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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA 
 CENTRO DE ARTES – CEART 
 LICENCIATURA E BACHARELADO EM TEATRO 
 
 
 
 
 
MARCOS BITTENCOURT LAPORTA 
 
 
 
 
 O ATOR COMO TREINADOR DE SI MESMO: 
 REFLEXÕES A PARTIR DO TREINAMENTO EM PROJETO ARTAUD. 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS, SC 
 2014
 
 MARCOS BITTENCOURT LAPORTA 
 
 
 
 
 
 
 
 O ATOR COMO TREINADOR DE SI MESMO: 
 REFLEXÕES A PARTIR DO TREINAMENTO EM PROJETO ARTAUD. 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao 
Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro 
do Centro de Artes da Universidade do Estado de 
Santa Catarina, como requisito parcial para 
obtenção dos graus de Bacharel e Licenciado em 
Teatro. 
 
Orientador: Prof. Dr. Stephan Arnulf Bäumgartel. 
 
 
 
 
 
 FLORIANÓPOLIS, SC 
 2014 
 
MARCOS BITTENCOURT LAPORTA 
 
 
 O ATOR COMO TREINADOR DE SI MESMO: 
REFLEXÕES A PARTIR DO TREINAMENTO EM PROJETO ARTAUD 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura e Bacharelado em 
Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito 
parcial para obtenção dos graus de Bacharel e Licenciado em Teatro. 
 
Banca Examinadora: 
 
Orientador: ___________________________________ 
Prof. Dr. Stephan Arnulf Bäumgartel 
CEART – UDESC 
 
 
 
Membro: ____________________________________ 
 Prof. Dr. André Luiz Antunes Netto Carreira 
 CEART - UDESC 
 
 
Membro: _____________________________________ 
 Profª Ms. Daiane Dordete Steckert Jacobs 
 CEART - UDESC 
 
 
Florianópolis, 03 de Julho de 2014. 
 
 AGRADECIMENTOS 
 
 
 
A minha mãe Ilza Laporta por todo o ensinamento durante os anos da Cia. De Teatro 
Unisul em Tubarão –SC e por me despertar a paixão pelo teatro. Ela é a verdadeira 
responsável por eu estar neste meio, minha grande inspiração. A todos os ex-colegas e amigos 
de Cia. De Teatro Unisul, pela parceria, companheirismo e aprendizado durante os seis anos 
nos quais convivemos. 
A meu pai que mesmo não presente sempre me protege e me acompanha nesta 
caminhada. 
A minha tia Lígia por todo o apoio, amizade, e ajuda neste período de Graduação. 
A toda a minha família que me apoia nas minhas escolhas e torce por mim. 
A todos os amigos verdadeiros de caminhada na Graduação, que sempre estiveram ao 
meu lado nas alegrias e tristezas: Hanna Luiza Feltrin, Luanda Wilk, Tainá Froner, Marina 
Medeiros, Marina Soares, Clara Meirelles, Rafael Reüs, Néia Longen, Luiza Souto, Tânia 
Farinon, Gabriela Medeiros, Andrés Tissier, entre tantos outros que dividiram alegrias e 
tristezas durante toda essa trajetória, seja na mesma turma ou em encenações. 
A minha amiga querida Rachel Chula por compartilhar comigo uma pesquisa de 
treinamento, por sua generosidade, amizade e luz. 
Ao Prof. Dr. Stephan Baümgartel por me auxiliar, aceitar me orientar e estar junto 
nesta busca. 
Ao Prof. Dr. André Carreira por me despertar interesse no tema e pelo apoio. 
Ao Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, Prof. Ms. Diego Di Medeiros, Lau Santos, Profª 
Ms. Daiane Dordete e Profª Ms. Adriana Patrícia dos Santos, pela amizade, ajuda e diálogos 
sobre Antonin Artaud, atuação e treinamento. 
A toda a banca, e demais professores que me auxiliaram nessa caminhada, meu 
carinho especial. Obrigado, sempre! 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
O presente trabalho é um trabalho auto-etnográfico que busca discutir questões acerca do 
treinamento do ator sobre si mesmo, a partir do trabalho de treinamento para o espetáculo 
Projeto Artaud, que é parte da disciplina Prática de Direção Teatral II, ministrada pelo Prof. 
Dr. José Ronaldo Faleiro. O trabalho discute questões referentes a atuação e a um trabalho 
pessoal partindo da experiência do autor. Coloca-se a discussão dentro do território afetivo do 
ator e de possibilidades a partir de olhares da neurociência e de uma atuação por estados 
anímicos ou psicofísicos a fim de se buscar soluções e problematizar a questão na emoção no 
campo da atuação. A partir de uma trajetória acadêmica e da consciência enquanto 
pesquisador-atuante, investiga-se a noção de atletismo afetivo presente no livro O teatro e seu 
duplo de Antonin Artaud, a partir de uma busca pessoal de territórios de alteridades, 
desestabilizações e reorganizações, sabendo dos riscos e contribuições que uma pesquisa 
auto-etnográfica possui. 
 
 
Palavras-chave: Antonin Artaud. Atletismo afetivo. Treinamento psicofísico do ator. 
Trabalho do ator sobre si mesmo. Atuação por estados anímicos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Imagem 1 – Espetáculo Projeto Artaud – Fragmento I.............................................................7 
Imagem 2 – Espetáculo Poema à Boca Fechada.........................................................................9 
Imagem 3 – Espetáculo Antigo Sofá de Molas...........................................................................9 
Imagem 4 – Simbologia do Ying Yang....................................................................................19 
Imagem 5 – Espetáculo Os Pequenos Burgueses - ÁQIS.........................................................28 
Imagem 6 – Espetáculo Projeto Artaud – Fragmento VII........................................................37 
Quadro 1 – Relação de matrizes criadas em meu processo de treinamento..............................33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................7 
1 A NOÇÃO DE ATLETISMO AFETIVO .........................................................................15 
1.1. ESPINOZA E OS AFETOS..,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,......................................................15 
1.2. ARTAUD E O ATLETISMO AFETIVO..........................................................................17 
1.3. ATLETISMO AFETIVO, NEUROCIÊNCIA E METAFORICIDADE...........................24 
2 A PRÁTICA DE TREINAMENTO EM PROJETO ARTAUD........................................28 
2.1. ATUAÇÃO POR ESTADO E A FIGURA DO PROVOCADOR CÊNICO....................28 
2.2. O ESTADO COMO MATRIZ CRIATIVA: A PRÁTICA DO ESTADO COMO UM 
TREINAMENTO PSICOFÍSICO DO ATOR............,.......................................................31 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................39 
REFERÊNCIAS......................................................................................................................42 
APÊNDICES............................................................................................................................45 
APÊNDICE A – LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO PARA O TCC..............................45 
APÊNDICE B – DIÁRIOS DE TREINAMENTO...................................................................47 
APÊNDICE C – FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO PROJETO ARTAUD.....................60 
 
 
7 
 
 INTRODUÇÃO 
 
A presente pesquisa envolve uma reflexão a partir da prática de treinamento para o 
espetáculo Projeto Artaud, resultante da disciplina Prática de Direção Teatral II que foi 
ministrada pelo Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro e monitorada por Isadora Peruch no semestre 
2013/2 no Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro da UDESC – Universidade do 
Estado de Santa Catarina. 
 
Imagem 1 – Espetáculo Projeto Artaud – Fragmento I – Heliogábalo ou O Anarquista Coroado. Foto: 
Clara Meirelles. 
 
Antes do ingresso no Curso de Teatro da UDESC, no ano de 2010, fiz parte da Cia. De 
Teatro Unisul, em Tubarão - SC por seis anos. Em meio a este período de montagem de 
espetáculos e de trabalhos técnicos, a área de atuação sempre me despertou especial paixão e 
interesse. Após isto, durantetodo o Curso de Graduação em Teatro as questões que envolvem 
o ator sempre me inquietaram, seja pelo meu interesse na área de atuação, seja por uma 
trajetória de atuação anterior ao curso ou por uma prática dentro da própria academia. 
8 
 
Na quarta fase do Curso, no segundo semestre de 2011, ingressei no ÁQIS – Núcleo 
de Pesquisa sobre Processos de Criação Artística – coordenado pelo professor André Carreira, 
por um interesse no trabalho de pesquisa de processos de atuação a partir de estados 
psicofísicos ou estados anímicos. Isto ampliou meus horizontes em relação a processos de 
atuação. Assim, ingressei no ÁQIS como Bolsista de Iniciação Científica – Cnpq e passei a 
pesquisar os estados como procedimentos de atuação a partir de práticas laboratoriais, que se 
mesclavam com leituras de textos teóricos dentro do próprio grupo. A partir da pesquisa na 
qual permaneci por dois anos, foram produzidos espetáculos-laboratório, a fim de verificar 
resultados dentro de uma prática cênica: uma adaptação de Os Pequenos Burgueses, de 
Máximo Górki (2011 e 2012), e Baal (2013), de Bertolt Brecht. Além disto, utilizei deste 
procedimento por um viés mais pessoal no processo da disciplina de Montagem Teatral I e II, 
também ministrada pelo professor André Carreira, na qual se montou Calada Estranha 
(2012), uma adaptação do texto Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues. 
Paralelamente a isto, durante o curso tive contato com a obra de Antonin Artaud, 
encenador que sempre me instigou e considerei interessante. Lendo O teatro e seu duplo, 
percebi aproximações entre os postulados artaudianos e a pesquisa pessoal dos estados, como 
por exemplo a afirmação de Artaud (1993) em relação a uma localização física dos 
sentimentos e de uma musculatura afetiva que o ator deve possuir. 
As experiências de direção na disciplina Prática de Direção Teatral I, ministrada pela 
Profª Dra. Maria Brígida de Miranda – Antigo Sofá de Molas e Poema à Boca Fechada – 
reforçaram ainda mais meu interesse em relação a atuação e a discutir questões que tangem ao 
treinamento do ator através de uma prática pessoal. Somado a isto, a conversas com colegas e 
amigos de cursos, com professores e com um interesse e inquietação em evoluir em minha 
pesquisa atoral, realizei um trabalho solo de atuação na disciplina Prática de Direção Teatral 
II: Projeto Artaud, que fala sobre recortes de momentos da vida do encenador francês, a partir 
da junção de textos. 
9 
 
 
Imagem 2: Espetáculo Poema à Boca Fechada – Resultado da Disciplina Prática de Direção I – 2013/1. 
Atriz: Luanda Wilk. Direção: Marcos Laporta e Néia Longen. Foto: Nina Medeiros. 
 
 
Imagem 3 – Espetáculo Antigo Sofá de Molas. Direção de Marcos Laporta e Tainá Froner – Resultado 
da Disciplina Prática de Direção Teatral I – 2013/1. Atores: Thaina Gasparotto e Rafa Zanette. Foto: Paulo 
Henrique Wolf. 
 
Através deste trabalho, no qual realizo uma parceria de direção com a acadêmica 
Rachel Chula, que possui uma pesquisa de conclusão de curso de graduação afim a esta, 
10 
 
investigarei questões sobre o trabalho do treinamento do ator sobre si mesmo, à luz dos 
conceitos abarcados por Artaud que envolvem a ideia do ator como um atleta afetivo. 
Este será um trabalho filosófico-crítico a partir de uma prática pessoal atoral imersiva, 
portanto auto-etnográfica, levando em conta os perigos que a auto-etnografia envolve. Fortin 
(2009) afirma que a pesquisa etnográfica, assim como a auto-etnografia é uma tendência 
crescente na área artística, já que envolve o artista e a produção de uma obra artística dentro 
do seu sistema sígnico. Esta envolvem uma bricolagem e uma junção de diferentes 
metodologias de coletas de dados dentro desta categoria: relatório de bordo, crônicas de ação, 
observação participante, entre outras, em que se apropria de uma experiência de um outro ou 
da própria, levando ao problema da crise de representação: 
A crise de representação, longe de ver a descrição como um simples exercício de 
transcrição e de adequação entre as palavras e a realidade, impõe firmemente a 
presença e a subjetividade do pesquisador até fazer deste o objeto central nos 
estudos auto-etnográficos. De fato, se a pessoa que conduz a investigação é 
indissociável da produção de pesquisa, por que, então, não observar o observador? 
Por que não olhar a si mesmo e escrever a partir de sua própria experiência? 
(FORTIN, 2009,p.82) 
A crise de representação se agrava na auto-etnografia, visto que envolve uma ética 
pessoal do pesquisador na qual ele deve buscar uma descrição que envolve um auto-
distanciamento e um redimensionamento do eu e da sua própria experiência, na busca de fugir 
de discursos narcisistas e tendenciosos e de uma relativa neutralidade em relação ao objeto de 
estudos. Assim, uma auto-etnografia, pelo descentramento do próprio eu do artista significa 
uma redimensão: “Os dados auto-etnográficos definidos como as expressões da experiência 
pessoal, aspiram ultrapassar a aventura individual do sujeito” (FORTIN, 2009, p. 84). Uma 
redimensão de uma experiência que envolve uma conversão de um discurso pessoal subjetivo 
a fabricação de um discurso teórico no terreno de exercício de tentativa de objetividade para 
um outro que toma contato com a experiência do pesquisador-artista. 
O trabalho e o treinamento do ator sobre si mesmo é um grande tema em discussão no 
teatro e na arte contemporânea, e vem sendo discutido desde as primeiras sistematizações que 
concernem ao trabalho do ator com o encenador russo Konstantin Stanislávski. Segundo 
Naspolini (2013), no século XX ocorreu uma série de transformações no teatro, mais 
especificamente o que concerne ao “treinamento atoral pautado na disciplina de si, buscando 
uma dilatação da percepção e da consciência” (NASPOLINI, 2013, p. 27). Em geral, pode-se 
dizer que estas mudanças ocorreram por uma insatisfação pelos procedimentos técnicos 
utilizados no cenário do teatro europeu principalmente no século XVIII, que em sua maioria 
eram pautados em padrões gestuais, entonações e expressões faciais. Um bom ator nesta 
11 
 
época seria aquele que se melhor moldasse em relação a gestos convencionados e que 
entoasse corretamente um texto dramático. 
Dentro deste cenário, podemos começar a pensar o atletismo afetivo dentro desta 
insatisfação, que parte do próprio Artaud. O termo atletismo afetivo é utilizado pelo 
encenador, poeta, dramaturgo e ator francês Antonin Artaud no livro O teatro e seu duplo, 
publicado originalmente em 1938. No livro, que é um apanhado de textos de Artaud, há as 
principais ideias do encenador francês a respeito da encenação e do teatro em que acreditava, 
além de ideias relacionadas ao ator e a atuação. Em relação a esta obra, vamos nos ater mais 
especificamente na pesquisa ao capítulo Um atletismo afetivo, no qual Artaud (1993) discute 
o termo atletismo afetivo propriamente dito, que é um tema matricial da presente pesquisa e 
que dialogará com a referente prática de treinamento do espetáculo Projeto Artaud. 
A partir do século XX, cada vez mais houve um movimento de fundamentar bases 
consistentes em relação ao treinamento do ator e seus processos psicofísicos a fim de se 
desenvolver um treinamento e um trabalho do ator sobre si mesmo. O surgimento destes 
procedimentos técnicos que pensam uma sistematização para o trabalho do ator, implicou 
cada vez mais uma ética e o desenvolvimento de uma série de responsabilidades que o ator 
deve ter para consigo: tempo para si, a qualidade de uma auto-observação diferenciada, o 
desenvolvimento de um corpo-artista e de um pensamento estético mais concreto imbricado 
nesta ética, em que o ator volta-se para o interior, e não tanto mais para uma molduragem ou 
convenção géstica que antes ocorria, na busca de uma verdade, organicidade psicofísica e de 
uma linguagem própria dos meios teatrais, que o desvinculam da ideia do teatro enquanto 
literatura.A noção de um trabalho do ator sobre si mesmo iniciada com as primeiras 
sistematizações do Método Stanislávski surge a partir desta insatisfação e de um movimento 
crescente de desenvolvimentos de teorias que pensassem de um modo mais concreto a arte do 
ator, formação e procedimentos de treinamento que possibilitassem diretrizes formativas a 
uma poética atoral. Segundo Nunes (2009), a visão metafórica cartesiana separatista de 
Descartes, ou de um corpo-máquina separado e uma alma que movia a máquina do corpo 
influenciou profundamente os discursos artísticos sobre treinamento e manteve-se presente 
em teorias do ator mesmo na época novecentista – estando presente ainda hoje em diversos 
discursos referentes ao ator e a atuação. Pode-se ver isto na visão de Stanislávski (1997) em 
sua fase inicial do desenvolvimento de procedimentos atorais pautados na interioridade do 
ator, a chamada “psicotécnica”. 
12 
 
Ainda que no Teatro de Arte de Moscou existisse uma série de trabalhos com o corpo, 
como um programa vasto de exercícios como esgrima, yoga e ginástica corporal, o trabalho 
físico parecia estar desvinculado do trabalho com os processos interiores e existia uma ênfase 
com o trabalho sobre o papel. Existia sim um trabalho físico, mas tudo era a serviço da mente 
– no sentido de uma ênfase com um trabalho de percepção psíquica em detrimento do uso da 
corporalidade - que ditava as ordens da técnica atoral. Donoso (2010) atesta que nesta época 
Stanislavski buscava através de um treinamento corporal polivalente de exercícios físicos um 
domínio sobre a modulação das emoções do ator, que deveria desenvolver uma técnica 
psíquica visando exprimir a vida espiritual do papel. Assim o ator chegaria a um determinado 
estado, que Stanislávski chama de estado interior de criação: 
Um ator, portanto, volta para seu instrumento criador, tanto espiritual quanto físico. 
Sua mente, vontade e sentimentos combinam-se para mobilizar todos os seus 
“elementos” interiores. Desta fusão de elementos surge um importante estado 
interior, o estado interior de criação. 
(STANISLÁVSKI, 1997,p.83) 
Segundo as falas de Nunes (2009), Donoso (2010) e Coronado (2010), podemos 
perceber que com o rompimento de Meyerhold e a fundação do Teatro-Estúdio, bem como o 
surgimento de procedimentos de treinamento atoral de Grotowski com sua via-negativa e 
mesmo as reflexões de Artaud desvinculam o treinamento sobre si mesmo de uma psicologia 
para um foco mais psicofísico e da corporificação dos processos interiores, com a visão de 
uma corporeidade oriunda de um sistema integrativo e não mais separada. O trabalho sobre si 
mesmo, passa cada vez mais a recair sobre o ator e a sua identidade – no sentido do ator 
adquirir uma atitude consciente de se pensar a operacionalizar sua práxis - e modos próprios 
de trabalho e na expressão pessoal do ator, ou que Eugênio Barba acredita como a expressão 
de uma identidade profissional diversa: 
Eu justificava para mim mesmo – e ainda o creio hoje em dia – a necessidade do 
treinamento como expressão de uma identidade profissional diversa. Ele era a 
confirmação diária, humilde e tangível, da decisão de devotar-se ao teatro, através da 
busca por rigor e autodisciplina. Era a conquista pessoal do ator, do como e do 
porquê fazer teatro. Forjou as ferramentas de sua independência, crescimento 
pessoal e capacidade de resistir sob condições adversas. Encorajou cada ator a 
praticar e defender a dissidência individual e artística. 
(BARBA, 2007,p.36) 
Assim, desenvolveu-se a noção de um trabalho do ator sobre si mesmo arraigado a 
ideia de um treinamento: um trabalho cada vez mais rigoroso de treinamento psicofísico 
pessoal do ator ou o que Barba (1995) denomina um trabalho pré-expressivo do ator a partir 
da ação e do pensamento-em-ação ou a exploração das nuances da ação a partir de um plano 
interior-exterior – um pensar corporalmente - a partir de um treinamento pessoal que implica 
uma técnica que envolve singularidades a cada ator. 
13 
 
Sabendo destes perigos e responsabilidades que a auto-etnografia envolve, a noção de 
atletismo afetivo, bem como a noção de um treinamento sobre si, nesta pesquisa buscarei uma 
ampliação da minha experiência enquanto atuante em treinamento - enquanto criador, diretor 
e treinador de si mesmo- num diálogo que busca também experiências/fontes externas e que 
podem acrescentar novos significados ao que faço e ao que pesquiso. Tendo em vista estes 
pressupostos, se discutirá meu processo de criação e buscar-se-á problematizar essas noções a 
partir de um treinamento solo afetivo enquanto modulação de estados poéticos. 
No primeiro capítulo faço uma análise do capítulo Um atletismo afetivo do livro O 
teatro e seu duplo de Antonin Artaud, analisando os postulados artaudianos e ideias a respeito 
do trabalho do ator e da emoção. São analisadas ideias de Artaud quanto ao trabalho do ator 
como o trabalho com o mecanismo respiratório como ativador de processos afetivos 
associados a contrações musculares e a comparação do ator como um atleta das emoções ou 
um atleta do coração. Busca-se um diálogo com outros autores para esta análise, como 
Espinoza (2009) e suas ideias a respeito dos processos afetivos na sua obra Ética, a fim de se 
clarificar, entender e estabelecer respostas e questionamentos a conceitos presentes no 
capítulo em questão da obra de Artaud. 
Busco paralelamente a isto um olhar neurocientífico ao conceito de atletismo afetivo, a 
partir de uma breve perspectiva evolucionista do neurocientista Antônio Damásio, 
relacionando esta perspectiva a um trabalho possível de treinamento afetivo induzido do ator 
no qual corporifica suas emoções através de estratégias pessoais de ativação de seu mundo 
interior em relação de fluxo com o ambiente circundante. 
Podemos ver, a partir de uma perspectiva biológico-científica das emoções e 
sentimentos, que existe um problema quanto a separação cartesiana corpo-mente, como nos 
afirma Damásio (2011), que ressalta a grande polêmica em torno do tema em torno de 
filósofos e cientistas. Segundo o autor (2011, p.44) e partir de sua perspectiva integralizada do 
corpo, é comprovado que o cérebro é capaz de produzir mapas mentais de estruturas que 
compõem o corpo. Estes mapas cerebrais são a base das imagens mentais e o cérebro tem o 
poder de introduzir o corpo no conteúdo de um processo mental. Problematizo esta relação de 
Damásio (2011) ao território do ator, visto que as diversas linhas de atuação propõem 
soluções distintas ao ator e ao território do afeto e mais especificamente aos postulados de 
Artaud como forma de compreensão de um atletismo pessoal. 
Por fim, discuto meu treinamento solo envolvido no processo de treinamento para 
Projeto Artaud, tendo em vista as ideias anteriores a respeito dos processos afetivos, e 
também em como compreender um atletismo afetivo a partir do meu processo de treinamento. 
14 
 
O treinamento solo envolveu uma atuação por estados psicofísicos e estímulos de 
provocadores cênicos, que eram pessoas que traziam estímulos diferenciados a cada ensaio a 
fim de se compor o material criativo resultante do espetáculo. O provocador cênico também 
funcionou como um estímulo para a instalação de um espaço maior de tensões e 
desconstruções no processo laboratorial, alteridade, desestabilização e reorganização da 
criação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
1 A NOÇÃO DE ATLETISMO AFETIVO 
O termo atletismo afetivo é utilizado pelo encenador, poeta, dramaturgo e ator francês 
Antonin Artaud no livro O teatro e seu duplo. Além de envolver uma linha de atuação e 
processo de treinamento atoral, o atletismo afetivo decorre também de uma postura crítica de 
Artaud, e parte de um movimento de processos de mudança e reformas quanto ao trabalho do 
ator e seu treinamento ainda escassos, principalmente no cenário francês. 
 Diz respeito auma postura combativa do próprio Artaud em relação a visão do 
trabalho teatral desenvolvido na França e da visão que se tinha do próprio ator: “O ator não 
passa de um empírico grosseiro, um curandeiro guiado por um instinto mal conhecido” 
(ARTAUD, 1993, p. 152). Mèredieu (2011) destaca os encenadores-referência 
contemporâneos a Artaud: Copeau, Dullin e Jouvet, os quais privilegiavam um teatro de texto 
com uma técnica baseada na psicologia, na qual a atuação estava a serviço de uma 
dramaturgia - no sentido de uma inteligibilidade racional do texto escrito - aspectos que 
Artaud combatia radicalmente. 
Há uma busca em Artaud até o final da sua vida de uma linguagem própria ao teatro, e 
dentro disto está a atuação. O atletismo afetivo parece ser uma tentativa de pensar a atuação a 
partir de mecanismos mais objetivos e de possibilitar pressupostos ao ator para que ele, 
através de caminhos próprios, adquira uma agilidade emocional através de um trabalho 
energético, ainda que esta tentativa se permaneça num plano de discurso. Antes de analisar 
alguns pressupostos envolvidos no atletismo afetivo, analisarei algumas proposições de 
Espinoza a respeito da sua conceituação em relação aos afetos, que nos permitirá alguns 
diálogos conceituais e reflexões pertinentes ao meu processo de treinamento. 
 
1.1. ESPINOZA E OS AFETOS 
 
O filósofo holandês Baruch de Espinoza em sua obra Ética define os afetos como 
afecções do corpo que aumentam ou diminuem, ajudam ou limitam a potência de agir deste 
corpo e ao mesmo tempo as ideias destas afecções. “O Afeto, que chamamos de Paixão da 
alma, é uma ideia confusa pela qual a Mente afirma uma força de existir, do Corpo ou de suas 
partes, maior ou menor que antes e que, uma vez dada, pode determinar a própria mente a 
pensar isto ou aquilo” (ESPINOZA, 2009, p. 69). Espinoza (2009) acreditava numa 
compreensão e estudos racionais do afeto, possuindo este as mesmas leis da natureza/Deus 
imanentes e tendo portanto causas e propriedades certas. 
16 
 
Há em Espinoza (2009) um pressuposto de que existe um Deus imanente a priori, algo 
dado, uma potência suprema, que é parte indissociável das potências existentes nos seres ou 
nos modos existentes e está essencialmente presente no ser humano e nos objetos/corpos em 
relação a ele. Deve existir no indíviduo uma tendência a uma busca de vida ou a uma busca 
energética que é determinada pelo grau de potência presente em cada ser. Isto envolve uma 
postura ou um trabalho/esforço: “Toda coisa se esforça (conatur) na medida que é em si 
(quantum in se est) por perserverar no seu ser” (ESPINOZA, 2009,p. 41). Espinoza (2009) 
denomina este esforço como conatus, ou seja, uma busca do indivíduo para afirmar-se na 
existência em relação ao mundo na qual deve haver uma tendência de ampliação de suas 
potências. 
 A potência do indivíduo está ligada intrinsicamente a capacidade do indivíduo afetar-
se e as suas relações com os objetos exteriores e como o indivíduo processa isto para consigo, 
através de suas afecções ou ideias-imagens destas relações estabelecidas. Estas ideias 
proporcionadas pela relação do indivíduo no mundo se tornam respostas em movimento 
através do afeto - sentimentos e emoções resultantes destas ideias provocadas pelas relações 
do corpo afetado e dos objetos ou corpos afectantes. As definições de Deleuze (2002) em 
relação ao pensamento espinoziano nos permitem uma visão mais detalhada quanto ao afeto: 
[...] a afecção se refere diretamente ao corpo ao passo que o afeto se referia ao 
espírito. [...] A afecção (affectio) remete a um estado do corpo afetado e implica a 
presença do corpo afetante, ao passo que o afeto (affectus) remete a transição do 
estado a outro, tendo em conta a variação correlativa dos corpos afectantes. 
(DELEUZE, 2002,p.56) 
Sendo assim, a afecção envolve uma imagem ou ideia do corpo afetado, que implica 
num desencadeamento de um estado, ou uma resposta/efeito entre as interações do corpo-
objeto ou entre os corpos e o afeto estaria ligado a algo espiritual no sentido de algo mais 
processual - o resultado em fluxo ou como opera o contaminar destas respostas/afecções do 
corpo em relação aos estímulos dados pelo ambiente ou este estado que produz uma afetação 
interna ou um sentimento que se corporifica por respostas viscerais ou por ações ou 
movimentos corporais. O afeto envolveria um tempo – o que Deleuze (2002) denomina como 
uma linha melódica de variação contínua - que implica uma manutenção indeterminada deste 
estado gerado pelas afecções, desta contaminação provocada por esta relação estabelecida 
entre as potências dos modos existentes. 
Espinoza (2009) estabelece que dentro desta relação entre os modos existentes 
produtora de afeto envolvem afecções positivas e negativas, determinadas pelas paixões de 
alegria e tristeza. As afecções envolvendo tristeza envolvem uma tendência a destruição dos 
corpos e a um afastar dos corpos, enquanto que a alegria envolve uma expansão e afirmação 
17 
 
da potência pela harmonia provocada pelos modos existentes em relação, como nos explica 
Deleuze: 
É que a alegria, e o que dela resulta, preenche de tal maneira a aptidão para ser 
afetado que a potência de agir ou força de existir aumenta relativamente; e de 
maneira inversa com a tristeza. O conatus é pois o esforço para aumentar a potência 
de agir ou experimentar paixões alegres. 
(DELEUZE, 2002,p.107) 
Assim, o conatus, este estado de potência ativo e em ato, logra na medida em que há 
uma ampliação de potência ou energia em trabalho. A experimentação de paixões alegres 
proporcionada pelas relações dos modos significa a produção de afecções adequadas e afetos 
enquanto causa adequada na medida em que há uma ampliação da potência e a afirmação do 
ser atuante no mundo por esta expansão energética dentro destas afecções em fluxo. O afeto 
assim, se constitui enquanto as variações dentro de uma potência ampliada em trânsito por um 
encontro com um objeto ou corpo externo, que envolve uma postura do corpo-mente de 
disponibilidade e filtragem de afecções ativas na medida em que há uma energia do corpo 
pulsante e um movimento de manutenção e afirmação da vida de um modo existente em 
relação. 
Mas como isto poderia ser entendido dentro de um atletismo afetivo? Que relações 
estas afirmações de Espinoza trariam num treinamento afetivo solo? As afirmações de Artaud 
nos darão mais pistas. 
 
1.2. ARTAUD E O ATLETISMO AFETIVO 
Um atletismo afetivo enquanto procedimento atoral envolve um mecanismo de 
atuação que parte de uma corporificação da emoção ou uma corporificação afetiva, na qual o 
ator não abstraciona a emoção necessariamente, mas a induz pelo mecanismo respiratório 
associado a um trabalho muscular de esforço. Ao falar do seu atletismo afetivo enquanto 
procedimento atoral, Artaud tem como fio norteador a associação entre determinados pontos 
musculares do corpo a mecanismos respiratórios com o desencadeamento de determinados 
afetos, apesar de não explicitar exatamente quais pontos e mecanismos envolvidos. 
Este trabalho muscular toma como referência o atleta, com seu rigor e treinamento, 
mas se distingue enquanto finalidade e enquanto processo: se desvincula de um evento 
esportivo e de uma lógica de treinamento industrial e se aproxima do evento teatral e de 
aspectos de uma via artística de treinamento atoral afetiva que envolve uma memória 
muscular. 
Para servir-se da sua afetividade como o lutador usa a sua musculatura, é preciso ver 
o ser humano como um Duplo, como o Kha dos embalsamados do Egito, como um 
18 
 
espectro perpétuo cujas formas o ator verdadeiro imita, ao qual impõe as formas e a 
imagem de sua sensibilidade. 
(ARTAUD, 1993,p.153) 
Ver o ser humano como um duplo significa acessar outro nível de realidade. O atleta 
treina para o jogo – o seu esporte – para competir, e seu treino tem o valor do que Ferracini e 
Possani(2014) chamam de umadestrar, um acúmulo de habilidades ou práticas técnico-
mecânicas dos equipamentos físicos, condicionamento que visa uma intensificação de si a fim 
de atingir resultados e rendimentos específicos e da ampliação da capacidade muscular. O 
trabalho do ator em Artaud envolve também uma preparação física, mas não com a mesma 
ênfase do atleta, e sim num nível de condicionamento de uma corporeidade saudável a fim de 
que essa corporeidade se transforme e recrie através de relações. Isto envolve outra realidade, 
um tempo outro, num espaço de um viés artístico e menos comercial, dos afetos. 
O trabalho de um atletismo afetivo enfatiza também um processo de busca: 
O ator dotado encontra em seu instinto o modo de captar e irradiar certas forças; mas 
essas forças, que têm seu trajeto material de órgãos e nos órgãos, ele se espantaria se 
lhe fosse revelado que elas existem, pois nunca pensou que pudessem existir. 
(ARTAUD, 1993, p.153) 
Neste processo de busca o ator se atenta para os movimentos fluídicos da alma, se 
prepara para o espetáculo e também se desenvolve enquanto ser, ampliando o conhecimento 
que tem de si, através da matriz respiratória que alavanca de maneira artificial o afeto 
associada a um trabalho muscular levado até as últimas consequências no sentido de um rigor 
e precisão. Artaud (1993) inicia o capítulo postulando para desenvolver uma “musculatura 
afetiva que corresponda a uma localização física dos sentimentos”, ou seja, pontos musculares 
do corpo específicos que ativariam estados afetivos no ator. 
A respiração segundo Amaral (1984) é o modo pelo qual transportamos oxigênio do ar 
pelas células do corpo e também para queimar carboidratos, gorduras e proteínas, liberando 
nossas energias de sustentação. Além disto, segundo a autora (AMARAL, 1984, p. 99), a 
respiração é o modo pelo qual livramos nosso corpo de um subproduto do processo de 
combustão na respiração, o dióxido de carbono. Regulada pelo sistema nervoso central, a 
respiração seria a única função regulada por este que pode ser voluntariamente alterada. Para 
Artaud (1993), em seu atletismo afetivo, a respiração tem importância primordial, e são 
associados determinados padrões respiratórios a cada matriz de afeto: “A respiração 
acompanha o sentimento, e pode se penetrar no sentimento pela respiração, sob a condição de 
saber discriminadamente, entre as respirações, aquela que convém a este sentimento.” 
(ARTAUD, 1993, p.156). O mecanismo respiratório, feito voluntariamente e de forma 
mecânica, é associado a uma sensação/paixão dotada de materialidade fluídica. 
19 
 
Stein (2006) afirma que Artaud baseia suas ideias da respiração e consequentemente 
de um trabalho/treinamento do ator em princípios da Cabala e filosofia oriental, como o Ying 
e Yang e a noção de dualidade, masculino/feminino, cheio e vazio. Representados pelo 
ideograma chinês Tai-chi-Tzú, o ying-yang está ligado ao que Amaral (1984) denomina como 
uma polaridade energética e trabalha-se muito nos países orientais, como a China um 
equilíbrio destas energias, que correspondem a um equilíbrio do corpo, mente e alma, em 
constante fluxo e diálogo. O Ying e Yang são trabalhados segundo a autora (AMARAL, 1984, 
p. 14) a partir do fluir da movimentação do corpo e da respiração, num movimento de 
harmonia e equilíbrio da ação a partir da metáfora do círculo – movimentos rotativos e 
fluídicos. O ser humano está num movimento incessante de busca de equilíbrio da dualidade, 
através de um controle do corpo que visa um controle da polaridade energética e dentro disto 
a respiração se torna indispensável. 
 
 
Imagem 4 – simbologia do Ying Yang.“Toda situação (objeto, ser vivo, fenômeno, etc.) ocorre a partir da inter-
relação constante de Ying-Yang.” (AMARAL, 1984, p. 38). Dentro destas duas energias há a energia oposta, e 
existe uma gama de combinações energéticas que surge através da combinação destas energias. Estes princípios 
estão presentes em Artaud.1 
 
A dualidade/princípio binário presente no Ying Yang é um princípio motor no 
pensamento de Artaud segundo Virmaux (1978) – um pensamento da vida e do universo, uma 
aliança e oposição, um diálogo, um progresso pelo combate, duas formas de se relacionar no 
mundo. Estes princípios e elementos da filosofia oriental, quando se fala do ator e de seu 
atletismo aparecem segundo Stein (2006) nos três movimentos que compõem o fluxo 
respiratório: inspiração, retenção e expiração – o feminino, o neutro e o masculino, 
 
1 Fonte: http://solysmaroliveira.blogspot.com.br/2010/09/yin-yang-e-na-filosofia-chinesa-uma.html. Acesso em 
19/06/2014. 
20 
 
respectivamente2. Estes movimentos são associados com movimentações corporais precisas a 
fim de que se desencadeiem emoções/sensações associadas. Além disto, as diferentes 
qualidades de respiração – masculina, feminina e neutra ou masculina, feminina, e andrógina 
permitem ao ator estabelecer nuances de suas matrizes afetivas, produzindo qualidades 
diferenciadas em sua indução afetiva pelos ritmos respiratórios investigados pelo ator. 
Pois a respiração que alimenta a vida permite galgar as etapas degrau por degrau. E 
através da respiração o ator pode repenetrar num sentimento que ele não tem, sob a 
condição de combinar judiciosamente seus efeitos; e de não se enganar de sexo. É 
que a respiração é masculina ou feminina; menos frequentemente, andrógina. Mas 
poderá ser necessários descrever preciosos estados suspensos. 
(ARTAUD, 1993, p.156) 
Enumera-se em O teatro e seu duplo alguns pontos de esforço físico do pensamento 
afetivo, tais como o ponto da raiva, descrito com certa minúcia: 
Uma raiva superaguda e que se desmembra começa por um neutro estalante e se 
localiza no plexo por um vazio rápido e feminino, a seguir é bloqueada nas duas 
omoplatas, volta como um bumerangue e lança fagulhas masculinas, mas que se 
consomem sem avançar. A fim de perder o tom mordaz, conservam a correlação da 
respiração masculina: expiram com ênfase. 
(ARTAUD, 1993, p.152) 
Entretanto, Artaud (1993) não descreve muitos pontos associados a mecanismos 
respiratórios quando postula suas ideias em relação ao trabalho do ator. Por uma falta de uma 
prática de treinamento, acaba não desenvolvendo seus postulados, deixando assim lacunas a 
serem preenchidas por uma prática empírica laboratorial posterior de terceiros. Existem 
poucos exemplos estruturais afetivos em O teatro e o seu duplo que permitam ao ator testá-los 
e adequá-los a sua própria poética corporal e de treinamento. 
Como poderíamos entender as afirmações de Artaud dentro de uma possível prática de 
um atletismo afetivo? Se tomarmos as afirmações de Barba (1995) quanto a sua visão em 
relação a um treinamento de atores, pensar um treinamento de ator seria pensar um 
treinamento energético, o que significa uma busca de uma ampliação de uma potência nervosa 
e muscular. “Estudar a energia do ator, portanto, significa examinar os princípios pelos quais 
ele pode modelar e educar sua potência muscular e nervosa de acordo com situações não-
cotidianas” (BARBA, 1995, p. 75). Uma determinada linha de treinamento, seguindo estas 
 
2 É importante deixar claro que os gêneros não são preponderantes nas caracterizações das respirações, mas 
apenas uma forma de entendimento. Outras palavras poderiam ser usadas para explicitar essas qualidades 
diferentes de nuances respiratórias que na verdade indicam níveis de polaridades energéticas. Estes níveis não 
são fixos e sim variáveis: 
Em todo ator há uma mulher e um homem. [...] Seria igualmente um 
erro pensar que um ator é guiado somente por uma dessas energias: 
ambas estão sempre presentes, e um ator experiente sabe como 
equilibrar seu uso, acentuando uma ou outra de vez em quando. 
(BARBA, 1995, p.78) 
Assim, a caracterização masculino-feminino se dá em nível de nominaçãoa essas qualidades energéticas que o 
ator deve saber manipular, controlar, conter e utilizar de forma adequada através de um processo de treinamento. 
21 
 
afirmações, seria uma forma de manipulação ou um trabalho energético que o ator estabelece 
por uma prática empírica laboratorial, em que busca uma dinamização energética através de 
um trabalho pré-expressivo, anterior à encenação. 
Tomemos além dos postulados de Barba, os postulados de Deleuze (2002) e Espinoza 
(2009) quanto ao afeto. Em seu atletismo afetivo, Artaud (1993) nos parece sugerir caminhos, 
mesmo que no plano de ideias em detrimento de uma prática, a um trabalho energético. A 
consciência de uma materialidade fluídica da alma, ou uma materialidade dos processos 
subjetivos parece abarcar uma manipulação energética, ou um acordar das energias potenciais 
do ator para que ele saia da superfície géstica e tenha um diálogo psicofísico consigo, ao 
mesmo tempo em que se atenta para o seu redor. 
“Para Artaud, o corpo é o espaço energético que produz e movimenta as paixões” 
(ARANTES, 1988, p. 49). O corpo como espaço energético é o corpo como teatro dos afetos 
ou das afecções em trânsito, em que se busca a materialidade da alma. Esta materialidade 
fluídica da alma é proporcionada pelo movimento respiratório em suas nuances: 
contenção/suave – feminina; expansão/vigorosa – masculina e neutra ou andrógina, que 
associada com pontos do corpo possibilita uma manipulação de níveis energéticos. Artaud 
(1993) associa dentro destes três princípios seis combinações de respirações, num sistema 
complexo, tendo como base os tempos de respiração triádicos da cabala. Assim, através da 
combinação destes tempos e da contração de pontos específicos do corpo o ator dinamizaria 
suas energias e produziria qualidades afetivas. 
O importante é tomar consciência dessas localizações do pensamento afetivo. Um 
meio de reconhecimento é o esforço; e os mesmos pontos sobre os quais incide o 
esforço físico são aqueles sobre os quais incide a emanação de um pensamento 
afetivo. Os mesmos que servem de trampolim para a emanação de um sentimento. 
(ARTAUD, 1993, p.157). 
Tomar consciência das localizações do pensamento afetivo significa reencontrar essa 
materialidade fluídica da alma, que envolve a energia já mencionada e sempre um esforço. 
Stein (2006) enfatiza o esforço em Artaud, que decorre da sua visão de um teatro trágico, que 
sempre envolve um combate, uma luta contra o mal implacável: “A crueldade é a expressão 
do conflito primordial e incessante que dilacera o homem e o mundo.[...] A crueldade 
significa rigor, aplicação e decisão implacáveis, determinação irreversível, absoluta” 
(ARTAUD, 1993, p. 132). O mal pode ser visto como o mau encontro, que diminui a potência 
do corpo pulsante e a presença deste corpo no espaço. “O esforço físico tem o mesmo ponto 
de esforço do pensamento afetivo” (ARANTES, 1988, p. 54), ou seja, as afecções induzidas 
por uma acuidade do ator despertam qualidades volitivas de energia que em trânsito, com o 
movimento muscular e respiratório, desencadeiam determinadas qualidades afetivas. “Os 
22 
 
indivíduos que compõem o corpo humano, e, por conseguinte, o próprio corpo humano, 
podem ser afetados pelos corpos externos de grande número de modos.” (ESPINOZA, 2009, p. 
27), e estas afecções induzidas desencadeiam mudanças diferenciadas no corpo que tenta 
naturalmente se reorganizar em meio as induções de afecções de partes do corpo específicas e 
com as respirações produzidas, em meio a este empilhamento. O ator deve ampliar suas 
faculdades perceptivas para administrar e organizar estes encontros gerados pelas matrizes 
experienciadas. 
Há uma ênfase na respiração como um todo. “O esforço por simpatia acompanha a 
respiração e, conforme a qualidade do esforço a ser produzido, uma emissão preparatória de 
respiração tornará fácil e espontâneo este esforço.” (ARTAUD, 1993, p. 155). Existe um 
esforço natural e involuntário na respiração – Artaud sugere um esforço voluntário rigoroso 
que seja trabalhado a fim de que emanem determinados estados afetivos até que ele se torne 
natural ou espontâneo. A respiração, no entanto, não é o único caminho do ator em seu 
atletismo afetivo a fim de que produza novas qualidades corporais, porém é o aspecto em que 
há colocações mais precisas no capítulo. “No atletismo afetivo o ator produz o seu próprio 
corpo através da respiração” (ARANTES, 1988, p. 50). Há uma ênfase na respiração em todo 
o capítulo de Artaud enquanto ferramenta técnica, em detrimento de outros artifícios como o 
movimento, o espaço e também possibilidades de relação com o público. “[...] o sistema das 
respirações não é feito para as paixões medianas” (ARTAUD, 1993,p. 157). O sistema de 
combinações respiratórias não é feito para paixões medianas no sentido de que deve envolver 
causas adequadas com propriedades certas e um rigor, que desencadeiam uma ampliação 
energética e presença cênica do ator pela vibração de suas energias em fluxo. 
O atletismo afetivo implica num trabalho com potência e dinamização energética pelo 
afeto, que envolve uma acuidade do ator para ampliar o que Artaud (1993) denomina como 
densidade voltaica, uma busca de afecções alegres e de relações que ampliem e acordem a sua 
potência. O estado de potência ampliada, ou um conatus favorável – essa postura de 
contaminação ativa equivale a um estado situado acima das respirações, a que Artaud chama 
do estado de sativa: “o ator traz em si o princípio desse estado, desse caminho de sangue pelo 
qual ele penetra em todos os outros cada vez que seus órgãos potenciais despertam de seu 
sono” (ARTAUD, 1993, p. 156). O estado de sativa pode ser encarado como as energias 
potenciais do ator – a vida em potencial - que quando acordadas possibilitam essa irradiação 
de forças e uma vibração de energia em fluxo que gera presença cênica por um corpo-mente 
integrado e não mais meramente abstracionado. 
23 
 
 É o equivalente ao que Deleuze (2002) chama ao falar de Espinoza de um conatus 
bem sucedido, ou a potência de agir possuída – a virtude - algo superior atingido e 
conquistado pelas afecções alegres. Este estado é atingido pela manipulação das energias e 
pela ampliação de potências. Assim, o ator deixaria de ser um empírico grosseiro e possuiria 
um controle relativo de seus instintos na medida em que desenvolve esta acuidade através de 
um treinamento e preparação rigorosos. O ator em Artaud deve ser senhor dos seus afetos, na 
medida em que recria um corpo: realiza um controle relativo de suas afecções para que se 
produza determinadas qualidades de presença. 
Entretanto, um atletismo afetivo não enfatiza exatamente um teatro do ator: “o teatro 
se faz diretamente no palco, no confronto direto com o espaço e suas potencialidades 
provocativas” (ARANTES, 1988, p. 69). Um atletismo afetivo é antes de tudo uma forma de 
contaminação por relações do que um atletismo propriamente do ator – é uma forma de 
operacionalizar relações afetivas no palco, na cena. “Os movimentos musculares do esforço 
são como a efígie de um outro esforço duplo, e que nos movimentos do jogo dramático se 
localizam nos mesmos pontos” (ARTAUD, 1993, p. 151). Os movimentos musculares do 
esforço representam um outro esforço que envolve uma ampliação e manutenção energética 
antes adormecida. O artifício técnico é uma ferramenta que proporciona o atletismo afetivo, 
que se dá verdadeiramente no palco, e com todos os elementos – espaço, público, signos. 
 O combate e a ampliação de potência verdadeira se encontra no momento da 
encenação, o evento do acaso, no encontro com o público. 
Saber antecipadamente que pontos do corpo é preciso tocar significa jogar o 
espectador em transes mágicos. É dessa espécie preciosa de ciência que a poesia no 
teatro há muito se desacostumou. Conhecer as localizações do corpo é, portanto, 
refazer a cadeia mágica. E com o hieróglifode uma respiração posso reencontrar 
uma ideia de um teatro sagrado. 
(ARTAUD, 1993, p. 160) 
Refazer a cadeia mágica é através de um reverberar de forças que o ator possui e as 
deixa nascer e fluir, fazer reverbera-las e atingir o espectador, reencontrando uma ideia de um 
teatro sagrado não no sentido religioso, mas sim num sentido mágico, de evocação de uma 
força superior, cósmica, algo que existe em latência, mas num outro nível acima. “Trata-se na 
verdade de mudar de pele, de se deixar habitar pelas forças mágicas, como no transe dos ritos 
de possessão” (VIRMAUX, 1978, p.49). Estas forças mágicas envolvem um espaço ritual dos 
corpos em movimento e troca, em comunhão e compartilhamento no espaço cênico em que o 
espectador está envolvo num jogo de percepção, sensações, contágios e acessos a níveis 
diferenciados de realidades. “É preciso refazer a cadeia, a antiga cadeia em que o espectador 
procurava no espetáculo a sua própria realidade, é preciso permitir que esse espectador se 
24 
 
identifique com o espetáculo, respiração a respiração e tempo a tempo.” (ARTAUD, 1993,p. 
160). Esta identificação não é uma identificação passiva proporcionada por um teatro de 
abstração pautado na gestualidade da convenção e na literatura, mas uma identificação pelas 
sensações e recortes perceptivos que o espectador encontra num espaço de contágio em 
comunhão. Um atletismo afetivo é também uma forma de preparação do ator para esta 
comunhão, essa reforma no teatro idealizada por Artaud. 
Em suma, além de uma postura critica decorrente de um processo histórico de 
mudança, o atletismo afetivo pode ser encarado como um processo de busca do ator pela 
ampliação de suas pulsões de vida ou suas energias potenciais. Neste processo de busca, em 
que o ator é como o atleta a nível poético, o ator se utiliza do mecanismo respiratório e 
movimentos neuromusculares de esforço voluntário e consciente a fim de que se atinja níveis 
energéticos de presença. Tudo isto se dá num espaço de treinamento, cercado por um rigor e 
acuidade, a fim de que o atletismo afetivo verdadeiramente se dê na cena, em diálogo 
horizontal com o espaço e os demais elementos que a cena compõe. 
 
1.3. ATLETISMO AFETIVO, NEUROCIÊNCIA E METAFORICIDADE 
Pensar num atletismo afetivo também é problematizar a questão da relação corpo-
mente, e também a questão do funcionamento das emoções e sentimentos 3– o que envolve a 
questão dos afetos – no corpo. O neurocientista Antônio Damásio (2004) nos atenta a questão 
da mente e do dualismo de substância herdado por Descartes numa visão de que se tem da 
qual o corpo e suas partes são feitos de uma determinada substância concreta, ao passo de que 
os processos mentais – sentimentos, impressões visuais e auditivas – são feitos de outra 
substância não-física, adquirindo um estigma de algo oculto ou de um mistério inabordável. 
Estas mesmas questões, como já visto, reverberaram e reverberam ainda hoje nos modos de se 
pensar, conceber e trabalhar atuação e modos de treinamento atorais. 
Damásio (2004), através de uma visão integrativa corpo-cérebro-mente4, postula que 
existem regiões específicas do cérebro – as chamadas regiões somatossensitivas - que 
 
3 Damásio (2009) apresenta uma diferenciação das emoções e dos sentimentos. Pode-se entender o sentimento 
como algo que ocorre no interior do indivíduo através de complexas conexões neurais do cérebro. Através da 
consciência se tornam emoção – sua manifestação exterior e material – num movimento contínuo. Assim, para o 
autor (DAMÁSIO, 2009, p. 71), emoções seriam conjuntos complexos de reações físicas e neurais, que 
significam um afetar da paisagem do corpo e do cérebro: a manifestação exterior do fenômeno, enquanto os 
sentimentos estariam ligados a operação do fenômeno eletrofisiológico no interior do corpo. 
4 Damásio (2000) acredita num corpo-cérebro integrado, e faz uma divisão entre os conteúdos propriamente do 
cérebro e os processos da mente. Os conteúdos da mente são o que Damásio (2000) de espaço disposto, em que 
as imagens mentais se formam. “O conteúdo das disposições são sempre inconscientes, e existem de forma 
dormente” (DAMÁSIO, 2000, p. 418). O espaço de imagem, corresponde aos conteúdos cerebrais, e diz respeito 
25 
 
mapeiam diretamente alterações em estruturas do corpo, que envolvem determinados estados 
– sensações, emoções e sentimentos em determinadas circunstâncias, como forma de 
coordenação e regulação dos processos de vida do organismo como um todo. 
O corpo e a mente se auto-influenciam a partir das relações que compõem com o 
ambiente, e assim constroem-se o que se chama de padrões neurais no cérebro – respostas 
eletrofisiológicas do cérebro do que ocorre no corpo. “A construção dos padrões neurais tem 
como base uma seleção momentânea de neurônios e circuitos promovida pela interação com 
um objeto” (DAMÁSIO, 2004, p. 211). A partir destas relações, formam-se imagens na 
mente, que são resultados da percepção do corpo dessa experiência de relação com um objeto 
externo. “As imagens que temos na nossa mente, portanto, são resultados de interações entre 
cada um de nós e os objetos que rodeiam o nosso organismo, interações essas que são 
mapeadas em padrões neurais e construídas de acordo com as capacidades do organismo” 
(DAMÁSIO, 2004, p. 211). Estas imagens mentais não são espelhos do objeto externo, mas 
sim ideias ou afecções da mente em relação às relações produzidas no corpo, como nos fala 
Espinoza: “O objeto da ideia que constitui a mente humana é o corpo [...]” (ESPINOZA, 
2009, p. 23), o corpo em determinada circunstância/estado. As ideias da mente, deste modo, 
dependem de certas modificações ou afecções do corpo. 
Entretanto, Damásio (2004) atesta que, apesar de haver regiões do cérebro específicas 
criadora destas imagens de estados do corpo em relação, este mapeamento de relações não é 
constante, visto que outras regiões do cérebro podem influenciar estas regiões sensitivas. Este 
trabalho eletrofisiológico não é constante e está sempre sujeito a variações. Além disto, é 
possível criar esses objetos ou relações ficcionais com estes objetos na mente, através do que 
o autor chama de imaginação criadora, em que se representam relações espaciais e temporais 
entre objetos: 
É assim que representamos os acontecimentos que dizem respeito a esses objetos, e 
é assim que, graças a nossa imaginação criadora, podemos inventar novas imagens 
para simbolizar objetos e acontecimentos ou representar abstrações, novas imagens, 
que vão além das imagens baseadas diretamente no corpo. 
(DAMÁSIO, 2004, p.216) 
 Estes pressupostos de manipulação de imagens e criação de ficções de relações se 
aproximam do território do ator. Pensar um atletismo afetivo significa recolocar as 
capacidades do corpo num outro lugar, em que se pensa a criação de um corpo cotidiano num 
 
a atividade visível destes conteúdos das imagens mentais, no qual a consciência central é ativada. “O espaço de 
imagem é aquele no qual imagens de todos os tipos sensoriais ocorrem explicitamente”, e isto inclui os 
conteúdos mentais, nos quais algumas imagens tornam-se explicitamente conscientes e outras permanecem 
ocultas na mente, a nível inconsciente. Assim, para Damásio o cérebro, constituinte do corpo, estaria ligado ao 
desencadeamento atividades biológicas explícitas enquanto a mente estaria relacionada a nível de processos 
subjetivos mais ocultos. 
26 
 
outro plano de realidade – a ampliação das capacidades numa via artística de treinamento de 
criação e geração de determinados estados de corpo-mente extra-cotidiano que se utiliza de 
uma memória muscular, respiração e de um trabalho de relação de corpos-potência. Mas, 
além disto,pode-se pensar este atletismo como uma forma de geração de estados do corpo por 
uma manipulação de imagens ou afecções – uma forma de se “fabricar” ou transformar 
relações, um trabalho com a imaginação criadora. Tudo é um trabalho de administração de 
energias, num plano interno de organização e filtragem destas relações no corpo e também 
externo, sendo estas relações induzidas ou produzidas no acaso. 
No tempo de pensar em não querer, ou mesmo de não pensar, uma respiração 
feminina fatigada nos faz aspirar um mofo de porão, o hálito úmido de uma floresta; 
e neste mesmo tempo prolongado emitimos uma expiração pesada; enquanto isso, os 
músculos de todo o corpo, vibrando por regiões de músculos, não param de 
trabalhar. 
(ARTAUD, 1993, p.157) 
 Dentro da relação corpo-mente em Artaud há um elemento metafísico do cosmos ou 
uma energia superior, entretanto, ele tenta relativizar isto na busca de uma materialidade e 
domínio dos processos submersos na mente do ator. Assim como em Espinoza (2009), o 
atletismo afetivo é uma forma de pensar e relativizar os afetos a partir de um corpo-mente 
enquanto substância única, e com influências mútuas. Dentro disto em Artaud há a questão de 
um corpo em relação e também a criação e ficção de relações pela imaginação criadora. 
Não se trata então de se pensar modelos para se atingir determinada emoção em 
determinado ponto do corpo - como uma acupuntura de geração de sentimentos - mas de uma 
tentativa de trabalho eletrofisiológico consciente para o ator, na qual este tenta manipular suas 
imagens mentais em fluxo e criar determinados estados: 
Não se trata de apreender os gestos e ações, limitando-se a imagens construídas em 
taxionomias e categorizações pré-fixadas e localizadas (tal emoção, em tal parte do 
corpo), mas de perceber os estados possíveis do corpo em seu fluxo de imagens que, 
a cada nova circunstância, adentra ou afora o organismo. Soluções cênicas surgirão 
através destas conexões. 
(NUNES, 2009, p.118) 
Os estados que surgem no corpo, segundo Nunes (2009, p.118) são frutos deste 
trânsito simultâneo entre as imagens que se produzem fisicamente e no meio externo, num 
movimento dinâmico percepção-ação. Estas imagens são constantemente reconstruídas, e 
como solução cênica tende-se a se cristalizar num padrão metafórico gerado por percepções e 
ações corporais que há neste fluxo dinâmico de experiência. Através do que Nunes (2009) 
chama de um trabalho do ator sobre si mesmo, cabe o ator construir suas metáforas pessoais 
através de sua poética de modos de investigação, “tais como improvisação, exercício técnico e 
atenção constante, para que os atores ampliem a percepção e construção imagéticas” 
(NUNES, 2009, p. 119). Um atletismo afetivo parece se apoiar num território metafórico no 
27 
 
qual ator produz estados artificiais do corpo por sua percepção interna e objetos externos no 
ambiente. Nunes (2009) ressalta a importância do território metafórico na arte e na vida, como 
uma forma de compreendermos nossa relação com o corpo e o ambiente que nos cerca pela 
categorização através da experiência. 
Entender o atletismo afetivo enquanto prática, além de uma técnica ou procedimento 
técnico é ter a noção do afeto como algo num fluxo dinâmico e da necessidade de acuidade do 
ator para “ouvir” o seu corpo-mente e fazer emergir soluções para que, através de um 
processo de manipulação e produção de determinadas qualidades de energia, ele possa exercer 
um relativo controle sobre suas emoções e sentimentos, através de mecanismos diversos num 
território metafórico e num tempo outro, no qual o ator organiza seus materiais afetivos e 
entende sua relação entre interior e o ambiente ou os componentes cênicos. A partir de todos 
estes pressupostos, pode-se relacionar a ideia de atletismo afetivo com o procedimento de 
atuação por estados psicofísicos ou estados anímicos desenvolvido e aprimorado pelo ÁQIS – 
Núcleo de Pesquisa sobre Processos de Criação Artística, coordenado pelo professor André 
Carreira, do qual fiz parte que engloba o treinamento do espetáculo Projeto Artaud. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 
 
2 A PRÁTICA DE TREINAMENTO EM PROJETO ARTAUD 
2.1. ATUAÇÃO POR ESTADOS E A FIGURA DO PROVOCADOR CÊNICO 
O procedimento de atuação por estados psicofísicos ou estados anímicos foi 
desenvolvido e aprimorado pelo ÁQIS – Núcleo de Pesquisa sobre Processos de Criação 
Artística, que é coordenado pelo Prof. Dr. André Carreira. Segundo Carreira e Fortes (2011), 
este procedimento de atuação vem sendo testado desde 2007, e tem como conceitos centrais o 
grotesco sob uma perspectiva meyerholdiana de um corpo em inacabamento e desconstrução 
e a noção de empilhamento num plano afetivo, que significa uma justaposição aleatória de 
elementos contraditórios como matriz para o processo criativo5. Fiz parte do ÁQIS durante 
dois anos como Bolsista de Iniciação Científica (Cnpq) e neste período foram montados dois 
espetáculos-laboratório afim de se verificar resultados mais consistentes com o procedimento: 
Os pequenos burgueses, de Máximo Górki, e Baal, de adaptação do original de Bertolt 
Brecht. 
 
Imagem 5 – Apresentação do ÁQIS – Núcleo de Pesquisa Sobre Processos de Criação Artística do 
Espetáculo-laboratório Pequenos Burgueses, no qual testou-se o mecanismo de atuação por estados. Atores: 
Diego Di Medeiros, Lígia Ferreira, Adriana Patricia dos Santos, Naiara Alice Bertoli, Patricia Leandra e Isadora 
Peruch. 
 
Segundo Carreira (2011), a noção de estado consiste em “experimentar um teatro 
fortemente associado à noção de acontecimento e no qual o ator não seria apenas centro da 
representação, mas sobretudo agente de uma condição dessa representação como ato social” 
(CARREIRA, 2011, p. 12). O mecanismo básico de uma interpretação por estados anímicos 
 
5 Ler livro Estados – Relatos de uma experiência de pesquisa sobre atuação, no qual são relatados com mais 
profundidade a prática no ÁQIS. 
29 
 
ou psicofísicos assim, consiste uma experiência vivencial em que o ator experiencia imagens 
a partir da geração de seus afetos/sensações e a partir desta premissa associa o que produziu 
com “ações, textos das personagens, estímulos e releituras realizados pelo ator tendo como 
ponto de partida o jogo com os estados” (CARREIRA, 2011, p. 13). Um estado psicofísico 
pode ser entendido como uma gama de ações ou procedimentos corpóreo-mentais nos quais 
resultam numa sensação, que não necessariamente é uma emoção fixa, como alegria ou 
tristeza, mas também pode ser uma sensação ou emoção mais complexa. Os procedimentos 
corpóreo-mentais são mapeados e fixados, tornando-se matrizes dotadas de organicidade6. 
As matrizes sofrem modificações no empilhamento que ocorre com os elementos do 
aqui-e-agora da cena, visto que não existe uma primazia do texto escrito, bem como com a 
prática laboratorial. Desta forma, o procedimento tem um caráter representacional 
multidirecional e permeável ao elemento imprevisível do acaso, que é utilizado como material 
para a criação. O acaso é um elemento imprescindível e determinante, o que implica num 
risco, numa abertura de experiência para a contaminação. Este risco também engloba um fator 
negativo, visto que o estado abarca um controle que não é total, e nem sempre o estado 
potencializa os demais elementos cênicos presentes no espetáculo, como o conteúdo 
dramatúrgico. Ainda assim, mesmo com este fator negativo, a prática com o procedimento 
através de espetáculos-laboratório tem mostrado resultados interessantes e consistentes em 
geral. 
O método de trabalho do laboratório no tempo em que fui bolsista no ÁQIS esteve 
baseado na livre exploração dos estados através de exercícios individuais e em grupo. 
Habitualmente partíamos de uma roda que chamamos de a roda dos estados. Nesta roda qual 
cada um dos atores, a seu tempo, iniciava sua induçãoindividual de estímulos corporais com 
o fim de gerar estímulos que permitissem alcançar sensações, que não necessariamente 
emoções tais como tristeza ou alegria, mas algo que fosse provocado através desses estímulos, 
que poderiam ser mesclados com estímulos imagéticos mentais. Fazíamos também exercícios 
em duplas e trios com excertos de textos a fim de verificar resultados mais consistentes com o 
procedimento técnico. Também testamos outros estímulos em laboratório, como figurinos, 
alteração de iluminação na sala, alterações espaciais, entre outros. 
 
6 A organicidade quando se fala de uma atuação por estados deve ser entendida na acepção de Nunes (2009) 
enquanto metáfora de um corpo vivido, na acepção fenomenológica, em que “não temos um corpo vivido, mas 
somos um corpo, num entendimento enquanto relação e não como instrumento [...]. Um corpo que se vê vendo e 
se toca tocando” (MERLEAU-PONTY apud NUNES, 2009, p. 77). Portanto organicidade advém de um corpo 
enquanto sistema integrativo, permeável, relacional e aberto ao fluxo dos afetos. 
30 
 
Os espetáculos-laboratório Os pequenos burgueses e Baal foram tentativas de explorar 
o estado na cena. Cada um recebeu um papel e memorizamos o texto de cada personagem, 
além de fazermos leituras ativas em sala. Somado a isto, cada um tinha uma gama dos estados 
e o experienciava livremente a cada apresentação. Estes dois espetáculos também envolveram 
suas especificidades. Na fase inicial de Os pequenos burgueses, por exemplo, a cenografia era 
uma surpresa. Apesar de cada integrante do grupo contribuir como pôde com o empréstimo de 
móveis e objetos para a construção da cenografia, só fomos vê-la de fato construída na 
véspera da apresentação. Não houve um pré-contato com o espaço em dias anteriores – não 
tivemos tempo o suficiente de senti-lo, tocá-lo, ou ter um contato profundo anterior. Tudo 
aconteceu no momento de compartilharmos o experimento com o público. Já em Baal, 
procedimento posterior aos Pequenos Burgueses, houve uma prática de estados na rua, e 
também com uma cenografia limitada, em que havia um corredor de tecido no qual a cena se 
desenvolvia dentro dele. 
Minha prática solo de treinamento consistiu nesta atuação através de estados, partindo 
de procedimentos específicos: cada matriz de estado criada partiu de imagens mentais, 
mecanismos respiratórios e contração de músculos do corpo específicas. A prática solo em 
laboratório, em sua fase inicial, sempre contava com um convidado que funcionava como um 
provocador cênico. 
O provocador cênico é um termo relativamente novo empregado em práticas de 
treinamento e criação de espetáculos de Grupos de teatro brasileiros, como a Companhia Les 
Commediens Tropicales7, que é formada por alunos egressos da UNICAMP. Segundo Santos 
(2011), a figura do provocador cênico neste grupo é encarada como pessoas convidadas a 
assistirem os ensaios dos espetáculos e darem suas contribuições ativas, substituindo a 
tradicional figura do diretor. O provocador cênico pode trazer estímulos diversos, desde 
procedimentos técnicos que julgue pertinentes ao trabalho, até estímulos criativos que tragam 
novos elementos ao processo criativo. 
O provocador cênico no processo de treinamento em Projeto Artaud não substituiu a 
figura dos diretores, que também eram atores do espetáculo. Ao todo, foram 10 provocadores 
cênicos, sendo todos eles graduandos do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro da 
UDESC. Normalmente o provocador trazia algum estímulo – objetos, figurinos, acessórios, 
técnicas e procedimentos de atuação e treinamento – que provoca uma desestabilização e 
reorganização da criação. Estes estímulos sofreram uma filtragem e seleção pelos diretores, 
 
7 Ler dissertação Atores Negros e Atrizes Negras: Das Companhias ao Teatro de Grupo, de Adriana Patrícia dos 
Santos, que fala mais profundamente sobre o trabalho da Companhia. 
31 
 
reestruturando o treinamento já estabelecido e o material da cena. Quando há a prática com os 
estados, há inicialmente uma observação inicial do treinamento. Após isto, o provocador 
participa ativamente com estímulos aos procedimentos adotados, ou interferindo ativamente 
na prática laboratorial, com estímulos físicos, sonoros, com objetos e sugestões, provocando e 
alterando as matrizes já fixadas pela sua alteridade. 
A partir da prática num treinamento solo com os provocadores cênicos, havia um 
diálogo com o provocador sobre o processo do dia. Após isto, registrava em diários de bordo 
a experiência a fim de tentar estabelecer notas sobre o que foi testado e recolher estímulos 
para que servissem como material criativo para o espetáculo. 
 
2.2. O ESTADO COMO MATRIZ CRIATIVA: A PRÁTICA DO ESTADO COMO UM 
TREINAMENTO PSICOFÍSICO DO ATOR 
Com estes postulados pode-se afirmar que um estado envolve um exercício de auto 
percepção de sensações complexas a fim de que se gere uma série de afecções. A roda dos 
estados, no ÁQIS, era uma forma de se marcar bem esta etapa: cada um, a seu tempo, iniciava 
seu exercício de busca, procurando filtrar e gerar afecções alegres, ampliadoras de suas 
próprias energias em potencial até que houvesse uma territorialização relativa de um 
determinado fluxo de energia no corpo. Em meu processo de treinamento, as afecções se 
davam individualmente. As afecções envolviam contrações de pontos específicos do corpo ou 
ações corporais e padrões de imagens mentais, que dialogavam e potencializavam as ações. A 
partir disto, desencadeava-se certo estado – uma sensação ou espécie de resposta do corpo ao 
processo. O estado trabalhando energeticamente no corpo seria o afeto ou as mudanças desta 
energia no corpo. Testava diversos níveis dentro destes estados: mínimo, médio e extremo, e 
dentro disto a respiração era muito importante em seus movimentos de contenção, expansão e 
relaxamento, ou denominados por Artaud (1993) como masculino, feminino e andrógino. Isto 
me trazia qualidades energéticas diferenciadas. Procurei a cada estado associar padrões 
respiratórios e determinadas imagens mentais. 
 Os estados eram trabalhados individualmente e também através da figura do 
provocador cênico já mencionada. Dentro de um atletismo afetivo, pode-se pensar o estado 
como uma forma de conquistar dinamização de uma materialidade fluídica da alma, ou uma 
forma de se produzir níveis de energia afetivos e dinamizá-los, recriando-os e manipulando-os 
num plano relacional. Dentro deste plano relacional há o encontro – o que Espinoza (2009) 
chama como uma forma de ampliação de potências pelos encontros dos modos de existência – 
no caso dos atores. A desestabilização e reorganização da criação seria uma forma de 
32 
 
dinamizar estas energias geradas pelo encontro, e a partir dessa série de vivências, criou-se 
uma gama de matrizes. 
O treinamento com o provocador foi uma forma de desterritorialização do estado que, 
na medida que se ampliava uma energia, novas afecções surgiam pela abordagem do 
provocador e geravam-se outras matrizes dentro do encontro de corpos. O encontro era uma 
forma de descobrir a capacidades do corpo e também o próprio estado, em suas nuances e 
transições. A partir das experiências com o provocador, refazia em laboratório a gama de 
ações e imagens mentais envolvidas dentro do estado, a fim de que as afecções envolvidas 
fossem bem fixadas num determinado padrão, numa busca do que Artaud (1993) denomina 
um tempo, um determinado pulsar inicial. Após esta série de vivências, eram criadas o que se 
pode chamar de matrizes, numa tentativa de manipulação deste conteúdo eletrofisiológico 
consciente, que é passível de exploração: 
Ela, como material inicial, pode ser moldada, remodelada, reconstruída, segmentada, 
transformada em sua fisicidade no tempo/espaço, tendo como única condição a 
necessidade de semanter seu coração, o ponto de organicidade que não põe ser 
perdido, que é a essência da ação/matriz, ou seja, sua corporeidade. 
(FERRACINI, 2001, p.16) 
Artaud (1993) como já dito sugere algumas matrizes em seu atletismo, como a raiva, 
associada a nuances respiratórias e pontos específicos do corpo. Entretanto, tanto as matrizes 
não devem ser encaradas como uma série de modelos a serem reproduzidos como um manual 
de emoções universal, e sim procedimentos a partir de poéticas pessoais. Dentro da póetica 
pessoal de cada ator, com cada corpo e singularidade, a matriz implica numa série de afecções 
que envolvem uma gama de ações corporais – fluxo respiratório, contração de pontos do 
corpo e imagens mentais – geradoras de um determinado fluxo afetivo dentro de um plano 
interior. 
A matriz é gerada por relações – ficcionalizadas individualmente e/ou através da 
intervenção do provocador. À medida que é explorada, seja em cena, ou em laboratório, a 
matriz é permeável ao acontecimento. “[...]a capacidade de afeto de uma matriz determina sua 
própria potência” (FERRACINI, 2009, p.126), ou seja, a capacidade de sua porosidade, na 
medida em que o corpo afirma a sua potência e deixa reconstruir-se por novas afecções que 
geram novos estados afetivos dentro deste fluxo de diferenciações. A matriz é uma premissa 
ou um material inicial, uma forma de se pensar uma energia ou qualidade de afecção inicial 
que se tornará permeável aos objetos externos – a cena ou o trabalho em laboratório - e 
também ao processo de criações de ficções num plano interior com a imaginação criadora. 
A criação de uma matriz também pode ser pensada como uma forma de enganar o 
cérebro, pela manipulação de afecções corporais específicas que induzem um trabalho elétrico 
33 
 
pela tentativa de manipulação neuromuscular consciente. É uma forma do que Damásio 
(2004) chama de mapeamento falso do corpo pela mente, na medida em que criam-se, 
induzem-se e fabricam-se relações do corpo consigo mesmo e também com o ambiente que o 
circunda. As matrizes foram criadas individualmente e também através dos estímulos dados 
pelos provocadores cênicos. Os estímulos ou eram pedidos previamente por mim ou eram 
dados pelo provocador cênico, que tinha uma postura mais ou menos ativa, variando a cada 
dia em que havia a abordagem do provocador. Diversos foram os estímulos recebidos tais 
como: 
- agressões verbais e físicas; 
- abordagem com objetos como corda, apito, confete; 
- busca de relação ativa no jogo entre eu e o provocador, como contato físico ou textos 
improvisados; 
- sugestões de deslocamento espacial e alteração do espaço pelo provocador; 
- sugestões de procedimentos específicos dadas pelo provocador para composição de 
uma possível matriz de estado, como frequência respiratória, imagem mental e contrações 
musculares específicas. 
A partir da premissa do estado, treinamento sobre si, e do trabalho com os 
provocadores cênicos foram criadas matrizes em meu processo de treinamento. Estas foram 
esquematizadas no quadro abaixo, como forma de melhor entendimento de como cada matriz 
foi construída e pensada: 
 
Quadro 1: Relação de matrizes criadas em meu processo de treinamento. 
 
 
Estado 
 
Partes do corpo 
envolvidas/ Ações 
Corporais 
 
Imagens Mentais 
Utilizadas 
 
 
Respiração 
 
Vazio Relaxamento de todos 
os músculos do corpo. 
Tentativa de 
“esvaziamento” do 
pensamento. 
Fluxo 
respiratório 
lento e suave. 
Ave Movimento de abertura 
dos braços, abertura 
das intercostais. 
A imagem mental 
usada é a de que se 
está num campo, 
numa montanha, a 
ponto de voar, o 
que gera uma 
sensação de 
êxtase. 
Fluxo 
respiratório 
suave e lento 
que vai se 
intensificando e 
aumentando a 
velocidade. 
34 
 
Fonte: produção do próprio autor. 
 
 As matrizes foram empilhadas com o texto. Testava diferentes estados com as 
diferentes cenas em laboratório, a fim de se compor uma determinada dramaturgia inicial a 
partir das matrizes. “O treinar é uma busca de estados de tempo de afetar-se, e não exercícios 
executados em um espaço-tempo exato, em um agir mecânico” (FERRACINI, 2009,p. 128). 
 
 
Estado 
 
Partes do corpo 
envolvidas/ Ações 
Corporais 
 
Imagens Mentais 
Utilizadas 
 
 
Respiração 
 
Duplo Contrações nos glúteos 
e antebraços. 
Uma mãe segura 
um filho 
ensanguentado nos 
braços, o que gera 
uma sensação de 
impotência/agonia. 
Fluxo 
respiratório 
lento e suave. 
Enfermeira 
 
 
 
 
Movimento de abertura 
dos braços e mãos e 
contração súbita e 
rápida dos músculos do 
braço. 
Uma enfermeira 
nua vem em minha 
direção me dar 
uma injeção com 
uma seringa, e a 
sensação gerada 
era de prazer. 
Fluxo 
respiratório 
muito lento e 
pausado. 
Ansiedade/Agonia Sacudir as pernas de 
modo rápido. 
Imagem de que eu 
esperava alguém 
chegar numa sala 
de espera. 
Fluxo 
respiratório 
intenso e 
irregular, ora 
pelo nariz, ora 
pela boca. 
Choro Contração do queixo, 
mãos e pés de forma 
rápida. 
As imagens 
mentais eram 
diversas e isto 
ajudava a manter o 
estado, como por 
exemplo a de que 
eu estava numa 
sala e todos numa 
platéia riam de 
mim, e aquilo me 
causava angústia. 
Respiração 
intensa pelo 
nariz e soltando 
pela boca, com 
uma expiração 
entrecortada, 
soltada com 
ativação do 
diafragma. 
Constrangimento Movimentos sutis nos 
quadris com contrações 
bruscas abdominais, 
movimentos nas 
articulações dos pulsos 
e dedos. 
Várias pessoas 
numa grande 
Dionisíaca; a 
sensação é de um 
constrangimento 
somado a risos 
discretos, 
abafados. 
Fluxo 
respiratório 
médio e suave. 
35 
 
Um atletismo afetivo é uma forma de construção do que Ferracini (2009) denomina vivências 
– ou experiências intensivas no corpo a fim de que na cena, essas experiências se reorganizem 
e se redimensionem em potência, uma busca de estados dentro de um treinamento psicofísico 
do ator. Dentro desta busca de estados de tempo de afetar-se deve haver o conatus, ou uma 
postura de acuidade defendida por Artaud (1993) a fim de que se filtrem as relações 
proporcionadas pelas vivências, aproveitem-se afecções alegres e criem-se matrizes dotadas 
de organicidade que possibilitem uma permeabilidade, um pulsar energético no qual se cria 
um estado de presença por atos volitivos do corpo. 
Artaud buscava um sistema de exemplos estruturais dentro de seu atletismo: “Quis dar 
apenas alguns exemplos em torno de alguns princípios fecundos que constituem a matéria 
deste texto técnico. Outros erigirão, se tiverem tempo, a completa anatomia do sistema.” 
(ARTAUD, 1993, p.159). A completa anatomia de um sistema de um atletismo afetivo é 
singular a cada ator, pela composição de afecções gerada por suas próprias matrizes, sua 
singularidade do corpo-mente, e modos de se compor seu próprio treinamento psicofísico 
enquanto ator-criador. Um espaço de treinamento, gerador de experiência que envolve um 
tempo outro, tão difícil no contexto cotidiano atual de velocidade de informação e dissolução 
de relações interpessoais, envolve também uma geração de uma consciência de outro eu, pelos 
deslocamentos gerados que uma auto-exploração envolve. É reflexo também de uma solidão 
do ator e do seu discurso enquanto criador e articulador de si mesmo, que reflete um contexto 
econômico e de dificuldades que o fazer teatral envolve. 
Um treinamento do ator sobre si mesmo, aliado a uma pesquisa auto-etnográfica exige 
o redobramento de uma acuidade e autoexame. Na crise de representação numa pesquisa 
autoetnográfica citada por Fortin (2009) em que o pesquisador é seu próprio objeto de 
pesquisa, existe um desligamento ou descentramento de um eu a fim de se repensar uma 
experiência atoral e de se articular um discurso enquanto pesquisador para um outro. “O 
pesquisador que participa de um projeto de um artista, que observa durante um longo período 
de tempo, que o escuta e o questiona, não produz uma descrição da realidade, mas 
principalmente

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