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Carlos Vaz 1ª SEBENDA DE APOIO AO ESTUDO SUPERPROF Auto da Barca do Inferno Carlos Vaz ARGUMENTO O Argumento da obra «Auto da Barca do Inferno» é o julgamento das almas humanas na hora da morte. Como lugar deste julgamento é escolhido um profundo braço de mar (a água como símbolo da passagem da vida para a morte e da purificação) onde estão dois arrais: um conduz a Barca da Glória (o Anjo), outro a Barca do Inferno (o Diabo). Por este porto vão passar diversas almas que terão que enfrentar um tribunal, esgrimir argumentos de defesa constituindo-se como advogados em causa própria, e enfrentar os argumentos do Anjo e o Diabo que surgem como advogados de acusação. Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas ordens sociais e denuncia a «podridão» da sociedade, recorrendo ao processo já utilizado pelos poetas da Antiguidade Clássica do Ridendo castigat mores (rindo, corrigem-se os costumes). Assim, a grande maioria das almas são condenadas ao Inferno. Joane (o parvo) fica no cais porque não é responsável pelos seus atos e o Judeu vai à toa (a reboque da barca) porque, não se identificando com a religião católica, não tenta embarcar na Barca da Glória e é recusado pelo Diabo. Apenas os quatro cavaleiros (personagem coletiva) vão embarcar diretamente na barca da Glória porque se entregam em vida aos ideais do Cristianismo (luta contra os mouros). Ao definir este percurso para cada uma das almas, Gil Vicente tinha por certo o objetivo de fazer desta obra alegórica um auto de moralidade, através do qual o Bem fosse compensado e o Mal Castigado. ASSUNTO O auto apresenta a dualidade BEM / MAL, simbolizada pelas personagens alegóricas, ANJO e DIABO, as quais se encontram na respetiva barca, atracada no cais. Aqui surgem várias almas que, através do diálogo com o Anjo e/ou o Diabo, expõem a sua vida, carregada de vícios, o que as leva à condenação. Carlos Vaz SIMBOLOGIA DO CENÁRIO • Cais – representa o tribunal no qual somos julgados segundo o nosso comportamento enquanto vivos. • Barcas – simbolizam a partida para o outro mundo; • Rio – simboliza a divisão e a transição entre este mundo e o outro. AUTO DE MORALIDADE A obra é um auto de moralidade, porque revela os vícios, os defeitos e os costumes da época de Quinhentos, criticando-os de modo a moralizar a sociedade. Nesta peça, Gil Vicente denuncia os vícios da sociedade portuguesa quinhentista, segundo o lema latino ridendo castigat mores, isto é, a rir se corrigem os costumes. Assim, são criticados • A falsa prática religiosa; • A corrupção da justiça; • O judaísmo; • A exploração; • A tirania, • A ganância; • A vaidade; • Desregramento sexual; • A ostentação; • Desprezo pelos humildes; • A ignorância e a credulidade; • A frivolidade. De um modo geral, estes autos de moralidade apresentavam a seguinte estrutura: Estrutura externa Os textos dramáticos organizam-se, habitualmente, em atos que contêm diversas cenas. Tal não acontece no Auto da Barca do Inferno, embora não seja difícil dividir em cenas esta peça de Gil Vicente. • peça é constituída por oitavas, com versos em redondilha maior, seguindo o esquema rimático abbaacca. Estrutura Interna Cada cena, exceto a inicial, apresenta as três partes clássicas: • Exposição: breve apresentação da personagem; • Conflito: interrogatório feito pelo Diabo e pelo Anjo; • Desenlace: atribuição da sentença. Carlos Vaz O DIABO E O COMPANHEIRO – CENA I Cena 1 – Abertura (vv. 1-24) Ancorados no rio da Morte, junto à praia do Purgatório, estão dois batéis: o do Inferno e o do Paraíso. Na sua embarcação o Diabo, ajudado pelo Companheiro, faz os últimos preparativos antes de receber os passageiros. A azáfama é grande; o Diabo procura arranjar espaço a bordo, pois espera muitos viajantes. Na Barca do Paraíso, o movimento é nulo. Registo de Língua. • Gíria – Ligado à arte da navegação. O FIDALGO – CENA II I – O RESUMO DA CENA II: O primeiro a embarcar é um Fidalgo que vem acompanhado por um Pajem, que lhe leva o manto e uma cadeira. O Diabo, mal vê o Fidalgo, diz-lhe para entrar na sua barca. Este dirige a palavra ao Diabo, perguntando-lhe para onde ia aquela barca. O Diabo responde que o seu destino era o Inferno. O Fidalgo resolve então ser sarcástico e diz que as roupas do Diabo pareciam de uma mulher e que sua barca era horrível. O Diabo não gostou da provocação e disse-lhe que aquela barca era a ideal para tão nobre senhor. O Fidalgo, admirado, diz ao Diabo que tem quem reze por ele, portanto, o inferno não será a sua paragem, mas acaba por saber que o seu pai também já encontrara guarida naquela barca. O Fidalgo tenta entrar noutra barca e, por isso, resolve dirigir-se à barca do Anjo. Começa por perguntar ao Anjo, para onde é a viagem e que aquela é a barca que procura, mas é impedido de entrar, devido à sua tirania, pois aquela barca era demasiado pequena para tão grande fidalgo, ou seja, não havia ali espaço para todas as maldades que cometera em vida. O Fidalgo demonstra não querer perceber tais verdades e começa a elogiar o Anjo. Mas o Anjo nem o quer ouvir. Assim, o Fidalgo desolado, vai para a barca do Inferno. Porém, e antes disso, pede ao Diabo que o deixe tornar a ver a sua amada, que se queria matar por ele. O Diabo diz-lhe que a mulher que ele tanto amava o enganava e que tudo que ela lhe escrevia era mentira, mas também a sua esposa dava já graças a Deus por ele ter morrido, o melhor era, portanto, embarcar logo, pois ainda viria mais gente. O Diabo manda o Pajem, que estava junto ao Fidalgo, ir embora, pois ainda não era sua hora. http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/12/03/o-diabo-e-o-companheiro-cena-i/ Carlos Vaz II – NOTAS IMPORTANTES… 1. O Fidalgo representa a nobreza e critica, aqueles que só pensam no seu estatuto social. 2. Este personagem depara-se com o diabo, vindo carregado com a sua cadeira de espaldar, que representa os bens materiais e o poder, o pajem, que simboliza a tirania que exercia sobre o seu povo e o manto com cauda que simboliza a sua vaidade. 3. No início da cena, o Fidalgo apresenta-se muito relaxado no diálogo que tem com o diabo, porém à medida que o discurso vai avançando e que vão sendo feitas as acusações por parte do diabo e posteriormente pelo Anjo, o seu humor altera-se um pouco, mostrando arrogância e irritação. 4. O seu percurso cénico, resume-se a falar inicialmente com o Diabo e, posteriormente com o Anjo. 5. Tanto o diabo como o anjo acusam-no de ter sido tirano perante o seu povo, acusa-o de vaidade e de ridicularizar os mais pobres. Perante estas acusações o Fidalgo apresenta como argumentos, o facto de ter na terra quem reze por ele, e o simples facto de ser fidalgo de solar. Este segundo, mostra como esta personagem estava convencida de que o seu estatuto social lhe iria valer para poder ir para o paraíso. 6. Durante o discurso com o Diabo, e perante o argumento de defesa, que tinha quem rezasse por ele em terra, Gil Vicente pretende criticar a prática errada da religião. 7. Perante a recusa do Anjo de embarcar o Fidalgo no seu barco este mostra-se arrependido, mas ao conversar novamente com o Diabo, ainda tenta regressar a terra apresentando como argumento o de querer ir ver a sua amante e posteriormente a sua mulher. O Diabo responde-lhe que tanto a amante como a mulher tinham chorado de alegria no seu funeral e que tinha sido enganado a vida toda. É por fim condenado ao Inferno. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Fidalgo/ nobreza Elementos / Simbologia • Pajem – simboliza a tirania e o desprezo pelos mais necessitados • Cadeira – simboliza poder, o seu estatuto social • Manto – simboliza a sua riqueza e vaidade (presunção) Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo (embarca) Carlos VazCaracterização psicológica • Vaidoso • Infiel • Presunçoso • Tirano • Não ajudava os outros Acusações • Viveu a seu belo prazer • Foi tirano • Desprezou e não ajudou os mais fracos • Foi vaidoso • Foi infiel Argumentos de defesa • Deixa na outra vida, quem reze por ele • Morreu sem estar à espera, sem contar • É Fidalgo de solar (condição social – nobre) Destino • Inferno Intenção crítica Gil Vicente pretende: • Acusar a Nobreza de tirania e desprezo pelos mais necessitados • Denunciar a infidelidade conjugal • Demonstrar a vaidade e presunção dos nobres O ONZENEIRO – CENA III I – O RESUMO DA CENA VI: Logo a seguir, vem um Onzeneiro, burguês que pratica a onzena (juros a 11%), que pergunta ao Diabo para onde vai aquela barca. O Diabo diz-lhe para entrar e pergunta-lhe o que o levou a demorar tanto. O Onzeneiro queixa-se de que morreu de forma imprevista, enquanto andava a recolher o dinheiro, e que nem dinheiro tinha para pagar ao barqueiro. Não querendo entrar na barca do Diabo, resolve dirigir-se à barca do Anjo, a quem pergunta se podia embarcar. O Anjo diz-lhe que não entraria naquela barca por ter roubado muito e por ter sido ganancioso. O Onzeneiro acaba por entrar na barca do Inferno. Carlos Vaz II – NOTAS IMPORTANTES… 1. O Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Com ele Gil Vicente, pretende criticar os burgueses que naquele tempo se dedicavam aos juros de onze por cento aplicado aos empréstimos de dinheiro. 2. O Onzeneiro entra em cena e depara-se com o diabo que o trata como seu parente, mostrando com ironia que a personagem tinha qualquer coisa a ver com ele, que era como se fossem da mesma família. A personagem vem irritada e a reclamar que lhe estavam mesmo a entregar dinheiro quando morreu. 3. Uma bolsa de dinheiro é o símbolo cénico que o Onzeneiro traz consigo e que representa a sua ganância, obsessão, avareza. Este é acusado pelo Anjo de ter roubado a vida toda, de ter o coração cheio de ganância e avareza e também de ter uma ligação obsessiva ao dinheiro. Por ter esta obsessão tão grande, quando o Anjo lhe recusa a passagem para o Paraíso, este pensa que é porque não tem dinheiro para pagar, querendo regressar à terra para o ir buscar e assim ter a salvação. 4. O Onzeneiro realiza um percurso em que fala primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e por fim é também condenado ao inferno. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Onzeneiro/ nobre Elementos / Simbologia • Bolsão: simboliza a sua ganância/ avareza/ ambição desmedida/ o apego ao dinheiro Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo Caracterização psicológica • Pecador • Ladrão • Usuário • Rico Acusações • Roubar, através dos Juros elevados • Ter o coração cheio de pecados (ambição, maldade) Argumentos de defesa • Tem muito dinheiro em terra e poderá pagar a passagem • O bolsão está vazio Carlos Vaz Destino • Inferno Intenção crítica Gil Vicente pretende: • Criticar a prática da usura, denunciando o enriquecimento rápido e fácil à custa dos mais necessitados • Fazer ver às pessoas que o dinheiro que tem não lhes vale de nada, quando morrerem o importante é as boas ações que fizeram. O PARVO – CENA IV I – O RESUMO DA CENA IV: Os Parvos têm, no teatro vicentino, uma função cómica, ocasionada pelos disparates que proferem. Assim acontece neste auto, embora, em certos passos, o Parvo se junte às personagens sobrenaturais para criticar os que pretendem embarcar e sirva, algumas outras vezes, de comentador. Evidentemente que, nos termos desarticulados e ilógicos, ditos pelos Parvos, há, por vezes, muito que refletir e analisar. Neste auto, isso acontece com a célebre resposta ao Anjo: «… Samica alguém:» (ed. de 1518) ou «Não sou ninguém» (ed. de 1562) que tem sido comentada por variadíssimos autores. A decisão do Anjo de acolher o Parvo, na sua barca, está na lógica da doutrina católica: não pode ser responsabilizado pelos seus atos quem nasceu irresponsável. É o que o Anjo exprime muito sinteticamente com a palavra simpreza. Simplesmente, o Anjo não lhe ordena que embarque imediatamente, mas, pelo contrário, manda-o aguardar no cais os futuros companheiros («espera entanto per i»). Mas, no momento próprio, os quatro Cavaleiros da Ordem de Cristo, seus companheiros, embarcam triunfalmente, deixando o Parvo no cais. A verdade é que quando chega a barca seguinte, já ele lá não estava… II – NOTAS IMPORTANTES… 1. Enquanto nas cenas anteriores (e posteriores) as personagens não precisam de se apresentar ao Anjo ou ao Diabo, sendo por estes imediatamente reconhecidas, neste caso o Parvo tem de se identificar perante os dois barqueiros. À pergunta do Diabo “Quem é?” (v. 250), ele responde “Eu sou.” (v. http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-parvo-cena-iv/ http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-parvo-cena-iv/ Carlos Vaz 250), identificando-se logo de seguida como um tolo (v. 252); à pergunta do Anjo “Quem és tu?” (v. 300), ele responde “Samica alguém.” (v. 300) (na edição de 1562, o Parvo diz “Não sou ninguém.”). Estas respostas revelam a sua inocência e a pouca importância que o Parvo atribui a si próprio. 2. A função dos símbolos cénicos é representar os vícios e pecados das personagens, ajudando à sua caracterização. Ora, o Parvo não pecou e, por isso, não se faz acompanhar de quais- quer símbolos. Pela mesma razão, não é feita qualquer referência à sua vida. 3. Joane insulta o Diabo. 4. O Anjo dá-lhe, de imediato, a possibilidade de embarcar, convidando-o a aguardar, no cais, por outros passageiros. 5. Sendo um pobre de espírito, os erros que possa ter cometido não foram premeditados (vv. 302-303). 6. Convém a Gil Vicente pois, mantendo o Parvo em cena, pode fazer, através dele, muitas críticas que, de outra forma, não poderiam ser feitas. Acrescente- se que, ao interagir com outras personagens, o Parvo ajuda, também, a quebrar a monotonia das cenas, introduzindo o cómico. 7. O cómico de linguagem é o mais significativo. De facto, o Parvo caracteriza-se pela sua linguagem desbragada, com recurso frequente ao calão, num discurso incoerente e desorganizado, recorrendo ainda aos insultos e às obscenidades (cf. particularmente a longa fala do Parvo, vv. 270-297). O cómico de situação e o de carácter surgem, por exemplo, quando Joane pergunta se entra na barca do Diabo “De pulo ou de voo?” (v. 253), pelo absurdo que encerra. Curiosidade: Em latim, a palavra parvo significava “pequeno”, “insignificante”, “diminuto”. No uso mais comum, a palavra parvo significa “tolo”. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Parvo/ povo (uma pessoa pobre de espírito) Elementos / Simbologia • não traz porque os símbolos cénicos estão relacionados com a vida terrena e os pecados cometidos e o Parvo não tem qualquer tipo de pecados. Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo (fica no cais) Carlos Vaz Caracterização da personagem: Direta – “Samica alguém” Indireta – tolo, descarado Momentos psicológicos da personagem: • apresenta-se ao Diabo com “Eu sou” • com simplicidade, ingenuidade e graça, autocaracteriza-se ao Diabo como “tolo” • queixa-se de ter morrido • as suas atitudes ao longo da cena são descontraídas, o que irrita o Diabo que o quer na sua barca • insulta o Diabo • apresenta-se ao Anjo com “Samica alguém” e este diz-lhe que entrará na sua barca, porque tudo o que fez foi sem maldade Acusações • Não é acusado Argumentos de defesa • Como não é acusado, não precisa de se defender. Tipo(s) de cómico usado(s): de situação – quando insulta o Diabo (inversão dos papéis) de caráter –o modo desbragado do parvo de linguagem – utilização da ironia e do calão Destino • Fica no cais Intenção crítica Gil Vicente pretende: • Enaltecer os pobres de espíritoque, graças à sua simplicidade e humilde obtêm a misericórdia divina • A função desta personagem é fazer rir e vai acusar as personagens que estão para chegar. Carlos Vaz Esta cena tem uma intenção lúdica, fazendo divertir quem está a assistir a esta peça, mas também tem uma intenção de crítica ao ilustrar que as pessoas simples são mais merecedoras do Paraíso. O Parvo é convertido numa espécie de comentador independente da ação, pondo à mostra, com os seus disparates, o ridículo das personagens convencidas do seu papel. Em Gil Vicente, a função do Parvo não é apresentar-se a si próprio, nunca sendo observado pelo interesse que em si mesmo possa oferecer, mas tem como função criar efeitos cómicos, irresponsáveis. Durante a peça do Auto da Barca do Inferno, interfere diversas vezes, sendo constante característica o uso do calão, que tanto é injurioso como otimista, fazendo de si um ser louco, completamente à parte, liberto de regras e constrangimentos, em que a ordem não exerce qualquer tipo de poder. O SAPATEIRO – CENA V I – O RESUMO DA CENA II: Mestre Gil apresenta um sapateiro, carregado de formas, acusado pelo Diabo de roubar o povo. O Sapateiro não nega o facto e começa a citar, em sua defesa, a cumprimento de preceitos religiosos: faleceu confessado e comungado, ouviu missas, ofereceu donativos à Igreja e assistiu às horas de finados. É o Diabo quem o elucida que tudo isso nada abona em sua defesa, uma vez que roubava. Quando o Sapateiro roga ao Anjo que o acolha na barca, este objeta-lhe: «A carrega te embaraça». Mais adiante, esclarece um pouco mais o seu pensamento, quando, referindo-se às formas, adverte o Sapateiro: «Se tu viveras dereito, / elas foram cá escusadas.». Para interpretar convenientemente estes dois passos, só vislumbramos uma solução: as formas tinham sido compradas com o dinheiro que o Sapateiro roubara aos seus fregueses e eram como que a materialização dos seus pecados. Se esta interpretação estiver certa, o dramaturgo não considera as formas só como um elemento distintivo e caracterizador de tipo mas também como objetos que o Sapateiro fora obrigado a levar para o seu julgamento como provas de acusação. Com toda esta cena, procurou o autor incutir no espectador esta doutrina: os preceitos devotos (ouvir missa, confessar- se, comungar, etc.) só ajudam os que levam uma vida verdadeiramente honesta. É, portanto, mais uma cena moralista de carácter religioso do que a condenação dum Sapateiro, acusado de roubar o povo. Aliás, em muitos outros passos, Mestre Gil defende este ponto de vista: ser-se religioso consiste mais em atuar com espírito evangélico do que assistir ou cumprir os atos externos do culto. II – NOTAS IMPORTANTES… 1. A carga é pesada, pois o Sapateiro acumulou pecados durante muito tempo. 2. A escolha recai sobre a alínea a., dado que a palavra se refere a um dos símbolos cénicos do Sapateiro. São duas palavras, uma com este significado, http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-sapateiro-cena-iv/ http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-sapateiro-cena-iv/ Carlos Vaz pronunciando-se com “ô”; com o significado dado na alínea b., pronuncia-se com “ó”. 3. O Sapateiro estava convencido de que iria para o Céu. Por isso, fica surpreendido quando o Diabo afirma, perentoriamente, que aquela será a sua barca e coloca-lhe um conjunto de perguntas para tentar perceber a situação. 4. Em vida, o Sapateiro cumpriu os preceitos religiosos: confessou-se e comungou antes de morrer (vv. 316–317 e 322-323), ouviu missas (vv. 334-335), ofereceu donativos à Igreja (v. 338) e assistiu às horas dos finados (v. 339). 5. O Sapateiro é, mesmo assim, condenado ao Inferno, porque enganou e roubou o povo (vv. 327-329), tendo sido desonesto e porque a devoção que exibia era falsa. 6. As formas de sapateiro representam, simultaneamente, o seu ofício e os pecados que cometeu em vida, constituindo, assim, provas de acusação. 7. O uso de calão permite associar o Sapateiro a um nível social com menos formação académica e cultural. (Observe-se que o uso deste registo de língua, que provoca o riso no espectador, está ao serviço do cómico de linguagem e de carácter.) 8. Os sentidos 1 e 4 (aldrabão). 9. Há um jogo de palavras com as homófonas coser e cozer. O Sapateiro indaga se vai exercer o seu ofício no Inferno (coser sapatos); porém, de acordo com a resposta do Anjo (“Escrito estás no caderno / das ementas infernais.” – vv. 364- 365), ele vai cozer, isto é, vai ser cozinhado no lume infernal. Curiosidade: A evolução semântica da palavra “sapateiro”, que ganhou um sentido pejorativo – alguém que executa as suas tarefas atabalhoadamente. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Sapateiro/ povo (artesão) Elementos / Simbologia • avental: simboliza a profissão • carregado se formas de sapatos: simbolizam a sua profissão e vem carregado pelos seus pecados Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo Caracterização psicológica • Direta: aldrabão, ladrão, desonesto, malcriado • Indireta: pecador, excomungado, autoconfiante, explorador Carlos Vaz Argumentos de Acusação do Diabo: • Explorou o povo com o seu trabalho • roubou o povo durante 30 anos • ia à missa e logo a seguir ia roubar, ou seja, praticava a religião de forma incorreta • morreu excomungado • calou dois mil enganos do Anjo: • Não viveu direito nem honestamente • roubou o seu povo • a cárrega embaraça-o, ou seja, o pecado impediu-o de se salvar Argumentos de defesa • fez todas as práticas religiosas: rezava, ia à missa, adorava os santos e levava-lhes oferendas • morreu confessado e comungado Momentos psicológicos da personagem: • ao princípio está confiante em como irá para o Paraíso, pois era bastante religioso • no fim dirige-se ao Diabo e reconhece os seus erros Tipo(s) de cómico usado(s): • Cómico de linguagem: “quatro formigas cagadas que podem bem ir i chantadas.” (calão) Destino • Inferno Intenção crítica Gil Vicente pretende: • Denunciar a exploração dos indivíduos da mesma classe • A hipocrisia daqueles que praticam, sem fé, os diferentes atos religiosos. • Forma superficial de como os católicos praticavam a religião (julgavam que as rezas, missas, comunhões, tinham mais valor que praticar o bem) Carlos Vaz O FRADE – CENA VI I – O RESUMO DA CENA VI: Trata-se dum frade cortesão, dançarino, cantor e esgrimista que surge, no estrado, com a sua amante pela mão. O Diabo sentencia que ele irá para o Inferno por viver amancebado, desprezando assim os votos de castidade que formulara. Toda a defesa do Frade consiste em acreditar que o hábito que enverga o livrará das chamas infernais. Mas repelido pelo Anjo, resigna-se e entra, juntamente com a sua Florença, na barca da perdição. II – NOTAS IMPORTANTES… 1. Embora o Frade da ilustração use um hábito, este não parece fazer dele um verdadeiro frade. Com efeito, a personagem apresenta-se com uma rapariga pela mão, parecendo dançar, e com acessórios inadequados à sua condição. 2. Os objetos com que o Frade se apresenta em cena são, desde logo, marcas de cortesão: a espada, o escudo e o capacete. O Frade faz-se ainda acompanhar de Florença, a amante, evidenciando o seu carácter mundano e contrário ao que seria de esperar de um membro do clero, que assim quebra os votos de pobreza e de castidade a que estava obrigado. 3. O Frade não esconde nenhum facto da sua vida mundana, pelo contrário, há momentos em que os exibe orgulhosa- mente, pois acredita que o hábito que enverga é garantia de salvação, isto é, que sendo frade poderia fazer tudo o que quisesse. Cf. v. 392 “E este hábito não me vale?” e v. 406 “Não ficou isso na avença.” (Ir para o Céu é um direito garantido, por contrato, aos frades). 4. O cómico de situação está presente na forma como o Frade entra em cena, cantando e dançando, coma moça pela mão, e na lição de esgrima que dá ao Diabo. O cómico de carácter mani- festa-se na maneira como se veste e na sua prosápia, já que se tem a si mesmo em alta consideração (cf. vv. 398-400 “eu hei de ser condenado? / Um padre tão namorado / e tanto dado à virtude!…”; v. 422 “Sabê que fui da pessoa!”; vv. 470-473 “Há lugar cá / pera Minha Reverença? / E a senhora Florença / polo meu entrará lá!”). 5. Por exemplo: Sendo membro do clero, e tendo, portanto, a obrigação de dar o exemplo, os pecados do Frade adquirem particular gravidade. Por isso, o Anjo, representante de Deus, nem sequer lhe dirige a palavra. 6. O Parvo acusa o Frade de não cumprir o voto de castidade. 7. Referimo-nos aos versos 383–385: “E não vos punham lá grosa, / no vosso convento santo? / E eles fazem outro tanto!” Curiosidade: Não deixa de ser curiosa a naturalidade com que se encara a questão de os frades terem amantes e, conforme se diz no texto de António José Saraiva e Óscar Lopes, de terem até “mulher e prole”. Carlos Vaz III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Frade/ clero (mundano) Elementos / Simbologia • Broquel/ capacete/ espada – simbolizavam o apego aos prazeres e vícios mundanos • Hábito – Condição sacerdotal (classe social – clero) • Florença – quebra dos votos de castidade, a sua imoralidade e infidelidade a Deus Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo Caracterização psicológica • Direta – O Frade autocaracteriza-se como “cortesão”, ou seja, alguém que está familiarizado com os hábitos da corte. Mais tarde, assume-se como “namorado” e “dado a virtude” e que tem “tanto salmo rezado”. Assim, desde logo esta personagem assume, de forma direta, uma vida dupla como frade, que usa hábito e reza orações e que também é da corte, que namora, canta, esgrima e toca viola. • Indireta – As suas atitudes, também certificam que é um padre pecador, que levava uma vida boémia, em vez de se dedicar afincadamente ao serviço que prestava a Deus e em auxílio de quem precisasse. Mostra que é obstinado quando se nega a entrar na Barca do Inferno, convencido de que as suas rezas e o simples hábito de Frade lhe garantirão um outro destino. Do mesmo modo, também não aceita que Florença entre nessa barca, o que pode denunciar que o Frade não estava ainda consciente de ter vivido uma vida de pecado. Acusações • Não cumpriu na totalidade as leis religiosas • Quebrou os votos de castidade ao folgar com uma mulher • Dedicava-se aos prazeres mundanos Argumentos de defesa • Rezou muitos salmos • (“Este hábito não me vale”) • Dizia que foi muito importante • Era bom esgrimista Carlos Vaz Momentos psicológicos da personagem: • Apresenta-se como cortesão, o que revela que ele frequentava a corte e os seus prazeres (era um frade mundano) • Usa o facto de ser Frade naquele tempo (pretende mostrar que o clero se mostrava superior, poderia fazer o que quisesse sem ser condenado) • Aceita a sentença porque se o Anjo se recusa a falar com ele é porque todos os seus pecados foram graves Tipo(s) de cómico usado(s): • de linguagem – “Devoto padre marido” • de situação – a entrada do frade em cena com a moça pela mão • de carácter – pensava que a relação proibida com a moça seria perdoada pelas suas muitas rezas. Intencionalidade do nome dado por Gil Vicente à companheira do Frade: • A intencionalidade do nome dado por Gil Vicente à companheira do Frade (Florença), é que Florença representa uma cidade italiana considerada o berço do Renascimento; além disso essa cidade foi governada pela família Médici, protetora dos judeus, iniciando uma longa relação da família com a comunidade judaica, que se tornaria comprometedora com a inquisição. Destino • Inferno Intenção crítica Gil Vicente pretende criticar: • o desajuste entre a vida religiosa e a vida que ele levava (vida mundana) • os símbolos representavam a vida de prazeres que ele levava, o que o afastava do seu dever à crítica religiosa “Diabo-(…) E não os punham lá grosa / no vosso convento santo? Frade- E eles faziam outro tanto!” Revela que: havia uma quebra de votos de castidade ao hábito comum entre eles. Esta afirmação alarga a crítica a toda a classe social, pois o Frade é uma personagem tipo, representando toda uma classe social. http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/17/alcoviteira-cena-vii/ http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/17/alcoviteira-cena-vii/ Carlos Vaz ALCOVITEIRA – CENA VII I – O RESUMO DA CENA VII: A Alcoviteira é um dos tipos mais interessantes do teatro vicentino. Estas mulheres dedicavam-se a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres casadas e solteiras e o lançar rapariguitas na prostituição. Como esta profissão estava proibida por lei, para não caírem na alçada da justiça, fingiam que se dedicavam a bordar e a fabricar perfumes e cosméticos. O povo tachava-as de bruxas ou feiticeiras. É o tipo que nos aparece, neste auto, com mais elementos distintivos e caracterizadores. É um autêntico carregamento deles: além das moças que prostituía, importava consigo seiscentos virgos postiços, joias e vestidos roubados. Para poder montar o negócio no outro mundo, levava ainda uma casa movediça, um estrado de cortiça e dez coxins. A linguagem que a Alcoviteira emprega, nomeadamente com o Anjo, funciona também como elemento distintivo. Trata-se duma linguagem melíflua, lisonjeira, repleta de termos carinhosos, embora empregados hipocritamente. É notar como a Alcoviteira tenta cativar o Anjo, chamando-lhe mano, meus olhos, minha rosa, meu amor, minhas boninas, olhos de perlinhas finas, etc. Seria certamente com esta lábia que ela conseguia atrair as jovens à chamada vida fácil. A defesa arquitetada e posta em prática pela Alcoviteira revela mentira, hipocrisia, descaramento. Considera-se uma mártir por ter sido açoitada diversas vezes e compara a sua missão à dos apóstolos. Chega até a afirmar que converteu mais moças do que Santa Úrsula, que nenhuma delas se perdeu e que todas se salvaram. Trata-se duma linguagem ambígua, em que os termos “converter”, “salvar” e “perder-se”, frequentes em textos religiosos, saem dos seus lábios com um significado chulo. O tipo está bem caracterizado, mas Gil Vicente critica a prostituição e os seus agentes muito superficialmente. Nem sequer alude às causas socioeconómicas que impeliam as moças a prostituírem-se. O nosso dramaturgo faz uma crítica a nível popular, explorando o pormenor faceto e foge ou é incapaz de estudar os problemas que equaciona com uma certa profundidade. II – NOTAS IMPORTANTES: • Palavra derivada por sufixação: alcova + -eira. Por sua vez, a palavra alcova é de origem árabe (al-qubbâ, «tenda»). Atualmente, significa: pequeno quarto interior de dormir; quarto de prazeres, sentido figurado: abrigo; refúgio. Carlos Vaz • Objetos: “Seiscentos virgos postiços” (v. 499); “alguns furtos alheos” (v. 504); “casa movediça” (v. 507); “um estrado de cortiça” (v. 508) // Conceitos: “três arcas de feitiços” (v. 500); “três almários de mentir” (v. 502); “cinco cofres de enleos” (v.503); “dez coxins de embair” (v. 509); Os elementos cénicos que traz consigo mostram-nos que, para além de intermediária entre as prostitutas e os seus clientes (“essas moças que vendia.” (v. 511)), Brízida Vaz dedicava-se também à feitiçaria, à mentira. Pelas características da personagem e pela carga que transporta, poderíamos aventar a hipótese de ela pretender continuar a sua atividade no outro mundo. • A Alcoviteira entende que já suportou, em vida, muitos tormentos, que já foi suficientemente castigada com açoites, pela justiça, e considera-se tão perfeita como os apóstolos, os anjos e os mártires; como tal, merece o Céu (cf. vv. 518- 521 e 539-541). Para além disso, argumenta que servia o clero, criando “as meninas / pera os cónegos da Sé.” (vv. 534-535) eque salvou muitas “cachopas”, arranjando-lhes “dono” (vv. 542-547). • Converter, salvar e perder-se são palavras dos textos religiosos que, na boca da Alcoviteira, adquirem outros sentidos. Ela atraiu (“converteu”) muitas raparigas para a prostituição, tirou-as (“salvas”) de uma vida de pobreza e todas tiveram sucesso/clientes (“nenhüa se perdeu”). • Quando se dirige ao Anjo, a Alcoviteira escolhe meticulosamente palavras e expressões carinhosas, procurando lisonjear o barqueiro do Céu, para tentar convencê-lo a deixá-la entrar na sua barca. Cf., por exemplo, v. 526 (“Barqueiro, mano, meus olhos”), v. 531 (“Anjo de Deus, minha rosa”), vv. 537–538 (“meu amor, minhas boninas, /olhos de perlinhas finas!”). • Versos 534-535: “a que criava as meninas / pera os cónegos da Sé.”, nos quais Gil Vicente, uma vez mais, critica a depravação do clero. • A Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se dedicavam a encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a prostituição. Representa esta atividade profissional. • Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular. Começa por recusar a entrada no Inferno e acusa-se a si própria dizendo tudo o que traz consigo como se fosse a coisa mais natural. • É a personagem que mais bagagem traz, representando todos os pecados que fez ao longo da sua vida. Ela traz toda a carga que lhe “convém”, “casa movediça”, pois pretende continuar com o negócio que deixou em terra. • Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer ir para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e até que as vendia aos padres da Sé, argumentando que servia a igreja, deveria ir para o Paraíso. • Em cena, a Alcoviteira dialoga primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e finalmente é condenada ao Inferno. Curiosidade: os prostíbulos “movediços”, de armar e desarmar, poderiam servir o duplo objetivo de se deslocarem para onde houvesse mais “clientela” e de mudar de lugar quando as donas eram “incomodadas” pela Justiça. Carlos Vaz III – SÍNTESE: Classe social • Alcoviteira/ povo Elementos / Simbologia • Moças, 600 virgos postiços, joias e vestidos roubados, casa movediça, dois coxins (almofadas), estrado de cortiça. • Símbolos de uma vida de falsidade, roubo, fingimento, moralmente e legalmente condenável. Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo Momentos psicológicos da personagem: • Diz que não é a barca do Diabo que procura • Está sempre confiante de que vai entrar na barca do Anjo • Defende-se dizendo que sofreu muito, como ninguém, que arranjou muitas “meninas” para elementos do clero e que está orgulhosa por ter arranjado “dono” para todas as suas “meninas” • Quando vai à barca do Anjo muda completamente a sua atitude, usando mais o vocabulário de cariz religioso e tentando seduzir o Anjo e fazer-se de boa pessoa Caracterização psicológica • Direta – “som apostolada, angelada e martelada” • Indireta – Brísida era mentirosa (“três almários de mentir”), mexeriqueira (“cinco cofres de enleos”), ladra (“alguns frutos alheos”), cínica (“trago eu muita bofé”), convencida (“e eu vou pera o paraíso”), enganadora (“barqueiro mano meus olhos”). Acusações • A acusação é tão evidente, que nem o Anjo nem o Diabo precisam de a enunciar Argumentos de defesa • Considerava-se “angelada” (protegeu as raparigas) • Considera-se uma mártir por ter sido açoitada várias vezes, pois foi martirizada, castigada e suportou tormentos • Compara a sua missão à dos apóstolos Carlos Vaz • “Converteu” muitas moças, livrando-as da morte e da pobreza • Criou as moças para os cónegos da Sé (serviu o clero) Destino • Inferno Intenção crítica Gil Vicente pretende: • Criticar a prática da prostituição e seus agentes, neste caso, a exploração de raparigas indefesas e inocentes pelas alcoviteiras • Denunciar a quebra dos votos de castidade dos membros do clero Cómico • de linguagem – “barqueiro mano, meus olhos”; “cuidais que trago piolhos?” • de carácter – “eu som apostolada…fiz cousas mui divinas”. O JUDEU – CENA VIII I – O RESUMO DA CENA VIII: Gil Vicente descreve o tipo do Judeu, exagerando sobretudo dois traços: o apego à sua religião, simbolizado no bode expiatório que ele não quer largar e o seu proverbial amor ao dinheiro, expresso nas moedas com que tenta subornar o barqueiro. O transporte do bode redunda em cena cómica quando o Diabo se recusa a conduzi- lo na barca e, mais tarde, resolve levar ambos a reboque. Este pormenor de o Diabo não ter permitido a entrada do Judeu na sua barca é muito significativo: marginaliza de tal modo o Judeu que o coloca num plano inferior ao dos restantes condenados ao Inferno. Até o Parvo troca o seu papel de comentador pelo de acusador e culpa o Judeu de profanar sepulturas cristãs e de comer carne em dia de jejum. Evidentemente que o retrato da sociedade quinhentista ficaria incompleto se, no auto, não figurasse um judeu. Apesar de, na carta dirigida a D. João III e nalguns passos da sua obra, termos provas de que o nosso dramaturgo não concordava com a perseguição movida aos judeus e cristãos-novos, a verdade é que, como cristão-velho, dirige, na sua mesma obra, ásperas censuras ao judaísmo em geral. Gil Vicente procura demonstrar, nesta cena, que o apego do Judeu à sua religião era tão forte que, nem mesmo depois de morto e com a verdade à vista, abandonava as suas ideias. II – NOTAS IMPORTANTES… http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/17/o-judeu/ http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/17/o-judeu/ Carlos Vaz 1. Ao contrário das outras personagens, o Judeu solicita ao Diabo o embarque no seu batel, oferecendo-lhe até dinheiro em troca (v. 570 “Passai-me por meu dinheiro.” e vv.576-577 “Eis aqui quatro testões, / e mais se vos pagará.”). Por sua vez, o Diabo, que rejubila de cada vez que chega uma nova personagem, mostra desagrado com a entrada do Judeu. Note-se que, mais à frente (vv. 602- 603), é o próprio Diabo a sugerir ao Judeu que tente a sua sorte na barca do Anjo (“Judeu, lá te passarão, / porque vão mais despejados.”). 2. A sua forte ligação ao dinheiro. 3. Esta recusa demonstra o claro apego do Judeu à sua religião, simbolizada pelo bode. Mesmo depois de o Diabo ter dito que o bode era um “escusado passageiro”, o Judeu insiste em levar o animal consigo. 4. O Parvo desempenha o papel de acusador. Insinua que o Judeu roubou o bode, acusa-o de profanar as sepulturas cristãs e de não respeitar a abstinência e o jejum cristão (vv. 598-609). 5. Esta situação, à semelhança da forma como o Judeu é tratado em toda a cena, explica-se pelas circunstâncias que os cristãos-novos viviam em Portugal: sendo excluídos da sociedade regular, é lógico para a mentalidade da época que tenham dificuldade em serem aceites até na sociedade dos condenados. Por isso, o Judeu e o seu bode são levados a reboque, sendo a personagem colocada num plano inferior ao de todos os outros condenados. 6. O Judeu sabe, à partida, qual será o seu destino: se, em vida, nunca foi aceite pelos cristãos, nunca poderia ter entrada na barca da Glória. Além disso, com essa atitude, o Judeu mostra que nunca deixará de professar a sua religião. 7. Só gozando de grande prestígio na corte, Gil Vicente poderia atrever-se a fazer declarações como as que aqui estão relatadas e que contrariavam, em tudo, a mentalidade da época. Curiosidade: A expressão “bode expiatório” tem a sua origem no ritual judeu do Livro dos Levíticos, em que Aarão ao pôr as mãos sobre a cabeça de um bode transmite a este animal todos os pecados do povo de Israel. A expressão “bode expiatório” faz hoje parte da nossa linguagem comum e é aplicada em qualquer situação em que um inocente é responsabilizado por uma culpa que não tem.III – SÍNTESE: Personagem / Classe social Judeus Elementos / Simbologia Bode – salvação dos pecados, purificação, o que explica o apego do Judeu ao seu símbolo, mesmo depois da morte. (Símbolo da religião judaica). Carlos Vaz Percurso cénico Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo O Judeu tenta entrar na Barca do Inferno, mas não consegue. O Diabo acaba por permitir que se desloque a reboque na Barca do Inferno. Caracterização psicológica • Indireta – fanatismo religioso (não queria largar o bode), ladrão (nas palavras do Parvo), má pessoa, avarento. Acusações • Praticou o Judaísmo • Tentou subornar os outros • Não respeitou os dias de jejum e abstinência • Profanou os locais sagrados Argumentos de defesa – Não tem argumentos de defesa pois, como é judeu não crê na religião católica, não acredita que possa ter salvação. Momentos psicológicos da personagem: • Logo que chega ao cais o Judeu dirige-se para a barca do Inferno porque: sabe que não será aceite na barca do Anjo, já que em vida nunca foi aceite nos lugares dos Cristãos • Os Judeus eram muito mal vistos na época e nem poderia admitir a hipótese de entrar na barca do Anjo • Para entrar na Barca do Inferno ele usa o dinheiro. Ele usa o dinheiro porque era uma forma de mostrar que os Judeus tinham grande poder económico e que estavam ligados ao dinheiro. • O Judeu recusa deixar o bode em terra, porque quer ser reconhecido como Judeu Tipo(s) de cómico usado(s): • de linguagem – utiliza o registo de língua popular nos insultos ao parvo e ao Diabo • de carácter – o seu apego ao bode • de situação – aparece com o bode às costas e termina a reboque da Barca do Inferno Destino Inferno Carlos Vaz Intenção crítica Em termos de contexto histórico, • revela que os Cristãos odiavam os Judeus • acusavam-nos de enriquecer à custa de roubos de Natureza diversa • acusavam-nos de ofender a religião católica, cometendo diversas profanações CORREGEDOR E O PROCURADOR – CENA IX I – O RESUMO DA CENA IX: Depois do Judeu ter embarcado, veio um Corregedor, carregado de feitos. Quando chegou ao batel do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro, pensando ser servido. O barqueiro, ao vê-lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma que ele conduziria para o fogo ardente do Inferno. O Corregedor era um dos eleitos para a sua barca, porque durante toda a sua vida foi um juiz corrupto, que aceitava perdizes como suborno. O Diabo começa a falar em latim com o Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, e era considerada uma língua culta. Os dois começam a discutir em latim, o Corregedor por se achar superior ao Diabo quer também demonstrar-lhe que, pelo facto de ser um juiz prestigiado, não poderia entrar em tal barca. O Diabo vai perguntando sobre todas as suas falcatruas, cita, inclusive, a sua mulher, que aceitava suborno dos judeus, mas o Corregedor garantiu que nisso ele não estava envolvido, esses eram os pecados de sua mulher e não os seus. Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do Inferno, chegou um Procurador, carregando vários livros. Depara-se com o Corregedor e, espantado por encontrá-lo ali, questiona-o para onde ia, mas o Diabo responde pelo Corregedor e diz: para o Inferno e que também era bom ele ir entrando logo. O Corregedor e o Procurador não queriam entrar na barca, pois diziam-se homens de fé, sabedores da existência de outra barca em melhores condições que os conduziria para um lugar mais ameno – o Céu. Quando chegam ao batel divino, o Anjo e o Parvo mostram-lhes que as suas ações os impediam de entrar na barca da Glória, pois tinham feito mal e era agora altura de pagar, com a ida das suas almas para o Inferno. Desistindo de ir para o paraíso, os dois entram no batel dos condenados e deparam-se com Brízida Vaz, que fica satisfeita com esta entrada, pois enquanto viveu foi muito castigada pela Justiça. http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/24/corregedor/ http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/24/corregedor/ Carlos Vaz II – NOTAS IMPORTANTES: • A vara poderá sugerir a aplicação do castigo. Poderá ser oportuno perceber alguns dos significados de vara: pau comprido; bordão, cajado; insígnia de juízes, vereadores e dos irmãos de certas confrarias; circunscrição judicial; vergasta; chibata; fig. poder; autoridade; fig. Jurisdição. • As duas personagens estão ligadas à justiça. Aliás, quando o Procurador entra em cena, a primeira pessoa que se lhe dirige é precisamente o Corregedor e ambas revelam conhecer-se: COR. “Ó senhor Procurador!/ PRO. “Beijo-vo-las mãos, Juiz.” (vv.686-687). Nos dois casos, os símbolos com que se apresentam em cena relacionam-se com a justiça: processos judiciais (“carregado de feitos”) e uma vara, no caso do Corregedor; “carregado de livros”, o Procurador. • O Diabo acusa o Corregedor de ter aceitado roubos (“rapina”), de ter julgado com malícia (v. 659), de permitir que a sua mulher tivesse recebido presentes (“peitas”, vv. 662-663) dos judeus e de ter “sugado o sangue” dos lavradores ignorantes, ingénuos (vv. 670-673). Em resumo, o Procurador é acusado de ter exercido o seu trabalho a troco de subornos e extorsões e de ter prejudicado os mais desfavorecidos com as suas decisões parciais. • O Corregedor culpa a mulher (vv. 664-667 “Isso eu não no tomava, / eram lá percalços seus. / Non sunt peccatus meus, / peccavit uxore mea.”), afirmando ter sempre procedido com justiça e imparcialidade (cf. vv. 660–661). • O Anjo acusa-os de terem sido “pera as almas odiosos!” (v. 721). • O Parvo é também acusador: culpa-os por terem roubado na vida terrena e por desrespeitarem a Igreja (cf. vv. 726-729). • Nota: Em ambos os casos está, mais uma vez, presente a crítica a uma falsa prática religiosa, que se limita ao cumprimento dos atos externos do culto. • Trata-se do cómico de linguagem presente no latim macarrónico usado pelo Parvo e pelo Diabo, e pelo despropósito que constitui o uso desta língua pelo Corregedor e pelo Procurador fora do âmbito da sua profissão. • O uso desta língua, sem ser no exercício da profissão, poderá ser considerado uma forma de mostrar sabedoria, erudição, revelando presunção. Pode também funcionar como estratégia de supremacia em relação aos interlocutores (desconhecedores da língua). Curiosidades: O facto de um dos subornos mais generalizados da época ser a oferta de perdizes. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social Carlos Vaz • Corregedor – juiz • Procurador – Funcionário da Coroa corrupto Elementos / Simbologia • Processos/ Vara/ Livros – simbolizavam a atividade profissional e os pecados (processos malconduzidos, os subornos) Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo Caracterização: • Indireta – a referência às perdizes aludia ao carácter corrupto das personagens. Gil Vicente julgou em simultâneo o Corregedor e o Procurador porque: • ambos faziam parte da justiça (havia cumplicidade entre a justiça e os assuntos do Rei) • ambos eram corruptos) A confissão para eles: • não era importante: só se confessavam em situações de risco e não diziam a verdade Corregedor: Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: – não tem ar de quem se deixa subornar – apenas o rei tem mais poder que ele (utilização do seu estatuto social) – era a sua mulher que aceitava os subornos A principal e quase única acusação que o Diabo lança ao Corregedor é a de não ter sido imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até de Judeus – julgou com malícia (enriqueceu com o trabalho dos lavradores ingénuos) – confessou-se mas mentiu O Anjo acusa-o – de vir carregado, sendo filho da ciência Carlos Vaz O Parvo acusa-o de: – roubar coelhos e perdizes – profanar nos campanários: levava a religião de uma forma superficial– de vir carregado, sendo filho da ciência Procurador: Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: – não tem tempo de se confessar O Anjo acusa-o – de vir carregado, sendo filho da ciência O Parvo acusa-o de: – roubar coelhos e perdizes – profanar nos campanários: levava a religião de uma forma superficial Momentos psicológicos das personagens: • A forma de como o Corregedor inicia diálogo com o Diabo aproxima-se da forma com o Fidalgo também o fez, isto é, utilizando o estatuto social. • O Corregedor usa muito o Latim porque é uma língua muito usada em direito e o Diabo responde-lhe em Latim Macarrónico para mostrar que essa linguagem não servia de nada, que poderiam sobre falar bem latim mas não sabiam aplicar as leis. • O Corregedor pergunta se o poder do barqueiro infernal é maior do que o do próprio Rei porque ele na Terra tinha um grande poder e não admitia que mandassem nele. • Quando o Corregedor e o Procurador se aproximam do Anjo, ele fica irritado e roga-lhes uma praga (atitude nada normal do Anjo). • No Inferno o Corregedor dialoga com Brízida Vaz porque já se conheceriam da vida terrena. Tipo(s) de cómico usado(s): • de linguagem – utilização do latim macarrónico (O Corregedor usa muito o Latim porque era uma língua muito usada em Direito) • de carácter – a sua mania de superioridade Carlos Vaz Crítica de Gil Vicente nesta cena: • Denúncia da justiça corrompida que se deixava comprar e espoliava o que podia. • Gil Vicente contrapõe a justiça humana, corrupta, à justiça divina, que repõe a verdade, sendo intransigente e imparcial. O juiz do tribunal terreno torna-se réu no tribunal divino. • A forma como é praticada a religião revela hipocrisia, falsidade e interesse. O ENFORCADO – CENA X I – O RESUMO DA CENA X: Após a entrada dos dois oficiais da justiça, Corregedor e Procurador, vem um homem que morreu enforcado que, ao chegar ao batel dos mal-aventurados, começou a conversar com o Diabo. Tentou explicar que não iria no batel do Inferno, pois já tinha sido perdoado por Deus ao morrer enforcado acreditando no que lhe dissera Garcia Moniz. O Diabo diz-lhe que está enganado e predestinado a arder no fogo infernal. Desistindo de tentar fugir ao seu destino, acaba por obedecer às ordens do Diabo para ajudar a empurrar a barca e a remar, pois o momento da partida aproximava-se. II – NOTAS IMPORTANTES: • O Enforcado entra depois dos magistrados por ter sido vítima da justiça terrena, que eles representam. • O Enforcado traz um baraço ao pescoço, que simboliza a forma como morreu, não funcionando, como é habitual, como elemento caracterizador da sua personalidade ou do seu estatuto ou condição social. Terá sido condenado ao Inferno por ter sido enforcado (o que parece não fazer sentido, pois não dependeu da sua vontade) ou por ter praticado um crime (que não é referido)? • Logo no início o Diabo demonstra conhecer bem Garcia Moniz, o qual, provavelmente, lhe enviava muitos “clientes” para a sua barca (mandando executar os criminosos). • Garcia Moniz convenceu este homem de que o facto de morrer enforcado lhe garantia a entrada no Paraíso, visto ter-se já purificado dos pecados cometidos no purgatório – a cadeia do Limoeiro – e que até se poderia considerar um “santo canonizado”, por tanto ter sofrido durante toda a sua vida. • O Enforcado é ingénuo, simples, confiante. É uma personagem sem vontade própria, que se deixa facilmente influenciar. • O Enforcado aparece aqui como vítima. Quem será verdadeiramente criticado é Garcia Moniz por ter induzido em erro o Enforcado, sabendo à partida que não havia salvação possível para ele. De novo, Gil Vicente põe-nos face a uma personagem com responsabilidade que engana os mais fracos. Carlos Vaz Curiosidades: - o facto de esta cena ser diferente das outras cenas do auto, uma vez que a personagem interveniente é mais vítima do que culpada; - Portugal foi o primeiro país da Europa a abolir a pena de morte, em 1867, dando, assim, o exemplo aos restantes países europeus. III – SÍNTESE: Tipo: Povo (criminoso condenado) Adereços que o caracterizam: O “baraço” (corda de enforcado): representa a forma como o Enforcado morreu e a crítica aos oficiais da Justiça que condenavam injustamente. Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: – ele havia sido perdoado por Deus ao morrer enforcado (assim lho dissera Garcia Moniz) – já tinha sofrido o castigo na prisão – não tem, mas está implícita a condenação por um crime cometido. Momentos psicológicos da personagem: • confiança na palavra de Garcia Moniz, purgatório era o Limoeiro, o baraço era santo, as orações feitas no momento de execução. Percurso cénico • Cais – Barca do Diabo Carlos Vaz Caracterização: • Direta: – “ Bem-aventurado” • Indireta: -ingénuo, confiante na palavra dos outros, facilmente influenciável. Cómico: • de carácter – a ingenuidade da personagem (que contrasta com o facto de ele ser um ladrão) Crítica de Gil Vicente nesta cena: • Os costumes censurados são o engano dos mais fracos por pessoas com responsabilidade (Garcia Moniz, Mestre da Balança da Moeda de Lisboa); a doutrina, ou seja, o sistema. • Gil Vicente procura, assim, denunciar as falsas doutrinas que invertem os valores da conduta social. OS QUATRO CAVALEIROS – CENA XI I – O RESUMO DA CENA XI: Depois do Enforcado, entraram quatro Cavaleiros a cantar, cada um trazia a Cruz de Cristo, para demonstrar a sua fé, pois tinham lutado numa Cruzada contra os Muçulmanos, no norte da África. Ao passarem na frente da barca do Inferno, cantando, segurando as suas espadas e escudos, o Diabo não resiste e diz-lhes para entrarem, mas um deles responde-lhe que quem morre por Jesus Cristo não entra em tal barca. Tornaram a prosseguir, cantarolando, em direção à barca da Glória, sendo muito bem recebidos pelo Anjo que já estava à sua espera há muito tempo Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram para o Paraíso, já que morreram pela expansão da fé e por isso estavam isentos de qualquer pecado. Carlos Vaz II – NOTAS IMPORTANTES: • Os Quatro Cavaleiros representam, na realidade, um grupo – aqueles que lutaram pela expansão da fé cristã. Assim, um único cavaleiro pode representar o referido grupo. • A canção dirige-se aos “mortais”, em geral – “Senhores, que trabalhais / pola vida transitória” (vv.838-839). Logo a seguir (v. 845), os Cavaleiros tratam os “mortais” por “pecadores”. • A mensagem é um aviso: “despois da sepultura, / neste rio está a ventura / de prazeres ou dolores!” (vv. 846-848), isto é, os Cavaleiros lembram aos mortais a transitoriedade da vida e aconselham-nos a terem sempre presente que, depois da morte, irão encontrar a alegria ou o sofrimento, o Céu ou o Inferno, conforme tenham atuado em vida. Recorde-se, aos alunos, que esta mensagem, que, na verdade, constitui a moralidade do auto, estava já presente na Cena II (o Fidalgo) nas palavras do Diabo: “Segundo lá escolhestes, / assi cá vos contentai. / Pois que já a morte passastes / haveis de passar o rio.” (vv. 56-59). • “barca segura” (v. 835), “bem guarnecida” (v. 836 e 843), “da vida” (vv. 837, 844 e 851), “mui nobrecida” (v. 850). Todas elas são expressões elogiosas e salientam que é esta a barca em que todos devem desejar embarcar. • Os Cavaleiros sabem que quem morreu a combater pela fé tem entrada assegurada no Paraíso. De resto, isso mesmo é enunciado na didascália que antecede a cena: “Absoltos a culpa e pena per privilégio que os que assi morrem têm dos mistérios da Paixão d’Aquele por quem padecem, outorgados por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja.” • O Diabo manifesta espanto e incompreensão pela atitude dos Cavaleiros (vv. 860-861). O Anjo mostra a sua alegria por ter finalmente chegado quem ele esperava. • Como a Igrejasó tinha a ganhar com as Cruzadas, quem nelas participasse ganhava, automaticamente, um lugar no Céu. III – SÍNTESE: Personagem / Classe social • Quatro Cavaleiros (cruzados) Adereços que os caracterizam: Cruz de Cristo que simboliza a fé católica dos cavaleiros, as espadas e os escudos, que simbolizam a apologia da Reconquista e da Expansão da Fé Cristã. Carlos Vaz Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: – dizem que morreram a lutar contra os mouros em nome de Cristo Não há. Percurso cénico • Cais – Barca do Anjo Os cavaleiros não foram acusados pelo Diabo porque: – merecem entrar na barca do Anjo – morreram a lutar pela fé cristã, contra os infiéis, o que os livrou de todos os pecados – esta cena revela a mentalidade medieval de defesa do espírito da cruzada Momentos psicológicos da personagem: Quando chegam ao cais chegam a cantar. Essa cantiga mostra aos mortais que esta vida é uma passagem e que terão de passar sempre naquele cais onde serão julgados. Nessa cantiga está contida a moralidade da peça porque: – fala da transitoriadade da vida – fala da inavitabilidade do destino final – fala do destino final que está de acordo com aquilo que foi feito na vida Terrena Caracterização: Ao contrário do que acontece com as outras personagens, nada nos é dito sobre a sua vida ou morte, a não ser “morremos nas Partes de Além […] pelejando por Cristo” . Crítica de Gil Vicente nesta cena: Na cantiga cantada pelos quatro Cavaleiros está condensada a moralidade da peça, reflexo da ideia que a Igreja tinha sobre a vida e o mundo. Carlos Vaz Gil Vicente pretende transmitir que quem faz o bem na Terra e espalhou a fé cristã é recompensado no Céu e quem acredita em Deus, quando morrer terá uma “vida” calma e tranquila. A moralidade está condensada nos seguintes versos: “Vigiai – vos, pescadores, que depois da sepultura neste rio está a ventura de prazeres ou dolores. Gil Vicente com estes versos, pretendia transmitir que depois da ”vida terrestre”, cada pessoa era recompensada ou ”amaldiçoada” conforme a sua vida na terra. Carlos Vaz A SABER… TIPOS DE CÓMICO, REGISTOS DE LÍNGUA E RECURSOS ESTILÍSTICOS 1. Conceitos Tipos de Cómico (conf. Plural 9, p. 87) Situação Resulta de uma não adaptação de uma pessoa à situação em que se encontra. NOTA: em termos de linguagem mais popular, será fazer figuras tristes, voluntária ou involuntariamente. Linguagem Resulta de uma não adaptação da linguagem ao contexto. NOTA: o uso de calão é o exemplo mais frequente, mas poderá ser a utilização de uma linguagem demasiado cuidada para um auditório pouco escolarizado. Carácter Resulta de uma não adaptação de uma pessoa à sua própria realidade. NOTA: em termos de linguagem mais popular, será alguém com “manias”! Servem ainda o processo cómico alguns recursos estilísticos como a ironia, eufemismo e jogo de linguagem. Registos de língua (Conf. Plural – Caderno do aluno 9, p. 3), Literária Apresenta uma intenção e realização estéticas. Recorre a uma linguagem figurativa. Cuidada Registo culto da língua, usado em situações formais - conferências, colóquios, cartas (não familiares), alguns textos jornalísticos de opinião, discursos (políticos e outros), … Caracteriza-se pelo uso de formas de tratamento cuidadas e respeitosas. Corrente ou padrão Segue a norma linguística pretendendo ser o registo médio da língua. Usado na comunicação social em texto informativo. Popular Registo provocado pela falta de cultura linguística, desleixo ou hábitos. Pode resultar em regionalismo (quando característico de uma região), gíria (quando próprio de um grupo socioprofissional) ou calão (quando usado grosseira e ofensivamente). Regionalismo Expressão própria de uma determinada região. Alguns vocábulos como bica/café; imperial/fino (cerveja). NOTA: o mirandês é a segunda língua oficial de Portugal. É a língua própria do povo de Miranda do Douro e deve-se, essencialmente, ao isolamento a que a região esteve sujeita em tempos. É falada por cerca de 15 mil pessoas e é aprendida nas escolas da região. Assemelha-se ao Português antigo. Gíria Linguagem codificada e própria de certos grupos socioprofissionais. Muitos termos de diversas gírias são usados no dia-a-dia sem que nos percebamos que os estamos a usar (escolas: feriado = furo; futebol: frango; segurança: bófia = moina). Carlos Vaz Calão Expressões consideradas grosseiras ou ofensivas. Algumas palavras pretendem disfarçar o calão, mas não deixam de o ser (fosca-se, fonha-se, carago). Técnico- científica Usada em conjugação com as anteriores, conforme a competência linguística do utilizador, mas marcada por termos próprio de uma técnica ou ciência. EX.: Os motores caracterizam-se pela sua cilindrada e a sua potência é medida em cavalos e binário (corrente). Aquela máquina tem uma cilindrada do caneco e potência até dizer chega (popular). Recursos estilísticos (Conf. Plural 9, p. 238) Eufemismo Consiste no uso de uma expressão por outra, para evitar ou atenuar o efeito desagradável que esta última produziria. Ironia Consiste em atribuir às palavras um significado diferente daquele que na realidade têm, sugerindo, em geral, o contrário do que se quer, de facto, dizer. Antítese Consiste no contraste entre dois elementos ou ideias. Metáfora Consiste numa espécie de comparação à qual falta o primeiro termo e a partícula comparativa. O termo utilizado não é literalmente aplicado. EX: Aquele homem é uma fortaleza! Hipérbole Consiste num exagero de termos a fim de dar ênfase ao pensamento. Jogo de linguagem (ou de palavras) Consiste no emprego de palavras com desvirtuação do seu significado ou pertinência, numa espécie de jogo sonoro irónico: corregedor/descorregedor; senhor/senhora; embarca/embarcai. Comparação Consiste em confrontar duas realidades distintas para realçar analogias ou diferenças. 2. Exemplos PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS FIDALGO ▪ Cómico de situação: «Pêra lá vai a senhora» ▪ Cómico de linguagem: «Que giricocins, salvanor» ▪ Cómico de carácter: «tornarei à outra vida ver minha dama querida que se quer matar por mi» «Dá-me licença, te peço, que vá ver minha mulher». ▪ Linguagem corrente: «Isso bem certo o sei eu.» ▪ Linguagem popular: «Par Deus, aviado estou!» ▪ Linguagem cuidada: «Porém, a que terra passais?» ▪ Eufemismo: «vai para a ilha perdida» ▪ Ironia; «ò poderoso dom Anrique» «Embarqu’a vossa doçura, que cá nos entederemos» ▪ Antítese: «Segundo lá escolhestes, assi cá vos contentai» ▪ Metáfora: «Que maré tão de prata» «Ó barca, como és ardente!» Carlos Vaz PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS ONZENEIRO ▪ Cómico de carácter: «Quero lá tornar ao mundo e trarei o meu dinheiro» ▪ Cómico de linguagem: «dá-me tanta borregada como arrais lá no Barreiro» ▪ Cómico de situação: «Dar-vos-ei tanta pancada com um remo, que renegues!» ▪ Linguagem corrente presente em todo o texto ▪ Linguagem popular: «Pesar de São Pimentel, nunca tanta pressa vi» ▪ Ironia: «Ora mui muito me espanto nom vos livrar o dinheiro» «Oh! Que gentil recear» ▪ Eufemismo: «me deu Saturno quebranto» «Pera a infernal comarca.» ▪ Metáfora: «onzeneiro meu parente» SAPATEIRO ▪ Cómico de linguagem: «e da puta da barcagem» «nem à puta da badana» ▪ Cómico de carácter: «Mandaram-me vir assi…» (carregado). ▪ Gíria (técnico-científica): «cordovão», «badana», «forminhas» ▪ Linguagem popular: «é esta boa traquitana» ▪ Calão: «puta», «cagadas» ▪ Linguagem corrente: sobretudo nafala do Anjo ▪ Ironia: «Santo sapateiro honrado!» ▪ Eufemismo: «lago dos danados» ▪ Hipérbole: «calaste dous mil enganos» ▪ Jogo de linguagem «que vá cozer o Inferno» ▪ Antítese: «...comungado? / E tu morreste escomungado» ▪ Metáfora: «almas embaraçadas» Joane, o PARVO ▪ Cómico de linguagem: sobretudo pelas asneiras e pelo vocabulário relacionado com coprolalia (tendência involuntária de proferir palavras obscenas ou fazer comentários geralmente considerados socialmente depreciativos e, portanto, inadequados). ▪ Cómico de situação: quando Joane insulta o Diabo ▪ Cómico de carácter: a maneira de ser de Joane provoca o riso («de pulo ou de vôo?» ▪ Calão : asneiras, coprolalia; ▪ Linguagem popular: «Hou! Pesar de meu avô!» «Antrecosto de carrapato» ▪ Linguagem corrente: no diálogo com o Anjo ▪ Eufemismo: «Ao porto de Lúcifer» ▪ Repetição: «Aguardai, aguardai, houlá!» ▪ Expressões injuriosas: «Barca do cornudo» «filho da grande aleivosa» Carlos Vaz PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS FRADE ▪ Cómico de situação e Cómico de carácter: quando entra em cena a cantar e a dançar (ainda por cima, com uma moça pela mão!) e quando dá uma lição de esgrima; ▪ Cómico de linguagem: «Furtaste o trinchão, frade?» ▪ Gíria (técnico-científica): «Deo gratias» «sus», «um fendente», «levada», «talho largo», «revés», «colher os pés» e «segunda guarda», etc. ▪ Linguagem popular: «palha n’albarda», «Ah! nom praza a São Domingos» ▪ Ironia «Fezeste bem, que é fermosa!» «Devoto padre», «Dê…lição d’esgrima, que é cousa boa!» «Que cousa tão preciosa!» ▪ Eufemismo «fogo ardente» ▪ Antítese «padre mundanal», «padre marido» ▪ Comparação: «Tão bem guardado como a palha n’albarda» ALCOVITEIRA ▪ Cómico de linguagem: «Cuidas que trago piolhos» ▪ Cómico de situação e Cómico de carácter quando tenta seduzir o Anjo, com “palavrinhas doces” e quando, mesmo depois de morta, se mostra preocupada com a sua aparência («pareço mal cá de fora») ▪ Linguagem cuidada: «Passai-me, por vossa fé, / meu amor, minhas bobinas, / olhos de perlinhas finas!» ▪ Ironia «Que saboroso arrecear» ▪ Eufemismo «fogo infernal» ▪ Comparação «Santa Úrsula nom converteo tantas cachopas como eu» ▪ Metáfora: «meu amor, minhas boninas, olho de perlinhas finas» JUDEU ▪ Cómico de linguagem: Calão usado quer pelo Judeu quer pelo Parvo; ▪ Cómico de situação: Decisão final do Diabo em levar o Judeu e o bode a reboque ▪ Cómico de carácter: Insistência do Judeu e tentativa de suborno do Diabo para entrar na barca com o bode. ▪ Popular/calão: Pragas dos Judeu ao Diabo Intervenção do Parvo CORREGEDOR e PROCURADOR ▪ Cómico de linguagem: uso do latim macarrónico ▪ Cómico de situação: Condenação da justiça humana pela justiça divida (julgador é julgado) ▪ Cómico de carácter: Uso recorrente à justiça (meirinho, textos das leis, recursos…) ▪ Calão: Em algumas falas do Parvo ▪ Cuidada: «para onde a levais?» ▪ Ironia «Santo descorregedor» ▪ Eufemismo «lago dos cães» ▪ Antítese (jogo de palavras) «há-de ir um corregedor? - Santo descorregedor» Carlos Vaz PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS ENFORCADO ▪ Cómico de situação / carácter: Inocência do enforcado, ante os conselhos de Garcia Moniz ▪ Familiar: Pelo tom coloquial e uso frequente da copulativa O Auto da Barca do Inferno nos Exames Nacionais Compilação dos exercícios sobre o Auto da Barca do Inferno que surgiram no Exame Nacional. Já sabes, podes consultar no site do IAVE (procurar no Google) os critérios de correção. Bom trabalho! https://linguaportuguesa9ano.wordpress.com/exames-nacionais/ Carlos Vaz Carlos Vaz Carlos Vaz Carlos Vaz Carlos Vaz Carlos Vaz Carlos Vaz PROPOSTAS DE TEXTOS EXPOSITIVOS: I CORREGEDOR Hou da barca! DIABO Que querês? CORREGEDOR Está aqui o senhor juiz. DIABO Oh amador de perdiz, gentil cárrega trazês! CORREGEDOR No meu ar conhecerês que nom é ela do meu jeito. DIABO Como vai lá o direito? CORREGEDOR Nestes feitos o verês. DIABO Ora, pois, entrai. Veremos que diz i nesse papel… CORREGEDOR E onde vai o batel? DIABO No Inferno vos poeremos. CORREGEDOR Como? À terra dos demos há-de ir um corregedor? DIABO Santo descorregedor, embarcai, e remaremos! Ora, entrai, pois que viestes! CORREGEDOR Non est de regulae juris, não! DIABO Ita, Ita! Dai cá a mão! Remaremos um remo destes. Fazei conta que nacestes pera nosso companheiro. – Que fazes tu, barzoneiro? Faze-lhe essa prancha prestes! Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras em que refiras: -identificação do que é referido pela expressão “nestes feitos” -explicitação do duplo sentido da palavra “cárrega”. -explicitação da intenção do Diabo ao dirigir-se ao corregedor como “descorregedor”. -explicação da função da intenção de crítica social feita através do Corregedor. Carlos Vaz II JOANE Hou da barca! ANJO Que me queres? JOANE Queres-me passar além? ANJO Quem és tu? JOANE Samica alguém ANJO Tu passarás, se quiseres; Porque em todos teus fazeres Per malícia nom erraste. Tua simpreza t’abaste Pera gozar dos prazeres. Espera entanto per i; Veremos se vem alguém, Merecedor de tal bem, que deva entrar aqui. Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras em que refiras: – referência ao local onde as personagens se encontram. – identificação do que é referido pelo advérbio “além” (verso 3). – caracterização do Parvo, tendo em conta o seu diálogo com o Anjo. – indicação dos argumentos apresentados pelo Anjo para justificar a sua decisão. -explicação do sentido dos versos “veremos se vem alguém merecedor de tal bem”. -explicação da função do parvo no auto. III DIABO . Que cousa tão preciosa… Entrai. padre reverendo! FRADE . Para onde levais gente? DIABO Pera aquele fogo ardente que nom temestes vivendo. FRADE Juro a Deos que nom t’entendo! E este hábito nõ me val? DIABO Gentil padre mundanal, a Berzabu vos encomendo! FRADE Ah Corpo de Deos consagrado! Pela fé de Jesu Cristo, que eu nom posso entender isto! Eu hei-te ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado a virtude? Assi Deos me dê saúde. que eu estou maravilhado! DIABO Não curês de mais detença. Carlos Vaz Embarcai e partiremos: tomareis um par de remos. FRADE Nom ficou isso n’avença DIABO Pois dada está já a sentença! FRADE Par Deos! Essa seri’ela! Não vai em tal caravela minha senhora Florença. Como? Por ser namorado e folgar com ua mulher se há um frade de perder, com tanto salmo rezado? DIABO Ora estás bem aviado! Mais estás bem corregido! haveis de ser cá pingado… devoto padre marido Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras em que refiras: – referência ao local onde as personagens se encontram. – identificação do que é referido pelo expressão “aquele fogo ardente” (verso 4). – indicação dos argumentos apresentados pelo Diabo para condenar o frade. -explicitação da reação do Frade às acusações do Diabo. -referência ao sentido da fala do frade “não ficou isso n’ avença” (verso 21). -explicitação da ironia presente na fala do diabo “devoto padre marido” (verso 33). -explicação da função da intenção de crítica social feita através do Frade. BOM ESTUDO! AVISO: A informação para esta Sebenta foi retirada de algumas fontes fidedignas online. Algumas dessas fontes apresentavam gralhas de ortografia que tenteicorrigir. Poderá alguma, com “kryptonita”, ter me escapado, por isso, se encontrares erros, avisa-me, por favor!
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