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14 - Fundamentos antropo-filosóficos da educação

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163
FUNDAMENTOS ANTROPO-FILOSÓFICOS DA 
EDUCAÇÃO
Luiz Gonzaga Gonçalves1
Apresentação
Você é convidado(a) agora a ingressar no universo da antropologia 
Þ losóÞ ca da educação. As palavras podem parecer distantes, mas quando falamos 
da antropologia estamos trazendo para a discussão o ser humano, sua vida e 
seus modos de ser, pensar e agir em seus contextos vitais. Quando falamos de 
antropologia Þ losóÞ ca queremos saber como o ser humano vai construindo seus 
processos de compreensão de si e do mundo e em que bases encontra sustentação 
para se pronunciar sobre seu saber e conhecimento.
Na longa aventura humana sobre a terra temos dado provas de que somos 
capazes de aprender durante toda a vida, de crescermos em diferentes níveis e 
em diferentes profundidades de aprendizagem. As disponibilidades abertas de 
nosso cérebro, os domínios da linguagem e da comunicação, as habilidades de 
nossas mãos, o andar bípede, nossa longa infância e adolescência, entre outras 
características, permitiram que criássemos formas de organização grupal e 
social complexas, supondo uma aprendizagem continuamente aberta. São 
essas disponibilidades humanas e sociais para aprender a ser e a conviver, que 
nos levam, como educadores, a indagar pelas visões de mundo que se Þ zeram 
hegemônicas e pelos caminhos conß ituosos de recepção e de integração ativa na 
sociedade de todos os seus membros.
Como você verá, o convite para o Curso inclui um recuo no tempo, para 
revermos as heranças Þ losóÞ cas que prevaleceram com suas concepções de 
mundo, de ser humano, de sociedade e de natureza, capazes de orientar modos 
de pensar e de agir. As incursões pretendem inspirar as buscas de hoje, quando 
as tarefas educacionais emergem dos espaços onde nos encontramos, da direção 
que pretendemos seguir e dos motivos que orientam nossas decisões.
Interessa-nos, de modo especial, como latino-americanos, como brasileiros, 
os vínculos entre educação e política, que demarcam conß itos, e transformam 
diferenças em grandes desigualdades. No começo do século XX 75% da 
população brasileira eram analfabetos. Vamos rejeitar os saberes de coisas da 
vida que temos acumulado ao longo dos séculos ou vamos incorporá-los em 
nossas propostas pedagógicas? As pedagogias não conformistas se erguem das 
inquietações em torno dos entendimentos que construímos acerca dos processos 
através dos quais são construídas as sociedades, e com elas os conhecimentos e 
saberes hegemônicos. Nem por isso vamos desconsiderar as vias inteligentes de 
aquisição de saberes, muitas vezes desprezadas. 
Uma Þ losoÞ a ß exionada a serviço da educação e da vida é de se esperar que 
corresponda a um pensamento complexo, aberto à inovação e ao diálogo frente 
aos domínios vários do saber e do conhecimento. Estar na vida é ter a certeza 
1 Professor, mestre e 
doutor em educação, com 
graduação em Þ losoÞ a 
e pedagogia; vinculado 
ao Departamento de 
Fundamentação da 
Educação, do Centro 
de Educação, da 
Universidade Federal da 
Paraíba.
164
de poder experimentar crises, superações e busca de alternativas para pensar um 
mundo onde todos os seres humanos possam encontrar uma morada digna.
Os objetivos que pretendemos alcançar
Vamos trabalhar a partir de três grandes objetivos. Queremos identiÞ car 
as heranças Þ losóÞ cas que prevaleceram com suas concepções de mundo, de 
ser humano, de sociedade e de natureza, capazes de orientar modos de pensar 
e de agir. Queremos examinar as orientações que dizem respeito aos avanços do 
conhecimento, predominantes na civilização ocidental, muitas vezes postos a 
serviço de poucos. Por Þ m, queremos contribuir para a aÞ rmação de uma ação 
pedagógica voltada para a promoção do ser humano, de modo a fortalecer as 
buscas e intervenções a serviço de um convívio social onde todos encontrem um 
lugar digno de habitar. 
As unidades temáticas
Vamos trabalhar com três unidades temáticas. Na primeira vamos nos 
deter no universo da antropologia Þ losóÞ ca grega, procurando identiÞ car seus 
pressupostos e preocupações. Vamos mostrar como a Þ losoÞ a grega vai deixando 
para trás os domínios da sabedoria de vida, que não oferecem bases seguras 
para o conhecimento. Vamos nos deparar especialmente com as contribuições de 
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Na segunda unidade vamos ver como a Þ losoÞ a na modernidade desvenda 
novas necessidades e horizontes para o pensamento, redimensionando a 
pergunta sobre a capacidade humana para conhecer. Veremos alguns aspectos da 
contribuição de Descartes e Bacon e de Comenius. O último procura desenvolver 
uma pedagogia aberta às novas idéias de seu tempo.
Na terceira unidade vamos ver como Rousseau abre caminhos para uma 
pedagogia da existência, rompendo com a pedagogia da essência, descortinando 
novas bases para uma educabilidade aberta ao universo da criança e à 
importância da aprendizagem. Vamos ver como a Escola Nova no século XX 
aprofunda as idéias apresentadas por Rousseau. Vamos ver também que o século 
XX vai aos poucos inserindo efetivamente o Brasil nos problemas políticos e 
pedagógicos de seu tempo. Encerramos a terceira unidade fazendo um balanço 
das heranças educacionais que nos alcançaram durante nossa formação escolar.
Encaminhamentos e processos de avaliação
O processo avaliativo incluirá alguns exercícios para que você, aluno(a) 
possa apropriar-se dos conteúdos e dos problemas levantados pelos textos 
selecionados. Você fará textos curtos que serão pedidos ao longo do curso, com 
os quais você trará sua contribuição a partir das leituras propostas. Nessas 
atividades teremos no seu conjunto uma das três notas Þ nais.
A avaliação incluirá um convite para que você tente inventariar a sua 
experiência discente, desde sua iniciação escolar. Interessará neste inventário, 
165
neste memorial discente, que você avalie o alcance daquilo que compôs as 
dimensões fundamentais do seu processo educativo escolar. Você pode destacar 
aspectos positivos ou negativos presentes. Por exemplo, inventariar o que Þ cou 
de marcante dos seus contatos, do seu manuseio dos livros didáticos; o que 
Þ cou de marcante de sua relação com as bibliotecas das escolas; o que Þ cou de 
marcante dos recursos didáticos utilizados pelos professores até aquilo que 
hoje chamamos de ensino fundamental, de ensino médio. Você é convidado 
a inventariar as opções de avaliação da aprendizagem, inventariar aspectos 
marcantes do contexto da época, no qual a(as) escola(as) estava(m) inserida(s).
Com a produção do inventário escolar, resvalando em saudades e 
vivências, a meta é a de tentar desvendar, com os olhos de hoje, os Þ ns e objetivos 
muitas vezes implícitos que eram atingidos, com as orientações pedagógicas e 
didáticas dominantes vividas por você, até chegar à universidade. A primeira 
parte do trabalho que corresponde ao inventário dos aspectos relevantes de sua 
aprendizagem escolar equivale a segunda nota Þ nal.
A partir desse inventário discente, você é convidado a fazer uma segunda 
parte de seu memorial adotando um conceito de educação. Com esse conceito que 
pode ser seu ou buscado na literatura educacional, você é convidado a identiÞ car 
as direções, as concepções de mundo que orientaram as opções pedagógicas e 
didáticas vividas por você como aluno(a) e as que você apontaria como válidas 
hoje para as novas gerações que chegam aos espaços escolares. Com a segunda 
parte crítica do seu memorial completaremos as três notas.
167
 UNIDADE I
A FILOSOFIA GREGA ANTIGA: Pressupostos e 
Preocupações
1.1 Atividades Introdutórias
Que tal “quebrarmos o gelo”, começando por concentrar nossa atenção 
na etimologia de algumas palavras consagradas, que retratam a vida na escola, 
nossas conhecidas de longa data?
A atividade Þ losóÞ ca desenvolve um cuidado especial com as palavras que 
utilizamos. Quer saber o alcance que elas têm para descrever e dar signiÞ cado 
para as coisas que se desdobram no mundo onde nos movemos. As atividades 
da Þ losoÞ a da educação também nãose descuidam das palavras que podem nos 
ajudar a demarcar os caminhos, a coerência das respostas perante os desaÞ os 
educacionais, de ontem e de hoje. Querem nos ajudar a ver os horizontes 
demarcados, as compreensões acerca do que se espera da disponibilidade do ser 
humano para se educar. Uma antropologia Þ losóÞ ca a serviço da educação quer 
saber, portanto, qual compreensão decisiva de ser humano, de sociedade, de vida 
orienta as buscas, faz surgir os problemas considerados relevantes. A tentativa é 
a de caminharmos próximos das teorias e práticas, que ontem e hoje disputam o 
poder de dizer o que deve ser a educação, para que e para quem ela serve. 
1.2 Etimologia das Palavras no Espaço da Educação Escolar1
- Aluno – alumnus,.i;criança que se alimenta no peito; aquele que se 
alimenta dos bocados que provém do magistério. Em decorrência: pupilo, 
discípulo.
- Aprender – a) apprehendere: agarrar, apanhar, segurar, apoderar-se de algo, 
porque é precioso e não se deve escapar. Em decorrência: tomar conhecimento de, 
reter na memória. b) discere – aprender, de onde deriva a palavra discípulo.
- Educar – a) educare: criar, amamentar. Em decorrência: instruir, preparar 
para a vida. b) e-ducere: e: para fora; ducere: conduzir; dar à luz; fazer surgir. Em 
decorrência: ajudar a conduzir de uma situação à outra; ajudar a modiÞ car.
- Ensinar: - insignire: assinalar, distinguir, colocar um sinal, mostrar, indicar. 
Em decorrência: indicar o caminho para aprender.
- formação: “fromage”, em francês: provém da ação de dar forma, de 
conÞ gurar, como os moldes dão forma aos queijos.
- Instrução – instructio,.onis: construção, ediÞ cação.
- Mestre - magister,.tri: o que sabe mais2 (magis), o que dirige, conduz.
- Pedagogo – do grego paidogogós (pais, paidos: “criança! E agogôs: “guia, 
condutor”): escravo que acompanhava as crianças à escola; depois: mestre, 
preceptor.
1Quando os vocábulos 
apresentados não têm 
origem no latim, serão 
destacados de onde se 
originam. Ver Maria 
Lucia ARANHA. FilosoÞ a 
da Educação. São Paulo. 
Moderna. 1989. p. 58. Ver 
Ernesto Faria. Dicionário 
Escolar Latino-Português. 
Revisão de Rute J. de 
Faria. 6ª ed. Rio de 
Janeiro. FAE. 1991). Ver 
também Octavi Fullat. 
FilosoÞ as da Educação. 
São Paulo. Vozes. 1994.
2Esclarece Octavi Fullat 
(1994, p. 35) que o poderio 
físico, moral e cultural do 
mestre fundou a concepção 
educativo-ensinante que 
prevaleceu durante séculos. 
A Escola Nova modiÞ cou 
paulatinamente, e apenas 
em determinados ambientes, 
os signiÞ cados desses 
signiÞ cantes
168
6VOLTAIRE. Zadig ou o 
destino: história oriental..
Rio de Janeiro. Ediouro. 
S/d.
- Saber – sapere: ter sabor, agradar ao paladar; saber, conhecer, aprender.
- Texto – textum,.i: tecido, pano; obra formada por várias partes reunidas.
1.3 Um antigo conto fi losófi co oriental e a sabedoria da atenção
Pudemos ver que os vocábulos que giram em torno do universo escolar 
brotam da vida, muito antes que a sociedade contasse com um espaço 
especializado para a aquisição dos saberes considerados relevantes. Assim, 
iniciamos nossa caminhada com um longo recuo no tempo. Por isso, importa 
a atenção para algumas setas, alguns entalhes3 que apontam para antigas 
compreensões do que seja exercitar uma Þ losoÞ a de vida. Para realizar isso, você 
terá ao seu dispor um conto4, sem autoria deÞ nida, que poderia ser escrito em 
qualquer região do planeta, inclusive em nosso nordeste rural brasileiro. 
Em seguida, você terá a oportunidade de examinar alguns termos de 
origem muito antiga, heranças da cultura e da Þ losoÞ a grega, indispensáveis até 
hoje. Graças à contribuição da professora de Þ losoÞ a da Universidade de São 
Paulo, Marilena Chauí, os termos Þ losóÞ cos são apresentados com seus vínculos 
e dependências com as experiências gregas mais humildes. Veremos, de início, 
apenas seis desses termos Þ losóÞ cos. Meu interesse principal com eles é demarcar 
as despedidas que a Þ losoÞ a grega faz, de modo consciente e deliberado, do que 
há de melhor dos saberes do senso comum5. A Þ losoÞ a grega critica os riscos que 
envolvem tais saberes, seu alcance limitado, e especialmente as diÞ culdades para 
reproduzir tais habilidades. 
Feito isso, você será convidado a ler a Alegoria da Caverna, de Platão. 
Trata-se de uma abordagem memorável acerca da contribuição da Þ losoÞ a 
para o campo da educação. A alegoria quer ser um sinal de alerta sobre os 
enganos que podem submeter os humanos dotados de sensibilidade e razão. A 
alegoria quer ser abrangente o suÞ ciente para oferecer algumas dicas para que 
não nos percamos nos espaços tateantes das sombras, da incerteza. Quando a 
narrativa apresenta sua opção pelos caminhos da razão, ela já detém um sentido 
pedagógico orientador.
1.3.1 A experiência de Zadig, apresentada por Voltaire6
Como já destacamos, trata-se de um texto de origem remota, sem autoria 
deÞ nida, recuperado por Voltaire (1694-1778). A sugestão é a de que você faça 
sua leitura, com o compromisso de lembrar de alguma pessoa conhecida, dotado 
das astúcias e habilidades parecidas com as do personagem principal do texto.
Zadig convenceu-se de que o primeiro mês do casamento, como está escrito no 
livro do Zenda, é a lua-de-mel, e que o segundo é a lua-de-fel. Pouco tempo 
depois viu-se obrigado a repudiar Azora,que se tornara difícil de aturar, e 
procurou satisfação no estudo da natureza. “Ninguém é mais feliz – dizia ele, 
- que um Þ lósofo que lê o grande livro aberto por Deus diante dos nossos olhos. 
São suas as verdades que descobre: alimenta e educa a alma, vive tranqüilo; 
nada receia dos homens, e sua meiga esposa não vem cortar-lhe o nariz.”
3Abertura ou corte feito 
na madeira ao alcance 
dos olhos para orientar 
o caminhante em meio 
a ß orestas onde não há 
trilhas perfeitamente 
delimitadas (cf. Arseniev, 
1989: 46-49)
4Você verá que o conto é 
paradigmático, remete 
às origens longínquas do 
ser humano caçador, que 
é capaz de orientar-se 
e obter êxito servindo-
se apenas dos indícios, 
dos fragmentos de 
informação. Ver sobre 
isso Ginzburg (1989: 143-
79)
5É importante que você 
saiba o que pensa seu 
professor: defendo e 
estou evidenciando isso, 
de que há uma sabedoria 
de vida reÞ nada e 
disponível para qualquer 
pessoa letrada ou não. 
Para isso a pessoa precisa 
ser capaz de desenvolver 
uma capacidade de 
se concentrar, de 
desenvolver um senso de 
atenção e de observação 
ativa, para não ser 
surpreendida facilmente 
pelos eventos futuros.
169
 Cheio destas idéias recolheu (sic) a uma casa de campo à beira do Eufrates, 
onde não se ocupava a calcular quantas polegadas de água correm por segundo 
sob os arcos de uma ponte, ou se no mês do rato cai uma linha cúbica de chuva a 
mais do que no mês do carneiro. Não cuidava de fazer seda com teias de aranha, 
nem porcelana com cacos de vidro, antes estudou sobretudo as propriedades 
dos animais e das plantas, não tardando a adquirir uma sagacidade que lhe 
apontava mil diferenças onde os outros homens viam só uniformidade. 
 Certo dia passeando na orla de um bosque, viu aproximar-se um eunuco da 
rainha seguido de vários oÞ ciais que pareciam tomados da maior inquietação, 
e corriam de um lado para outro como pessoas extraviadas em busca da maior 
preciosidade perdida.
 - Moço – perguntou-lhe o eunuco, - por acaso não viu o cachorro da 
rainha?
 Zadig respondeu modestamente:
 - Creio tratar-se de uma cadela e não de um cachorro.
 - Tem razão – volveu o eunuco.
 - É uma cachorrinha de caça que deu cria há pouco tempo; manqueja da 
pata dianteira esquerda e tem orelhas muito compridas.
 - Viu-a então? – Tornou o eunuco esbaforido.
 - Não – respondeu Zadig, - nunca a vi e nem mesmo sabia que a rainha 
tivesse uma cadela. Justamente nessa ocasião, por um capricho muito comum 
da sorte, o mais belo cavalo das coudelarias do rei fugira das mãos de um 
palafreneiro para as campinas da Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros 
oÞ ciais andavam atrás dele comtanta apreensão quanto a do eunuco atrás da 
cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira passar 
o cavalo do rei.
 - É o cavalo que melhor galopa - respondeu Zadig; - tem cinco pés de altura 
e os cascos muito pequenos; sua cauda mede três pés de comprimento e as 
rodelas do seu freio são de ouro de vinte quilates; usa ferraduras de prata de 
onze denários.
 - Que caminho tomou ele? Onde está? – perguntou o monteiro-mor.
 - Não sei – respondeu Zadig; não o vi nem nunca ouvi falar nele
 O monteiro-mor e o eunuco Þ caram certos de que Zadig tinha roubado 
o cavalo do rei e a cadela da rainha, e levaram-no à presença do grande 
Desterham que o condenou ao knut, e a passar o resto do seus dias na Sibéria. 
Mal havia terminado o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela. 
Os juízes viram-se na desagradável contingência de reformar a sentença, mas 
condenaram Zadig a pagar quatrocentas onças de ouros por dizer que não 
vira o que tinha visto. Primeiro ele teve que pagar a multa, e só depois lhe 
permitiram defender a sua causa perante o conselho do grande Desterham 
onde falou nesses termos:
170
 - Estrelas de justiça, abismos da ciência, espelhos da verdade, que tendes o 
peso do chumbo, a dureza do ferro, o brilho do diamante e muita aÞ nidade com 
o ouro: já que me é consentido falar diante desta augusta assembléia, juro-vos 
por Orosmade que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado 
cavalo do rei dos reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo 
pequeno bosque onde depois encontrei o venerável eunuco e muito ilustre 
monteiro-mor. Percebi na areia pegadas de um animal, e facilmente concluí 
serem as de um cão. Leves e longos sulcos, visíveis nas ondulações da areia 
entre os vestígios das patas, revelaram-me tratar-se de uma cadela com as 
tetas pendentes, e que, portanto, devia ter dado cria poucos dias antes. Outros 
traços em sentido diferente, sempre marcando a superfície da areia ao lado das 
patas dianteiras, acusavam ter ela orelhas muito grandes; e como além disso 
notei que as impressões de uma das patas eram menos fundas que as das outras 
três, deduzi que a cadela da nossa augusta rainha manquejava um pouco, se 
assim posso me exprimir.
 “Quanto ao cavalo do rei dos reis, sabei que estando a passear pelos 
carreiros desse bosque, avistei as marcas das ferraduras de um cavalo, todas 
colocadas a igual distância. ‘Eis aqui – disse comigo, - um cavalo que tem 
o galope perfeito’. A poeira das árvores. Num caminho não mais de sete 
pés de largura, mostrava-se um pouco revolvida a direita e a esquerda, a 
três pés e meio do centro da rota. ‘Este cavalo – tornei a considerar nos 
seus movimentos para a direita e para a esquerda, varreu essa poeira’. Vi 
depois sob as árvores, que formavam um docel de cinco pés de altura, alguns 
ramos cujas folhas tinham caído recentemente, e concluí que o animal as 
roçara com a cabeça, tendo, portanto cinco pés de altura. Seu freio deve ser de 
ouro de vinte e três quilates, pois tendo batido numa pedra que veriÞ quei ser 
uma pedra de toque, pode em seguida identiÞ cá-lo. EnÞ m, pelas marcas das 
ferraduras deixadas em pedras de outra espécie, deduzi que estava ferrado 
com prata Þ na.”
 Todos os juízes admiraram o profundo e sutil discernimento de zadig; a 
notícia chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se ouvia falar de Zadig nas 
antecâmaras, nas salas e gabinetes; e embora alguns magos opinassem que 
ele devia ser queimado como feiticeiro, o rei ordenou que lhe devolvessem a 
multa de quatrocentas onças de ouro a que havia sido condenado. O escrivão, 
os oÞ ciais de justiça e os procuradores foram a sua casa em grande aparato 
levar-lhe as quatrocentas onças, das quais apenas retiveram trezentas e 
noventa e oito para as custas do processo, além dos honorários reclamados 
pelos servidores.
Zadig compreendeu que às vezes era perigoso ser demasiado sábio, e prometeu 
a si mesmo não tornar a dizer o que porventura houvesse visto. A ocasião 
não tardou a apresentar-se. Um prisioneiro do Estado tendo fugido, passou 
por baixo das janelas de sua casa. Zadig interrogada nada respondeu, mas 
provaram-lhe que ele havia olhado pela janela. Por esse crime foi condenado a 
pagar quinhentas onças de ouro, e ainda agradeceu a benevolência dos juízes, 
como é costume na Babilônia. – “Santo Deus! – Exclamou para si, - quanto 
é lastimável ir-se passear a um bosque onde passaram a cadela da rainha e o 
cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à janela, e como é difícil ser feliz 
neste mundo.”
171
1.3.2 Uma suposta versão mais antiga do que a do conto de Zadig 
Um conto similar, e provavelmente mais antigo, narra a história de três 
príncipes de Serendip. Eles caminhavam pelo deserto até que chegaram a um 
oásis. Enquanto descansavam foram abordados por um viajante que havia 
perdido um camelo e a carga que este conduzia. Os príncipes, quando abordados, 
perguntaram ao viajante se o camelo era cego do olho direito, se o animal seguia 
carregado de um tonel de mel, do lado esquerdo e de um tonel de manteiga, 
do lado direito. O dono do camelo sumido os condenou como ladrões, quando 
disseram que não o haviam visto. 
No tribunal, os príncipes alegaram que tiveram ao alcance dos olhos 
apenas as marcas deixadas pelo animal fujão. No caso da cegueira do olho direito, 
perceberam que a relva do lado direito era mais abundante, mas o camelo insistia 
em comer a do lado esquerdo do caminho. Do lado direito do caminho notaram 
que as moscas pousavam sobre a relva em busca dos restos da manteiga, do lado 
esquerdo formigas vinham à procura do mel. (cf. Gonçalves, 2003: 92-93)
1.3.3 Considerações sobre a experiência de Zadig
Zadig é o Þ lósofo anônimo que aprendeu a ler os sinais sutis inscritos na 
natureza, cenário onde se manifesta a presença dos seres vivos. Sua missão é a de 
estar de olhos bem abertos para detectar as particularidades reveladoras que se 
manifestam no espaço vital onde habita. 
 O conto oriental apresente uma das mais antigas concepções acerca do 
trabalho do pensamento humano. A Þ losoÞ a de quem estuda a natureza, como 
Zadig, estará sempre sendo testada em sua capacidade explicativa, uma vez que 
será sempre confrontada pela prática. Os desaÞ os são consideráveis e arriscados 
porque é preciso decidir acertadamente através da leitura de indícios incompletos 
e nem sempre nítidos.
A leitura do texto permite identiÞ car o que é considerado como atividade 
relevante para o estudioso da natureza. Ao mesmo tempo esclarece de que modo 
Zadig desenvolveu seu método de observação e de atenção. O protagonista nos 
surpreende, na medida em que se mostra apto para decifrar indícios a respeito 
de algo que nem mesmo estava à procura. O Þ lósofo que aparece no texto é o 
mestre da atenção e da capacidade de desvendar sinais sensíveis que desaÞ am 
a acuidade de nossos olhos, sinais que para ele são deixados por Deus, no livro 
aberto da natureza. Zadig surpreende os emissários da rainha e o leitor, pela 
maneira como informou a respeito dos animais que se haviam perdido. 
Umberto Eco (in: ECO E SEBEOK 1991: 242;236) considera que o conto de 
Zadig não é de investigação, mas um conto Þ losóÞ co, na medida em que permitiu 
vislumbrar como é possível alcançar uma coincidência entre aquilo que era 
apenas suposição na mente daquele homem (a cadela e o cavalo de seu mundo 
textual) e aquilo que acontecia no mundo exterior, materializado nas buscas dos 
oÞ ciais a serviço da rainha. Isso se tornou possível porque o protagonista do 
conto voltou-se para os estudos das propriedades dos animais e plantas não para 
reduzi-las aos seus esquemas mentais prévios, mas para pensar por alternativas, 
para arriscar a captar no que entende por livro aberto por Deus, aquilo que a vida 
mostra e esconde aos olhos humanos. 
172
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A):
Você consegue lembrar-se de alguém que domina a arte da atenção, da leitura 
de pistas, de pensar por alternativas como Zadig? Você sesente próximo/a das 
habilidades desenvolvidas por Zadig? De que forma? Este endereço da net 
talvez possa servir de inspiração: h p://www.jangadabrasil.com.br/revista/ 
julho68/of68007c.asp
1.4 Na mitologia grega há uma deusa poderosa que personifi ca os 
saberes de Zadig e dos príncipes de Serendip. 
É a deusa Métis7, personiÞ cação da inteligência prática, do engenho e da 
astúcia para solucionar diÞ culdades, da prudência, do expediente para enfrentar 
uma situação complicada, maquinar ardis e armadilhas. Deusa que incorpora 
uma qualidade psicológica que combina intuição, rapidez, engenho e astúcia. 
Um dos Þ lhos de Métis é o deus Póros, que é o engenho astucioso que soluciona 
diÞ culdades encontrando caminhos. Póros encarna o meio ou o expediente para 
chegar a um Þ m, recurso ou engenho para chegar a um Þ m, para solucionar uma 
diÞ culdade; ação de passar através de, trajeto. (CHAUÍ, 2002: p.505;509-10).
Jean-Pierre Vernant (2000: 40-41) escreve que:
Zeus se casa com Métis e esta logo Þ ca grávida de Atena. Zeus teme que algum 
Þ lho seu, por sua vez, o destrone. Como evitar? (...) Diz que só há uma solução: 
não basta que Métis esteja ao seu lado como esposa, ele mesmo tem de se tornar 
Métis. Zeus não precisa de uma sócia, de uma companheira, mas deve ser a 
métis em pessoa. Como fazer? Métis tem o poder de se metamorfosear, ela 
assume todas as formas, assim como Tétis e outras divindades marinhas. É 
capaz de virar animal selvagem, formiga, rochedo, tudo o que quiser. Trava-
se então um duelo de astúcias entre a esposa, Métis, e o esposo, Zeus. Quem 
vai ganhar? Há boas razões para supor que Zeus recorra a um processo que 
conhecemos também em outros casos. Em que consiste? É claro que, para 
enfrentar uma feiticeira ou um mago extraordinariamente dotado e poderoso, 
o ataque direto estaria fadado ao fracasso. Mas, se escolher o caminho da 
artimanha, talvez haja uma chance de vencer. Zeus interroga Métis: “Podes 
de fato assumir todas as formas, poderias ser um leão que cospe fogo?” Na 
mesma hora Métis se torna uma leoa que cospe fogo. Espetáculo aterrador. 
Zeus lhe pergunta depois: “Poderias também ser uma gota d´água? “Claro 
que sim”. “Mostra-me.” E, mal ela se transforma em gota d’água, ele a sorve. 
Pronto! Métis está na barriga de Zeus. Mais uma vez a astúcia funcionou. 
O soberano não se contenta em engolir seus eventuais sucessores: ele agora 
encarna, no correr do tempo, antecipadamente os planos de qualquer um que 
tente surpreendê-lo ou derrotá-lo. Sua esposa Métis, grávida de Atena, está 
em sua barriga. Assim, Atena não vai sair do regaço da mãe, mas da cabeça do 
pai, que é agora tão grande quanto o ventre de Métis. Zeus dá uivos de dor. 
Prometeu e Hefesto são chamados para socorrê-lo. Chegam com um machado 
7 Ver sobre Métis em 
Marilena Chauí (2002: 
505; 509-10)
173
duplo, dão uma boa pancada na cabeça de Zeus e, aos gritos, Atena sai da 
cabeça do deus, jovem donzela já toda armada, com seu capacete, sua lança, 
seu escudo, e a couraça de bronze. Atena é a deusa inventiva, cheia de astúcias.
(grifou meu) 
1.4.1 Considerações sobre o texto
Na enciclopédia Wikipedia8 encontramos que: a Þ lha mais famosa de Métis 
é conhecida como Atena ou para outros Palas Atena. Freqüentemente é associada 
a um escudo de guerra, à coruja da sabedoria ou à oliveira. Ainda, de acordo com 
a enciclopédia, a deusa Atena, que nasce da cabeça de Zeus, é toda poderosa tanto 
nas habilidades de caça e pesca, como nas habilidades de guerra, tem seu poder 
maior na atividade mental. 
Atena parece personalizar o esforço grego de colocar a atividade racional 
a serviço de um poder que sabe hierarquizar os esforços humanos, de modo 
a encontrar equilíbrio e estabilidade. Atena domina as atividades humanas 
essenciais, desde as mais antigas, como a caça, a pesca, bem como a capacidade 
técnica, de construir o arco e a ß echa, além de saber costurar. No entanto, seu 
talento maior reside na atividade mental, herança direta de Zeus, senhor absoluto 
da arte de governar. Atena parece simbolizar muito mais a atividade mental que 
é perseguida pelos Þ lósofos do período clássico. Trata-se de um pensamento que 
domina e delimita o lugar subalterno das habilidades humanas mais antigas como 
a caça e a pesca, bem como as técnicas e as artes da guerra. O ponto culminante é 
o da sabedoria de quem exercita o poder a serviço da equidade e da estabilidade.
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A):
Quando Zeus, o soberano, consegue sorver Métis, a deusa da astúcia, ele que 
é encarregado de governar o mundo, qual a expectativa que tem a partir desta 
conquista? Como entender que a cabeça de Zeus se fez tão grande quanto 
a barriga ou o útero de Métis? Elabore um texto com o objetivo de tentar 
interpretar o sentido da frase no contexto da narrativa. 
1.5 Um convite: que tal sentarmos à mesa da fi losofi a e saborearmos 
seis termos gregos antigos?
Este encontro em volta da mesa é para alimentar nosso corpo, supondo que 
a cabeça é o corpo (agora há pouco a cabeça era uma barriga, um útero). Entre o 
comer e beber dessa refeição, esperamos mostrar porque os Þ lósofos gregos se 
despedem da sabedoria oriental, daquela que Zadig era o mestre.
Neste movimento introdutório aos fundamentos antropo-Þ losóÞ cos da 
educação vamos analisar seis termos gregos de grande importância para a Þ losoÞ a 
grega antiga e elucidativos até hoje. Através deles será possível acenar para algumas 
preocupações básicas que orientavam as formas como os gregos aprendiam a 
8 ver 
h p://pt. wikipedia.org/ 
wiki/Atena; ver também: 
h p://greciantiga.org.
174
interrogar o mundo natural, a presença humana no mundo, a organização da 
sociedade e o papel de destaque que é destinado à atividade Þ losóÞ ca.
Vamos apreciar os termos gregos a partir da contribuição de Marilena 
Chauí, num glossário que ela elaborou no seu livro intitulado: Dos Pré-Socráticos 
a Aristóteles (2002)9. A autora teve o cuidado de situá-los como parte da herança 
grega, que é cultivada desde os tempos imemoriais, desde as sociedades ágrafas. 
1.5.1 Doxa: 
Opinião, crença, reputação (Isto é, boa ou má opinião sobre alguém), suposição, 
conjetura. Esta palavra possui dois sentidos diferentes por ser usada em dois 
contextos diferentes: o contexto político, no qual foi usada inicialmente, e o 
contexto Þ losóÞ co, a partir de Parmênides e Platão. Deriva-se do verbo dokéo, 
que signiÞ ca: 1. tomar o partido que se julga mais adequado para uma situação; 2. 
conformar-se a uma norma estabelecida pelo grupo; 3. escolher, decidir, deliberar 
e julgar segundo os dados oferecidos pela situação e segundo a regra ou norma 
estabelecida pelo grupo. Era este o seu sentido na assembléia dos guerreiros que 
deu origem à assembléia política, na democracia. Como a escolha e decisão se 
davam a partir do que era percebido, dito e convencionado pelo grupo, dóxa 
ganha também o sentido de uma modalidade de conhecimento, e agora, articula-
se ao verbo doxázo que signiÞ ca: ter uma opinião sobre algumas coisas, crer, 
conjeturar, supor, imaginar, adotar opiniões comumente admitidas. É neste 
segundo sentido que doxa pode ter o sentido pejorativo de conhecimento falso, 
preconceito, conjetura sem fundamento, sem convenção, arbitrária.
Este termo doxa corresponde ao que entre nós relegamos aos domínios do 
senso comum ou também do bom senso. O termo é decisivo para compreender 
o que a Þ losoÞ a decide rejeitar para Þ rmar seu corpus de conhecimento e porque 
decide rejeitar. O problema da doxa é que não oferece conÞ ança, não oferece um 
conhecimento seguro. Se a palavra doxa deriva-se do verbo dokéo, que signiÞ ca 
optar diante de uma situação aberta ou de acordo com a norma de um grupo ela 
está condenada à incerteza, não podendo impor-se a todos, que é a preocupação 
da Þ losoÞ a que vai Þ rmar-se, sobretudo, a partir de Platão. A doxa ao mover-se no 
campo da opinião, do risco, da conjetura, não oferece segurança, nem fundamento. 
Assim, de acordo com as pretensõesda Þ losoÞ a grega, o conto Þ losóÞ co oriental 
de Zadig é de pouco valor porque está preso à doxa. Da mesma forma que o 
personagem acertou em suas conjeturas, podia ter errado. Há uma nota importante 
aqui, a crítica que é feita pelos Þ lósofos aos saberes que são adquiridos nos domínios 
da doxa, é estendida aos saberes da medicina grega. Na Grécia havia um tenso 
diálogo entre os Þ lósofos e os médicos. Alguns dos Þ lósofos pré-socráticos eram 
também médicos, o que inß uenciava em seu trabalho Þ losóÞ co. Os médicos gregos 
entendiam sua proÞ ssão como Þ lotecnia (amor a um domínio técnico sobre o corpo 
humano e a restauração da saúde). Isso enfrentava resistência entre os gregos que 
desprezavam a técnica como coisa não muito digna. Além disso, a medicina não 
estava livre dos riscos e das incertezas que se apresentavam como obstáculos para 
sua busca de rigor. A medicina não conseguia desvencilhar-se de seus vínculos 
com a doxa, uma vez que o médico dependia de sua percepção sensível para fazer o 
9 Cf. CHAUÍ, Marilena. 
Dos pré-socráticos a 
Aristóteles. Vol. 1. 2ª ed. 
rev. ampl. São Paulo. Cia 
das Letras. 2002. p. 493-
512.
175
diagnóstico dos males que aß igiam seus pacientes. O médico estava sujeito a erros. 
Os médicos/Þ lósofos, por sua vez, criticavam aqueles que partiam de grandes 
princípios explicativos, sem fundamentar de modo consistente suas aÞ rmações.
1.5.2 Eidos e Idéa: 
inicialmente, na linguagem comum dos gregos, signiÞ ca o aspecto exterior 
e visível de uma coisa: a forma de um corpo, a Þ sionomia de uma pessoa. A 
seguir, na linguagem Þ losóÞ ca (com Platão), passa signiÞ car a forma imaterial 
de uma coisa, a forma conhecida apenas pelo intelecto ou pelo espírito, a idéia 
ou a essência puramente inteligível de uma coisa. SigniÞ ca também a forma 
própria de uma coisa que a distingue de todas as outras, seus caracteres 
próprios; por exemplo, a doença é um eîdos, uma forma que o médico reconhece. 
A palavra eîdos vem de uma raiz que aparece sob três formas:*eid-, oid- eid-. 
De eîd forma-se, além de eîdos, o verbo eídomai, que signiÞ ca: mostrar-se, 
fazer-se ver. De *oid forma-se oída (inÞ nitivo eidénai) perfeito do verbo ser que 
signiÞ ca saber (por ter visto), conhecer. De *id- forma-se o aoristo do verbo ver, 
ideîn e o substantivo idéa, com o mesmo sentido de eîdos: aspecto externo, 
aspecto visível, forma visível, caracteres próprios de alguma coisa, maneira de 
ser. Com Platão, idéa passa a signiÞ car: princípio geral de classiÞ cação dos 
seres, forma ideal concebida pelo pensamento. Com Aristóteles, idéa, signiÞ ca 
conceito abstrato diferente das coisas concretas. Eídos, a forma inteligível, 
idéa, o conceito, ideîn, ver, e oîada/ eidénai, saber (por ter visto), conhecer, 
criam a tradição Þ losóÞ ca do conhecimento como visão intelectual ou visão 
espiritual, e de verdade como visão plena ou evidência. A idéia é a realidade 
verdadeira que o pensamento vê. Em oposição a eîdos está eídolon: imagem, 
reprodução, cópia, ídolo, fantasma, simulacro.
Logo de início, na apresentação do termo idéa, em grego, podemos vê-lo 
como originalmente acessível a qualquer pessoa, letrada ou não, acessível até 
mesmo a uma criança. Quem não retém o aspecto exterior e visível da Þ sionomia 
de uma pessoa querida, de um determinado corpo visto todos os dias? A 
linguagem Þ losóÞ ca cuida de garantir verticalidade ao termo, dotando-o de um 
signiÞ cado que prioriza a forma imaterial de algo, passível de ser conhecido 
apenas por um intelecto dotado da capacidade de se pronunciar sobre a essência 
inteligível das coisas. Para os Þ lósofos gregos, o anseio de se chegar a uma 
realidade verdadeira concebida pelo pensamento está em oposição nítida ao saber 
comum, às opiniões, quando não há condições seguras para vencer os domínios 
da sensibilidade, das falsas idéias representadas pelas imagens, pelos ídolos, 
pelos simulacros. Mais uma vez podemos ver que a Þ losoÞ a grega quer trabalhar 
com formas inteligíveis, com conceitos que nos permitem pleitear o acesso a uma 
realidade verdadeira que o pensamento vê, sem o risco de iludir-se.
1.5.3. Episteme: 
conhecimento teórico das coisas por meio de raciocínios, provas e demonstrações; 
conhecimento teórico por meio de conceitos necessários (isto é, daquilo que é 
impossível que seja diferente do que é; o que não pode ser de outra maneira, ser 
176
diferente do que é) e universais (isto é válidos para todos em todos os tempos e 
lugares). Opõe-se a empeiria. O verbo epistamai, da mesma família de episteme, 
signiÞ ca: saber, ser apto ou capaz, ser versado em (portanto, inicialmente, este 
verbo não distinguia nem separava episteme e empeiria, mas referia-se a todo 
conhecimento obtido pela prática ou pela inteligência, referia-se à habilidade). 
A seguir, passa a signiÞ car: conhecer pelo pensamento, ter um conhecimento 
por raciocínio e, com Aristóteles passa signiÞ car investigar cientiÞ camente.
O termo episteme, ou epistemologia vem do que é enfatizado pelos gregos, 
enquanto aquele conhecimento que tem pretensão de universalidade, de 
verdade, de identidade. Para os gregos, o conhecimento seguro é considerado 
possível através do domínio teórico das coisas, dos raciocínios, das provas e 
demonstrações que não se deixam enganar pelos sentidos. Na Modernidade 
há uma novidade, o pensamento que conhece racionalmente é visto como de 
natureza distinta das coisas conhecidas, do que nos fornecem os sentidos, pois é 
imaterial. Então, é preciso explicar como transformamos as coisas materiais em 
idéias, sob a responsabilidade do sujeito que conhece. Daí em diante aÞ rma-se a 
necessidade de epistemologias que pleiteiam validade cientíÞ ca. Veja, porém, o 
que adverte Chauí: o verbo epistemai, em suas origens mais antigas não distinguia 
ou separava episteme (saber racional) e empeiria (saber sensível), abrangendo a 
todo conhecimento obtido pela prática, pela inteligência, pela habilidade. Como 
podemos ver, o termo episteme, com o trabalho da Þ losoÞ a grega vai ganhando um 
reÞ namento que abandona as preocupações nas quais se sobressaem habilidades 
práticas e técnicas. Na Modernidade, por sua vez, fala-se em epistemologias 
porque não há mais a identidade e a harmonia e o lugar previamente dado ao 
ser humano na ordem do mundo, como queria a Antiguidade. O nosso planeta 
não é visto mais como lugar de centralidade, ele ocupa um lugar entre outros 
no universo. Isso obriga o ser humano a se apresentar como sujeito, como quem 
ordena e organiza o mundo dentro dos limites de seus recursos racionais, tendo 
um método e uma epistemologia como guia e orientação de pensamento e de 
ação.
1.5.4. Méthodos: 
método, busca, investigação, estudo feito segundo um plano. É composta de 
metá e odós (via, caminho, pista, rota; em sentido Þ gurado signiÞ ca: maneira 
de fazer, meio para fazer, modo de fazer) Méthodos signiÞ ca, portanto, 
uma investigação que segue um modo ou maneira planejada e determinada 
para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento 
seguindo um percurso Þ xado. Methodeúo: seguir de perto, seguir uma pista, 
caminhar de maneira planejada, usar artifícios e astúcias, é um derivado de 
méthodos10.
A visita de Marilena Chauí aos termos gregos é elucidativa para o 
entendimento dos estudos da Þ losoÞ a e da Þ losoÞ a da educação porque ela cuida 
de fazer dois movimentos essenciais. No primeiro, a autora apresenta o sentido 
que ainda hoje adotamos do termo, levando em consideração seu vínculo com o 
entendimento original da Þ losoÞ a grega antiga. No outro movimento, a autora 
surpreende o leitor quando remete o termo ao seu sentido experimentado no 
10 É provável que Chauí 
tenha invertido os termos 
i n v o l u n t a r i a m e n t e , 
pois parece lógico que 
methodeuo preceda 
méthodos.
177
universo humano do saber comum, especialmente quando neste se identiÞ cam 
procedimentos bastante desenvolvidos para a elucidação de problemas práticos. 
O pioneiro da pratica do métodoé o caçador. Este é o primeiro ser humano 
capaz de garantir a elaboração de planos para conseguir objetivos deÞ nidos. Ele 
segue com inteligência pistas, detalhes para alcançar o que procura. A palavra 
método, para Chauí, tem, portanto, sua vinculação primeira ao ofício do caçador, 
mestre na capacidade de seguir de perto uma pista, de planejar esforços e 
astúcias para encontrar comida, água e orientação, para escapar de inimigos e 
predadores. Somente sentidos altamente cultivados permitem em ambientes 
hostis, lograr êxito e preservar a vida. Zadig, como vimos, é o Þ lósofo da atenção, 
da observação, que é condição para a elaboração do método. É o Þ lósofo/caçador 
capaz de encontrar até mesmo o que não está procurando. Devo aqui fazer um 
alerta: trago de volta Zadig e sua Þ losoÞ a de vida, que a Þ losoÞ a grega vai jogar 
para um plano secundário. Zadig alcança êxito, mas poderia fracassar porque 
lida com situações instáveis e não tem como testar previamente suas explicações 
provisórias. A Þ losoÞ a grega quer trabalhar com explicações seguras e replicáveis, 
o que nem Zadig, nem os príncipes de Serendip tem condições de garantir.
1.5.5. Logos: 
Esta palavra sintetiza vários signiÞ cados que, em português, estão separados, 
mas unidos em grego. Vem do verbo légo (no inÞ nitivo légein) que signiÞ ca: 
1. reunir, colher contar, enumerar, calcular; 2. narrar, pronunciar, proferir, 
falar, dizer, declarar, anunciar, nomear claramente, discutir; 3. pensar, reß etir; 
ordenar; 4. querer dizer, signiÞ car, falar como orador, contar, escolher; 5. ler 
em voz alta, recitar, fazer dizer. Lógos é: palavra, o que se diz, sentença, 
máxima, exemplo, conversa, assunto da discussão; pensar, inteligência, razão, 
faculdade de raciocinar, fundamento, causa, princípio, motivo, razão de 
alguma coisa; argumento, exercício da razão, juízo ou julgamento, bom senso, 
explicação, narrativa, estudos; valor atribuído alguma coisa, razão íntima de 
uma coisa, justiÞ cação, analogia. Lógos reúne numa só palavra quatro sentidos: 
linguagem, pensamento ou razão, norma, ou regra, ser um realidade íntima 
de alguma coisa. No plural, lógoi, signiÞ ca: os argumentos, os discursos, os 
pensamentos, as signiÞ cações: -logia, que é usado com segundo elemento de 
vários compostos, indica: conhecimento de, explicação racional de, estudo de, 
diálogo, dialética, lógica são palavras da mesma família de lógos. O lógos dá a 
razão, o sentido, o valor, a causa, o fundamento de alguma coisa, o ser da coisa. 
É também a razão conhecendo as coisas, pensando os seres, a linguagem que 
diz ou profere as coisas, dizendo o sentido ou o signiÞ cado delas. O verbo légo 
conduz à idéia de linguagem porque signiÞ ca reunir e contar: falar é reunir 
sons; ler e escrever é reunir e contar letras; conduz à idéia de pensamento e 
razão porque pensar é reunir idéias e raciocinar é contar ou calcular sobre 
as coisas. Esta unidade de sentidos é o que leva os historiadores da Þ losoÞ a a 
considerar que, na Þ losoÞ a grega, dizer, pensar e ser são a mesma coisa.
Há na origem da palavra um entrelaçamento de sentidos que podem 
ser identiÞ cados nas tarefas da vida prática e também nas tarefas do trabalho 
intelectual. A Þ losoÞ a grega cuida da verticalidade da compreensão do termo, de 
modo que se desembarace do universo inferior da doxa, do senso comum, e possa 
178
traduzir o esforço da razão humana, que fornece critérios considerados seguros 
para saber das coisas, em busca de seu sentido e de seu signiÞ cado profundo. 
Um aspecto importante: vamos ver -logia como segundo elemento de vários 
compostos. Quais são as disciplinas, nossas conhecidas, com este complemento? 
Outra coisa importante para a Þ losoÞ a grega é considerar que em seu domínio 
dizer, pensar e ser constituem a mesma coisa, a mesma realidade. Aqui esta posta 
a distância do saber do Þ lósofo do saber de quem se move no domínio da doxa.
1.5.6. Télos: 
Þ m, Þ nalidade, conclusão, acabamento, realização, cumprimento; resultado 
conseqüência; chegar a um termo previsto, ponto culminante, cume, cimo, 
alvo; formação e desenvolvimento completos, pleno acabamento; plenitude de 
poder de alguma coisa, soberania; o que deve ser realizado ou cumprido; o que 
é completo em si mesmo. (...) O télos é o que permite avaliar ou determinar o 
valor e a realidade de uma coisa.
O télos é muito importante para a Þ losoÞ a porque esta trabalha com 
método (caminha sempre seguindo um plano previamente pensado). Para a 
Þ losoÞ a, a Þ nalidade não é conquistada por obra do acaso, mas pela capacidade 
de planejar, de antecipar racionalmente algo, de ver o alcance do que foi 
arquitetado na consciência. O télos, como o lugar de chegada projetado é o que 
pode dar sustentação à atividade Þ losoÞ ca. No entanto, o que dizemos aqui nos 
faz lembrar do caçador, que foi o primeiro ser humano dotado da capacidade de 
perseguir um télos, que nada mais era do que o alimento para si mesmo e para a 
continuidade de sua comunidade. Fica mais fácil agora entender porque a cabeça 
de Zeus pôde se fazer fecunda, para isso bastou estar impregnada da inteligência 
e da astúcia da Métis. 
1.6. Parmênides(540-450 a.C) e Heráclito(540-480 a.C) Dois Filósofos 
Pré-Socráticos11
Para nós hoje (ver Chauí op. cit. 103) é muito claro que o pensamento 
se move de acordo com uma lógica que não é a mesma lógica das coisas do 
mundo. Entendemos o pensamento como um movimento da nossa consciência, 
esta que conhece e produz idéias sobre os objetos do conhecimento. Porém, os 
gregos antigos desconheciam a separação entre o ato de conhecer e o objeto do 
conhecimento, entre o sujeito e o objeto.
Parece estranho isso, mas do modo deles, os gregos mantinham um 
profundo vínculo com a ordem da natureza e da vida. Assim a linguagem, 
notadamente a linguagem elaborada, não se distinguia do sentido próprio das 
coisas. Os Þ lósofos situavam seu pensamento como parte indistinta do cosmos, 
de um único mundo, de um único lógos (p.102). 
Sendo assim, passava a ser uma novidade admitir a existência de um 
pensamento movendo-se com lógica interna apartada da experiência sensível. 
Abria-se caminho para algo novo que permitia acesso à via da verdade, 
11 Os Þ lósofos pré-
socráticos são chamados 
assim não porque 
necessariamente vieram 
antes de Sócrates, mas 
porque se dedicaram 
a estudar o mundo, a 
ordem das coisas no 
mundo, a partir de 
um ou mais princípios 
explicativos. Os pré-
socráticos não trabalham 
com o tema socrático 
central: a vida humana, 
o auto-conhecimento e o 
agir moral.(Chauí)
179
contra a via da opinião, da doxa. Esta é a contribuição de Parmênides. Para ele 
necessidade, destino, justiça passam a ser vistos como conceitos e não forças 
naturais, são por isso, exigências do ser em sua inteligibilidade, em sua apreensão 
racional e lógica12. Esta contribuição abre caminhos para a Þ losoÞ a. Não será, 
todavia um caminho único, uma única maneira de situar o que é essencial para o 
conhecimento do ser. Chauí (2002: 104;105) esclarece:
O que é ser para Parmênides (a identidade estável, imóvel) é ilusão para 
Heráclito. O que é essencial para Parmênides é o conhecimento do ser; o que é 
essencial para Heráclito é o auto-conhecimento do ser humano.’ No entanto, 
ambos inauguram a mesma coisa, isto é, a exigência de fazer a distinção entre 
a aparência e a realidade e a aÞ rmação que essa diferença só pode ser feita pelo 
pensamento, pela inteligência e não pela experiência sensível ou sensorial. Os 
sentidos permanecem prisioneiros da dóxa. [grifo meu]
[Para Heráclito] o kósmos é ser vivo. Por isso muda sem cessar. Assim como 
a polis vive da luta dos contrários, assim também o kósmos, na tensão de 
seus opostos. Assim como o logos, a polis cria a lei (nómos) que faz existir a 
harmonia dos contrários, sem excesso, por todo excesso, toda hýbris é punida 
pela justiça (diké) 
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A): Faça um texto apresentando como você 
entende esta frase: os sentidos permanecem prisioneirosda dóxa?. Faça seu 
comentário, estabelecendo uma conexão com o conto de Zadig e as novas 
descobertas que são feitas pelos Þ lósofos pré-socráticos. De preferência, volte 
ao termo dóxa, anteriormente apresentado.
1.7 O que podemos dizer de Sócrates o medico/educador que examina 
a alma do aprendiz?
É tarefa difícil tratar da contribuição de Sócrates (469/470-399 a.C.), que nada 
deixou por escrito. O que temos é o legado obtido pelos escritos de discípulos e/
ou pensadores interessados e ilustres como Platão e Aristóteles, Temos ainda o 
legado de escolas menos conhecidas como a dos megáricos, dos cirenaicos e dos 
cínicos, por admiradores e críticos de uma fase de sua vida, por estudiosos que 
vieram em períodos posteriores, como Cícero. 
Na sua época, Atenas passa a ser o cenário onde os campos de saber 
estarão sendo diretamente confrontados. No tempo de Sócrates, Atenas, pela 
sua prosperidade, transforma-se num centro de cultura e de difusão de novas 
idéias. Concretiza, pela primeira vez, a experiência de um governo democrático 
sob o controle daqueles que usufruíam dos direitos de cidadania. A cidade atrai 
pensadores que se dedicam a vários ramos de especialização.
Ao seu modo, Sócrates, que se dizia um não especialista, compara seu ofício 
ao do médico clínico13. Este “clínico geral”, no entanto, não vai buscar seu metrón, 
sua medida, nos indicadores provenientes dos sentidos, como faz a medicina 
de seu tempo. A via de acesso aos saberes pelos sentidos como que perde sua 
12 Diké: justiça, 
inicialmente signiÞ cava 
o modo de ser e de agir, 
à maneira de, ao modo 
de, costume, depois o 
modo de ser ou agir de 
acordo com uma regra de 
conduta, de uma norma. 
Moira: o destino de 
cada um, a necessidade 
que rege o curso das 
coisas (Cf. Chauí, op. cit. 
498;506)
13 Para Nie sche, o feito 
de Sócrates chega à 
primazia do elemento 
apolíneo-racional sem 
uma tensão, de fato, com 
o dionísico-irracional. 
Para ele, isso é o mesmo 
que quebrar a harmonia 
grega. De resto, corpo e 
alma passam a não ser 
uma e mesma coisa, além 
de se colocarem em uma 
ordem hierárquica com o 
privilégio da alma.
180
primazia na via socrática, interessada pela saúde da alma. Fica dispensada a 
apreensão sensível da medicina hipocrática, que, dá sustentação à fase diagnóstica 
e diagnóstico-comunicativa entre médico e paciente, para se chegar à terapêutica 
considerada adequada.
Não se pode esquecer que, para Sócrates, a saúde da alma dependia de 
uma busca crítico-normativa e de um domínio ético-prático, para quem aspira 
deixar-se guiar em direção ao que não está contaminado pelas instabilidades e 
incertezas dos embates cotidianos. O trabalho da consciência não exime ninguém 
de encontrar sustentação às próprias idéias e assim chegar ao dever ser.
Sócrates investe contra o relativismo da linguagem, contra os saberes de 
ocasião, contra a decadência moral e política da cidade. Ele “indaga se existe um 
valor essencial de todas as virtudes particulares, como a coragem, a sabedoria, a 
justiça. (ABRÃO: 1999:44)
A medicina do corpo transita pelo campo dos possíveis para apresentar, 
no máximo, uma via alternativa para a cura, cujo resultado só seria conhecido a 
posteriori. Sócrates vislumbra para a medicina da alma uma possibilidade muito 
mais reÞ nada do que uma perícia que encontra uma via alternativa (acrescentar 
algo que falta ao corpo ou tirar algo que se encontra em excesso). 
Essa medicina da alma quer transitar pelo campo dos possíveis e 
ultrapassá-los através da atividade racional e da descoberta dos critérios válidos 
para absorver cada caso e seus congêneres. Nesse percurso, a razão arranca 
da avaliação dialogada do que está sendo (o campo dos acontecimentos na 
vida cotidiana com suas incertezas), costurando os critérios lógicos que mais 
prontamente superam as zonas de indeÞ nição em direção às noções seguras e 
desimpedidas dos condicionamentos. Isso explica porque a medicina da alma é 
alçada a uma posição superior à medicina do corpo. 
O pensamento que, com Sócrates, redimensiona o alcance da inteligência 
humana acaba sinalizando para uma posição muito mais conÞ ante e segura da 
lógica que o alimenta. Nessa perspectiva, a atividade pensante humana não se 
contenta em se descobrir como parte instável do cenário que compõe a realidade 
maior da physis. Caberá ao pensamento humano, a uma consciência corretamente 
cultivada, a possibilidade de julgar de modo mais seguro qual o seu lugar na 
ordem da vida. 
Apesar de estabelecer uma dicotomia corpo e alma, Sócrates garante uma 
concepção de alma (psiqué) que vai trazer grandes inovações no pensamento 
ocidental.
Antes, com Homero, a psiqué era o “duplo” que tinha o poder de vagar 
provisioriamente durante o sono, ou desprender-se deÞ nitivamente com a morte, 
mas ainda sem relação com a vida mental ou as “faculdades” da pessoa. Nos 
órÞ cos, a alma era o princípio superior que poderia reencarnar-se depois de 
processo de puriÞ cação e de reintegração na harmonia universal. No corpo vivo, 
projetava-se de modo excepcional, em sonhos, visões, transes. Nos pensadores 
Jônicos do século VI a.C., a psiquê era parte do todo, porção do pneuma (ar) 
inÞ nito que habitava o corpo até o último alento, como concebia Anaxímenes de 
Mileto. Era porção de fogo a aquecer e animar o corpo, até o retorno ao Fogo-
Razão, o Logos universal. A partir de Sócrates (PEÇANHA, in SÓCRATES, op. cit. 
29-30), ou na literatura referente a ele, surge a concepção de alma como sede da 
consciência normal e do caráter, a alma que no cotidiano de cada um é aquela 
181
realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações, podendo ter 
conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. 
A descoberta de que a alma é o mesmo que a sede da consciência de cada 
um, capaz de manifestar conhecimento ou ignorância ou de fazer julgamento 
sobre o que é verdadeiro ou falso, trouxe profundas alterações sobre como 
podemos adquirir saberes e conhecimentos. Os órgãos dos sentidos privilegiados 
acabaram sendo a visão (alçada para além de sua mediação sensível) e a audição 
(sem ela o diálogo e a persuasão não superam a ignorância). 
As conseqüências pedagógicas da descoberta da alma racional superior ao 
corpo abre perspectivas para a excelência do fazer docente; aÞ nal, habilitar-se a 
ver com os olhos da alma é tarefa elevada, para inspirados, como era o caso de 
Sócrates. Mas a via do diálogo é uma grande idéia porque favorece um canal 
concreto através do qual o aprendiz mais limitado, se for bem conduzido, pode 
orientar-se na arte de elaborar as próprias idéias e de se conduzir pelos caminhos 
da perfeição.
 
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A):O que você destaca da contribuição do 
pensamento de Sócrates para a compreensão do ser humano e da educação?
1.8. Platão: o sábio é o que aponta o caminho para a luz verdadeira
Platão (427-347 a.C) vai introduzir uma mudança, ou melhor, um 
aprofundamento pessoal no que diz respeito ao modelo de investigação herdado 
de Sócrates. Os textos que surgem a partir do Fédon acrescentam aos diálogos 
anteriores, preocupados em sondar a consciência dos interlocutores, um método 
dotado de características teóricas, a serem deÞ nidas pelos próprios problemas e 
por um repertório argumentativo mais impessoal. 
Platão, na seqüência dos ensinamentos de Sócrates, procura garantir uma 
investigação sistemática dos fundamentos da conduta humana, porém ultrapassa 
a ênfase nos dilemas psicológicos e éticos da prática, abordados conforme as 
circunstâncias. Com isso, não se alteram apenas os temas da dialógia socrática: 
a própria trama do modelo dialogal e singularizante, que é desencadeador da 
ciência ética, vai ser alterada. Já não basta chegar, pelo exame acurado do caso, 
aos indicadores da ação. É preciso situá-los numa explicação global da realidade, 
de onde examinar as condutas.
Nos seus primeiros livros, Platão partirá para dar inteligibilidade à 
realidade, apoiando-se no que não depende nem do tempo nemdas mudanças 
(dialética descendente). Platão entra com uma racionalidade do estático e 
das formas perfeitas para se sobrepor e dar inteligibilidade ao movimento, à 
transitoriedade e à precariedade da experiência sensível.
Fiel aos costumes gregos, ele está interessado em fundamentar aquilo que 
de maneira mais coerente permite agir sobre os homens. O Þ lósofo-educador 
182
vai dedicar-se ao pensamento sobre a política que, para ter ‘p’ maiúsculo, deve 
superar o desencadeamento de ações movidas por interesses ambíguos e pouco 
dignos. O desaÞ o é trazer as bases para uma ação submetida a critérios de 
verdade, que arraste consigo o cultivo da harmonia, da justiça e da beleza.
As referências platônicas aos temas médicos seguem, pelo menos, duas 
motivações básicas: primeiramente, contribuem para elucidar o inevitável 
paralelo entre cuidados do corpo e cuidados da alma; em segundo lugar, a 
medicina, com sua longa experiência de chegar a um pensar normativo, a partir 
dos casos concretos, não deixa de ser, até mesmo, como recurso didático, um 
degrau na escalada em busca da ordem das coisas e da norma imutável.
Platão, para ser coerente com sua idéia das três almas, defende que temos 
uma alma inferior ou concupiscível, que reside no baixo-ventre e é responsável 
pela atividade digestiva. Temos também uma alma afetiva, melhor posicionada, 
que mora na região que circunda o coração. Num lugar mais elevado, está 
a inteligência que habita o cérebro e é convocada para comandar as almas 
inferiores. A atividade educacional consiste em evidenciar a posição de nossas 
três almas de modo que a inteligência seja desenvolvida para comandar de forma 
eÞ ciente as almas inferiores. Haverá processos educativos diferenciados. O rei 
deve saber guiar-se pela inteligência para que seja justo, os guerreiros devem 
aprender a dominar sua vontade para que possam defender a cidade de seus 
inimigos os escravos e trabalhadores deveriam garantir os meios da subsistência 
humana na cidade.
Há uma unidade que une as diferentes partes do organismo. Da mesma 
forma, cada homem e todos os homens fazem unidade com o cosmos, somos 
parte de um todo. Tais convicções dão sustentação à sua biologia, Þ siologia, 
patologia e terapêutica. Admite-se que a física matemática garante a idéia de 
cosmos, como conhecimento possível. A medicina eleva o corpo perecível para 
a noção do todo, como possibilidade de ser um receptáculo digno para o “bem” 
que o habita. 
Vamos ver agora um famoso trecho da obra de Platão (RIBERO,1988) 
conhecido como A Alegoria da Caverna. O texto é extraído do Livro A República, 
Livro VII, 514 a -517 e.
“– Vamos imaginar- disse Sócrates – que existem pessoas morando numa 
caverna subterrânea. A abertura dessa caverna se abre em toda a sua largura 
e por ela entra a luz. Os moradores estão aí desde sua infância, presos por 
correntes nas pernas e no pescoço. Assim, eles não conseguem mover-se nem 
virar a cabeça para trás. Só podem ver o que se Þ ca sobre um monte atrás 
dos prisioneiros, lá fora. Pois bem, entre esse fogo e os moradores da caverna, 
imagine que existe um caminho situado num nível mais elevado. Ao lado dessa 
passagem se ergue um pequeno muro, semelhante ao tabique atrás do qual os 
apresentadores de fantoches costumam se colocar para exibir seus bonecos ao 
público.
 - Estou vendo – disse Glauco.
 - Agora imagine que por esse caminho, ao longo do muro, as pessoas 
transportam sobre a cabeça objetos de todos os tipos. Levam estatuetas de 
Þ guras humanas e de animais, feitas de pedra, de madeira, ou de qualquer 
outro material. Naturalmente, os homens que as carregam vão conversando.
183
 - Acho tudo isso muito esquisito. Esses prisioneiros que você inventou são 
muito estranhos – disse Glauco.
 - Pois eles se parecem conosco – comentou Sócrates – Agora me diga: numa 
situação como está, é possível que as pessoas tenham observado, a seu próprio 
respeito e dos companheiros, outra coisa diferente das sombras que o fogo 
projeta na parede à sua frente?
 - De fato – disse Glauco -, com a cabeça imobilizada por toda a vida só 
podem mesmo ver as sombras!
 - O que você acha? – perguntou Sócrates – que aconteceria a respeito dos 
objetos que passam acima da altura do muro, do lado de fora? 
 - A mesma coisa, ora! Os prisioneiros só conseguem conhecer suas 
sombras!
 - Se eles pudessem conversar entre si, iriam concordar que eram objetos 
reais as sombras que estavam vendo, não é? Além do mais, quando alguém 
falasse lá em cima, os prisioneiros iriam pensar que os sons, fazendo eco dentro 
da caverna eram emitidos pelas sombras projetadas. Portanto – prosseguiu 
Sócrates – os moradores daquele lugar só podem achar que são verdadeiras as 
sombras dos projeteis fabricados.
 - È claro.
 - Pense agora no que aconteceria se os homens fossem libertados das 
cadeias da ilusão em que vivem envolvidos. Se libertassem, um dos presos e o 
forçassem imediatamente a se levantar e olhar para trás, a caminhar dentro da 
caverna e a olhar para a luz. Ofuscado, ele sofreria, não conseguindo perceber 
os objetos dos quais só conhecera as sombras. Que comentário você acha que 
ele faria, se lhe fosse dito que tudo o que observara até aquele momento não 
passava de falsa aparência e que, a partir de agora, mais perto da realidade e 
dos objetos reais, poderia ver com a maior perfeição? Não lhe parece que Þ caria 
confuso se, depois de lhe apontarem cada uma das coisas que assam ao longo 
do muro, insistissem em que respondesse o que vem a ser cada um daqueles 
objetos? Você não acha que ele diria que são verdadeiras as visões de antes do 
que as de agora?
 - Sim – disse Glauco - , o que ele vira antes lhe parecera muito mais 
verdadeiro.
 - E se forçassem nosso libertado a encarar a própria luz? Você não acha que 
seus olhos doeriam e que, voltando as costas, ele fugiria para junto daquelas 
coisas que era capaz de olhar, pensando que elas são mais reais do que os 
objetos que lhe estavam mostrando?
- Exata mente – concordou Glauco.
-Suponho então – continuou Sócrates – que o homem só fosse solto quando 
chegasse ao ar livre. Ele Þ caria aß ito e irritado porque o arrastaram daquela 
maneira, não é mesmo? Ali em cima, ofuscado pela luz do sol, você acha 
que ele conseguiria distinguir uma das coisas que agora nós chamamos de 
verdadeiras?
- Não conseguiria, pelo menos de imediato.
184
- Penso que ele precisaria habituar-se para começar a olhar as coisas que 
existem na região superior. A princípio, veria melhor as sombras. Em seguida, 
reß etida nas águas perceberia a imagem dos homens e dos outros seres. Só 
mais tarde é que conseguiria distinguir os próprios seres. Depois de passar 
por esta experiência, durante a noite ele teria condições de contemplar o céu, a 
luz dos corpos celestes e a lua, com muito mais facilidade do que o sol e a luz 
do dia.
- Não poderia ser de outro jeito.
- Acredito que, Þ nalmente, ele seria capaz de olhar para o sol diretamente, 
e não mais reß etido na superfície da água ou seus raios iluminando coisas 
distantes do próprio astro. Ele passaria a ver o sol, lá no céu, tal como ele é.
- Também acho – Disse Glauco.
- A partir daí, raciocinando, o homem libertado tiraria conclusão de que é 
o sol que produz as estações e os anos, que governa todas as coisas visíveis. 
Ele perceberia que, num certo sentido, o sol é a causa de tudo o que ele e seus 
companheiros viam na caverna. Você também não acha que, lembrando-se da 
morada antiga, dos companheiros de prisão, ele lamentaria a situação destes e 
se alegraria com a mudança?
- Decerto que sim. 
- Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras e elogios entre si. Eles 
atribuiriam recompensas para o mais esperto, aquele que fosse capaz de prever 
a passagem da sombras, lembrando-se da seqüência em que elas costumam 
aparecer. Você acha, Glauco, que o homem libertado sentiria ciúme dessas 
distinções e teria inveja dos prisioneiros que fossem mais honrados e poderosos? 
Pelo contrário, como o personagemde Homero, ele não preferiria “ser apenas 
um peão de arado a serviço de um pobre lavrador”, ou sofrer no mundo, a 
pensar como pensava antes e voltar a viver como vivera antes?
- Da mesma forma que você, ele preferira sofrer tudo a viver desta maneira.
- Imagine então que o homem liberto voltasse à caverna e se sentasse em seu 
antigo lugar. Ao retornar do sol, ele não Þ caria temporariamente cego em meio 
às trevas?
- Sem dúvidas.
- Enquanto ainda estivesse com a vida confusa, ele não provocaria risos dos 
companheiros que permaneceram presos na caverna se tivesse que entrar em 
competição com eles acerca da avaliação das sombras? Os prisioneiros não 
diriam que a subida para o mundo exterior lhe prejudicara a vista e que, 
portanto, não valia a pena chegar até lá? Você não acha que, se pudessem, eles 
matariam quem tentasse liberta-los e conduzi-los até o alto?
- Toda essa história, caro Glauco, é uma comparação entre o que a vista nos 
revela normalmente e o que se vê na caverna; entre a luz do fogo que ilumina o 
interior da prisão e a ação do sol; entre a subida para o lado de fora da caverna, 
junto com a contemplação do que lá existe, e entre o caminho da alma em sua 
ascensão ao inteligível, eis a explicação da alegoria: no Mundo das Idéias, 
a idéia do bem é aquela que se vê por ultimo e a muito custo. Mas, uma vez 
contemplada, esta idéia se apresenta ao raciocínio como sendo, em deÞ nitivo, 
185
a causa de toda a retidão e de toda a beleza. No mundo visível, ela é geradora 
da luz e do soberano da luz. No mundo das idéias, a própria idéia do bem é que 
dá origem à verdade e à inteligência. Considero que é necessário contemplá-la, 
caso se queira agir com sabedoria, tanto na vida particular como na política.”
Veja agora o comentário de Heinz von Foerster (In Schnitman, 1996:67)
Gostaria agora de ilustrar algumas de minhas aÞ rmações com uns poucos 
exemplos. O primeiro refere-se às explicações, e o retirei de um relato de Carlos 
Castañeda. Como vocês recordarão, Castañeda foi ao povoado de Sonora, no 
México, para conhecer um bruxo chamado Don Juan, a quem pediu que o 
ensinasse a ver. Assim Don Juan interna-se com Castañeda no meio da selva 
mexicana. Caminham uma ou duas horas e, de repente, Don Juan exclama: 
“olha, olha o que há aí! Viste?” Castañeda lhe responde: “Não... não vi.” 
Continuam caminhando e, uns dez minutos mais tarde Don Juan volta a 
deter-se e exclama: “olha, olha ali! Viste?” Castañeda olha e responde: “Não, 
não vi nada”. “Ah”, é a lacônica resposta de Don Juan. Seguem sua marcha e 
volta a acontecer a mesma coisa duas ou três vezes, mas Castañeda nunca vê 
nada; até que, enÞ m, Don Juan encontra a solução: “Agora entendo qual é teu 
problema!” – lhe disse: “Tu não podes ver o que não podes explicar. Trata de 
esquecer de tuas explicações e começarás a ver”.
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A)
1. A partir da leitura da alegoria da caverna e deste comentário de Von Foerster 
faça um pequeno texto, tentando atualizar a discussão levantada pela alegoria 
de Platão.
2. Assista o primeiro Þ lme da série sobre Matrix e avalie se há ali alguma 
inspiração na alegoria da caverna de Platão. Caso haja, em que parte do Þ lme 
a inspiração pode se fazer presente de forma mais palpável..
1.9 Aristóteles: a lógica evidencia a ordem das coisas
Aristóteles (384-322, a.C.) saiu da Macedônia, por volta dos seus dezoito 
anos, rumo a Atenas14. Vinha atraído pelo que podia oferecer o grande centro 
geográÞ co, político, intelectual e cultural do mundo grego. Trazia duas heranças, 
a ascendência jônica e a tradição médica da família, inclusive a serviço do reino 
da Macedônia. Seu pai, Nicômacos, era médico e amigo da família real, mas 
faleceu quando ele ainda era jovem, motivo pelo qual deve ter interrompido a 
tradição que naturalmente o levava à direção da carreira do pai.
Freqüentou, por cerca de vinte anos, a academia de Platão. Mesmo 
convivendo com o matematismo da Academia, não perdeu o espírito proveniente 
da herança familiar. Demonstrava interesses pelas pesquisas biológicas e pelo 
senso de observação e de classiÞ cação, inerentes à cultura médica. 
14 Estagira, a cidade onde 
Aristóteles nasceu Þ cava 
na Calcídica. A cidade 
estava sob domínio da 
Macedônia, mas era uma 
cidade grega, inclusive 
a língua ali falada era o 
grego.
186
Depois que saiu da Academia, Aristóteles elaborou sua objeção à teoria 
platônica das idéias. Contrapõe-se à concepção cosmológica de Platão, no Timeo, 
na qual o universo é concebido como resultado da ação de um artesão divino 
ou demiurgo. Aristóteles no seu livro intitulado Sobre a FilosoÞ a, propõe uma 
cosmovisão, na qual apresenta um organismo capaz de desenvolver algo que é 
engendrado de dentro de si, que seria próprio de sua natureza ou physis.
Aristóteles vê o universo em dois grandes espaços: o mundo acima da lua e 
o mundo sob a lua. No mundo supralunar, o movimento é perfeito e eterno. No 
mundo sublunar, como queria Empédocles, encontra a composição dos quatro 
elementos: água, ar, terra e fogo. Esses elementos se combinam para formar a 
causa material de tudo o que existe e a forma multivariada que os distinguem.
O mundo sublunar é o reino da imperfeição, pois ali as coisas estão 
submetidas à geração, à decadência e à morte. Para Aristóteles, os movimentos 
físicos são sempre, de alguma forma, uma violência contra seu ‘lugar natural’. 
Aquilo que é pesado se é lançado para o alto, tende a voltar para o chão, seu 
lugar natural, pois retornar é sua causa Þ nal. No caso humano, a causa Þ nal é 
chegar à felicidade, que não deve ser atingida nem pelo excesso nem pela falta. O 
ideal é chegar ao “meio termo”, o que só se consegue pelo hábito, pela atividade 
intelectual e pela distância das perturbações diárias. O mundo se explica pela 
sua causa Þ nal, é como se em tudo que existisse no mundo tivesse um propósito. 
Como se a madeira tivesse, de alguma forma, por destino virar mesa, cadeira, 
armário para servir aos seres humanos, como se os animais e plantas existentes 
tivessem como Þ m servirem de alimentos para nós, que ocupamos um lugar 
destacado na ordem da vida. Aliás, a causa Þ nal aponta para uma pré-destinação 
inscrita nas coisas do mundo.
Pensando assim, vai defender que o corpo e a alma são partes de um 
mesmo ser e que esta visão integrada é necessária para mútuo esclarecimento. 
A existência particular não se dá sem a forma (a alma) e sem a matéria (o corpo). 
Como decorrência a alma só existe no corpo e não pode ser imortal, no máximo 
é uma forma comum a uma espécie. Esta interpenetração entre o corpo e alma 
vai estar presente em seus trabalhos sobre a física, a metafísica e a lógica e 
particularmente sobre a medicina e a ética. 
Para ele, tudo leva em direção à idéia de ser, para tratar das coisas 
existentes. Sem o conhecimento do ser, faltariam bases sólidas às ciências (Física, 
Astronomia, Biologia e outras) que estudam os aspectos particulares da realidade. 
Sem a idéia do ser, não haveria ciência porque só haveria explicações particulares 
para coisas particulares. 
Em sua idéia do ser, recusa a solução platônica das idéias perfeitas e 
eternas, pela desnecessária duplicação da realidade sensível. O que existe são 
seres singulares, com sua concretude e existência empírica. A ciência vai recolher 
pelo conhecimento empírico o que vem da realidade, até chegar a deÞ nições 
essenciais e atingir o universal, que é seu objeto próprio. O caminho aristotélico 
é o de quem se apropria dos dados sensíveis que acenam para o individual e o 
concreto, de modo a chegar à ciência das coisas, identiÞ cando o que é universal e 
necessário.
O grande projeto de Aristóteles, discípulo e depois crítico de seu antigo 
mestre, Platão, era o de constituir uma ciência com critérios seguros. Isso o 
levou a considerar a dialética, a conversação do mestre e discípulo em busca do 
187
conhecimento como uma via imprópria para atingir a verdade. Ele a entendia, 
no máximo, como um exercício mental capazde expor a opinião das pessoas 
sobre as coisas, sem, todavia, oferecer garantia contra o relativismo e o jogo das 
probabilidades. Entendia que a dialética tem valor como uma preparação para 
o conhecimento e aponta para a história do pensamento Þ losóÞ co. A história 
testemunha o debate entre as opiniões precedentes que permitem o acesso à 
verdade que seria alcançada pela síntese aristotélica.
Para realizar este projeto ambicioso de rigor cientíÞ co e conhecimentos 
seguros, o Þ lósofo vai elaborar normas, procedimentos para guiar o pensamento. 
Vai concentrar-se na lógica e nas regras do raciocínio e também na análise 
da linguagem para superar os equívocos que nela se fazem presentes. As 
ciências voltadas para o mundo físico faziam sua parte encontrando suporte na 
especulação metafísica. Encontrariam nesta a garantia de chegar à estrutura 
dos próprios objetos. Sendo que a lógica, aquela que trabalha com a utilização 
cientíÞ ca dos conceitos, teria seu fundamento na própria realidade, encontrando 
legitimidade para seu operar.15 
ATIVIDADE DO(A) ALUNO(A)
Faça um pequeno texto, destacando o que considera de mais interessante no 
projeto Aristotélico voltado para a busca de rigor cientíÞ co e de procedimentos 
seguros para guiar o pensamento.
15 Ver Aristóteles 
(1999:22).
189
 UNIDADE II
A FILOSOFIA NA MODERNIDADE: NECESSIDADES E 
HORIZONTES
Platão com sua Þ losoÞ a aÞ rmava uma concepção de mundo através 
da qual era possível pela razão seguir em direção ao real (a via da episteme) 
ultrapassando os domínios do aparente (a via da doxa). Aristóteles, por sua 
vez, concebia um mundo, possível de ser entendido identiÞ cando a causa Þ nal, 
como se todo o existente pudesse ser explicado a partir de um propósito, de uma 
predestinação inscrita na ordem do mundo. 
As Þ losoÞ as modernas passaram a não se contentar com as explicações 
que se moviam na separação entre real e aparente, no Þ nalismo pré-existente 
na ordenação do mundo. Experimentaram a exigência de discutir a relação 
interioridade e exterioridade, quer dizer, o que era atribuição do sujeito 
(daquele que conhece) e o que era da ordem do objeto (do que é conhecido). 
Experimentaram a exigência de rediscutir as bases teórico-metodológicas que os 
levavam a examinar o lugar onde habitavam, quem é o ser humano e o que este 
podia conhecer. O que aconteceu para que isso se impusesse na Modernidade?
As discussões sobre o problema do ser humano e do conhecimento, no 
desenrolar da Idade Média vão incorporar discussões não valorizadas entre os 
gregos. Na Idade Média a herança judaico-cristã apresenta o que Cassirer (cf.
Ivan Domingues 1991: 26-28) chama de antropologia do homem pecador. Para 
esta antropologia é insuÞ ciente tentar esclarecer o lugar do humano na ordem 
do universo, utilizando-se apenas dos recursos da razão. Os recursos da razão 
podem ser aceitos desde que a serviço de uma antropologia de quem se coloca 
diante dos mistérios da fé e dos ensinamentos das sagradas escrituras (criação do 
mundo, queda de Adão, resgate através da vinda de Cristo).
A reß exão sobre o problema do ser humano na Idade Média vai cultivar 
características próprias. Uma Þ losoÞ a secular, como a dos gregos, da autonomia 
da razão humana, de um Þ nalismo que não nos aproxima do Ser todo poderoso, 
responsável por tudo o que existe, vai dar lugar a uma Þ losoÞ a de tipo religioso 
(pensar a partir de Deus). O ser humano não é mais aquele que detém a iniciativa 
para ser senhor de si. Apresenta-se agora como uma criatura que se explica no 
mundo a partir da graça de Deus e não a partir de si mesmo. A Þ losoÞ a passa a 
ser servidora da teologia.
Como ressalta Cassirer, citado por Domingues (op. cit.: 27), o grande 
princípio grego do “conhece-te a ti mesmo” ganha na Idade Média novas 
implicações. Quando este princípio vem subordinado à doutrina da criação 
deixa de pautar-se unicamente por preocupações e orientações teóricas ou 
especulativas. Por se tratar de um preceito religioso, é um imperativo de salvação 
e não um imperativo de conhecimento; o “conhece-te a ti mesmo” é uma forma de 
questionar a auto-suÞ ciência humana, sendo que cabe a cada pessoa reconhecer 
sua dependência diante de Deus e de sua graça.
Santo Agostinho (354-430), fundador da Þ losoÞ a medieval e da dogmática 
cristã e Santo Tomás de Aquino (1221-1274), considerado o maior representante 
190
do pensamento medieval, que concede maior poder a razão humana, ambos 
organizam seu pensamento a partir da ótica da criação, da doutrina do pecado e 
da graça divina. (ibidem: 28) 
As Þ losoÞ as modernas, devido a toda esta elaboração cristã, da auto-
crítica, da acusação das fraquezas interiores, passaram a não se contentar com 
as explicações que se moviam na separação entre real e aparente, a não aceitar 
a percepção dos sentidos como orientação para o ordenamento racional. 
Experimentaram a exigência de discutir a relação interioridade e exterioridade, 
demarcando o que é da ordem dos limites e das possibilidades do sujeito (daquele 
que conhece) e o que é da ordem do objeto (do que é conhecido). O que aconteceu 
para que isso se impusesse na Modernidade?
PARA RECORDAR:
No mundo grego a realidade é a natureza, onde tudo se origina e nela estão 
inscritos os seres, entre eles os humanos e tudo o que elaboram e constroem. 
Como estão inscritos na natureza, os seres humanos podem conhecê-la 
diretamente, uma vez que contém os elementos comuns que dela se originam 
e também da mesma inteligência que é inerente a ela e que a orienta. A ordem 
da natureza é garantida por um ser superior, perfeito, distante, o que é possível 
de admitir com o uso da razão. 
2.1. A fi losofi a moderna: novas exigências para o pensamento.
Vamos agora discutir um pouco mais os problemas gerados no universo 
do pensamento cristão, que levaram as Þ losoÞ as modernas a se distanciarem da 
Þ losoÞ a grega antiga quanto ao acesso ao real. Distância que está relacionada 
ao modo de perguntar sobre o mundo e de dar sustentação ao conhecimento 
produzido pelo ser humano.
As preocupações cristãs, conforme esclarece Chauí (1997:113) exigiram 
dos modernos algumas distinções que provocaram uma ruptura com a idéia 
grega de uma vinculação direta entre o trabalho de nosso intelecto e da 
sensibilidade para o acesso à verdade e ao mundo. O cristianismo ao fazer a 
distinção entre fé e razão, verdades reveladas por Deus e verdades racionais, 
matéria e espírito, corpo e alma; considerou que o erro e a ilusão faziam parte 
da natureza humana decaída, do caráter pervertido de nossa vontade, após o 
pecado original.
Chauí (op.cit.: 114) lembra que, durante a Idade Média, a fé era central 
para a Þ losoÞ a. Acreditava-se que com o auxílio da graça divina, a fé ilumina o 
intelecto e guia a vontade permitindo à razão chegar ao conhecimento que está 
ao seu alcance, do mesmo modo a alma recebe os mistérios da Revelação. A fé 
permitia saber (mesmo que não pudéssemos compreender como isso era possível) que 
pela vontade soberana de Deus era concedido à nossa alma imaterial conhecer as coisas 
materiais.
A Þ losoÞ a emergente, incorporando questões que vinham sendo elaboradas 
inclusive durante a Idade Média, não via mais como se submeter às respostas 
191
tradicionais. Para essa Þ losoÞ a era absolutamente necessário rediscutir as 
possibilidades do conhecimento humano.
Diante disso a Þ losoÞ a moderna precisava esclarecer pelo menos três 
problemas:
1. Se somos seres decaídos, pervertidos, como podemos conhecer a verdade?
2. Se nossa natureza é dupla (matéria e espírito) como a inteligência pode 
conhecer algo que é diferente dela? Ou seja, como seres corporais podem 
conhecer o incorporal (Deus) e como seres dotados de alma incorpórea podemos 
conhecer o corpóreo (mundo)? (ibidem, 113)
3. Os Þ lósofos antigos partiam do princípio de que éramos entes participantes 
de toda a forma de realidade: graças ao corpo estávamos inseridos na 
natureza, graças a nossa alma participávamos, mesmo

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