que se opoe à reâlizaÇáo do proielo do personagern
lilrl)cnr. .videntenente, é pade dclc. Em outrâs époc.rs. ver se ão fatorcs
iiii,rsônicos ao descnvolvimcnto do projeto lilos(jlico. E surgcm às vezes
rir) dc urra oposiçào liontâ], mâs de cerlas telriâtivas de subordiná lo
:r ({)Isiderações de oüiÍâ odcm. como, por exenrplo, no século XX.
Nr,) §c poderá comprccndcr nadâ.ta Ílistória dâ Filosofia no século
\\ scrn lcvar clll conta as inúmeras lenlârivas dc subordinar a prátic.r
lilos(lllcâ a un projeto político dctcrminâdo, qlre lrao é o socáiico, mas
(trc sc tcntou de algrm modo afticulâr coDr ele, lornando a filosofia unLL
,\Dacic de instrumcnto olr peça deniro de u r projcto.lc tmnsionnaEto
r,r'r,,Í r:, muiru pu.r. ri,,, - 1.r,,jr ,,., r tir u.
'lLdos esses percalços colocampara o hjs toriaclor da fiiosofia proble-
rrrrrs conrplicadíssimos, c todas essas diÍiculdadcs podcni ser 1àcilmerte
rris,lvidâs pclo nosso n1éto.to. Por excmplo, um historiador dà ülosoliâ
0cnsârá seriarnenie, assim, digamos: 'A rloülrinâ mâ ista-leninista
oll(ial da Uniáo Soviótica 1ãz pârle da Iristóriâ dâ Filosofia ou n,ro?".
l)csdc quc cla nâo é uma alivjdàde tilosófica crÍtica, mas a tenlàliva de
lormulâção quase quc dc um dogmânarxisirL. parece qtle nâo. Poroutro
lado, essa nresma tcntâtivâ nnplic.L algum iipo de cspcculaçâo que não
sc pode dcixardc rotular de Íilosólicâ Douirinas rcligiosas ou míslicas
dc algum modo Íâzem pali€ da Históriâ da Filosoliâ.tr1 náo? Quasc
lodos os historiadorcs iêm Lrma ctiÊculdade clrormc dc resolver este
prcblema, c acaban sempr€ opiando por soluÇôcs de comprurlisso ou
porsoluçôes arbitrárias Iáo nosso método pennjle resolver da mancira
,iJi. .iÍÍflc. .'.c prob crnu tL Jr'initr.;n do c"r rp4 uurqur n',u rr
tendernos a filosofiâ con1oun carnpo de conhccimento determinâdo ou
como umâ problemática deteÍminada, n1as exatamente como umprojeto
a realizar E entendemos a História da Filosofia como a sucessáo dos
episódios que marcam, ou a realizaçáo, ou o fracasso, ou o abandono'
ou a modificâçáo desse mesmo projeto
lsso quer alizer que, para que algo seia âssunto da Histó a da Fi_
losofia, evialentemenÍe eie náo precisa por si mcsmo ser uma doutrina
fi]osófrca; pode atô ser o contrárjo. pode aié ser um obstáculo - âssim
como na natrativa davida de qualquer pcrsonagem histórico ou fictício
temmuita coisa que faz parÍe da História. mas que não é iniciativadele'
é iniciativa alos seus advetsários. dos seus inimigos, dos que o invejam,
alos que o desconhecem c assim por diant€. Mas tudo isso' embora de
origem múltipla e heterogênea, às vezes faz parte dâ hisiódâ dele jus-
tamente por efeito ale conttâste oü de contigüidade Entáo, sem perder
em nadao senso dâs diiercnças individuâis eo daautonomia dasváÍias
iniciativas filosóficas c antifrlosóficâs - ou extrafilosóficas, mas llgadas
a História dâ Filosofia , sem perder a idéia desta vaÍiedade concreta,
lãctual, histórica, conseguiremos scm muita dificuldade traçar uma
Únidade na História da Filosofia.
Note-sc bem quc eÍa unidade não é â de uma interpretaçáo que csia_
mos capiando no conjunto do movimento iisiórico, como Hegel acrcditou
apreenaler, quer dizer, um movimento lineat e único. Não é isto. A unidade
da nossa narrâijva ó dâda simplesmentc pela teicrência que os vários
personagens váofazendo ao projeto originário. No fundo estáotodos se
posicionando em fâce da mesma coisâ, porque se fot iotâlmente âlheia
a essa coisa e náo tiver nenhuma Íeferência a cla. então certamente
náo laz pafte da História da Filosofia, nem de maneira direta, nem de
Á filosofia, como um projeto de conhecimento, colrlo umâ certa
bLlsca ale conhecimento quc pode ser prosseguida âo longo dos tempos'
iá aparece com Sócmtes, que esiá continuamente inaugurando cerras
tl)
invcstigaçoes que ele às vozes náo dá por conclüídas. EIe entáo deixê benr
cliuo quc contâ com a possibilidade de que outras pessoas conlinuem
inveÍigando aquilo e talvez cheguenr a rcsultados mclhores. Sócrates
cnr nenhum momento expôe uma douirina acabada. Ele monta certos
problemas, ou seja. monta certas investigaçóes filosóficas. Ele ensina a
rrontar. é exalamente isso queclelãz nos seus confÍontos comamigos e
discÍpulos:ele lhes sugereccrtos temâs filosóficos que eles tentam entáo
investigârcom os inslrumentos que têm, e ele em seguidavai conigindo
a mancira deles investigarem o problema até colocar isso numa linhâ
quc pârece mais pâssível dc levar a resultados firmes. A busca de um
oonhecimento firme. a €stratégia e a iática pata a buscado conhecimento
l'irme sobre certos temas. esse aí certamentc é um dos componentcs do
prcjcto filosófico, cujo conteúdo vou explicâr melhor.
Muito bem, emboÍâ scia somente com SócÍates que o proieto filo_
sófico se cxpóe de uma maneim autoconsciente como se dissessc:
'A filosofia é isto aqui, e é isto aqui que nós vamos fazer" e, portânto,
você náo encontre este proieto exposto de maneira autoconsciente
clll nenhum dos pré_socráticos, existe uma sentença que é at{buída
â um deles. que ó atribuída a Pitágoras, que seria a própria definiçáo
da filosofia como "amor à sâbedotiâ". Nós não precisamos âdmitir
que, ao lormular esia dcfiniçáo, Pitágoras tivesse já toda a consciência
do projcto filosófico tal como veio a ser exposlo depois por Sócrates,
Platáo e Àristótcles. Náo obstante, com consciência ou nâo de todo o
seu conteúdo. o fato é que Pitágoras enunciou essa liase, e esta frase é
absorvida alepois por Sócrates. Platáo e Arisióteles como uma espócie
de rcsumo do scu projeto.
A exposiçáo do proicto filosófico, do proieto socrático, iem quc
começarpor umabreve ânálise destâ nesma definiçáo. tal como ela lbi
compreendida na época, cspeciâlmente por Sócraies, Plaiáo e Aristó_
telcs. Ou seiâ, o estudo que nó§ vamos fazer da definição da filosofia
1l
corno "ânrorà sabe.loria ' não vai enlbcar essa hasc no preci§o contexto
histórico pilagórico. Náovanlos jnvestigar o qLre Pitágoras cntcndelr por
esta hase rncsmo poque o estudo do pitagorisrr)o ó um dos enignlas
hisióricos mais conplicados quc erisie (nAo se sâbc direito se ele eriis-
tiu. se nâo existir, sc coisas que são atribuidas â ele sáo dc atribuiçâo
hislórica rcalou apenàs poÍserrclhança. e eu náo q(cro entrar em todo
este problcma). Adenrâis, cu iá deixei claÍo quc os pré-socÍáticos sâo
apcnâs a pré hisiória da filosofia.
A partir dc Nieizsche houvc uma ilnensa revâlorização dos pré_
socráticos, n1âs, por mais valiosos que losscm (» ensinanrentos que
clcs nos legaranr, ó inegável que elês náo tinhan o proieto filosófico
coüro urr projeto auloconscicnie. lsso só pârccc reâlnente conr
Si)crâtcs. e pelo própÍio conteúdo dos diálogos socráiicos sc vcrá
quc clc esiâva enunciando algo sli que cIa rotalnenie novo para o
seu meio. Erltáo, a rigor, podemos dizer que â História da trilosoliâ
.lo Ocidente começa corn Sócrâtes, emborâ tenha havido um vasto
aproveitamentode clcmentos ânleriorcs.
Nós vamos romper um polrco corn a ordem cÍonológicâ da expo-
siçáo c vâmos dar a idéia do projeto socrático primeiro e só dcpois
abordâreDos os pró'socráticos. Mas como é cste projelo qucdá o senso
d€ Luida.le dc toda a narraiivâ quc varnos Íazel temos quc começar
por clc. 
^l:lenüis, 
enrborâ cssc projeio quando âparece com Sócratcs
scia toiâlnenl€ novo, clc incopora a dcfiniqáo âtribuida a Pitágorâs,
da filosolia como 'amor à sabedoria" 
^ 
ânálise quc vou fazer nao
interpreta cstâ liêse no senlido cm que ieria tido historicamente pam
um Pitágorâs hisiórico impossível de dcscobrir e documentar, mas ela
aborda o seniido prático que ela teria cm Sócrâles, Platáo c Àristóie
les Vercmos con1o eles e lendcran esta liase, e o quc estavâ pam elcs
subcntendido nesta dcfiniçâo conr a qual cnunciavanr rcsumidamenle
o conteúdo do próprio proieto socrático.
:l( ir lilosolia ó o -amor à sabedorià ', a priireim coisâ quc isto impli
! L , ,tllc u §abcdoria exista Isso qucr dizcr quc, sc Pitágorâs disse isso
l!r,,J!)rirs rcredi1âvâ quc cxistissc umâ sabedorià e se SócÍates absoruc
, rlr irirsc clc iâmbóm acrcditâ qu€ exisia unr sabedoria, c Platáo tam-
l ,,. c 
^risióteles 
tânrbérn... Ou scjâ, a sâbcdoria não é algo que elcs vao
///.?! rnns qúe d€ âlgum rnodo vâo erco,ihar. llntao existe a sabcdoria,
, :r llll)riâ não cstá neles e tànlo nao está quc clcs não sc dizem
,r.rr txnladores dela. Iles náo sáo seüs invcntores. nen §equer seu!
t!)rlird(ncs. Sãoapcnas aqueles que aâmanr. eporqueââmâm buscanr
t r.r,rtrá'la, sabcndo que náo a plrssuirão complctamcnic. Porqlre se
I lil,,sofia iá é .lefiridâ conro o "amor à sabcdoriâ", e nâo cirmLr à con
vt r o do lilósolo cm sábio, se subentende qüe esrâ âtivitlâdc dc cefto
,r,trlo continua, pois â posse da sabedoriâ náo ó complcta. Tlrdo isso
(\i.l prcssuposto e Lr queeiioLr dizcndo ó absolulamcnte coerenle corrl
,, rso que Sócrâtes, Plaião c Aristótcles làzen do lernro
liÍãocxistc a sabedoriâ. e o hoüem âdescia. orâs. clc a deseia porque
lclr llguma noticiactelâ e â nolícia qtlc tcrr da sabedo a é sulicienie par"
(trc clc cnLenda que ela ó um objctivo desejável. A sabedoÍia existc, por
rssirü dizcr, tora c acima dLr honem. lllâ reprcscnta um tipo de conheci
Lrcnú, uln tipo de consciência quc náo cstá cm nós, rnas que de trlgum
rnodo podenos alcançar. Sc cxistc ilorâ de nós, existe como?
Náo vamos aproiundar esta qlestao àqli sâber ondc cstá a sabe
ii(,riâ. ondc vâmos buscá l.t, onde elâ cxistc lilra do honem , m.rs na
cxposiçrio do plàlonismo vamos voltâr a este assunto. Só para dar rma
idéia vâ,nos lembmr qüc quando H€rtz descobriu a ligaÇão cntrc luz c
clciricidade, no sécuLr xlx- eledisse o scguintcr "olha, essascoisas nao
podem ser observadâs pclos scntidos, nós só as câplamos por ccrtas
relaqóes raiefláticas. Medimos ulnas coisas aqüi, rrcdilros outras lá
c vilnos quc ali tem un1â equação quc náoóvisivcl petos senliclos ela
âié é âparenlemenie negâda pclos scntidos . no entanro, ela está Lá.
ti
-T- E está como algo que é mâis inteligente do que aquele que â dcscobriu".Eniáo, digânlos, esta relação entrc luz c clctricidâde seria um exenrplo
de uú conteú do da sâbcdoria q ue já estava ali milênios ântes que Hertz
â descobrissc (hojc enl diâ, todo mundo teln um conrplltâdor. c cstá lá
esüito me\rheú.lem a ver conr cssc mesmo sujeito). Uma equaçào
que mostra uina ünidadc cntrc ltnônlenos distintos denlro da naturcza
é um cxcmplo de como pode existir uma sabedoria Iorâ do homcm.
Outro exemplo é o seguirte: existe üor montc dc conhecimentos
Drineralógicos registrados nos tratados de minerâlogia, mâs anles delcs
estârcm nos tratados esiavam onde? NLrs minerais. Se não cstivcssern
nos minerâis, náo leria sjdo possível püxá-los dc lá pam colocá-los sob
lbnna verbal no livro. Entáo csta mineralogiâ dos nlinerâis. este conhe'
cimenio mincralósico que está nos nineràis, é unl outro exemplo de
como pode haver a sabedlrriâ loÍa de nós.
llsses doisexemplos sáotirâdos danaturcza, mas isso náoquerdizer
ó nela quc a sabcdoria está. A nalurezâ é uma instânciâ, um domÍnio
quc cstá Íora de nós, eslá âlém de nós. e um dos nruiros nos quâis
podemos buscar e colher algo dâ sâbcdoria. Entâo â sabedLrria é
.4 If Íccnd da n,u. ullru umu (riJ(Jú Jo l-onr(r, .ur r^,rlro.rracàú
cultural. como umâ criaqAo histórica. Elâ ó comprccndidâ de duâs
naneiras. Primeiro, é unr coniünto dc conhccimenio Mas náo é só
unr conjünto dc conhecimentos inertes que estejam àli rcgistrâdos
dc mâneira morta. porque isso é iambérn a prescnça dc uma inte
ligência. Colno disse HeÍtz, "êstâ cquação é mais inteligente do
que aquele que a dcscobriu", iÍo é, ele mesnlo. tsto signil'icâ quc
clc teve que ficâr Drais inieligenle parâ chegar ao grau de sutileza
desla equaqao. Entáo a sabcdoria náo é somente un1 conteúdo da
nrr ligcr. ia. L u Id ir tclip-n(i ,. \ rrcdidr q.,( vu.,e se oprô\'r1a
desses conteÍrdos, você absorve algo destâ intcligôncia, ela de certâ
maneira vlvilica-o...
1.t
il]Jno: É por isso qüe ele Íalou "amor à sabedotia" e ao "busca
r ebcrloia" ? (...) l
Ntro ó só por isso. Un] dos mlrtivos é este: o indivíduo pcrccbc que
csscs conteúdos dâ sabedoÍia são amáveis porquc nota neles Lüna inie
lirarcia que é mclhor do que â suâ. Mas, por outro lado, pâm quc haja
llrorâ cstâ sabedoria. nàobastâ só que elâ seja rnuito intcrcssante nos
scus conhecimentos. É necessário que ela scia âmável E se Íosse Lrma
.i)isa terrivel. qüer dizer. um mistório tcmível, que âbrindo â caixa preia
voca urorrc? Então somente um idiota iria buscar
^ 
busca da sabedoria eÍa entcodida por Sócrates, Plâtio e Aris
l(')tcles co o algo qre lhcs lâria bem, que seriâ bom para eles Então,
.lc ccrio modo. o homem âma â sabedoriâ porque â sabcdoria an1â o
homem. Ela é amávei porque é boa para clc, dc certo modo se olerece
{] lhe dá alguma coisa. c isto náo lhe acrescenlâ só unr conhecinrento
tcorólico, mas de algun modo inlensifica .t suâ mâncira dc ser E. ao
usarem esu seniençade Pitágoras como definição dafilosofiâ. estavam
()s lrês admitindo quc a filosofia nâo é sonenie un1 conhecimenio a
àdqririr, mas um tipo de conhecinenio que, à medida qüe a pessoa o
adquir€, melhora a. Por quê? Porquc à mcdida que a pessoir âbsoNe os
conteúdos dâsabcdoria. csscs de certo modo âcentralizanr eln toÍno de
sua intcligôncia. de sua capacidâde de clrnheceÍ, e estâ capacidâdc dc co-
nhecer é paÍa eles o principal clcmcnto constituiivo do ser humano.
Se o sel humano sc dcfine e se dilêrencia de todos os demais
por sua capacidâde de conhecer a realidade e a p6priâ sabedoria,
que seria estê âspecto mâis inteligentc c supcrior da realidâde,
então, quc à mcdida quc ele o conhece está realiz,rndo aquilo que
ó principal nele, que é exatamente a sua capâcidade cle conhcccr?
Que é. portaüio, aié u modo dc existência que se intensifica e se
âpcrfciçoa à nledidâ que se reâiiza. Ora, isso qlrer dizer que. na sua
busca da sabedoria, o filósolo é guiado pelo que clc vô dc amável
l5
nela, cle accssível e dc amável. c por lsso mesmo elc é guiado por
uma imagen do sábio.
o que seria o sábio? Seria a sabcdoia personificada, qrer dizcr.
a sâbedoria como ÍoÍma humana. que se sabe que náo se vai realizar
perfeitamente. Mas é evidentc que. se existe a sabcdoria, exisie o sábio,
porque asabedoriâ não é só conteúdo, elâ é inteligência também. Então
cssa imagcmdo sábio (náo necessariamente dosábio humano, quc pelo
menos seria sua pcrsonificaÇáo) seriaâ sabedoriacomo formâ humana,
â sabedoria compreendida como formâ humana. lsio podc ser visto ou
num contexto religioso ou num contexio mitológico. tantolã2, mas existe
semprc csta imagem do sábio. Por exemplo, quàndo o filósolo Boécio,
já na era cristá, século V, Vl, foi parar nâ p sáo, ele tem üma visáo da
sabedoria pcrconilicada como uma rnulheÍ quc âpârece c vâi visiláJo na
câdeia. c lhe ensinâ uma série dc coisas.
Num contexto religioso, pode se pcrsonificar a sabedoriâ no próprio
lcsus Cristo, como logos encamadoien1 outros lugâres, como o Buda,
etc. Isto quer dizer que esla personificação dâ sabedoria é uma cspécie
de imagem que guia os eslorços do lilósol'o, conro sc lbsse isso que e1e
gostâriade ser "qüêndo crescesse". Qnerdizer, o sábio, emboEseiauma
possibilidade qlleo homemnâovai realizar completamcnte, pelo menos
nesta vida, é o tipo humano a que ele se dirige de algum modo.
Os métodos para se chegar lá sáo de dois tipos: pdln€ho, os ir',es'
ti|aliaos, qüe seÍáo desenvolvidos e enormemente âpcrlêiçoados âo
longo do tempo, coneçando pelâ dialéiica socráiica. depois passando
pclâ ]ógicâ dc Aristói€les, com todos os apedeiçoamenios lógicos da
Escolásiica âté hoje, pela entrada cm cena do chanado mótodo cientifico
nloderno, etc. Há um conjunto de métodos invesiigativos cuja história
já ó por si só um âssunto imensamente dco E cxistem as disposiçôes
práíicds, deordem psicológica e ótica, quer dizer à medida qlre o filósolb
pratica esses nrétodos, à medida que elc âdquire o conheci ento, ele
16
J. rranslLrmla, porque antes ele erâ o sujeito quc náo sabia c agora é o
sr rjcito q uc sabc. Platáo enunciará esta ilâse lãmosa: "Verdâde conhecidâ
( vcdadc obedecidâ". lsso quer dizer que a verdade que você adquire,
, [r nâo é somente un elemento de curiosidâde naquelc momcnto, mas
rirl griamcnto. A partir do momento em que você descobriu 1â1ou qual
ioisâ, sabe que as coisâs sáo assim, enláo aquilo é uma baliza ou unr
t,,,'luJereÍerên(iá que\ocêusora na \uo \rda\ qucrc i rcnrpôraraao
,linr'i.náíreniô dá s1rá .ondúiá
ora, vê-se que aí há uma série de pólos: por un lado, há o sábio
. ' unru ú utorru dele. o ÍtiosoÍo O Fln.oÍn c o.nici.n quc rao r 'a-
l)io, rnas que se dirige ao sábio; o sábio é o sujeito que nâo é fi]ósolb,
txnquc cle já é o conhecimento, já é a incorporaÇêo do conhecimento.
srbe-se que eles de âlgum modo se buscam, como aquela mulhcr quc
rrpresenla a sabedoria buscará o filósolo Boéciô na cadcia. Vendo que
clc cstá ali isolado, triste, sofrendo, elavai buscá lo para consolá lo do
llstaimâgemdeum homenr que büscaa sabedoriaporquc a sabedoria
husca o hoore é centrâlparao projcto filosófico, e os três âcreditavên
nisso piamente. E é evidente que a sabedoria busca o homem porque.
sendo da própria nêtureza do homem o conhecer, ó normal que o pró-
prio objeto do conhecimenio. quc é a sabcdoria, se volte para ele, pois
â sabedoria seriâ tâmbém a própriâ eslrutura da realidade, a pÍóprialei
que govema à re.rlidade.
Se o conteúdo da sabedoriâ é a lei de govcrna toda rcâlidade. e se
â rcalidâde dcssa cspécie de seres em particulâr. que é o ser humano,
é conhecer, entáofâtalmente e logicamenle esse conteúdo busca o ho-
n1en1 ianlo quanto o homem o busca, trânsformândo-se nele à medida
que o conhccc, no scntido do lãmosoverso de Cânlôes: "'liônslorma se
o âmâdornâ coisa amada". Quer dizer, aprogrcssivâ trânsformação do
ülósolo em sábio, emborafique incompletâ porquc o suieito morre - e a
t7
sabedoria sendo eiernâ só pode ser possuída integrâlmente num p]âno
de eiernidade, embora essabusca não se complete, pelo menos nesta
viala. é ela que orienta todo o eslorço do ser humano'
fambénl ticabastante claro nesse projeto que. se a verdadeira nâturc_
za distintiva do ser humano é a sua capacidadc de conhecet é somente
ncla que o ser humano se realiza. E frca clato que todas âsvidas que nao
sào voltaalas para este objetivo, mas que de algum modo participam
dele num nível maior ou meno! sáo como vidas frustradâs' vidas que
náochcgaram a nlan ifestar plenamcnte Âcapacidade humana central'
Isso é natural. acontece em todas as espécies animais' Ém nenhuma
delas todos os membros realizam plenamenie suas potenciâlidades
O exemplo mais característico são oslãmosos girinos: decinco milhóes
ale girinos, dois ou três se trans[ormâm em sapos; os outros ficân] com
proto-sapos, sapos possíveis.. Não dcixam de ser sâpos' E eles não
cllegam â ser sapos, mâs náo deixam de scr sapos, já que náo são c'uirâ
coisa. NAo ó poÍque o girino náo virou sapo que ele vira outra coisa'
que ele vira âbacate. tomate, náo.
Do mesmo modo, o núnero de sercs humanos quc realizâ eietivâmente a
naturezâ central do ser bumanír qüe é a realizaçáo dessa capacidâde distintiva
para ír conhecimento . esse númcro é nüito pequeno e os outros fican aquém
Sáo formês de viila frustradas. Mas se náo chegam a realizar â sua humanidade'
nem por isso deixam de serhuúanos. Náo são outracoisa' Écomo se fossen
linhas de desenvolvimento que vào todas na mesma dircçáo e náováo mudar
de direÇáo por causâ dissoi umas vao mais longe, Ôutra licam mais perto"'
E mâisi o individuo que náo descôbriu ainda quc esta ó a linâlidade dâ sua
existência, nem por isso ele deixa dc tender a ela intensamenie' Mesmo
diantc do sujeitír mais blrro. brutal e inconscienre qüe enista, só se dirá
que ele é humâno, píris üm sinâl disto vô-se nele' Alguma câpacidadc pelo
menos polencial de compreenaler eie tcm. Se cle não chega a crercê_la, nunca
se reconhece isto como umâ situaçáo teÍmindl, mas como unu imperfeição
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Por exemplo, o sujeito é um retardado mental. Ele nâo vai poder
chcgarâ ter conl você o nível dc comunicâçào âutoconsciente quevocô
lcm com uma outra pessoa de um nível de consciência simiiar ao seu.
Nlàs você reconhece que aquilo é uma imperfeiÇáo e náo a natureza
(1clc. Deve lalar: 'Deu errado '. Mas nem por ter dâdo errado virou olrira
roisâ. Você náo vai dizcr: "Não. esse aí é uln outro tipo dc coisa, esse
rá() é gentc. é um outro negócio"... Náo, elc continua sendo gente.
lllc parou no càpítulo 2, enquanto o outro chegou lá no capítulo
1.000. Houve uma imperlêiçào ou, con1o dirá Aristótcles, uma
Drivâçáo. Elc foi privado, como se diz artificialmente. de um potencial
.ujâ realizaçáo estâva na sua naiureza. Foi privado disso artilicialmen-
lc... porque é de forâ, porque náo é e]e. Ele continua sendo humâno, no
scntido de quc ele tende a isto.
[^]unâ: , as disposiçóes genéticÍls, psicoLóqicas, Ldnbén? (...))
Náo. Vejaquevocê estálàlandodo sujeiio que náo quer a sâbedoria.
q rando exisiem causas de orde psicológica ou moral, que sAo internas.
l\'las note bem que não eslá entrc as capacidêdes do ser humâno optar
loial ente pcla inconsciência. f,1e nAo con segue fâzcr isto. Podeâtéfazer
a apologia da inconsciência, mas el€ náo vai conseguir realizar isio.
No instânte mesmo em que €le cstiver enunciando, ele vai estar rcafir-
mando a sua humânidade de novo. Clâro que â própria cspecificâçáo, o
próprio esclarecimento do que é este carátcr distintivo do ser hunano,
isso nâo aparece pronto em Sócraics, Platào e Áristóleles, mas üm tal
csclârecimento atravcssa toda â História da Filosofia c é matéria de
prcocupaçáo até hoje.
[Aluno: Erl considero a süa colocaçdo sobre o enloque de
gue o filósoÍo é..- Íiu üejo uma busca do iilósofo, a busca da
sabedotitt- Q er dize\ não é uma Íhalidade d.e todos os seres
l!)
hunúnos- Como zlocê falou sao poücos os que estão despertos
Nâo, â capacklade para o conhecincnto é o traqo distintivo do scr
humano cm relâção a todos os denâis seres que existem Náo há outro
traço disiintivo.
Se exiíc êlgunm naturczn lro ser. eniáo essa nalllrcza busca se rcali
zar Quer dizer, todo ser busca a reâlização daquilo 
que é natural nelc e
esta busca é suâ própriâ natureza. Por cxemplo, nao cxistem leoes
vegctariânos. Agora, existen lcôes incapazes de digerir came Você
vai .tizcr: "Êsic leáo csiá clocnte". Ele náo viroü outra coisâ, ele não
virou uma vaca. Dle pode ficar táo lnâl que só consiga digerir outras
coisas. li possivel qlre o leào chcgue a cste ponto. mas vocô náo vai di
zcr que clc virou oulrâ coisa. Náo. elc está privado dâ possibilidade de
realizâr o qüc n€le é nâtural ncste momenio e l1lcsmo que pennaneça
assim até moúer, é porque bá algo dc errado con elc não porqü€ cle
nrurloü de nalureza. ELe não pasla a scr outrâ coisa' Eniáo, lnesmo que
o homcn1 não reâlizc islo - c esta realizaçâo é altamente complexa _'
mesmo que cle não cheguc sequcr aperceber que essa é suâ naturcza
rlistirliva. nresmo que cle pense outra coisa a respciio de simesmo isto
continuará scndo scu carátcr disiintivt)
Note bem: pam lonnular estc projeto destâ maüeira, náo cra rbso
lutamenic necessário que nem Sócrates, nclll Platáo, nem Àristótcles
tivesscm plena clareza alestc pon(o. É claÍo que não tinhan, porque eles
apenâs estavân enunciândo o comeqo da históriâ Mâs â cliscussáo do
quc é estc caiátel distintivo, e do que é eía caPacidade dc conhccer'
cla prcssegllc até hoic Na segünda nreiade dÔ século x)( criislem
clescoberlas imporianies â esse rcspeito' A iÍrpcrleiçâo e aló a nebu_
losidacle ioicial .lo projcto náo impedcm quc ele sciâ eralamenic tnl
conro cstai c1efinido. Agora. por excmplo, você pode neilar o proieto iá
com a obieção: "Não, o conhecer náo ó próprio da natureza humana'
2l)
nlit)ri() da naiureza humâna é làzer outru coisa". Você pode âté dizer
sn). O primeiro que dissesse isso entraria na História da Filosofia como
,) suiciio que eslá se opondo àquele projeto em nome de tais ou quais
razacs, c pode ser até que se chegasse a um ponio de esla pretensáLr
iili,sól'ica ser totâlnente impusnada.
lAnLno: (...) pot exenplo, biologicamenÍe podetia dizer que fiào sào,
ttlc.. íLe al\ut,l tnodo é a reptuduçào, e não o conhecinenta?l
Náo, porque â Íeproduçáo está presenie enl todas âs espécies âni'
llais, cniáo não sc podc dizcr qu€ ó um caráterdislintivo do ser humâno.
()s sapos nào se reproduzem, as vâcas, etc.? Entâo não pode ser esie o
Iosso carátcr disiintivo. Claro qlre se pode evidentenente tentar Drini
rnizâr cssc carátcr distintivo e dizer que ele está suboÍdinado â âlguma
outrâ atividade que o homem tem em comum com os animais. Nieizsche,
por exenrpb, cheg a dizer isso, o que para minl é uma estupidez lbra
do comuln. Ele diz quc a cssência do ser hu ano é a blrsca da conser
vaçaro da espécie... E eu digo: mas isto ó uma bobagcrn, porque todas
rs cspécies b!1sca u sua auloconservaçáo. Entâo porque teria quc scr
a nossal' É â cssôncia dos lcócs. das tariârugâs, das minhocas, de todos
nós coDro pârtícipes, todos nós. Se clc disscssc quc jsto é a essênciado
ser vivente, tudo ben1l Mas dizer que é â essênciê do ser humâno não
tcnr pó ncm cabcça. No cntânio, houve quem dissesse isso.
Você estará subnetendo esta finalidadc dhtintiva, cspccificamenie humana,
a u ma ouira nnalidade. que é de ordem animal, biológica. Você podcatólàzcr
lsso, mas náo vai poder negar que esre é o caráter dislintivo. Baseado nessa
ncgação, poderianos até lormularum oulro projcto: "Não, nosso negócio náo
é conhecer é reproduzir noí'. Ou poderiamos alcançâr a imortalidadc bioló-
glcâ. porexe plo, para não precisarmos nos Íeproduzir mais. Nós serianosa
últinugeraçáo e durariamos para scmprc Todas cssas propôsias alternaiivas
r\i\rd 
', 
n J. (lr.nru {iu u p"ujrrL lilu.ufiüu, ,ru J upo.i\áo.
2t
ÍAlüra: Etiste até prcietos en qLE co hecer se ía sÍot a enl
omtlt, camo ,e da fia t iat nlstio A\rin. por proce\\o\ fii\ttcaç' oote
se tua storfia en amat. (...) fui una co otaÇão de co hecer?)
Nós acabamos de diz€r: prineiro' existe o "amor à sabcdoía"'
Você ama a sabcaloria porque ale algum modo a sabedoria o ama Conlo
é que você sabe quc elà o ama? Porque ela sc dirige à você porque é
da sua naturezabuscá la. Ora, a sua natureza 1àz pafte da estrutura da
reâlidade coúo um todo, a qual é â própÍia sabedoria' Entáo' é como se
dissesse: "Foi a sabealoria que lez você desejála" ' Há ai evidentemente'
umaÍelaçáo ale amor Maistârde surgiráde faio estadiscussáo, que diz:
"olha. náo se trata da sâbedoria, trata-se do amor" Mas nós sempre
poalemos dizer: "Dom, sim, mâs un1 amor a qoê? Amor ao amor?"'
 discussáo desse ponto em pariiculat ocupará algun tempo na
Hisióriâ da Filosofia. Âgora, desale logo eu tenho que dcclarar qual ó a
minha posição em lace de tudo isso, para qüe nâo vá colocar os meus
valores e as minhâs escothas só no final. Creio qüe o proicto lilosófico
sobrcvive. está intciro, e que nada o derrubará nadâ Mais tenlativas
qlre houve ao longo desses 2400 ânos náo é possível' Todas âs ouiras
aiternativas iá lbram teniâalas. Aquilo que conservâ a suâ vâlidade 
in_
tegral, creio que todos os demais proietos, mesmo de ordem rcligiosa'
só poden scr validados por ele. E acredito que ele é um componente
essencial c que é â própriâ manifestaçáo essencial da natureza humana'
Isso é o que aventamos Eu náo posso dar uma provâ iotâl disso' eu
posso dar argumentos de ordem probabilística, provar que esta é' das
alternalivas, a mais provável Mas eu tenho imprcssáo de que aprópria
nârrativa da HistóÍia da Filosofia lhes mostrará isso'
Entáo temos ümâ polaridade aíi há, por um lado' o sábio e por
outto, o filósoio. O filósofo é aquele que náo é sábio, lnas quc tendc âo
sábio: e o sábio é aquele que não é filósoio, mas que busca o filósoio'
A pârtir dali vamos ter uma outra subdivisáo, uma olltra polaridade'
ZZ
(trc a a dos métodos investigativos, por um lado - que sáo os méiodos
voltâdos para o objeto do conhecimento -, e, por outro, os métodos
clicos, práticos, pedagógicos, eic., que sevoltam para o próprio sujeito
(k, conhecimento, pâra o próprio filósolb. Então, por um lâdo, você
ilvcstiga como se deve investigar, como se busca o conhecimento. e,
tn)f outro lado, pergunta-se: "O .lue eu preciso ser na prática parâ eu
scrcapâz deobicra sabedoria?". Alónl dessas duas polaridades entte
stibio e lilósaÍo,entremélodos inaestiAt tiaos e métoilosptáticos exi'ste
anra outra. que é a da aptoxifiação ot] atastafienlo em relaçâo âo
pÍojcro filosófico.
Formamos cntáo ai uma cruz de seis pontas, everemos que em toda
nârrativâ dâ História da Filosofia, em cada momeito, exisic uma
colocaçáo diferente dessa cruz. mas sempre iogando com os mesmos
làtores. Isto nos l'ornece uma tipologia gerâl na qual se enquadram
/odds as filosofias e lodas as correnles de pcnsamento que vamos
cstudâr. Em cadaumadeias, háuma imagcm do sábio. Queó o sábio?
o sábio é a inteligência imanente à realidade como um todo, â inteli
gôncia qüe exisic nâ reâlidade. Ela náo está em nós; ao contrário, nó5 é
que estamos nelai somos um dos seus elemcntos. En1áLr cada filosofiâ
icrá umâ inagem do sábio e, portanto, uma concepçáo do qüc deve ser
ofilósofo. Em razáo disso, elaterá uma imagemdequais são osmétodos
investigativos, por isso terá rcpercussôes de ordcm psicológica, ética,
pedagógica, etc. E ludo isto dando um posicionamento mais próximo
ou mais distante do proieto filosófico originário. Ou seia, as filosofiâ§
podenr ser catalogadâs tipologicamcnte em lunçáo desses seis lãtoÍes,
conforme o posicionamento que se tem em cada uma delas. Daídecorrc
por implicação, consciente ou inconsciente, implísita ou explícitâ, umâ
diierente modulaçáo de cadâ um dos outros cinco latores.
Em Aristóteles existe umatipologia das narrativas possiveis, que se
rclcrc sobretudoa narrativas ficcionais: lendas, teatro. etc. E ele faz uma
2J
calalogaçáo.lâs narrat;vas conlorlne o ê,rau de podcrd{) scu pers'magenr'
Qllal ó o personagenr mâis potlcroso q uc cxistcl) É rnn 
rlcu§. ou scnideus,
ulra criâlLlra divina. qu€ podc lüdo. Enlao. sc vocô conlà a hislória cle
lúpiler, ou a lrist(.)ria.lc ]csu§ Cristo, oü a históÍiâ do Buda' vocô está
lalarrdo de um dells. Pouco imporla sc teologicamentc ern üm deus au-
tôntico ou irlventaclo:ê narrâtiva sc reiere aclc c()noâ u rdcus tintào
â llistória será o quê? A sucessivâ manifcstaç,rô dc slra onipotôncia quc
esiá cscondida, cle inioio A isso üm intérprctcl:le Aristótelcs o críiico
cânadcnsc NorthÍop }iyc, c)enaÂi]na üanatita t íÍic't'
Abâixo da narraliva milicâ cxiste o qLlc ele chânlrt dc nuüdtiaa lett
.lãr'ld, qne já não terr conrc pcrsonâgcn unr dcus ou scmideÜs, mís Llnr
scr hurnaro que, por tllrr moiivo qualquer, tcm uma ligâção inljr â com
deus ou conr os dcuses. ou 0oÍr o que eíá pâra o lado de lá' Ele, dc âlilun'
nrorlo. se comunlcu c rccebe uma âjüda lslo faz que, no scu conironio
.onr o lrundo. êlcnáo Ienha a vjióÍiâ a ,rlÍ)ri qut cst,r âsscilurrdâ a um
cleus o nmndo paru elc (Ícrccc rcsislência. .tilicllldâde, conlo Para quÀl
qu€r outro scr hurnâno. só qrc cle vencc poryuc haL uma inlervcnçáo dc
urn ldlor supra hunrano tbr crcmPlo. a hisiória de Mois'rs Sc Dcus losse
alravcssar o NIar Vemrclho, isso náo sêria nenh rn problcma porqtre elc
irr esiârla:rirâ\cssa.lo. Deu$ cstá do lâdo (le cá c iá está do lado de lá' ao
ürcsmo terrpo. então náo scria problcfla âlguln Pam Nloisés isso iá cra
um pmblcnra, rras ele o rcsolve por quê? Porqir€ Muve !llna irlêNcnçio
de rm poder que era superior ao delc, nrâs que cm simpárico a clc' l§so sc
th.n1â a»atiüa L?.t1d airi{L
Aháixr) Llessc eristc um lerLciro lipo dc narrativa, enr quc o hcrói já
nao ó assisrido por podcres.livino! ou angélicos, Inas às vezes conseguc
ürrdâr o tlcstino porqlre é uma pcssoa de gran.le quali'hdc o! icnl
qualjdâdc lisica (é nluiro li)rie), ou qualidade moral (é Inüito coraioso)'
oü ó nllrilo nobre. No rninimo lem muilo dinheiro Tcm quc ser LIInâ
pcssoâ espccial t r algurn molivo. Gerâhncnic, isio ó simbolizâdo ro
21
, r r,r. potcrcrnplo, pelolatodequesíoreis, prírcipcs, nobrcs, cornan
L,rrs nrilitârcs, proictas, âlgo assim (..). lile iambém tem um podcr
,,r,is (lo que os outros, nâo por üma âssistônciâ cxplícita de poderes
, ,\r !)s. rras por sua quitlidâde superior à normâI. A isio fryc chalra de
)\'t]rtr it itotizra ?leaado, fianaliTra ünilaLita eleüada-
( ) (tuarlo lipo de narrativa ó o quc tcnr conro personagem um cle
,1's uDra pessoa qlre na(] é melhor neln pior quc os ouiros, quc teÍ)
,- trrlcrcs normâis de um ser h nrÂno. que enfrenta as situaçócs
firr(lo a süa própria râzaro, sua invcntividadc, tudo dêniro dos
l, Iiics n.rJDais da mediocridade irunüna. lsto sc chama gé,?e/.)
trIi1(tito bditto. Os dois sào imitaiivos porque se baseian nâ rcâlidâclc
rLrrana observável. SabeDlos. por cxcmpb, quc cxisicrlr pessoas que
!ir() Iiüi1o nrais corajosas que outras. ou quc sc tornam corajosas cnr
icrlos rromcnios, mas sâbcnros que, enr geral, ráo sonos assin. As
t Lrrs coisês são reâis ncssc scntido, c, por isso. csscs dois gêneros sáo
.lrr]lrâdos imitativos.
lrinâlnlcntc, âo quinto tipo de na.r,rljva y\je charl.t da natrutiua
,1,ii.ll, âqucla na qlral o pcrsonagcm cstá ahaixo da situaçALr. l,lle nAo
l.rr .âtâcidade pâÍa lidÂr corr a siiuaçâo.
llcpctir(lo: na twnti\a m/l;lra o herói é um deus. portanto, ele ó o
(l(n1o dâ situaçâo; nâ ndrdtiaa lendária, oltctói se sobrepóe à situaqáo
.orn â ajuda de lãiorcs ou lirrças divinas; no tercciro tipo, drralnrd
iltilatira eLeaatla, elc luta conr a siluêçao, podendo vcncer pois é
rrra criatura nobrc c qualificâdâ, ou podendo ser derrolado, o que nâo
(, dcsqualilicai no qu.Lrto lipo de narmtiva. ir?lrdriaa baixa. o srielta
Lrs vczcs pcrdc c às vczcs gânha. poque iem sorte ou tem aza! conn)
tr)do! nós; e no quinto tipo, tntratim iúnica, o süjeito está delirili-
varnenle abilixo dâ situaçáo, nto comprecndc a situação, ou porque é
nruito burro. ou docntc, ou muito poble, olr nruito joven ele tenl âlgo
n ruenos, conlo. porexcmplo, cm O.Í,rocerso, dc Kâfkâ.r A caÍacteri§ tica
I ntrr TGFKA. opn,.,so s,io I r,). (rix i;i;ià\, r00r
é a narrativa irônica, porquc o sujcito náo enicnde lhufas do quc es1á
Porqueeucileiisto aqui? Porque os modclos denarrativâs ficcionais
sáo os modcLos dc vida possivcis. As naÍrativas que podemos invcntàr
sÀouma cspécic de rcsunro dâs que podemos viver Isso quer dizer 
quc'
hisnlricamente. nós ianrbóm eÍrconlrarenros esses circo enredos E se
vâ os considerar âs lilosofias náo como estrutur⧠doutrinais prontas'
mas conroaçõcs hümanasque sedesenvolvem no tcmpo_buscândo orr
reâlizar ou nnpugnar oü substituir um projeto originário-, cada caPítulo'
.rà.1â fillrsofiâ. a narrativa dos cslorÇos de cada filósofo para làzeÍ o que
êlc quer fazer também esiá inclüida dentro dessâ tipologia'
No que essesmodelos, esses iipos dc filosofia se disi 
jnguiráo conlorme
eÍa escala? Em prinreiríssimo iugar, ienr-se âs filosofiâs que sâo direta
ncnte Llmâ ej{pressáo ala sabcdoria' ou quc se eniend€m co otais Enlio'
é evidcnie. tcm se aí doutrinas de tipo ou oraculâr ou proiético Deus
talou pela bocadofilósofo. Dm segundo lLrgal iem-sedoutrinas que 
já náo
l\Irnol Existe lelaçao entre amot à sabedoría e a lot a Deus?)
A sabedoria é o próprio lleüs. Você pode châmá la de Dcu§ ou
charná-la Sâbedoria, dá na nesma Quer dizcr, raciocinando teologica'
rnenre \ occ dir â quí e Dcus. ma' nao preci'u 'eÍ a'sim' Du'qlrc \ occ e*li
se alirjgindo à mesmâ coisa. Se o seu pcnsamento pessoâl lonar unra
direçáo religiosa em uma orientação crista, ctc , vocé dirá' senâo você
náo se lcnbrará de dizer isso mas náo vai fazer a minima difêrenÇa'
porque é à mesma sâbedoria que vocô está se dirigindo' Eu também
acho que náoten muiio sentidovocê dar Lrmâ intcrpretaçâo rctroaiiva_
mente ctistã âo pensamenio de Platào ou Aristóteles' Eles ccrtanrente
tôm pontos rlc coniato, mas náo era isso qlre eles cslavanl buscando'
eles ncm §abiam que existia cristianismo! lsso estava totalmente forâ
,1, ,riLrr.k) conscicntcs deles. Se hLruve âlguma coisa muito imporianie
,1,r, s(, vcio a ser revelada d€pois, airavés do cristianismo, esiá ccúo,
,,,,,). isso pode sermuito importanie. EpodeseÍquePlatãoc,Àristóteles
, ,rrvirnr indo mais ou rnenos nessâ direção, mâs o fato é que eies náo
.l)irrn o que iâm encontrar lá.
Ilisloricamente falando, nós nào conhecernos ncnhum cxemptâr
,1,. lll)sdia que sciâ assin. n1âs enlender os quc a umâ possibilidade
,,qrca. quc sc ê filosolia lbsse â lrâi]scriçáo direia da sàbcdoriâ, tosse
,r, rx) rrna revelação, cla scria cxâtânen1e isso, seria a filosofiâ miiica
r0s lcnnos do lryc.
Sú se vocô a considcrar como lilosofia. Se cncarâdas como iil0sofia,
r! douirinâs rcvcladas seriam isso. Mas c o que náo eslá nas Lscrituras
c\,l:lâdas. mas que Deus sabc? Um pouquinho não podc apareccr âqui
,,u âli? Por exenrplo, quando Flertz descobrc sua cquaEâo, o que ele
{bscobÍiLr scnão o conteúdo que Deus colocou lá? Quer dizeÍ que. sc
li(u1,cssc unl sistemn lilosófico quc lbsse â próprià voz de Deus, â pró-
t)ria SabedoÍia. elc corresponderià ao que nós charnamos de rrl/aliza.§
,rilicas, mâs historicamente não há ncnhun exenplar. Quando nrâis
1àrdc chcgannos nâ Escolástica, em que a filosola se colocará como
lxpressào da doutrina rcvelada, lerenros quâse isso, mâs ainda assiú
ú imperfeito. porque nerhun lilósofo quc sc preze 1ãrá contusao entrc
o quc clc cstá descobrindo pelo mótodo filosófico e o que Ioi Dcus quc
rcveloujá porescrilo. Náoé possivelqueurn süicirc, cor{unda unra coisà
dessas. Em segundo lugar, você terá o quc vamos chamar as liloso/ids
lel,dárrrs. Sáo âqlrelas nas quais o filósofo teve uma âproximaçáo tão
grande da sabedoria quc algo delâ apàrece já dircto na suâ filosofia e
esle é exatamcnte o curso de Sócrates. Plâtáo e Àristi)ieles. Eles csrão
Irurro pro\irnu. Jind, Je urna \r.audr."b.J,,riJ qrri c.nrn,,'cqui,\
?'1
a estlvcssem tocanclo pclo nrenos elcs próprios sc eniendiam âssim'
e os que o cercavam também.
PlalAo. pírrexemplo, tinha plena consciênciâ de possuir em si ccrtos
conhecinentos que e]€ nrcsmo náo conseguiria expiicar, muilo menos
escrcver. Daí o tâmoso cnsinâmento orâl Ele dizr "lsto é una pale do
nosso conhecimenlo, que náo é possivelvocê Ícgisirar poÍ cscrito' que
só vai poder pâssar quâse que pclâ prcsença físicâ do filósolb" E dizia
ele que essa é justamente a parte mais valiosâ quc o iaz ser um filósofo'
Isto quer dizer que esie iipo de tilosofia. a que nós 
(iâmarenos lendária'
tem um ceÍio laclo que pode)nos âlé chamâr iniciáiico' c seu ensiro ó
Lrnrâ transmissao direta de âlgo que cstá parâ além clo quc se diz Êniáo'
.ônscientemente. o filósolo que está nessa lãixa âdmitc quc há unrapârl€
alo qüe ele vai trânsmitirque não pode scrregistrâda porescrito, c que dc
algum modo 5e transm itirá aos seus discípüloscomo rm iipodeimpregnâ
çáo mistedosa, mas que de fato existe ("') Ài s' enlendeentáo 
o ensiro'
o apÍcndizâdo da filosofia ürnro uma cxperiôf ia humana real'
l\.l::nt): lsso aí ãa patLe let rclaçaio con a atle também?)
Eunáo creio que aarie faciliteisso. Se o sujeito disscr "Não' eu nao
.ou cjrpa/ dr. {DliLia I rr' e-'uu lacu rrrra ubra Jt rrlc" JiLÔ'S( vu'<
iez r rniâ obrâ de arle, você cxpressou âquilo de algurn moLlo"' Mâs cstolr
talando dealgo que nao pode ser exicriorizado mâicrialmcn te nem sob
formâ de douiÍinâ, nem de alte, ncm de coisa ncnhllma' mâs que cstá
no próprio Illósoto. que você ten que "pcgar" 'liretâmenle 
dele'
|Alltna Na conriaê cia'?)
Na conv ivôncia. 'Ibclos eles atlmitiâm que isto ex istia eóu râcoisâ
rtr .rb!rro\n, Dra,:.. J,J-i rabcno\rlrr'45fr'sur\nn\rrons ni'\m
âlgo nrais além do quc elas alizem e que às vezes o nrclhor nâo chcsou
a ser dito e. no entanto. €stava 1á.
lilLtno Plaííno se e tuituria beLL nisso?)
Ccrlamente. Clarc.
l\lüt1o: i as qual a diÍerc ça entuo dissa paru u etpetiência místictl?
^ 
ciperiência isiicacsiará colocadadenlro dc umâspecto discipli
fir religioso explicito, mâs essà é unra diltrcnÇâmâis ou menos âcidcn'
.. I .c.rrrrd"ria..\ii,.rn'J(rlô\ca\ô\ rJU\ 'Ln rgui
lrzcr a distinção, mas cu crcio que. na medida c r quc ó possível 1âzê la,
l (listinçáo sc tornará mâis clara co o dccorrü da próPria lrârrâtiva.
\'1)cês nrncâ csqueçân o seguintc: sc começaDos a coniar a História
dr Filosotiâ como a históriâ dc um projeto, enlao âprópriâ filosolirnao
rpareceu prcntâ c o próprio proierc náo aparcceu pronto. porquc clc
solreü nruiias rnodificaçóes ao lorgo do tempo. llntAo, evklcntcmcnte,
l)odcmos lãzer. com relâçáo ao proieto orjginário hisioricamente consi
dcrrdo, perguotâs que só se âplicam ao proieto depois de 2400 âros.
llssâ pcrgunta: Ah. nrÀs e a mislicâ?. isto ntro é Lrm problcnlâ platô
nico. nen1 socrático, é um problema que surge lnrito dcpois O projelo,
na sua foinrtrlaçáo originá a, não levâvâ em contacssâs disiircóes. não
iinha isto como unl problenra dclc. Nós lãzemos estâ pergunta depois.
c cvidenteüente, ela náo pode ser respondidâ pclo proieto o ginário,
porque só su€€ no dccorrer da nàrr;itiva. Entáo. cu digo: "llo . o co-
rneÇodâfilosofiaénnriloenigmático.cvidentemente' Scocomcçonáo
fossc enismárico, erÍáo os problenlas iá lirhânr vi|do iodos resolvidos,
c nào haveria História da Filosoliâ nenhumâl
Lrltáo, a filosofia surg. como urn projcto, Lrm desejo, umâ ambiçàt,
hunân.r. Ii eviclenrc quc cla nâo é â únicâ mancirâ de reâ]izú essa am-
biçtro. [xistcm outras maneiras âlt€rnativâs que às vezes sâo opostas,
às vczcs sáo apârcnLaLiâs, às vczcs sáo conliguas, às vezcs sc misturân
com ela e é iustâmcnte â hislória clisto quc nars estanros corrtando.
Por isso rrcsmo o projelo nao podc cstar lodo explicitado iá no scu
29
pdinciro capitulo. Eeü cstou cnunciando essatipologiacomo unlâ espócie
de índice do quc v.rmos contar nais iaÍde'
Ênr seguida, existe um oúro tipo cle tilosofia que seriâ' seguiido a
n omenclâiura. , flosoía initatiÜa eLeí)ada ' O klósoio iá ião tel mâis
aquelâ proximidâcle ou aquete dcsejo Íltenso numâ sabedoria visia
ou entrevisia cüno unr objeto de conquistâ próximo nlas' por suâ
qualidâde, cle se aproxina dcla. Depois. tenos un tipo de filosofia
que já náo tem lnais referôncia à sâbedoria, mas que é a discussáo de
problcnüs nossos alc lodo dia. E temos üma lilosofia que é a reflexáo
sobrc slra própria incapacidade, a rellexão da própriâ irnpotência
cognitiva. Isso existiu em todâs as épocas, porém, historicamcnte'
ao longo cle nossa narrativâ, vcremos que os rnodelos mais baixos de
filosofia alcançaram u m certo presiígio nos últimos doG séculos' e tcn
dem ale ccrto nrodo â dar o tom da época, e borâ os outÍos tipos nAo
clesapareça r. Ou scja, náopodcmos dizer quc existc umâ linlúunilbrme
quevai desd€ a filosoliamítica cdalendáriaâté airônica' nao Háépocâ
e n quc tcrrru' lndr. iun.JJ. eouiJ enr qrrc pr\ uonrnJ u Inu' epo' à em que
predomina outra. mas se nós virrnos náo a Hist(itiâ da Filosofia mas â
Hisiória clâ cultüra e geral, isto é, do que as pcssoâs falan, verernos
quc da prclêrência das éplrcâs às vezes existe um desiaque mâior parâ
uma ou parâ outrâ, embora âs outras continll'm existindo'
Esie, entáo. é o sentido que Sócrâtes, Platáo e Arisióteies viam na
sentença dc Pitágoras e nâ autodefiniçào dc Piiágoras como "amigo da
sabedoÍia'. 'âmênte da sâbcdotiâ". Quândo chegaÍ no últino grau'
poderá havcrâreiciçio da sabedoria. poderá haver a negâçáo dc que cLâ
existe, e poderí hâver a lula dc vida c morte contra ela' SeÍia a lorma
tc nmaontútn-Úho I's(â"rrrrro' rrJladÚ' pore\errplo pur Flrcnne
Soutiau. em um livro que s. chama I :Azrení de la philosoph ie'1 (o ll.ttúto
da filosofia, o porvir clâ filosofia) É o último livro do Étienne Souriau'
que lbi prolêssor aqui no Brtil. É lm bjtlslmo liv't E-i""bé"
-i 
i.."í-sot'nr,rrl, r,r,-ird. // rÀilos'P'rit Paris oaLimàrl lqs2
30
livro clo Julián Marías, um dos últimos que eLe escrevcu. que se cirâma
Ikzõn de Ia tilosolía.j Sâo livrus que iá trataln dâ ântifilosofia como
Lirn clemento cultural existente Õo nosso meio. Clarlr que existiram an-
liiilosolias êm outrâs épocas, mas dificilmente corn a amplitude e conr
o prcstigio de qlre gozam hoie.
Entaro, opdneiro componentedo proieto socrático é esse fato de que
S(')crates assumcaautodeÍinição pitagóricade "anante da sabedo a", mas
((rn isio nós âinda náo delineamos totalmenie o projeto. que tem uma
sóÍic de outrâs caracterÍsticâs. Para compreendêlas, temos quc entender
rlue esteprojeto surge náodoar, nàoporque SócÍares cntendeu que sim,
porqlre deu na câbeça dele dc fazer isto... Apârcccu em respostâ a uma
situâçáo humaüa bem definida que podc ser descritâ pclos elemenlos
Em píimciro lugar. temos a deconposiçào da rcliliao qrcEa
tradicíotlal ra época de Platào. platao se queixâva de que, naquela
ópoca, eles já náo cntendiam as narrativas aniigas, iá nâo eniendiam
llomero. Homcro iá nao era fo6tc origináriada rcvelaçáo, foi um suicito
que simplesmente registrou por escrito certos elemenios mÍticos que
vinham de muito longe. Então, Platáo sequeixavade que esses esctitos iá
tinhamperdido asignificaçáo, que âs pessoas náo conseguiam atualizá'
los, apreender o sentido deles.
Com a decomposiçáo da religião grega, surg€m vários fenômenos.
Uln deles é a poesia líricâ, que hoje está reunida na chamaÁa Antologia
Crega. A poesia lírica é de expressáo individual, em que existe uma
teniaiiva, da pârte de certos individuos, de captar certas realidades que
cstáo para além do sensível e dc algum modo registrá las por escrilo
atrâvés da linguagem poética. Entâo surge aí a poesia lírica como ex-
pressáo individual, o quc nâo era o caso da poesia antiga de llomero.
Homero fazia aindâ umâ poesia pedagógica para uso da coletividade,
cra um patrimônio da coletividâde. Qlrando surge a poesia lirica, isso
rlúlián M^Ri^s.rüzó deld ÉL,so/i, Madd, 
^lirnzâ 
f,diloria] 199, 
:ll
quer dizer que esse senso da participaçáo coletiva num dcsiino mítico
já haviâ dcsaparecido, já havia se deslêito. Pârece entào que as únicas
possibilidâdes de reencontrar um sentido místico da exisiência estáo
agora recolhidas à intiúridade dos individuos, quer dizet a colctividâde
pcrdcu issodevista, mas alguns indivíduos podenemcertos momentos
tercertas percepçóes deum sentidodâ existéncia que eles tentam entáo
expor poeticaúente.
[Àluno:.4 leogonia de Hesíodo se eficaiw efi quaL?)
Na primeira: a Teogorla iambém é um pocma pcdagógico para uso
dâcoleiividâdc. Falandodapocsialírica-Simônides,SaÍo...,ospoetâs
expressam â súa experiência interior Náo esiáo lalando enr nome de
ulna coleiividade. não falam parâ a coletividadc. Falam apcnas para o
círculo deles.
O se*u do íenômena rclere se a seitâs mâis ou menos esotéricas e mís-
ticaque procuram tambénr em círculos pequenos recncontrâr algum tipo
de visão ou de experiência do scntido da vida, mâs náo num nível válido
coletivamenie; válido só pârâ eles, só pêra quem lizesse parie da seiia.
O lerceiroeLeüento eÍa que eles já tinham alguns séculos de
práiicâ da retórica, uma artc muito desenvolvida iá no tempo de
Sócrates. 
^ 
retórica criavâ os meios de expressáo verbal, de nodo que
as pessoas pudessem dizeÍ o que pensavam - e dizendo que pcnsavam
criavâm a possibilidâdc dc umâ intercomunicaçào. No entanto, a retó-
Í ca \o sc prPocrpu\a rí"lqrenl( rum r c\pr(r.ru. e cum r e\pre.§-o
per§uasiva. Ora, se náo há expressao e náo há exprcssáo persüasiva.
cntáo náo há ncm mcsmo a possibilidade da discussâol Mas con1 todos
os instrumentos literários e oratórios persuasivos ciados porséculos de
práticâ dâ Íelórica, o que aconlecia? Acontecia que, havendo a decom-
posiçào da unidade religiosa, mítica do povo, havia, ao mesmo tempo,
os insirumentos lingaiísticos prontos para que nilhares de experiências
rrlrviduais otl grupais independentes se expressassem e entrassem em
,,rrli1)nto umas com as outras. Se houvesse uma perdâ de unidâde
t\so é lundamentaL do sentido da vida sem o concomitante desen
volvirreniodos instrumentosexpressivos, entãoessaperdâseriavivida
r|lcnas colno umâ desorientàçào e cegueirâ, e seria vividâ quase que
i,l(r)nscientemente, náo sendo possível a discussáo pública em torno
(lcl . É o que acontcce no Brasil hoje.
^ 
dilêrençâ entre nós e os gregos da época de Sócrates é essa. Náo
L' (Jeti\dmenre. o. in§lrumenlos !erbJr\ de e\pres\xo: i. pe\\oa.
Itio conscguem dizcro que estão vendo, o que esiáo sentindo. Quando
t)rl)curâm se expressar de algum modo, náo tendo instrumcntos para
(lizcr de faio o que estáo vivenciando, usam estercóiipos aprendidos e
ncabam dizendo outrâ coisa. Entáo ráo é possível a discussão pública.
N4 as na época de Sócrates havia a concomitância dcsscs dois fâtorcs, q ue
.onvidavam de certo modo ao surgimentodo projeto filosófico, porque,
tx)r um lado, havia umâ grande confusáo e desorientação, a perda do
scntido de unidade, c, por outro iado, havia uma imensa capacidade
vcrbâl pública. Entáo está tudo ârmado para que se possâ montar uma
d iscussáo, porque cada unr está pensândo em um negócio completamente
difcrente, e eles sào capazes dc dizer o quc csiáo pcnsando.
ÍAlrno: O que se eúgia eru só o petÍeiÍo dofiínio do idioma?l
Domínio do idioma? Veia, cssa exprcssão é um problema gra-
ve, porque, às vezes, quando a gente làla "domínio do idioma",
n gente pressupÕe que o idioma existe, e que ele está aí pronto,
l'ora de nós, e que só nos resta adquiri-lo. Bom, às vezcs isto
acontece, às vezes não. O idioma não tem que ser adquirido, tem
que ser montado. Tenros que criar as maneiÍas de dizer Depois
disso aquilo se incorpora de algum modo ao patrimônio escrito,
ao patrimôrio coletivo, entâo pensamos "âdquirir" o domínio do
I
iclioma. Acoitcce que o idioma, em certos monrcntos, não tem
meios de dizer certas coisas, alguém tem que inventar'
Existem, por exemplo, esses lâmosos inveniÔrts de idionas cono
Lutero, quc inventa a língua âlemá. A lílrguâ alemá até aquela épocâ sÓ
servia pârâ lalar con cavalo Ele cdao idiomâ no qual s€ podcialar com
gentci permite que suria umâ discussão em alemão' Mesmo âssim leva
alguns séculos parâ que cstâ lÍrguê sejâ apdmorada' Tcnl gentc que diz
que só se podc fillrsofar em alcmáo... lsso é uma bobageml Sc as pessoâs
só pualessem filosofar em alemáo náo teria havido filosofia até o século
xlx. porque a 1íngua alcmá só se tornâ câpaz de exprcssâo filosóIica a
pariirdaí. Aió o séculoXVIII, Lejbniz escrcvia em lâiin efÍâncês, pois o
alemâo nãotinhâ os truqucs necessários pâra dizcrcertas coisas Enláo'
nào se iraiâ do don1tuio do idiomâ, itata-se dâ cxisléncia do idioma'
O idioúapoalenão só estarpoüco desenvolvido. mâs també tcrse
perdido. A línglraclecai As pessoas eram capaTcs de dizcr certas coisas
e, na geração seguinte, nào sáo nais. Tudo aquilo qüe você náo é capaz
o( J:lcÍ \ uce peruebc num k lân(( e ao -:lo ! ar cn,hor". O ou,'voca nio
cliz você náofixa. Entáo, nesmo quevlrcêtenhâ percebido, náo adiântâ
nada, porque você perdeu no instante seguinte' E âquilo náo podc se
transformar cm Lrbjeto de discussão pública.
l^úno: É pot issa (lue aqui o Brcsil a discutso jú está ( ")?l
o que esiá acontecendo agora náo é perdâ de idio a,ósuadccom
posiÇào As pessoas não consegucn diz€r, e como elas náo conseguem
alizeÍ o que cstáo sentindo, o que estâo expeúnentândo, o que cstáo
vendo.elasalizemoutrâscoisas,üsamesquemâsantigos,estereotipâdos'
que só lhcs permitem dizer coisas pâdroniz.rdâs
l\]|{lna: O se hot esltí {luercndo se rcleú lambéll1à possibilídade
de eles terefi enco lrudo i Le ocülorcs? Na caso de Sóctales"')
34
Nâo, você não tenl intetlocutor Clâro, pâra você ter um interlo-
cutor, é preciso que vocô scia câpaz de dizcr e o outro seja capaz de
(ompreender. Mas sc você perde a capâcidade de dizcr, nâ geraçáo
scguinte tanlbém já nào ten mâis quem compÍeenda.
Um cxemplo: no Clübc Nâval, eu oüvi a conversa entre dois oiiciais
supcriores, um dizcndo aooutrc qu(rdcvíamos mudâr o Hino Nacionâl,
porque nao o cntendia. Prestcm atenção, ele náo dizia que náo com-
preeldia e por isso tinha que se nrudâr. Não. tinha que rnudar o Hino
Nâcionàl poquc cle náo o enlendia. Era um coroncl dizendo âquiLo
par'âo outro, c o outro nãoâchando nada esiÍanho nisso. Mas. escuteni.
o Hino Nacional é o qüc incopora todos csses valores de patriotismo
c tal que ele está aí pârâ delendô-losl lsso quer dizcr qlre o sujeiio iá
cntrou no intcligivel, no ineÍprcssável. Entáo pcrgunto:comoóquc ele.
por excmplo, expressaria os valores pâtrióticos que pÍofissionalmeDte
rcpresenta? Elc já nâo tem nais como expressálos. Pode expressar_sc.
turr\e,rp,o.icàndobra\o. I urnJmr 'errâJ\ c\pr(t\r' u rra marcirí
rudimentar evidenlemcnic.
Então, de lâto, náo há nenhüffa discussáo pública no Brasil. Aq i,
só é possívcl duas discussócs: a económica c a eleitoral Na discussáo
cconômicâ, todo mündo sâbe que está ruim e ninguém sabc o porquêi
na discussAo eleitoral, resolve se votando nesse e náo naquele. Esse é o
tipo de discussâo n1êis elenentar possível. Qüando a discussáo pública
baixou para esse nível - sc tudovirou ou umareclâmaçáo. porquen,ro se
cstá ganhândo tânto dinireiro quanto sc queria, c,u llma simples concor
Í( nJid c., i.ô'al . (. .l r rnrcligcricra humJnlr bdi\ou DaÍr 'ua cÍprc\'àu
ü.ris simples, e parâ rcsgatâ! em ce{âs circunstâncias, a possibilidade
dc umadiscussáo intcligente. conscicnte. isso dátrabalho. Por exelnplo,
âquinóspodcmos lãzerisso. Hojcpodemos. Hoic eu creio qu e e possivel
umadiscussáointeligcnte entr€ umâsquatroou cinco mil pessoas nesÍe
pais. Quem lez isto? Foiesleqüevosfalâ. E1t ctiei estc contexlo, e lcvou"i
trinlâ anos para se criar um contcxto social no qual fossc possível falar
de ccrtâs coisas e as pessoas entenderem do que estáo l:iando.
É inteiramente absurdo você achar que eiisia possibilidade de uma
discussão inieligente no meio acadêmico. Náo há. No eio acadêmico, um
suicito escreve c o outro náo entende o que ele esiá dizendo E cle mesmo
no dia seguinte já náo entcnde mais. Ou, cntáo, podc às vezes sc pegarnuma
tenninologia nruiio estrita que se refirâ à Lr cÍcul{r nuito deteminado de
coisas, e ali naq uele pontnlho cles se entendcm Ma§ Llma discussão intcligente
sobre assuntos de intercsse mais geral, isso simplcsmente nao é possível.
l{luno: É cttmo no caso àos lnilitarcs, que licou ufia coisa cor-
Sim, mas ali náo tem nem a expressáo corporativisia, o suieito náíl
entcnde o Hino Nacional, que é o hino dâ própria coryoÍaÇáo dele
Nenl esse cle eniendc. nen1 mais a corporâção é câpaz dc conversarl
( . ). Bom, mas essa é â situaçáo atuâ], náo cssa história que nós vamos
conta! que é â história mais complicada.
ELr disse que havia â deconrposiçáo dr rcligião grega, o surgimento
da pocsiâlírica, o surgimenio dâs seitas e ô desenvolvimenlo da retóricâ.
Sáo quatro fatores. Êxistc nm quinto fator que scrá decisivo, que é o
altíssimo dcsenvolvimcnto que estavâ sendo alcançàdo pcla ciência
geomótrica. A ciência geo étrica dava à culiurâ daópocâ a cericza de
quc era possivcl obter um conhecinento certo. exâto e delnonstrável a
rc.p('lo dc êlSurni, co sa cmburr e.)a coi.a lo*c poucu. purscrarn Jpenâs
llgurâs geométdcas. Sócrates cntra em cena,ustamente ncstâ hora, c ele
affisca apossibilidade de que aquiloquc se eíavâiazendí] em gconetria
talvez se pudesse fazer em outros sctores do conhecimento. E se era
possívcl lãzer isto, tâlvez lossc possível responder àquclas milhârcs de
indagaçóes que esiavam srrgindo âccrca dâ decomposição dâ religiáo
grega e da proliteraÇáo dos discursos retótico.
Eniáo. o primeiro componente do proieto socrático é â absorçáo dâ
dcfinição pitagórica compreendida talcomo cu lhes expliquci;o segurdo
componentc é a âpostâ na possibilidade do conhecirnenio demonsiÍativo
apodlctico cientí6co como resposta às questões culturâis do âmbicnte;
o terceiro componente é quc, se há umâ situaçào na qual a unidade da
consciência sociâl coletiva iá se desfcz, entáo a iniciativa iá náo está
Irâis nas máos dâ sociedade e dos seus reprcscntântes oficiais, nas
rras máos de indivíduos isolados que queirâm se apresentar para lenlar
rr.n \croprublrrnd l-.oqu(rdr/erqucSo(rare. aopruDur."o".'urnir
â idcntidâde de "amante dâ sabcdoria" e aoapostar nâ possibilidade da
cx isiência de um conhecim€nio apodictico dcmonstrativo â respeito dos
assunios de discllssão gerâl asslrme a identidade do individuo que sabe
algo que os olrtros não sabem. E esse é üm componenie Íundamental.
l|l\rno: Ele sabe ou acrc.dila? você falou que é uma aposla na
possíbitida()e de explicat essa outr.t patLe do conhecifiento assi l
cjmo a geomettiÍl 1
Se ele somente âposiasse nisso e náo descobrisse nada por esta li_
nha, ele teriaapenas sonhado com o projeto e náo teriâ leito nada pàra
rcalizá lo. Mas Sócrates de fato 1êz algu a coisâ. Ainda que seia Lrm
pouqllinho, quandocomeçaâ discussáo cle iásabe algumacoisaque os
oütros nâo sâbem. Quando elediz "Só sei que nâda sei", istoócvidente
mcnte uma iÍonia. "Só sei quc nada sei" porquê? "Porque cu sei muito
mâis do qüe vocês. e vocês sáo táo ignorântes que não sabem nem qüc
são ignorantes Eü pelo menosjápercebi n minha ignorâncja. . eniáoeu
já dei um passo a mâis. Eu sci que nós todos somos ignorantes, vocês
nno " Pelo menos. no mínimo isto ele sabe e os outms náo sêbem
Sóoales nummcio onde náohámais nen h u m conhecinento reco-
nhecido como válido, num mcio onde náo há mais autoridade dout nal
ou intelectual, assume a responsabilidade de ser o suieito qüe sabe
l7
l
umacoisaque os outrosnáo sabem. Porquc ele âssume isso'? Porqueé
elemesno qucmestá invesiigando. elc mesnro começou perguntando'
Ille clescobriu elsas coisas por quê? Porquc ele loi atrás
l\lrno: Que conníb içãL) tluc te\1ê o otáuLa de DelÍos ( --) conlo
causo eÍicie te dessas descobetLas par Sócrotesl'l
Eu náo salreria di,er Pode scr que tinhâ tido, lnas ai é nrais uma
conjcctüra. Talvez scia intcrcssantc invcstigar isso' Mas cu §ei o
scguinte: csses latores quc lalei, cles existem PodeD existir ortros'
mas há no nrínimo esscs. Sern csses náo havcria por que começar
a iivcstigaÇão filos(ifica. Claro que â gente vai pÍecisar rnais tárdc
acrcscentar algLrns oulros tutorcs que crarn já cssas invcsligaçÔes
parcelârcs teitas pelos filósofos pré-socráiicos' Mas notem bem'
os filósolos pré socráticos âinda náo eslavan entrando no debâtc
colclivo. clcs ão eslavam lentândo Íesolver questÔes de intcresse
geral, mâs apenas certos Problcmas que eles mesDos iinham colo-
cado. Sócratcs nio. cle vai discutir coisas que as pessoas da Íua
qucriam saber: o que é â justiça. o que é o nrelhor llstado o que
ó o trcm, o quc é o mal.. tiÍam qüestões clc interessc prático real
Quando 
^narimandro 
ou lales pergüotavam dc qlre tudo é com
poslo. isto celtamente náo é üm debatc pÍrblico é LIma questão qüc
unr cicntis(â. um hornem de ciências, colocou para ele lircsnlo, ou
então um irvcstigâdor colocou se e tcntoü rcsporrdcr Por isso nlesmo,
todas cssas irvcsiigaçarcs pré'socríiticâs, por valios⧠quc selâm nâo
adqüirem a inporlânciâ de um Íenômcno de mulâçáo históricâ como
o inventado por Sócrates. Sócrales coloca à disposiçào de todo mundo
tl ma possibilida.lc cogniiivaque ninguén conhecia. ningüón1tinha pen
sâdo nisso. L, ademais. dc lodas as teorias dos pré socráticos nenhLrma
loi provada, errln apenâs uln vcrdadeiro 'âchisllro"'
As filosofias pté-socráticas esláo ainda deniÍo dâ clave relóÍicâ ou até
poatica. Pocle-sc interpre{á-los ou conlo poeias líricos que estão cxpre§§ando
rrÍtâs iirprcssóes, ou como retóricos qlrc tôIn certas opiniócs eienlam scr
pcnllasivos. Mas náo ó isso que Sócratcs está íaTendo Elediz:"Olha, cxisre
um jeilo d€ locê obier uma ccrteza muito maior'. l']ra isso que nirguém
lirha klóia. sobretudo, todomundo tinha;oPiniio, todo mundo iinhâio
(tuc náotinlü é a via dacerteza. Só hâvia isso em gcometria, mas nâo se
pocle. com basc na geometria. resolver o problema clo [stâdo dâ moÍal.
da co duta. eic., realmcnte não.
Alüno: (-.-) e a élica selundo a Seatnetría? llspitLaso escre?eu...l
Mâis tarde Espinosavai fazer isso, ll1âs já nu'n contexlo cnonne
cntc dilerentc. Mas você não pode esqucccr que Dspinosa surge
nulna época cm que a geomctria tinhâ dado uuiros progrcssos, e dc
novo s(rge a nres! a idéia: 'Vân)os nos modclar pcla geonrclria". O
primeiro que tcvc â idéiâ foi Sócraies. Elc percebe quc a maneira
rlc se conduzir uma discussão em rorno de algu ra coisa é decisiva
Diya o sucesso ou o liacasso dessa discussão. Não o sucesso ou o
liâcaslo em pcrsuâdir o ouiro, lnas em dcscobrir alguma coisa Elc
cL)lneçâ a criticn do discurso retórico. O que é o discurso ret(irico'?
l:la opiniâo. Êle coBrcça o examc critico da opinião l'insinâ que é
possivel confrontar várias opiniÓes quc se contradizcm umas às
oulrâs e articular â investigação, dc tal modo quc algurna coisa
Lrm pouco melhor do que as váriâs opiniarcs emilidas âparece, e
obtém imediatamenie o corrsenso .le todos. DescobÍc uma maneira
de a discordância produzir unra concordância cm torno de algo que
apârcce como evidenle paÍa todos. Ora, pclo simples fato dele ter
lcito isso, elc nos per itc definir de uma vez por todas, certos con_
reúdos que penraoccerão inerentes ao próprio projelo filosófico ao
longo dos tempos e as caracteríslicas poderào evidentcmenie ser
I
impugnadas por náo-fiIósol'os, por antifilósofos' por parafilósotos'
por metafilósofos ..
Então, em priúleiro lugar, â lilosoÍiâ tâl como Sócrates a entcnde 
é
u ma invesiigaçAo feiia pelo indivÍduoc pelâ qualele consegue Lrm nível
de ccúeza maior da que tem a coletividade intcira' ls§o quer dizer 
que'
quanüo a (olcri! idade inrciÍa (tra nr inc(ac7u' clc <\ra rr'r puu'n mar'
fraximo da cencza. É craro que cssa loi Lrmâ 
posição temível' Por quê?
Qücm era Sócrâies? Hle náo cra um 
sâccrdote' nao eraum govemanie'
nãoeÍâ unr rcprcsentante da âutoridade colctiva' Ele nào eraum reprc'
sentanie clâ socicdadc, era âpenas um indivídrrÔ entre outros'
A difcrença entre Sócratcs e os outros é â seguinte: "Eu sei e
você náo sabe". Então, por um lado, se cu sei que 2 nrais 2 sáo 4' 
c
você pen§a quc sáo 5,5 c o outro pensa que são 7 5' cu estou 
com
âutoridade absoluta porque sou o único que sabe Por outro 
lado'
não tcnho autoridadc alguma, pois você náo é obrigado a reconhecer
que cu sei, a não scr que você mesnlo percorra todos os passos da
invcstigaçáo que eu fiz c chegue à conclusáo' Bsia é' cvideniemcnte'
umâ âutoridade paradoxíl: poÍ um lâdo, é umâ auloridade totâl' 
por-
que ó certcza; por outro lado, nAo é auioridade aigurna' pois ela só
poale se impor se o oütro a adquirir tafrbém A autoridadc universal
e absoluta de qlrcm diz qüc "2 + 2 = 4" só pode ser aleita por ouiro
que também saiba que "2 + 2 = 4" e que, portanto' seiâ el€ tambénr
poÍtador dessa autoridade
Om. âté cntáo nao sc conheciâ aidóiâ de nenhumaverdâde' a nào 
scr
âquclaque eÍâ reconhecida por toda asociedade porquecnunciada 
por
\crs _enrcsenranrcc qualitj(idosLnlín' cum su(râlesapakr c Lrna rÚi:a
que modificâ náo o panorama dâ Grécia' m⧠o panorama universal'
Surge L1m novo tipo de portador dâ verdade, que não é o reprcsentante
da colctividade, nâo é o representantc da sociedade' mâs 
o individüo
que sabe o qüe os outÍrs nâo sabem, e que não pode i rpor o que ele
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srbc a náo ser a outÍo quc também saiba e que, porianto, seia detentor
d Inesmissimâ autoridâde clele.
&ala-se dc una novidade radicâi nâ hist(iÍia hümana. E essa Pos
sibllidadc. un1ê vez enúlciadâ c assumida por Sócrâtes, que pagou
eom a sua própriâ \,ida por isto, Íeâparcce gerâçao após gcraqâo. Essa
polsil)ilidâdc é denons trada s u cessivamenle por novos c no\rosenovos
lndividuos qlre aposia ncla c a realizân, às vczcs sendo punidos por
.rn. a.'e,r.,e.dnrecomFn!rui,\ inrrlormca ni,nci :rqrrnn rrciu
cm torno rcccba isio. No caso dc Sarcrates. é aié nâtural que o n1eio
rcngisse com umâ ceriâ violôncia. porque isso crâ muiio esquisito.
Notc-sebelnque â palavra zrelÍl4de tein basicânente três acepÇócs.
^ 
primeirâ ó â vcrdade cte um testcmunho eéu a vcrdade colocada
no passado, isso é, eu doü tesicmllnho do que er vi. Diganos que esse
a o sentido juridico da palâvraverdade Agora, cxiste um outro sentidol
a verdade voltâda parâ o intunr um sujeiro proDretê c cumpre, entâo
cle éconfiávcl. Se elediz a verdâdc com respeilo ao passado, ele deve ser
corliávcl conl reLaçío ao fuiuro: se ele contou a coisa realnlenie como
clc viu. eniáo o que elc prometeu muito provavehrente ele vai cumprí:
Mâs Sócrâtcs cnira âli cont ?.idíia da aerdade leoúai.l7 -do suieito que
diz quc 2 mais 2 são4. Esscócxatamenle o iipo dcvcrdade queaparecc
nâ gcometria. O slljeito quc diz que "â soma dos quadraclos dos catcios
dáo quadmdodâ hipoienusa" não cstá nen1 relatando um passâdo nem
pronretcndo uma cois:r paÍa o futuro; ele está anLrnciando Lrm tipo dc
vercladc que é supÍâtcmporal. E rós podclrlos cntender que, alé cssc
rnoment{) ern quc pcrsonifica este novo tipo de vêrdade, Sócrâtes era
l-\'ônrrc..Jo. su (rr,'o,,"., J', nrEiun(lrid rr "s n. propr.o gt,,,rt.
iras cviderlemente nãotinhaln se d.tdo contâ dâ tremen cla i rportâ|cia
do que eles tinham dcscoberio.
Om, r vcrclâde que s€ âfirma como testemrnho c fidelidaLle, como
confiâbilida.le, é o tipo da verdade que se pcrsonifica nurlra autoridade
.11
coletiva, num glrvernante Eie é confiável porquc nós sâbemos sua
hisiória, e o que elc pronlete ele cumpre. Averdade âté eniâo era com
preendicla mâis como confiâbilidade: confiabilirládê nÔ testemunho e
na fidelidade à promessa. Essa não é a verdade teoréticai é â verdade
no scntido jurídico ou pÍofético. E se a noção de verdadc era âssim,
a dc Íalsidade náo erâ a teorética, mâs a idéia de mentira ou dc fnlsa
promessa.lsso quer dizcr que averdadc erâ a vcrdade da co unidade'
que confiavâ enl certas pessoas porque conhecia o seu passado e con
fiava no quc elas podiaÍr dizer no futuro. Já.r lalsidade crâ o suieito
qrc rompia o pacto.
O tipo de vcrdâde.lc que Sócrâtes estáÍalando escâpa complctânlentc
a essa clave. E como ó que vocêvaiexplicar âverdadeteorética o2mais
2 sáo,l em termos de confiabilidade LrLl dc falsa pronessa'? Não se en-
quadradc ieito ncnhum. lsso qucrdizer (existemestudos matâvilhosos
do EricVoegelin sobrc isso) que, até ümcerto ponto da hisiória hunanâ,
a idéia de vcralade cstâva identiÍlcada com a própria confiabilidade da
coletividadc humanâ personificada em seu cheie ougovernante Aqüele
que se opunha ao chefc ou governanie não era conliável, porianto, erâ
mentiroso, é o caÍa que esiá fora do pâcto. E agoÍa Sócratcs descobre
um tipo cle verdadc que náo alepende absolutamente da confiabilidade'
ou sejâ. mesmo que o suieito iosse o maior salairário' ou nesmo quc
iodos os geômetras fossem salalrários, a sc,ma do quadràdo dos catctos
continua dando o quadrado da hipotenusa.
Estâ vcrdade independe da sua vontade orl da suâ confiabitidade'
ii uma verrlade quc você só tem que conhcceÍ, admitit e obedccer,
porque agorâ qüe você já sabe qrc "2 + 2 = 4", náo pode mâis dizer
qrc "2 + 2 = 5" e quc, sendo indepcndentc dâ slra voniade ou da
suâ dccisáo, tambénr ó indepcndenie da confiabilidâdc do chefe Entáo
Sócrates descobre umaverdade quc e§táacimado serhumanu, acinadâ
coletividade humana, e que, embora esicia âcima de toda â colctividadc
hurrranâ, aparcce em úi, sujeito. se rcvclâ â rrr sujeiio que nào tenr
âutoridadc âlgunra. Eis o paradoxo.
JAluno: No &r.\ú ddr rràietaaÇôes asÍrohgicas. aquílo ttào suscitaüa
algumíipode cetleza no sentido de. . alén da aulotidade hu a a,do
gL)aetnante, rccê tet (lelerninadas cerÍezas cosmoLógicas (...)?l
À asirologia não tinha esse grau de confiabilidâcle. Ela só apârece
na aritnética e na geomctria.
lAlLrlo: Nãa te?e ninELtén que ?e iu un eclipse? (...)1
Tevc. E tcve oüirc qüe previu errado.
À idéiâ da verdadc dcmonstÍaliva e âpodíciica aparece realnente
co a geonetriâ. Nào haviâ ncnhuma ouira ciência suficicniemenie
dcsenvolvida parà dar este modclo, e a únlca coisa que Sócratcs 1àz
é extrapolar isto para outros domínios. E o mes o tipo de confia-
bilidâde. coIn ccrtos limites, é claro. é possívcl âlcançar enr ouiros
domínjos. Àconrccc quc a pariir do mLrmenio cm quc vocô fa7 isso,
você é o porlador e o enunciador dc utr,â ve.dade que, enlborâ scja
supcrior a toda a coletividêde, só aparccc para quen à percebe. Essa
é a s;tuaÇâo parâdoxal do iilósoib, que faz quc, por um lado. ele te
nha ê âutoridadc dc quem sâbe e, por outro, náo tcnha aütoÍidade
alguma. pois esta só vale para qucm sabe tanbén e que. porianto,
compalrilha da mesn1a autoridâdc.
Dai surge tambén a novamodalidade dc cnsino, que éjustamente o
diálogo, a conversaçào. Como é quc se iransmilià até entáo as vcrdadcs
soc ialmenie admilidas? Por simplcs rcpctiçâo, por pregaçno. Mas â nova
vcrdadc já náo pode ser lransnritida assin. porquc elâ nâda iem a ver
conr â auto-imposição de unla autori.lade; tenr a vcr com a conquista
de uma auilrridâde por âquele quc cstá recebendo o ensinLr. Quando o
chclt lhc dá ümâ ordem. vocé náo se torna chcfc: vocô compreende a
4l
I T
oralem, obeclece. nâs nem por isso sc to ra chcfe Mas se cu ie hoo
conhecinento filosólico e o trânsmito a você, e vocô o âbsorvc você
é filósofo. Daí a nec€ssidadc do dir,rlogo, porque nào sc trata de um
ensino mâgisicrial. no qual o indivicluo vai poder lhe dar umaverdâde
prontâ. Náo âdianta dar uma verdade pronta, você nAo vai entendcr
nâcla. Se nào lizer os passos diâléiicos ou lógicos necessários não 
vai
eniender Se você fcz, entâo âgora você mesmo cornpreendeu lsto 
é
que é a âLlioridâde paradoxal do filósofo, e Sócraies é o prineiro qüc a
encârna com plena consciêncja. Mas csta situâção 
já havia sido ante
cipâda no teatro grcg0
No teako grego. apârecem muiiâs siiuâções cn] queum determinildo
indivíduo perccbe, para alón clas leis que a sua comunidadc admite
..rtas lcis não escritas dc ordcn1 divina, como é o caso dc An1ígona'
q"c Jr\' ,lc runr n tso\.í1.rnr. Jr/cndo L\i'rcrn l' i' quc i\raÔ "Li nJ
daq uelas que você representa". Mas com que aun )ridade €14 diz 
isto? Com
â autoridncle de qucln percebeu E o outro vai âccitar a au toridade dela?
Só se cle perceber tambón Do contrário, náo Como é que se lrânsmiic
eniáo essa aütoridadc? íl pelâ discussáo' qüc exercc urnâ lunçáo agora
slmilâr à da rerórci7. mas conr um lipo de rctórica dupla, que tem que ser
conplementada pela participaçAo do ouiro lâdo' Ou seia' é uma dlrpla
rêtóricâ. um discurso dlrDb. E é por isso quc chan],a di!1|ética'pot set
umâ conlrontâçáo de clois discursos. lsso quer dizer que os dois lados
de u la clispulâ rctóricâ são absoNidLrs na diáló1icâ'
Issoqtlcrdizcrquc o ieâiro grego iá tinha Ôhscu ranente entrevisto a
possibilidaclc de às vczes unl indivíclüo falar €l- nÔme dc ulna auloridndc
que transccnale â aulorialâde dâ sociedatlc' nas qüe csta nâo é obrigadâ
a âceirâr. Esla problcm,rlica sobre â artoridade inerente cla verclâde'
mas qrc só apârêcc nu poriador que náo é sociaimcnte

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