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1 SEBENTA AUTO DA BARCA

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Carlos Vaz 
 
 
 
1ª SEBENDA DE APOIO AO ESTUDO 
 
SUPERPROF 
Auto da Barca do Inferno 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
ARGUMENTO 
O Argumento da obra «Auto da Barca do Inferno» é o julgamento das almas 
humanas na hora da morte. Como lugar deste julgamento é escolhido um profundo 
braço de mar (a água como símbolo da passagem da vida para a morte e da 
purificação) onde estão dois arrais: um conduz a Barca da Glória (o Anjo), outro a Barca 
do Inferno (o Diabo). Por este porto vão passar diversas almas que terão que enfrentar 
um tribunal, esgrimir argumentos de defesa constituindo-se como advogados em causa 
própria, e enfrentar os argumentos do Anjo e o Diabo que surgem como advogados de 
acusação. 
Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das 
diversas ordens sociais e denuncia a «podridão» da sociedade, recorrendo ao 
processo já utilizado pelos poetas da Antiguidade Clássica do Ridendo castigat 
mores (rindo, corrigem-se os costumes). 
Assim, a grande maioria das almas são condenadas ao Inferno. Joane (o parvo) 
fica no cais porque não é responsável pelos seus atos e o Judeu vai à toa (a reboque 
da barca) porque, não se identificando com a religião católica, não tenta embarcar na 
Barca da Glória e é recusado pelo Diabo. 
Apenas os quatro cavaleiros (personagem coletiva) vão embarcar diretamente 
na barca da Glória porque se entregam em vida aos ideais do Cristianismo (luta contra 
os mouros). 
Ao definir este percurso para cada uma das almas, Gil Vicente tinha por certo o 
objetivo de fazer desta obra alegórica um auto de moralidade, através do qual o Bem 
fosse compensado e o Mal Castigado. 
 
ASSUNTO 
O auto apresenta a dualidade BEM / MAL, simbolizada pelas personagens 
alegóricas, ANJO e DIABO, as quais se encontram na respetiva barca, atracada no 
cais. Aqui surgem várias almas que, através do diálogo com o Anjo e/ou o Diabo, 
expõem a sua vida, carregada de vícios, o que as leva à condenação. 
 
 
 
Carlos Vaz 
SIMBOLOGIA DO CENÁRIO 
• Cais – representa o tribunal no qual somos julgados segundo o nosso 
comportamento enquanto vivos. 
• Barcas – simbolizam a partida para o outro mundo; 
• Rio – simboliza a divisão e a transição entre este mundo e o outro. 
AUTO DE MORALIDADE 
A obra é um auto de moralidade, porque revela os vícios, os defeitos e os 
costumes da época de Quinhentos, criticando-os de modo a moralizar a sociedade. 
Nesta peça, Gil Vicente denuncia os vícios da sociedade portuguesa 
quinhentista, segundo o lema latino ridendo castigat mores, isto é, a rir se corrigem 
os costumes. 
Assim, são criticados 
• A falsa prática religiosa; 
• A corrupção da justiça; 
• O judaísmo; 
• A exploração; 
• A tirania, 
• A ganância; 
• A vaidade; 
• Desregramento sexual; 
• A ostentação; 
• Desprezo pelos humildes; 
• A ignorância e a credulidade; 
• A frivolidade. 
De um modo geral, estes autos de moralidade apresentavam a seguinte estrutura: 
 
Estrutura externa 
 
 Os textos dramáticos organizam-se, habitualmente, em atos que contêm diversas 
cenas. Tal não acontece no Auto da Barca do Inferno, embora não seja difícil dividir 
em cenas esta peça de Gil Vicente. 
• peça é constituída por oitavas, com versos em redondilha maior, seguindo 
o esquema rimático abbaacca. 
Estrutura Interna 
 Cada cena, exceto a inicial, apresenta as três partes clássicas: 
• Exposição: breve apresentação da personagem; 
• Conflito: interrogatório feito pelo Diabo e pelo Anjo; 
• Desenlace: atribuição da sentença. 
Carlos Vaz 
O DIABO E O COMPANHEIRO – CENA I 
Cena 1 – Abertura (vv. 1-24) 
Ancorados no rio da Morte, junto à praia do Purgatório, estão dois batéis: o do 
Inferno e o do Paraíso. Na sua embarcação o Diabo, ajudado pelo Companheiro, faz 
os últimos preparativos antes de receber os passageiros. A azáfama é grande; o Diabo 
procura arranjar espaço a bordo, pois espera muitos viajantes. Na Barca do Paraíso, o 
movimento é nulo. 
Registo de Língua. 
• Gíria – Ligado à arte da navegação. 
 
O FIDALGO – CENA II 
I – O RESUMO DA CENA II: 
O primeiro a embarcar é um Fidalgo que vem acompanhado por um Pajem, que 
lhe leva o manto e uma cadeira. 
O Diabo, mal vê o Fidalgo, diz-lhe para entrar na sua barca. Este dirige a palavra 
ao Diabo, perguntando-lhe para onde ia aquela barca. O Diabo responde que o seu 
destino era o Inferno. O Fidalgo resolve então ser sarcástico e diz que as roupas do 
Diabo pareciam de uma mulher e que sua barca era horrível. O Diabo não gostou da 
provocação e disse-lhe que aquela barca era a ideal para tão nobre senhor. O Fidalgo, 
admirado, diz ao Diabo que tem quem reze por ele, portanto, o inferno não será a sua 
paragem, mas acaba por saber que o seu pai também já encontrara guarida naquela 
barca. O Fidalgo tenta entrar noutra barca e, por isso, resolve dirigir-se à barca do Anjo. 
Começa por perguntar ao Anjo, para onde é a viagem e que aquela é a barca que 
procura, mas é impedido de entrar, devido à sua tirania, pois aquela barca era 
demasiado pequena para tão grande fidalgo, ou seja, não havia ali espaço para todas 
as maldades que cometera em vida. 
O Fidalgo demonstra não querer perceber tais verdades e começa a elogiar o 
Anjo. Mas o Anjo nem o quer ouvir. Assim, o Fidalgo desolado, vai para a barca do 
Inferno. Porém, e antes disso, pede ao Diabo que o deixe tornar a ver a sua amada, 
que se queria matar por ele. O Diabo diz-lhe que a mulher que ele tanto amava o 
enganava e que tudo que ela lhe escrevia era mentira, mas também a sua esposa dava 
já graças a Deus por ele ter morrido, o melhor era, portanto, embarcar logo, pois ainda 
viria mais gente. O Diabo manda o Pajem, que estava junto ao Fidalgo, ir embora, pois 
ainda não era sua hora. 
 
 
 
 
 
 
 
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/12/03/o-diabo-e-o-companheiro-cena-i/
Carlos Vaz 
II – NOTAS IMPORTANTES… 
 
1. O Fidalgo representa a nobreza e critica, aqueles que só pensam no seu 
estatuto social. 
2. Este personagem depara-se com o diabo, vindo carregado com a sua cadeira 
de espaldar, que representa os bens materiais e o poder, o pajem, que simboliza 
a tirania que exercia sobre o seu povo e o manto com cauda que simboliza a 
sua vaidade. 
3. No início da cena, o Fidalgo apresenta-se muito relaxado no diálogo que tem 
com o diabo, porém à medida que o discurso vai avançando e que vão sendo 
feitas as acusações por parte do diabo e posteriormente pelo Anjo, o seu humor 
altera-se um pouco, mostrando arrogância e irritação. 
4. O seu percurso cénico, resume-se a falar inicialmente com o Diabo e, 
posteriormente com o Anjo. 
5. Tanto o diabo como o anjo acusam-no de ter sido tirano perante o seu povo, 
acusa-o de vaidade e de ridicularizar os mais pobres. Perante estas acusações 
o Fidalgo apresenta como argumentos, o facto de ter na terra quem reze por 
ele, e o simples facto de ser fidalgo de solar. Este segundo, mostra como esta 
personagem estava convencida de que o seu estatuto social lhe iria valer para 
poder ir para o paraíso. 
6. Durante o discurso com o Diabo, e perante o argumento de defesa, que tinha 
quem rezasse por ele em terra, Gil Vicente pretende criticar a prática errada da 
religião. 
7. Perante a recusa do Anjo de embarcar o Fidalgo no seu barco este mostra-se 
arrependido, mas ao conversar novamente com o Diabo, ainda tenta regressar 
a terra apresentando como argumento o de querer ir ver a sua amante e 
posteriormente a sua mulher. O Diabo responde-lhe que tanto a amante como 
a mulher tinham chorado de alegria no seu funeral e que tinha sido enganado a 
vida toda. É por fim condenado ao Inferno. 
 
III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
• Fidalgo/ nobreza 
Elementos / Simbologia 
• Pajem – simboliza a tirania e o desprezo pelos mais necessitados 
• Cadeira – simboliza poder, o seu estatuto social 
• Manto – simboliza a sua riqueza e vaidade (presunção) 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo (embarca) 
Carlos VazCaracterização psicológica 
• Vaidoso 
• Infiel 
• Presunçoso 
• Tirano 
• Não ajudava os outros 
Acusações 
• Viveu a seu belo prazer 
• Foi tirano 
• Desprezou e não ajudou os mais fracos 
• Foi vaidoso 
• Foi infiel 
Argumentos de defesa 
• Deixa na outra vida, quem reze por ele 
• Morreu sem estar à espera, sem contar 
• É Fidalgo de solar (condição social – nobre) 
Destino 
• Inferno 
Intenção crítica 
Gil Vicente pretende: 
• Acusar a Nobreza de tirania e desprezo pelos mais necessitados 
• Denunciar a infidelidade conjugal 
• Demonstrar a vaidade e presunção dos nobres 
 
O ONZENEIRO – CENA III 
I – O RESUMO DA CENA VI: 
Logo a seguir, vem um Onzeneiro, burguês que pratica a onzena (juros a 11%), 
que pergunta ao Diabo para onde vai aquela barca. O Diabo diz-lhe para entrar e 
pergunta-lhe o que o levou a demorar tanto. O Onzeneiro queixa-se de que morreu de 
forma imprevista, enquanto andava a recolher o dinheiro, e que nem dinheiro tinha para 
pagar ao barqueiro. Não querendo entrar na barca do Diabo, resolve dirigir-se à barca 
do Anjo, a quem pergunta se podia embarcar. O Anjo diz-lhe que não entraria naquela 
barca por ter roubado muito e por ter sido ganancioso. O Onzeneiro acaba por entrar 
na barca do Inferno. 
Carlos Vaz 
II – NOTAS IMPORTANTES… 
1. O Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Com ele Gil 
Vicente, pretende criticar os burgueses que naquele tempo se dedicavam aos 
juros de onze por cento aplicado aos empréstimos de dinheiro. 
2. O Onzeneiro entra em cena e depara-se com o diabo que o trata como seu 
parente, mostrando com ironia que a personagem tinha qualquer coisa a ver 
com ele, que era como se fossem da mesma família. A personagem vem irritada 
e a reclamar que lhe estavam mesmo a entregar dinheiro quando morreu. 
3. Uma bolsa de dinheiro é o símbolo cénico que o Onzeneiro traz consigo e que 
representa a sua ganância, obsessão, avareza. Este é acusado pelo Anjo de ter 
roubado a vida toda, de ter o coração cheio de ganância e avareza e também 
de ter uma ligação obsessiva ao dinheiro. Por ter esta obsessão tão grande, 
quando o Anjo lhe recusa a passagem para o Paraíso, este pensa que é porque 
não tem dinheiro para pagar, querendo regressar à terra para o ir buscar e assim 
ter a salvação. 
4. O Onzeneiro realiza um percurso em que fala primeiro com o Diabo, depois com 
o Anjo e por fim é também condenado ao inferno. 
III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
• Onzeneiro/ nobre 
Elementos / Simbologia 
• Bolsão: simboliza a sua ganância/ avareza/ ambição desmedida/ o apego ao 
dinheiro 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
Caracterização psicológica 
• Pecador 
• Ladrão 
• Usuário 
• Rico 
Acusações 
• Roubar, através dos Juros elevados 
• Ter o coração cheio de pecados (ambição, maldade) 
Argumentos de defesa 
• Tem muito dinheiro em terra e poderá pagar a passagem 
• O bolsão está vazio 
Carlos Vaz 
Destino 
• Inferno 
Intenção crítica 
Gil Vicente pretende: 
• Criticar a prática da usura, denunciando o enriquecimento rápido e fácil à 
custa dos mais necessitados 
• Fazer ver às pessoas que o dinheiro que tem não lhes vale de nada, quando 
morrerem o importante é as boas ações que fizeram. 
 
 
O PARVO – CENA IV 
I – O RESUMO DA CENA IV: 
 Os Parvos têm, no teatro vicentino, uma função cómica, ocasionada pelos 
disparates que proferem. Assim acontece neste auto, embora, em certos passos, o 
Parvo se junte às personagens sobrenaturais para criticar os que pretendem embarcar 
e sirva, algumas outras vezes, de comentador. 
 
 Evidentemente que, nos termos desarticulados e ilógicos, ditos pelos Parvos, há, 
por vezes, muito que refletir e analisar. Neste auto, isso acontece com a célebre 
resposta ao Anjo: «… Samica alguém:» (ed. de 1518) ou «Não sou ninguém» (ed. de 
1562) que tem sido comentada por variadíssimos autores. 
 
 A decisão do Anjo de acolher o Parvo, na sua barca, está na lógica da doutrina 
católica: não pode ser responsabilizado pelos seus atos quem nasceu irresponsável. É 
o que o Anjo exprime muito sinteticamente com a palavra simpreza. Simplesmente, o 
Anjo não lhe ordena que embarque imediatamente, mas, pelo contrário, manda-o 
aguardar no cais os futuros companheiros («espera entanto per i»). Mas, no momento 
próprio, os quatro Cavaleiros da Ordem de Cristo, seus companheiros, embarcam 
triunfalmente, deixando o Parvo no cais. A verdade é que quando chega a barca 
seguinte, já ele lá não estava… 
 
II – NOTAS IMPORTANTES… 
1. Enquanto nas cenas anteriores (e posteriores) as personagens não precisam 
de se apresentar ao Anjo ou ao Diabo, sendo por estes imediatamente 
reconhecidas, neste caso o Parvo tem de se identificar perante os dois 
barqueiros. À pergunta do Diabo “Quem é?” (v. 250), ele responde “Eu sou.” (v. 
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-parvo-cena-iv/
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-parvo-cena-iv/
Carlos Vaz 
250), identificando-se logo de seguida como um tolo (v. 252); à pergunta do Anjo 
“Quem és tu?” (v. 300), ele responde “Samica alguém.” (v. 300) (na edição de 
1562, o Parvo diz “Não sou ninguém.”). Estas respostas revelam a sua inocência 
e a pouca importância que o Parvo atribui a si próprio. 
2. A função dos símbolos cénicos é representar os vícios e pecados das 
personagens, ajudando à sua caracterização. Ora, o Parvo não pecou e, por 
isso, não se faz acompanhar de quais- quer símbolos. Pela mesma razão, não 
é feita qualquer referência à sua vida. 
3. Joane insulta o Diabo. 
4. O Anjo dá-lhe, de imediato, a possibilidade de embarcar, convidando-o a 
aguardar, no cais, por outros passageiros. 
5. Sendo um pobre de espírito, os erros que possa ter cometido não foram 
premeditados (vv. 302-303). 
6. Convém a Gil Vicente pois, mantendo o Parvo em cena, pode fazer, através 
dele, muitas críticas que, de outra forma, não poderiam ser feitas. Acrescente-
se que, ao interagir com outras personagens, o Parvo ajuda, também, a quebrar 
a monotonia das cenas, introduzindo o cómico. 
7. O cómico de linguagem é o mais significativo. De facto, o Parvo caracteriza-se 
pela sua linguagem desbragada, com recurso frequente ao calão, num discurso 
incoerente e desorganizado, recorrendo ainda aos insultos e às obscenidades 
(cf. particularmente a longa fala do Parvo, vv. 270-297). O cómico de situação 
e o de carácter surgem, por exemplo, quando Joane pergunta se entra na barca 
do Diabo “De pulo ou de voo?” (v. 253), pelo absurdo que encerra. 
 
Curiosidade: 
Em latim, a palavra parvo significava “pequeno”, “insignificante”, “diminuto”. No uso 
mais comum, a palavra parvo significa “tolo”. 
 
 
III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
• Parvo/ povo (uma pessoa pobre de espírito) 
Elementos / Simbologia 
• não traz porque os símbolos cénicos estão relacionados com a vida terrena e 
os pecados cometidos e o Parvo não tem qualquer tipo de pecados. 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo (fica no cais) 
Carlos Vaz 
Caracterização da personagem: 
Direta – “Samica alguém” 
Indireta – tolo, descarado 
Momentos psicológicos da personagem: 
• apresenta-se ao Diabo com “Eu sou” 
• com simplicidade, ingenuidade e graça, autocaracteriza-se ao Diabo como 
“tolo” 
• queixa-se de ter morrido 
• as suas atitudes ao longo da cena são descontraídas, o que irrita o Diabo que 
o quer na sua barca 
• insulta o Diabo 
• apresenta-se ao Anjo com “Samica alguém” e este diz-lhe que entrará na sua 
barca, porque tudo o que fez foi sem maldade 
Acusações 
• Não é acusado 
Argumentos de defesa 
• Como não é acusado, não precisa de se defender. 
 
Tipo(s) de cómico usado(s): 
de situação – quando insulta o Diabo (inversão dos papéis) 
de caráter –o modo desbragado do parvo 
de linguagem – utilização da ironia e do calão 
 
Destino 
• Fica no cais 
Intenção crítica 
Gil Vicente pretende: 
• Enaltecer os pobres de espíritoque, graças à sua simplicidade e humilde 
obtêm a misericórdia divina 
• A função desta personagem é fazer rir e vai acusar as personagens que estão 
para chegar. 
Carlos Vaz 
Esta cena tem uma intenção lúdica, fazendo divertir quem está a assistir a esta 
peça, mas também tem uma intenção de crítica ao ilustrar que as pessoas simples são 
mais merecedoras do Paraíso. O Parvo é convertido numa espécie de comentador 
independente da ação, pondo à mostra, com os seus disparates, o ridículo das 
personagens convencidas do seu papel. Em Gil Vicente, a função do Parvo não é 
apresentar-se a si próprio, nunca sendo observado pelo interesse que em si mesmo 
possa oferecer, mas tem como função criar efeitos cómicos, irresponsáveis. Durante a 
peça do Auto da Barca do Inferno, interfere diversas vezes, sendo constante 
característica o uso do calão, que tanto é injurioso como otimista, fazendo de si um ser 
louco, completamente à parte, liberto de regras e constrangimentos, em que a ordem 
não exerce qualquer tipo de poder. 
 
 
O SAPATEIRO – CENA V 
 
I – O RESUMO DA CENA II: 
Mestre Gil apresenta um sapateiro, carregado de formas, acusado pelo Diabo 
de roubar o povo. O Sapateiro não nega o facto e começa a citar, em sua defesa, a 
cumprimento de preceitos religiosos: faleceu confessado e comungado, ouviu missas, 
ofereceu donativos à Igreja e assistiu às horas de finados. É o Diabo quem o elucida 
que tudo isso nada abona em sua defesa, uma vez que roubava. Quando o Sapateiro 
roga ao Anjo que o acolha na barca, este objeta-lhe: «A carrega te embaraça». Mais 
adiante, esclarece um pouco mais o seu pensamento, quando, referindo-se às formas, 
adverte o Sapateiro: «Se tu viveras dereito, / elas foram cá escusadas.». Para 
interpretar convenientemente estes dois passos, só vislumbramos uma solução: as 
formas tinham sido compradas com o dinheiro que o Sapateiro roubara aos seus 
fregueses e eram como que a materialização dos seus pecados. Se esta interpretação 
estiver certa, o dramaturgo não considera as formas só como um elemento distintivo e 
caracterizador de tipo mas também como objetos que o Sapateiro fora obrigado a levar 
para o seu julgamento como provas de acusação. Com toda esta cena, procurou o 
autor incutir no espectador esta doutrina: os preceitos devotos (ouvir missa, confessar-
se, comungar, etc.) só ajudam os que levam uma vida verdadeiramente honesta. É, 
portanto, mais uma cena moralista de carácter religioso do que a condenação dum 
Sapateiro, acusado de roubar o povo. Aliás, em muitos outros passos, Mestre Gil 
defende este ponto de vista: ser-se religioso consiste mais em atuar com espírito 
evangélico do que assistir ou cumprir os atos externos do culto. 
 
 
 II – NOTAS IMPORTANTES… 
1. A carga é pesada, pois o Sapateiro acumulou pecados durante muito tempo. 
2. A escolha recai sobre a alínea a., dado que a palavra se refere a um dos 
símbolos cénicos do Sapateiro. São duas palavras, uma com este significado, 
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-sapateiro-cena-iv/
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/16/o-sapateiro-cena-iv/
Carlos Vaz 
pronunciando-se com “ô”; com o significado dado na alínea b., pronuncia-se 
com “ó”. 
3. O Sapateiro estava convencido de que iria para o Céu. Por isso, fica 
surpreendido quando o Diabo afirma, perentoriamente, que aquela será a sua 
barca e coloca-lhe um conjunto de perguntas para tentar perceber a situação. 
4. Em vida, o Sapateiro cumpriu os preceitos religiosos: confessou-se e comungou 
antes de morrer (vv. 316–317 e 322-323), ouviu missas (vv. 334-335), ofereceu 
donativos à Igreja (v. 338) e assistiu às horas dos finados (v. 339). 
5. O Sapateiro é, mesmo assim, condenado ao Inferno, porque enganou e roubou 
o povo (vv. 327-329), tendo sido desonesto e porque a devoção que exibia era 
falsa. 
6. As formas de sapateiro representam, simultaneamente, o seu ofício e os 
pecados que cometeu em vida, constituindo, assim, provas de acusação. 
7. O uso de calão permite associar o Sapateiro a um nível social com menos 
formação académica e cultural. (Observe-se que o uso deste registo de língua, 
que provoca o riso no espectador, está ao serviço do cómico de linguagem e de 
carácter.) 
8. Os sentidos 1 e 4 (aldrabão). 
9. Há um jogo de palavras com as homófonas coser e cozer. O Sapateiro indaga 
se vai exercer o seu ofício no Inferno (coser sapatos); porém, de acordo com a 
resposta do Anjo (“Escrito estás no caderno / das ementas infernais.” – vv. 364-
365), ele vai cozer, isto é, vai ser cozinhado no lume infernal. 
 Curiosidade: 
 A evolução semântica da palavra “sapateiro”, que ganhou um sentido pejorativo – 
alguém que executa as suas tarefas atabalhoadamente. 
 
III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
• Sapateiro/ povo (artesão) 
Elementos / Simbologia 
• avental: simboliza a profissão 
• carregado se formas de sapatos: simbolizam a sua profissão e vem carregado 
pelos seus pecados 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
Caracterização psicológica 
• Direta: aldrabão, ladrão, desonesto, malcriado 
• Indireta: pecador, excomungado, autoconfiante, explorador 
Carlos Vaz 
 
Argumentos de Acusação 
do Diabo: 
• Explorou o povo com o seu trabalho 
• roubou o povo durante 30 anos 
• ia à missa e logo a seguir ia roubar, ou seja, praticava a religião de forma 
incorreta 
• morreu excomungado 
• calou dois mil enganos 
do Anjo: 
• Não viveu direito nem honestamente 
• roubou o seu povo 
• a cárrega embaraça-o, ou seja, o pecado impediu-o de se salvar 
 Argumentos de defesa 
• fez todas as práticas religiosas: rezava, ia à missa, adorava os santos e 
levava-lhes oferendas 
• morreu confessado e comungado 
 Momentos psicológicos da personagem: 
• ao princípio está confiante em como irá para o Paraíso, pois era bastante 
religioso 
• no fim dirige-se ao Diabo e reconhece os seus erros 
 Tipo(s) de cómico usado(s): 
• Cómico de linguagem: “quatro formigas cagadas que podem bem ir i 
chantadas.” (calão) 
 Destino 
• Inferno 
 Intenção crítica 
Gil Vicente pretende: 
• Denunciar a exploração dos indivíduos da mesma classe 
• A hipocrisia daqueles que praticam, sem fé, os diferentes atos religiosos. 
• Forma superficial de como os católicos praticavam a religião (julgavam que as 
rezas, missas, comunhões, tinham mais valor que praticar o bem) 
Carlos Vaz 
O FRADE – CENA VI 
I – O RESUMO DA CENA VI: 
Trata-se dum frade cortesão, dançarino, cantor e esgrimista que surge, no 
estrado, com a sua amante pela mão. O Diabo sentencia que ele irá para o Inferno por 
viver amancebado, desprezando assim os votos de castidade que formulara. Toda a 
defesa do Frade consiste em acreditar que o hábito que enverga o livrará das chamas 
infernais. Mas repelido pelo Anjo, resigna-se e entra, juntamente com a sua Florença, 
na barca da perdição. 
 
II – NOTAS IMPORTANTES… 
1. Embora o Frade da ilustração use um hábito, este não parece fazer dele um 
verdadeiro frade. Com efeito, a personagem apresenta-se com uma rapariga 
pela mão, parecendo dançar, e com acessórios inadequados à sua condição. 
2. Os objetos com que o Frade se apresenta em cena são, desde logo, marcas de 
cortesão: a espada, o escudo e o capacete. O Frade faz-se ainda acompanhar 
de Florença, a amante, evidenciando o seu carácter mundano e contrário ao 
que seria de esperar de um membro do clero, que assim quebra os votos de 
pobreza e de castidade a que estava obrigado. 
3. O Frade não esconde nenhum facto da sua vida mundana, pelo contrário, há 
momentos em que os exibe orgulhosa- mente, pois acredita que o hábito que 
enverga é garantia de salvação, isto é, que sendo frade poderia fazer tudo o 
que quisesse. Cf. v. 392 “E este hábito não me vale?” e v. 406 “Não ficou isso 
na avença.” (Ir para o Céu é um direito garantido, por contrato, aos frades). 
4. O cómico de situação está presente na forma como o Frade entra em cena, 
cantando e dançando, coma moça pela mão, e na lição de esgrima que dá ao 
Diabo. O cómico de carácter mani- festa-se na maneira como se veste e na sua 
prosápia, já que se tem a si mesmo em alta consideração (cf. vv. 398-400 “eu 
hei de ser condenado? / Um padre tão namorado / e tanto dado à virtude!…”; v. 
422 “Sabê que fui da pessoa!”; vv. 470-473 “Há lugar cá / pera Minha 
Reverença? / E a senhora Florença / polo meu entrará lá!”). 
5. Por exemplo: Sendo membro do clero, e tendo, portanto, a obrigação de dar o 
exemplo, os pecados do Frade adquirem particular gravidade. Por isso, o Anjo, 
representante de Deus, nem sequer lhe dirige a palavra. 
6. O Parvo acusa o Frade de não cumprir o voto de castidade. 
7. Referimo-nos aos versos 383–385: “E não vos punham lá grosa, / no vosso 
convento santo? / E eles fazem outro tanto!” 
 
Curiosidade: 
Não deixa de ser curiosa a naturalidade com que se encara a questão de os 
frades terem amantes e, conforme se diz no texto de António José Saraiva e Óscar 
Lopes, de terem até “mulher e prole”. 
Carlos Vaz 
 
III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
• Frade/ clero (mundano) 
Elementos / Simbologia 
• Broquel/ capacete/ espada – simbolizavam o apego aos prazeres e vícios 
mundanos 
• Hábito – Condição sacerdotal (classe social – clero) 
• Florença – quebra dos votos de castidade, a sua imoralidade e infidelidade a 
Deus 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
Caracterização psicológica 
• Direta – O Frade autocaracteriza-se como “cortesão”, ou seja, alguém que está 
familiarizado com os hábitos da corte. Mais tarde, assume-se como “namorado” 
e “dado a virtude” e que tem “tanto salmo rezado”. Assim, desde logo esta 
personagem assume, de forma direta, uma vida dupla como frade, que usa 
hábito e reza orações e que também é da corte, que namora, canta, esgrima e 
toca viola. 
• Indireta – As suas atitudes, também certificam que é um padre pecador, que 
levava uma vida boémia, em vez de se dedicar afincadamente ao serviço que 
prestava a Deus e em auxílio de quem precisasse. Mostra que é obstinado 
quando se nega a entrar na Barca do Inferno, convencido de que as suas rezas 
e o simples hábito de Frade lhe garantirão um outro destino. Do mesmo modo, 
também não aceita que Florença entre nessa barca, o que pode denunciar que 
o Frade não estava ainda consciente de ter vivido uma vida de pecado. 
Acusações 
• Não cumpriu na totalidade as leis religiosas 
• Quebrou os votos de castidade ao folgar com uma mulher 
• Dedicava-se aos prazeres mundanos 
Argumentos de defesa 
• Rezou muitos salmos 
• (“Este hábito não me vale”) 
• Dizia que foi muito importante 
• Era bom esgrimista 
 
Carlos Vaz 
Momentos psicológicos da personagem: 
• Apresenta-se como cortesão, o que revela que ele frequentava a corte e os 
seus prazeres (era um frade mundano) 
• Usa o facto de ser Frade naquele tempo (pretende mostrar que o clero se 
mostrava superior, poderia fazer o que quisesse sem ser condenado) 
• Aceita a sentença porque se o Anjo se recusa a falar com ele é porque todos 
os seus pecados foram graves 
 Tipo(s) de cómico usado(s): 
• de linguagem – “Devoto padre marido” 
• de situação – a entrada do frade em cena com a moça pela mão 
• de carácter – pensava que a relação proibida com a moça seria perdoada 
pelas suas muitas rezas. 
 Intencionalidade do nome dado por Gil Vicente à companheira do Frade: 
• A intencionalidade do nome dado por Gil Vicente à companheira do Frade 
(Florença), é que Florença representa uma cidade italiana considerada o berço 
do Renascimento; além disso essa cidade foi governada pela família Médici, 
protetora dos judeus, iniciando uma longa relação da família com a comunidade 
judaica, que se tornaria comprometedora com a inquisição. 
 Destino 
• Inferno 
Intenção crítica 
Gil Vicente pretende criticar: 
• o desajuste entre a vida religiosa e a vida que ele levava (vida mundana) 
• os símbolos representavam a vida de prazeres que ele levava, o que o 
afastava do seu dever à crítica religiosa “Diabo-(…) E não os punham lá 
grosa / no vosso convento santo? 
 Frade- E eles faziam outro tanto!” 
Revela que: havia uma quebra de votos de castidade ao hábito comum entre eles. 
Esta afirmação alarga a crítica a toda a classe social, pois o Frade é uma personagem 
tipo, representando toda uma classe social. 
 
 
 
 
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/17/alcoviteira-cena-vii/
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Carlos Vaz 
ALCOVITEIRA – CENA VII 
I – O RESUMO DA CENA VII: 
A Alcoviteira é um dos tipos mais interessantes do teatro vicentino. Estas 
mulheres dedicavam-se a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres casadas e 
solteiras e o lançar rapariguitas na prostituição. 
Como esta profissão estava proibida por lei, para não caírem na alçada da 
justiça, fingiam que se dedicavam a bordar e a fabricar perfumes e cosméticos. O povo 
tachava-as de bruxas ou feiticeiras. 
É o tipo que nos aparece, neste auto, com mais elementos distintivos e 
caracterizadores. É um autêntico carregamento deles: além das moças que prostituía, 
importava consigo seiscentos virgos postiços, joias e vestidos roubados. Para poder 
montar o negócio no outro mundo, levava ainda uma casa movediça, um estrado de 
cortiça e dez coxins. 
A linguagem que a Alcoviteira emprega, nomeadamente com o Anjo, funciona 
também como elemento distintivo. Trata-se duma linguagem melíflua, lisonjeira, repleta 
de termos carinhosos, embora empregados hipocritamente. É notar como a Alcoviteira 
tenta cativar o Anjo, chamando-lhe mano, meus olhos, minha rosa, meu amor, minhas 
boninas, olhos de perlinhas finas, etc. Seria certamente com esta lábia que ela 
conseguia atrair as jovens à chamada vida fácil. 
A defesa arquitetada e posta em prática pela Alcoviteira revela mentira, 
hipocrisia, descaramento. 
Considera-se uma mártir por ter sido açoitada diversas vezes e compara a sua 
missão à dos apóstolos. 
Chega até a afirmar que converteu mais moças do que Santa Úrsula, que 
nenhuma delas se perdeu e que todas se salvaram. Trata-se duma linguagem 
ambígua, em que os termos “converter”, “salvar” e “perder-se”, frequentes em textos 
religiosos, saem dos seus lábios com um significado chulo. 
O tipo está bem caracterizado, mas Gil Vicente critica a prostituição e os seus 
agentes muito superficialmente. Nem sequer alude às causas socioeconómicas que 
impeliam as moças a prostituírem-se. 
O nosso dramaturgo faz uma crítica a nível popular, explorando o pormenor 
faceto e foge ou é incapaz de estudar os problemas que equaciona com uma certa 
profundidade. 
 
II – NOTAS IMPORTANTES: 
• Palavra derivada por sufixação: alcova + -eira. Por sua vez, a palavra alcova é 
de origem árabe (al-qubbâ, «tenda»). Atualmente, significa: pequeno quarto 
interior de dormir; quarto de prazeres, sentido figurado: abrigo; refúgio. 
Carlos Vaz 
• Objetos: “Seiscentos virgos postiços” (v. 499); “alguns furtos alheos” (v. 504); 
“casa movediça” (v. 507); “um estrado de cortiça” (v. 508) // Conceitos: “três 
arcas de feitiços” (v. 500); “três almários de mentir” (v. 502); “cinco cofres de 
enleos” (v.503); “dez coxins de embair” (v. 509); Os elementos cénicos que traz 
consigo mostram-nos que, para além de intermediária entre as prostitutas e os 
seus clientes (“essas moças que vendia.” (v. 511)), Brízida Vaz dedicava-se 
também à feitiçaria, à mentira. Pelas características da personagem e pela 
carga que transporta, poderíamos aventar a hipótese de ela pretender continuar 
a sua atividade no outro mundo. 
• A Alcoviteira entende que já suportou, em vida, muitos tormentos, que já foi 
suficientemente castigada com açoites, pela justiça, e considera-se tão perfeita 
como os apóstolos, os anjos e os mártires; como tal, merece o Céu (cf. vv. 518-
521 e 539-541). Para além disso, argumenta que servia o clero, criando “as 
meninas / pera os cónegos da Sé.” (vv. 534-535) eque salvou muitas 
“cachopas”, arranjando-lhes “dono” (vv. 542-547). 
• Converter, salvar e perder-se são palavras dos textos religiosos que, na boca 
da Alcoviteira, adquirem outros sentidos. Ela atraiu (“converteu”) muitas 
raparigas para a prostituição, tirou-as (“salvas”) de uma vida de pobreza e todas 
tiveram sucesso/clientes (“nenhüa se perdeu”). 
• Quando se dirige ao Anjo, a Alcoviteira escolhe meticulosamente palavras e 
expressões carinhosas, procurando lisonjear o barqueiro do Céu, para tentar 
convencê-lo a deixá-la entrar na sua barca. Cf., por exemplo, v. 526 (“Barqueiro, 
mano, meus olhos”), v. 531 (“Anjo de Deus, minha rosa”), vv. 537–538 (“meu 
amor, minhas boninas, /olhos de perlinhas finas!”). 
• Versos 534-535: “a que criava as meninas / pera os cónegos da Sé.”, nos quais 
Gil Vicente, uma vez mais, critica a depravação do clero. 
• A Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se 
dedicavam a encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a prostituição. 
Representa esta atividade profissional. 
• Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular. 
Começa por recusar a entrada no Inferno e acusa-se a si própria dizendo tudo 
o que traz consigo como se fosse a coisa mais natural. 
• É a personagem que mais bagagem traz, representando todos os pecados que 
fez ao longo da sua vida. Ela traz toda a carga que lhe “convém”, “casa 
movediça”, pois pretende continuar com o negócio que deixou em terra. 
• Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer 
ir para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito 
martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e 
até que as vendia aos padres da Sé, argumentando que servia a igreja, deveria 
ir para o Paraíso. 
• Em cena, a Alcoviteira dialoga primeiro com o Diabo, depois com o Anjo e 
finalmente é condenada ao Inferno. 
 
 
 Curiosidade: os prostíbulos “movediços”, de armar e desarmar, poderiam servir 
o duplo objetivo de se deslocarem para onde houvesse mais “clientela” e de mudar de 
lugar quando as donas eram “incomodadas” pela Justiça. 
 
Carlos Vaz 
 
 III – SÍNTESE: 
Classe social 
• Alcoviteira/ povo 
Elementos / Simbologia 
• Moças, 600 virgos postiços, joias e vestidos roubados, casa movediça, dois 
coxins (almofadas), estrado de cortiça. 
• Símbolos de uma vida de falsidade, roubo, fingimento, moralmente e legalmente 
condenável. 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
Momentos psicológicos da personagem: 
• Diz que não é a barca do Diabo que procura 
• Está sempre confiante de que vai entrar na barca do Anjo 
• Defende-se dizendo que sofreu muito, como ninguém, que arranjou muitas 
“meninas” para elementos do clero e que está orgulhosa por ter arranjado 
“dono” para todas as suas “meninas” 
• Quando vai à barca do Anjo muda completamente a sua atitude, usando mais 
o vocabulário de cariz religioso e tentando seduzir o Anjo e fazer-se de boa 
pessoa 
Caracterização psicológica 
• Direta – “som apostolada, angelada e martelada” 
• Indireta – Brísida era mentirosa (“três almários de mentir”), mexeriqueira (“cinco 
cofres de enleos”), ladra (“alguns frutos alheos”), cínica (“trago eu muita bofé”), 
convencida (“e eu vou pera o paraíso”), enganadora (“barqueiro mano meus 
olhos”). 
Acusações 
• A acusação é tão evidente, que nem o Anjo nem o Diabo 
precisam de a enunciar 
Argumentos de defesa 
• Considerava-se “angelada” (protegeu as raparigas) 
• Considera-se uma mártir por ter sido açoitada várias vezes, pois foi martirizada, 
castigada e suportou tormentos 
• Compara a sua missão à dos apóstolos 
Carlos Vaz 
• “Converteu” muitas moças, livrando-as da morte e da pobreza 
• Criou as moças para os cónegos da Sé (serviu o clero) 
Destino 
• Inferno 
Intenção crítica 
Gil Vicente pretende: 
• Criticar a prática da prostituição e seus agentes, neste caso, a exploração de 
raparigas indefesas e inocentes pelas alcoviteiras 
• Denunciar a quebra dos votos de castidade dos membros do clero 
Cómico 
• de linguagem – “barqueiro mano, meus olhos”; “cuidais que trago piolhos?” 
• de carácter – “eu som apostolada…fiz cousas mui divinas”. 
 
 
O JUDEU – CENA VIII 
I – O RESUMO DA CENA VIII: 
Gil Vicente descreve o tipo do Judeu, exagerando sobretudo dois traços: o 
apego à sua religião, simbolizado no bode expiatório que ele não quer largar e o seu 
proverbial amor ao dinheiro, expresso nas moedas com que tenta subornar o barqueiro. 
O transporte do bode redunda em cena cómica quando o Diabo se recusa a conduzi-
lo na barca e, mais tarde, resolve levar ambos a reboque. Este pormenor de o Diabo 
não ter permitido a entrada do Judeu na sua barca é muito significativo: marginaliza de 
tal modo o Judeu que o coloca num plano inferior ao dos restantes condenados ao 
Inferno. Até o Parvo troca o seu papel de comentador pelo de acusador e culpa o 
Judeu de profanar sepulturas cristãs e de comer carne em dia de jejum. Evidentemente 
que o retrato da sociedade quinhentista ficaria incompleto se, no auto, não figurasse 
um judeu. Apesar de, na carta dirigida a D. João III e nalguns passos da sua obra, 
termos provas de que o nosso dramaturgo não concordava com a perseguição movida 
aos judeus e cristãos-novos, a verdade é que, como cristão-velho, dirige, na sua 
mesma obra, ásperas censuras ao judaísmo em geral. Gil Vicente procura demonstrar, 
nesta cena, que o apego do Judeu à sua religião era tão forte que, nem mesmo depois 
de morto e com a verdade à vista, abandonava as suas ideias. 
 
II – NOTAS IMPORTANTES… 
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Carlos Vaz 
1. Ao contrário das outras personagens, o Judeu solicita ao Diabo o embarque no 
seu batel, oferecendo-lhe até dinheiro em troca (v. 570 “Passai-me por meu 
dinheiro.” e vv.576-577 “Eis aqui quatro testões, / e mais se vos pagará.”). Por 
sua vez, o Diabo, que rejubila de cada vez que chega uma nova personagem, 
mostra desagrado com a entrada do Judeu. Note-se que, mais à frente (vv. 602-
603), é o próprio Diabo a sugerir ao Judeu que tente a sua sorte na barca do 
Anjo (“Judeu, lá te passarão, / porque vão mais despejados.”). 
2. A sua forte ligação ao dinheiro. 
3. Esta recusa demonstra o claro apego do Judeu à sua religião, simbolizada pelo 
bode. Mesmo depois de o Diabo ter dito que o bode era um “escusado 
passageiro”, o Judeu insiste em levar o animal consigo. 
4. O Parvo desempenha o papel de acusador. Insinua que o Judeu roubou o bode, 
acusa-o de profanar as sepulturas cristãs e de não respeitar a abstinência e o 
jejum cristão (vv. 598-609). 
5. Esta situação, à semelhança da forma como o Judeu é tratado em toda a cena, 
explica-se pelas circunstâncias que os cristãos-novos viviam em Portugal: 
sendo excluídos da sociedade regular, é lógico para a mentalidade da época 
que tenham dificuldade em serem aceites até na sociedade dos condenados. 
Por isso, o Judeu e o seu bode são levados a reboque, sendo a personagem 
colocada num plano inferior ao de todos os outros condenados. 
6. O Judeu sabe, à partida, qual será o seu destino: se, em vida, nunca foi aceite 
pelos cristãos, nunca poderia ter entrada na barca da Glória. Além disso, com 
essa atitude, o Judeu mostra que nunca deixará de professar a sua religião. 
7. Só gozando de grande prestígio na corte, Gil Vicente poderia atrever-se a fazer 
declarações como as que aqui estão relatadas e que contrariavam, em tudo, a 
mentalidade da época. 
 
Curiosidade: 
A expressão “bode expiatório” tem a sua origem no ritual judeu do Livro dos 
Levíticos, em que Aarão ao pôr as mãos sobre a cabeça de um bode transmite a este 
animal todos os pecados do povo de Israel. A expressão “bode expiatório” faz hoje 
parte da nossa linguagem comum e é aplicada em qualquer situação em que um 
inocente é responsabilizado por uma culpa que não tem.III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
Judeus 
Elementos / Simbologia 
Bode – salvação dos pecados, purificação, o que explica o apego do Judeu ao seu 
símbolo, mesmo depois da morte. (Símbolo da religião judaica). 
Carlos Vaz 
Percurso cénico 
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
O Judeu tenta entrar na Barca do Inferno, mas não consegue. O Diabo acaba por 
permitir que se desloque a reboque na Barca do Inferno. 
Caracterização psicológica 
• Indireta – fanatismo religioso (não queria largar o bode), ladrão (nas palavras 
do Parvo), má pessoa, avarento. 
Acusações 
• Praticou o Judaísmo 
• Tentou subornar os outros 
• Não respeitou os dias de jejum e abstinência 
• Profanou os locais sagrados 
 Argumentos de defesa 
– Não tem argumentos de defesa pois, como é judeu não crê na religião católica, não 
acredita que possa ter salvação. 
Momentos psicológicos da personagem: 
• Logo que chega ao cais o Judeu dirige-se para a barca do Inferno porque: sabe 
que não será aceite na barca do Anjo, já que em vida nunca foi aceite nos 
lugares dos Cristãos 
• Os Judeus eram muito mal vistos na época e nem poderia admitir a hipótese de 
entrar na barca do Anjo 
• Para entrar na Barca do Inferno ele usa o dinheiro. Ele usa o dinheiro porque 
era uma forma de mostrar que os Judeus tinham grande poder económico e que 
estavam ligados ao dinheiro. 
• O Judeu recusa deixar o bode em terra, porque quer ser reconhecido como 
Judeu 
Tipo(s) de cómico usado(s): 
• de linguagem – utiliza o registo de língua popular nos insultos ao parvo e ao 
Diabo 
• de carácter – o seu apego ao bode 
• de situação – aparece com o bode às costas e termina a reboque da Barca 
do Inferno 
Destino 
Inferno 
Carlos Vaz 
 
Intenção crítica 
Em termos de contexto histórico, 
• revela que os Cristãos odiavam os Judeus 
• acusavam-nos de enriquecer à custa de roubos de Natureza diversa 
• acusavam-nos de ofender a religião católica, cometendo diversas profanações 
 
 
CORREGEDOR E O PROCURADOR – 
CENA IX 
I – O RESUMO DA CENA IX: 
Depois do Judeu ter embarcado, veio um Corregedor, carregado de feitos. 
Quando chegou ao batel do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro, 
pensando ser servido. O barqueiro, ao vê-lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma 
que ele conduziria para o fogo ardente do Inferno. 
 O Corregedor era um dos eleitos para a sua barca, porque durante toda a sua 
vida foi um juiz corrupto, que aceitava perdizes como suborno. O Diabo começa a falar 
em latim com o Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, e era considerada 
uma língua culta. Os dois começam a discutir em latim, o Corregedor por se achar 
superior ao Diabo quer também demonstrar-lhe que, pelo facto de ser um juiz 
prestigiado, não poderia entrar em tal barca. O Diabo vai perguntando sobre todas as 
suas falcatruas, cita, inclusive, a sua mulher, que aceitava suborno dos judeus, mas o 
Corregedor garantiu que nisso ele não estava envolvido, esses eram os pecados de 
sua mulher e não os seus. 
Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do Inferno, chegou 
um Procurador, carregando vários livros. Depara-se com o Corregedor e, espantado 
por encontrá-lo ali, questiona-o para onde ia, mas o Diabo responde pelo Corregedor 
e diz: para o Inferno e que também era bom ele ir entrando logo. 
O Corregedor e o Procurador não queriam entrar na barca, pois diziam-se 
homens de fé, sabedores da existência de outra barca em melhores condições que os 
conduziria para um lugar mais ameno – o Céu. 
Quando chegam ao batel divino, o Anjo e o Parvo mostram-lhes que as suas 
ações os impediam de entrar na barca da Glória, pois tinham feito mal e era agora 
altura de pagar, com a ida das suas almas para o Inferno. 
Desistindo de ir para o paraíso, os dois entram no batel dos condenados e 
deparam-se com Brízida Vaz, que fica satisfeita com esta entrada, pois enquanto viveu 
foi muito castigada pela Justiça. 
http://vazbox.sytes.net/wordpress/2015/11/24/corregedor/
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Carlos Vaz 
 
 
II – NOTAS IMPORTANTES: 
• A vara poderá sugerir a aplicação do castigo. Poderá ser oportuno perceber 
alguns dos significados de vara: pau comprido; bordão, cajado; insígnia de 
juízes, vereadores e dos irmãos de certas confrarias; circunscrição judicial; 
vergasta; chibata; fig. poder; autoridade; fig. Jurisdição. 
• As duas personagens estão ligadas à justiça. Aliás, quando o Procurador entra 
em cena, a primeira pessoa que se lhe dirige é precisamente o Corregedor e 
ambas revelam conhecer-se: COR. “Ó senhor Procurador!/ PRO. “Beijo-vo-las 
mãos, Juiz.” (vv.686-687). Nos dois casos, os símbolos com que se apresentam 
em cena relacionam-se com a justiça: processos judiciais (“carregado de feitos”) 
e uma vara, no caso do Corregedor; “carregado de livros”, o Procurador. 
• O Diabo acusa o Corregedor de ter aceitado roubos (“rapina”), de ter julgado 
com malícia (v. 659), de permitir que a sua mulher tivesse recebido presentes 
(“peitas”, vv. 662-663) dos judeus e de ter “sugado o sangue” dos lavradores 
ignorantes, ingénuos (vv. 670-673). Em resumo, o Procurador é acusado de ter 
exercido o seu trabalho a troco de subornos e extorsões e de ter prejudicado os 
mais desfavorecidos com as suas decisões parciais. 
• O Corregedor culpa a mulher (vv. 664-667 “Isso eu não no tomava, / eram lá 
percalços seus. / Non sunt peccatus meus, / peccavit uxore mea.”), afirmando 
ter sempre procedido com justiça e imparcialidade (cf. vv. 660–661). 
• O Anjo acusa-os de terem sido “pera as almas odiosos!” (v. 721). 
• O Parvo é também acusador: culpa-os por terem roubado na vida terrena e por 
desrespeitarem a Igreja (cf. vv. 726-729). 
• Nota: Em ambos os casos está, mais uma vez, presente a crítica a uma falsa 
prática religiosa, que se limita ao cumprimento dos atos externos do culto. 
• Trata-se do cómico de linguagem presente no latim macarrónico usado pelo 
Parvo e pelo Diabo, e pelo despropósito que constitui o uso desta língua pelo 
Corregedor e pelo Procurador fora do âmbito da sua profissão. 
• O uso desta língua, sem ser no exercício da profissão, poderá ser considerado 
uma forma de mostrar sabedoria, erudição, revelando presunção. Pode também 
funcionar como estratégia de supremacia em relação aos interlocutores 
(desconhecedores da língua). 
 
Curiosidades: 
O facto de um dos subornos mais generalizados da época ser a oferta de perdizes. 
 
 III – SÍNTESE: 
Personagem / Classe social 
Carlos Vaz 
• Corregedor – juiz 
• Procurador – Funcionário da Coroa corrupto 
Elementos / Simbologia 
• Processos/ Vara/ Livros – simbolizavam a atividade profissional e os pecados 
(processos malconduzidos, os subornos) 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo 
Caracterização: 
• Indireta – a referência às perdizes aludia ao carácter corrupto das personagens. 
Gil Vicente julgou em simultâneo o Corregedor e o Procurador porque: 
• ambos faziam parte da justiça (havia cumplicidade entre a justiça e os 
assuntos do Rei) 
• ambos eram corruptos) 
A confissão para eles: 
• não era importante: só se confessavam em situações de risco e não diziam a 
verdade 
 
Corregedor: 
Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: 
 
– não tem ar de quem se deixa subornar 
– apenas o rei tem mais poder que ele 
(utilização do seu estatuto social) 
– era a sua mulher que aceitava os subornos 
 
 
A principal e quase única acusação que o Diabo 
lança ao Corregedor é a de não ter sido imparcial 
nas suas sentenças, deixando-se corromper por 
dádivas recebidas até de Judeus 
– julgou com malícia (enriqueceu com o 
trabalho dos lavradores ingénuos) 
– confessou-se mas mentiu 
O Anjo acusa-o 
– de vir carregado, sendo filho da ciência 
Carlos Vaz 
O Parvo acusa-o de: 
– roubar coelhos e perdizes 
– profanar nos campanários: levava a religião 
de uma forma superficial– de vir carregado, sendo filho da ciência 
 Procurador: 
 Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: 
– não tem tempo de se confessar 
 
O Anjo acusa-o 
– de vir carregado, sendo filho da ciência 
O Parvo acusa-o de: 
– roubar coelhos e perdizes 
– profanar nos campanários: levava a religião 
de uma forma superficial 
Momentos psicológicos das personagens: 
• A forma de como o Corregedor inicia diálogo com o Diabo aproxima-se da forma 
com o Fidalgo também o fez, isto é, utilizando o estatuto social. 
• O Corregedor usa muito o Latim porque é uma língua muito usada em direito e 
o Diabo responde-lhe em Latim Macarrónico para mostrar que essa linguagem 
não servia de nada, que poderiam sobre falar bem latim mas não sabiam aplicar 
as leis. 
• O Corregedor pergunta se o poder do barqueiro infernal é maior do que o do 
próprio Rei porque ele na Terra tinha um grande poder e não admitia que 
mandassem nele. 
• Quando o Corregedor e o Procurador se aproximam do Anjo, ele fica irritado e 
roga-lhes uma praga (atitude nada normal do Anjo). 
• No Inferno o Corregedor dialoga com Brízida Vaz porque já se conheceriam da 
vida terrena. 
 
Tipo(s) de cómico usado(s): 
• de linguagem – utilização do latim macarrónico (O Corregedor usa muito o 
Latim porque era uma língua muito usada em Direito) 
• de carácter – a sua mania de superioridade 
Carlos Vaz 
Crítica de Gil Vicente nesta cena: 
• Denúncia da justiça corrompida que se deixava comprar e espoliava o que 
podia. 
• Gil Vicente contrapõe a justiça humana, corrupta, à justiça divina, que repõe a 
verdade, sendo intransigente e imparcial. O juiz do tribunal terreno torna-se réu 
no tribunal divino. 
• A forma como é praticada a religião revela hipocrisia, falsidade e interesse. 
 
O ENFORCADO – CENA X 
I – O RESUMO DA CENA X: 
Após a entrada dos dois oficiais da justiça, Corregedor e Procurador, vem um homem 
que morreu enforcado que, ao chegar ao batel dos mal-aventurados, começou a 
conversar com o Diabo. Tentou explicar que não iria no batel do Inferno, pois já tinha 
sido perdoado por Deus ao morrer enforcado acreditando no que lhe dissera Garcia 
Moniz. O Diabo diz-lhe que está enganado e predestinado a arder no fogo infernal. 
Desistindo de tentar fugir ao seu destino, acaba por obedecer às ordens do Diabo para 
ajudar a empurrar a barca e a remar, pois o momento da partida aproximava-se. 
 
II – NOTAS IMPORTANTES: 
• O Enforcado entra depois dos magistrados por ter sido vítima da justiça terrena, 
que eles representam. 
• O Enforcado traz um baraço ao pescoço, que simboliza a forma como morreu, 
não funcionando, como é habitual, como elemento caracterizador da sua 
personalidade ou do seu estatuto ou condição social. Terá sido condenado ao 
Inferno por ter sido enforcado (o que parece não fazer sentido, pois não 
dependeu da sua vontade) ou por ter praticado um crime (que não é referido)? 
• Logo no início o Diabo demonstra conhecer bem Garcia Moniz, o qual, 
provavelmente, lhe enviava muitos “clientes” para a sua barca (mandando 
executar os criminosos). 
• Garcia Moniz convenceu este homem de que o facto de morrer enforcado lhe 
garantia a entrada no Paraíso, visto ter-se já purificado dos pecados cometidos 
no purgatório – a cadeia do Limoeiro – e que até se poderia considerar um 
“santo canonizado”, por tanto ter sofrido durante toda a sua vida. 
• O Enforcado é ingénuo, simples, confiante. É uma personagem sem vontade 
própria, que se deixa facilmente influenciar. 
• O Enforcado aparece aqui como vítima. Quem será verdadeiramente criticado 
é Garcia Moniz por ter induzido em erro o Enforcado, sabendo à partida que não 
havia salvação possível para ele. De novo, Gil Vicente põe-nos face a uma 
personagem com responsabilidade que engana os mais fracos. 
Carlos Vaz 
 
 
 Curiosidades: 
- o facto de esta cena ser diferente das outras cenas do auto, uma vez que a 
personagem interveniente é mais vítima do que culpada; 
- Portugal foi o primeiro país da Europa a abolir a pena de morte, em 1867, dando, 
assim, o exemplo aos restantes países europeus. 
 
 III – SÍNTESE: 
Tipo: Povo (criminoso condenado) 
Adereços que o caracterizam: 
O “baraço” (corda de enforcado): representa a forma como o Enforcado morreu 
e a crítica aos oficiais da Justiça que condenavam injustamente. 
 
Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: 
– ele havia sido perdoado por Deus ao morrer 
enforcado (assim lho dissera Garcia Moniz) 
– já tinha sofrido o castigo na prisão 
– não tem, mas está implícita a 
condenação por um crime cometido. 
 
 
Momentos psicológicos da personagem: 
• confiança na palavra de Garcia Moniz, purgatório era o Limoeiro, o baraço era 
santo, as orações feitas no momento de execução. 
 
Percurso cénico 
• Cais – Barca do Diabo 
 
Carlos Vaz 
Caracterização: 
• Direta: – “ Bem-aventurado” 
• Indireta: -ingénuo, confiante na palavra dos outros, facilmente influenciável. 
Cómico: 
• de carácter – a ingenuidade da personagem (que contrasta com o facto de 
ele ser um ladrão) 
 
Crítica de Gil Vicente nesta cena: 
• Os costumes censurados são o engano dos mais fracos por pessoas com 
responsabilidade (Garcia Moniz, Mestre da Balança da Moeda de Lisboa); a 
doutrina, ou seja, o sistema. 
• Gil Vicente procura, assim, denunciar as falsas doutrinas que invertem os 
valores da conduta social. 
 
 
OS QUATRO CAVALEIROS – CENA XI 
 
I – O RESUMO DA CENA XI: 
Depois do Enforcado, entraram quatro Cavaleiros a cantar, cada um trazia a 
Cruz de Cristo, para demonstrar a sua fé, pois tinham lutado numa Cruzada contra os 
Muçulmanos, no norte da África. 
 Ao passarem na frente da barca do Inferno, cantando, segurando as suas espadas 
e escudos, o Diabo não resiste e diz-lhes para entrarem, mas um deles responde-lhe 
que quem morre por Jesus Cristo não entra em tal barca. 
 Tornaram a prosseguir, cantarolando, em direção à barca da Glória, sendo muito 
bem recebidos pelo Anjo que já estava à sua espera há muito tempo 
 Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram para o Paraíso, já que morreram 
pela expansão da fé e por isso estavam isentos de qualquer pecado. 
 
 
Carlos Vaz 
II – NOTAS IMPORTANTES: 
• Os Quatro Cavaleiros representam, na realidade, um grupo – aqueles que 
lutaram pela expansão da fé cristã. Assim, um único cavaleiro pode representar 
o referido grupo. 
• A canção dirige-se aos “mortais”, em geral – “Senhores, que trabalhais / pola 
vida transitória” (vv.838-839). Logo a seguir (v. 845), os Cavaleiros tratam os 
“mortais” por “pecadores”. 
• A mensagem é um aviso: “despois da sepultura, / neste rio está a ventura / de 
prazeres ou dolores!” (vv. 846-848), isto é, os Cavaleiros lembram aos mortais 
a transitoriedade da vida e aconselham-nos a terem sempre presente que, 
depois da morte, irão encontrar a alegria ou o sofrimento, o Céu ou o Inferno, 
conforme tenham atuado em vida. Recorde-se, aos alunos, que esta 
mensagem, que, na verdade, constitui a moralidade do auto, estava já presente 
na Cena II (o Fidalgo) nas palavras do Diabo: “Segundo lá escolhestes, / assi 
cá vos contentai. / Pois que já a morte passastes / haveis de passar o rio.” (vv. 
56-59). 
• “barca segura” (v. 835), “bem guarnecida” (v. 836 e 843), “da vida” (vv. 837, 844 
e 851), “mui nobrecida” (v. 850). Todas elas são expressões elogiosas e 
salientam que é esta a barca em que todos devem desejar embarcar. 
• Os Cavaleiros sabem que quem morreu a combater pela fé tem entrada 
assegurada no Paraíso. De resto, isso mesmo é enunciado na didascália que 
antecede a cena: “Absoltos a culpa e pena per privilégio que os que assi morrem 
têm dos mistérios da Paixão d’Aquele por quem padecem, outorgados por todos 
os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja.” 
• O Diabo manifesta espanto e incompreensão pela atitude dos Cavaleiros (vv. 
860-861). O Anjo mostra a sua alegria por ter finalmente chegado quem ele 
esperava. 
• Como a Igrejasó tinha a ganhar com as Cruzadas, quem nelas participasse 
ganhava, automaticamente, um lugar no Céu. 
 
 
III – SÍNTESE: 
 
Personagem / Classe social 
• Quatro Cavaleiros (cruzados) 
 
Adereços que os caracterizam: 
 Cruz de Cristo que simboliza a fé católica dos cavaleiros, as espadas e os escudos, 
que simbolizam a apologia da Reconquista e da Expansão da Fé Cristã. 
Carlos Vaz 
 
 Argumentos de Defesa: Argumentos de acusação: 
– dizem que morreram a lutar contra os mouros em nome de Cristo 
 
Não há. 
 Percurso cénico 
• Cais – Barca do Anjo 
 
Os cavaleiros não foram acusados pelo Diabo porque: 
– merecem entrar na barca do Anjo 
– morreram a lutar pela fé cristã, contra os infiéis, o que os livrou de todos os 
pecados 
– esta cena revela a mentalidade medieval de defesa do espírito da cruzada 
 Momentos psicológicos da personagem: 
Quando chegam ao cais chegam a cantar. Essa cantiga mostra aos mortais que esta 
vida é uma passagem e que terão de passar sempre naquele cais onde serão 
julgados. 
 
Nessa cantiga está contida a moralidade da peça porque: 
– fala da transitoriadade da vida 
– fala da inavitabilidade do destino final 
– fala do destino final que está de acordo com aquilo que foi feito na vida Terrena 
 
Caracterização: 
 Ao contrário do que acontece com as outras personagens, nada nos é dito sobre 
a sua vida ou morte, a não ser “morremos nas Partes de Além […] pelejando por Cristo” 
. 
 Crítica de Gil Vicente nesta cena: 
 Na cantiga cantada pelos quatro Cavaleiros está condensada a moralidade da 
peça, reflexo da ideia que a Igreja tinha sobre a vida e o mundo. 
Carlos Vaz 
 Gil Vicente pretende transmitir que quem faz o bem na Terra e espalhou a fé cristã 
é recompensado no Céu e quem acredita em Deus, quando morrer terá uma “vida” 
calma e tranquila. 
A moralidade está condensada nos seguintes versos: “Vigiai – vos, pescadores, que 
depois da sepultura neste rio está a ventura de prazeres ou dolores. Gil Vicente com 
estes versos, pretendia transmitir que depois da ”vida terrestre”, cada pessoa era 
recompensada ou ”amaldiçoada” conforme a sua vida na terra. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
A SABER… 
TIPOS DE CÓMICO, REGISTOS DE LÍNGUA E RECURSOS ESTILÍSTICOS 
1. Conceitos 
Tipos de 
Cómico 
(conf. 
Plural 9, 
p. 87) 
Situação 
Resulta de uma não adaptação de uma pessoa à situação em que se encontra. 
NOTA: em termos de linguagem mais popular, será fazer figuras tristes, 
voluntária ou involuntariamente. 
Linguagem 
Resulta de uma não adaptação da linguagem ao contexto. 
NOTA: o uso de calão é o exemplo mais frequente, mas poderá ser a utilização 
de uma linguagem demasiado cuidada para um auditório pouco escolarizado. 
Carácter 
Resulta de uma não adaptação de uma pessoa à sua própria realidade. 
NOTA: em termos de linguagem mais popular, será alguém com “manias”! 
Servem ainda o processo cómico alguns recursos estilísticos como a ironia, 
eufemismo e jogo de linguagem. 
Registos de 
língua 
(Conf. 
Plural – 
Caderno do 
aluno 9, 
p. 3), 
Literária 
Apresenta uma intenção e realização estéticas. Recorre a uma linguagem 
figurativa. 
Cuidada 
Registo culto da língua, usado em situações formais - conferências, colóquios, 
cartas (não familiares), alguns textos jornalísticos de opinião, discursos 
(políticos e outros), … Caracteriza-se pelo uso de formas de tratamento 
cuidadas e respeitosas. 
Corrente ou 
padrão 
Segue a norma linguística pretendendo ser o registo médio da língua. Usado 
na comunicação social em texto informativo. 
Popular 
Registo provocado pela falta de cultura linguística, desleixo ou hábitos. Pode 
resultar em regionalismo (quando característico de uma região), gíria (quando 
próprio de um grupo socioprofissional) ou calão (quando usado grosseira e 
ofensivamente). 
Regionalismo 
Expressão própria de uma determinada região. Alguns vocábulos como 
bica/café; imperial/fino (cerveja). 
NOTA: o mirandês é a segunda língua oficial de Portugal. É a língua própria do 
povo de Miranda do Douro e deve-se, essencialmente, ao isolamento a que a 
região esteve sujeita em tempos. É falada por cerca de 15 mil pessoas e é 
aprendida nas escolas da região. Assemelha-se ao Português antigo. 
Gíria 
Linguagem codificada e própria de certos grupos socioprofissionais. Muitos 
termos de diversas gírias são usados no dia-a-dia sem que nos percebamos que 
os estamos a usar (escolas: feriado = furo; futebol: frango; segurança: bófia = 
moina). 
Carlos Vaz 
Calão 
Expressões consideradas grosseiras ou ofensivas. Algumas palavras pretendem 
disfarçar o calão, mas não deixam de o ser (fosca-se, fonha-se, carago). 
Técnico-
científica 
Usada em conjugação com as anteriores, conforme a competência linguística 
do utilizador, mas marcada por termos próprio de uma técnica ou ciência. 
EX.: Os motores caracterizam-se pela sua cilindrada e a sua potência é medida 
em cavalos e binário (corrente). 
Aquela máquina tem uma cilindrada do caneco e potência até dizer chega 
(popular). 
Recursos 
estilísticos 
(Conf. 
Plural 9, p. 
238) 
Eufemismo 
Consiste no uso de uma expressão por outra, para evitar ou atenuar o efeito 
desagradável que esta última produziria. 
Ironia 
Consiste em atribuir às palavras um significado diferente daquele que na 
realidade têm, sugerindo, em geral, o contrário do que se quer, de facto, dizer. 
Antítese Consiste no contraste entre dois elementos ou ideias. 
Metáfora 
Consiste numa espécie de comparação à qual falta o primeiro termo e a 
partícula comparativa. O termo utilizado não é literalmente aplicado. 
EX: Aquele homem é uma fortaleza! 
Hipérbole Consiste num exagero de termos a fim de dar ênfase ao pensamento. 
Jogo de 
linguagem (ou 
de palavras) 
Consiste no emprego de palavras com desvirtuação do seu significado ou 
pertinência, numa espécie de jogo sonoro irónico: corregedor/descorregedor; 
senhor/senhora; embarca/embarcai. 
Comparação 
Consiste em confrontar duas realidades distintas para realçar analogias ou 
diferenças. 
2. Exemplos 
PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS 
FIDALGO 
▪ Cómico de situação: 
 «Pêra lá vai a senhora» 
▪ Cómico de linguagem: 
 «Que giricocins, salvanor» 
▪ Cómico de carácter: 
 «tornarei à outra vida ver 
minha dama querida que se 
quer matar por mi» 
 «Dá-me licença, te peço, 
que vá ver minha mulher». 
▪ Linguagem corrente: 
 «Isso bem certo o sei 
eu.» 
▪ Linguagem popular: 
 «Par Deus, aviado 
estou!» 
▪ Linguagem cuidada: 
 «Porém, a que terra 
passais?» 
▪ Eufemismo: 
 «vai para a ilha perdida» 
▪ Ironia; 
 «ò poderoso dom 
Anrique» 
 «Embarqu’a vossa 
doçura, que cá nos 
entederemos» 
▪ Antítese: 
 «Segundo lá 
escolhestes, assi cá vos 
contentai» 
▪ Metáfora: 
 «Que maré tão de 
prata» 
 «Ó barca, como és 
ardente!» 
Carlos Vaz 
PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS 
ONZENEIRO 
▪ Cómico de carácter: 
 «Quero lá tornar ao mundo 
e trarei o meu dinheiro» 
▪ Cómico de linguagem: 
 «dá-me tanta borregada 
como arrais lá no Barreiro» 
▪ Cómico de situação: 
 «Dar-vos-ei tanta pancada 
com um remo, que 
renegues!» 
▪ Linguagem corrente 
 presente em todo o 
texto 
▪ Linguagem popular: 
 «Pesar de São Pimentel, 
nunca tanta pressa vi» 
 
▪ Ironia: 
 «Ora mui muito me 
espanto nom vos livrar 
o dinheiro» 
 «Oh! Que gentil recear» 
▪ Eufemismo: 
 «me deu Saturno 
quebranto» 
 «Pera a infernal 
comarca.» 
▪ Metáfora: 
 «onzeneiro meu 
parente» 
SAPATEIRO 
▪ Cómico de linguagem: 
 «e da puta da barcagem» 
 «nem à puta da badana» 
▪ Cómico de carácter: 
 «Mandaram-me vir assi…» 
(carregado). 
▪ Gíria (técnico-científica): 
 «cordovão», «badana», 
«forminhas» 
▪ Linguagem popular: 
 «é esta boa traquitana» 
▪ Calão: 
 «puta», «cagadas» 
▪ Linguagem corrente: 
 sobretudo nafala do 
Anjo 
▪ Ironia: 
 «Santo sapateiro 
honrado!» 
▪ Eufemismo: 
 «lago dos danados» 
▪ Hipérbole: 
 «calaste dous mil 
enganos» 
▪ Jogo de linguagem 
 «que vá cozer o 
Inferno» 
▪ Antítese: 
 «...comungado? / E tu 
morreste 
escomungado» 
▪ Metáfora: 
 «almas embaraçadas» 
Joane, 
o PARVO 
▪ Cómico de linguagem: 
 sobretudo pelas asneiras e 
pelo vocabulário 
relacionado com coprolalia 
(tendência involuntária de 
proferir palavras obscenas ou 
fazer comentários geralmente 
considerados socialmente 
depreciativos e, portanto, 
inadequados). 
▪ Cómico de situação: 
 quando Joane insulta o 
Diabo 
▪ Cómico de carácter: 
 a maneira de ser de Joane 
provoca o riso («de pulo ou 
de vôo?» 
▪ Calão : 
 asneiras, coprolalia; 
▪ Linguagem popular: 
 «Hou! Pesar de meu 
avô!» 
 «Antrecosto de 
carrapato» 
▪ Linguagem corrente: 
 no diálogo com o Anjo 
▪ Eufemismo: 
 «Ao porto de Lúcifer» 
▪ Repetição: 
 «Aguardai, aguardai, 
houlá!» 
▪ Expressões injuriosas: 
 «Barca do cornudo» 
 «filho da grande 
aleivosa» 
 
Carlos Vaz 
PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS 
FRADE 
▪ Cómico de situação e Cómico 
de carácter: 
 quando entra em cena a 
cantar e a dançar (ainda 
por cima, com uma moça 
pela mão!) e quando dá 
uma lição de esgrima; 
▪ Cómico de linguagem: 
 «Furtaste o trinchão, 
frade?» 
 
▪ Gíria (técnico-científica): 
 «Deo gratias» «sus», 
«um fendente», 
«levada», «talho largo», 
«revés», «colher os 
pés» e «segunda 
guarda», etc. 
▪ Linguagem popular: 
 «palha n’albarda», «Ah! 
nom praza a São 
Domingos» 
 
▪ Ironia 
 «Fezeste bem, que é 
fermosa!» «Devoto 
padre», «Dê…lição 
d’esgrima, que é cousa 
boa!» 
 «Que cousa tão 
preciosa!» 
▪ Eufemismo 
 «fogo ardente» 
▪ Antítese 
 «padre mundanal», 
«padre marido» 
▪ Comparação: 
 «Tão bem guardado 
como a palha 
n’albarda» 
ALCOVITEIRA 
▪ Cómico de linguagem: 
 «Cuidas que trago piolhos» 
▪ Cómico de situação e Cómico 
de carácter 
 quando tenta seduzir o 
Anjo, com “palavrinhas 
doces” e quando, mesmo 
depois de morta, se mostra 
preocupada com a sua 
aparência («pareço mal cá 
de fora») 
▪ Linguagem cuidada: 
 «Passai-me, por vossa 
fé, / meu amor, minhas 
bobinas, / olhos de 
perlinhas finas!» 
 
▪ Ironia 
 «Que saboroso 
arrecear» 
▪ Eufemismo 
 «fogo infernal» 
▪ Comparação 
 «Santa Úrsula nom 
converteo tantas 
cachopas como eu» 
▪ Metáfora: 
 «meu amor, minhas 
boninas, olho de 
perlinhas finas» 
JUDEU 
▪ Cómico de linguagem: 
 Calão usado quer pelo 
Judeu quer pelo Parvo; 
▪ Cómico de situação: 
 Decisão final do Diabo em 
levar o Judeu e o bode a 
reboque 
▪ Cómico de carácter: 
 Insistência do Judeu e 
tentativa de suborno do 
Diabo para entrar na barca 
com o bode. 
▪ Popular/calão: 
 Pragas dos Judeu ao 
Diabo 
 Intervenção do Parvo 
 
CORREGEDOR 
e 
PROCURADOR 
 
▪ Cómico de linguagem: 
 uso do latim macarrónico 
▪ Cómico de situação: 
 Condenação da justiça 
humana pela justiça divida 
(julgador é julgado) 
▪ Cómico de carácter: 
 Uso recorrente à justiça 
(meirinho, textos das leis, 
recursos…) 
▪ Calão: 
 Em algumas falas do 
Parvo 
▪ Cuidada: 
 «para onde a levais?» 
 
▪ Ironia 
 «Santo descorregedor» 
▪ Eufemismo 
 «lago dos cães» 
▪ Antítese (jogo de 
palavras) 
 «há-de ir um 
corregedor? 
 - Santo 
descorregedor» 
Carlos Vaz 
PERSONAGEM TIPOS DE CÓMICO REGISTOS DE LÍNGUA RECURSOS ESTILÍSTICOS 
ENFORCADO 
▪ Cómico de situação / 
carácter: 
 Inocência do enforcado, 
ante os conselhos de Garcia 
Moniz 
▪ Familiar: 
 Pelo tom coloquial e uso 
frequente da copulativa 
 
 
 
 
 
O Auto da Barca do Inferno nos 
Exames Nacionais 
Compilação dos exercícios sobre o Auto da Barca do Inferno que surgiram no Exame 
Nacional. Já sabes, podes consultar no site do IAVE (procurar no Google) os critérios de 
correção. 
Bom trabalho! 
 
 
 
 
https://linguaportuguesa9ano.wordpress.com/exames-nacionais/
Carlos Vaz 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
 
 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
 
 
Carlos Vaz 
 
PROPOSTAS DE TEXTOS EXPOSITIVOS: 
I 
 
CORREGEDOR Hou da barca! 
DIABO Que querês? 
CORREGEDOR Está aqui o senhor juiz. 
DIABO Oh amador de perdiz, 
gentil cárrega trazês! 
CORREGEDOR No meu ar conhecerês 
que nom é ela do meu jeito. 
DIABO Como vai lá o direito? 
CORREGEDOR Nestes feitos o verês. 
DIABO Ora, pois, entrai. Veremos 
que diz i nesse papel… 
CORREGEDOR E onde vai o batel? 
DIABO No Inferno vos poeremos. 
CORREGEDOR Como? À terra dos demos 
há-de ir um corregedor? 
DIABO Santo descorregedor, 
embarcai, e remaremos! 
Ora, entrai, pois que viestes! 
CORREGEDOR Non est de regulae juris, não! 
DIABO Ita, Ita! Dai cá a mão! 
Remaremos um remo destes. 
Fazei conta que nacestes 
pera nosso companheiro. 
– Que fazes tu, barzoneiro? 
Faze-lhe essa prancha prestes! 
 
 Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras 
em que refiras: 
-identificação do que é referido pela expressão “nestes feitos” 
-explicitação do duplo sentido da palavra “cárrega”. 
-explicitação da intenção do Diabo ao dirigir-se ao corregedor como “descorregedor”. 
-explicação da função da intenção de crítica social feita através do Corregedor. 
 
 
 
 
Carlos Vaz 
II 
 
JOANE Hou da barca! 
ANJO Que me queres? 
JOANE Queres-me passar além? 
ANJO Quem és tu? 
JOANE Samica alguém 
ANJO Tu passarás, se quiseres; 
Porque em todos teus fazeres 
Per malícia nom erraste. 
Tua simpreza t’abaste 
Pera gozar dos prazeres. 
Espera entanto per i; 
Veremos se vem alguém, 
Merecedor de tal bem, 
que deva entrar aqui. 
 
Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras em 
que refiras: 
– referência ao local onde as personagens se encontram. 
– identificação do que é referido pelo advérbio “além” (verso 3). 
– caracterização do Parvo, tendo em conta o seu diálogo com o Anjo. 
– indicação dos argumentos apresentados pelo Anjo para justificar a sua decisão. 
-explicação do sentido dos versos “veremos se vem alguém merecedor de tal bem”. 
-explicação da função do parvo no auto. 
 
III 
DIABO . Que cousa tão preciosa… 
Entrai. padre reverendo! 
FRADE . Para onde levais gente? 
DIABO Pera aquele fogo ardente 
que nom temestes vivendo. 
FRADE Juro a Deos que nom t’entendo! 
E este hábito nõ me val? 
DIABO Gentil padre mundanal, 
a Berzabu vos encomendo! 
FRADE Ah Corpo de Deos consagrado! 
Pela fé de Jesu Cristo, 
que eu nom posso entender isto! 
Eu hei-te ser condenado? 
Um padre tão namorado 
e tanto dado a virtude? 
Assi Deos me dê saúde. 
que eu estou maravilhado! DIABO Não curês de mais detença. 
Carlos Vaz 
Embarcai e partiremos: 
tomareis um par de remos. 
FRADE Nom ficou isso n’avença 
DIABO Pois dada está já a sentença! 
FRADE Par Deos! Essa seri’ela! 
Não vai em tal caravela 
minha senhora Florença. 
Como? Por ser namorado 
e folgar com ua mulher 
se há um frade de perder, 
com tanto salmo rezado? 
DIABO Ora estás bem aviado! 
Mais estás bem corregido! 
haveis de ser cá pingado… 
devoto padre marido 
 
Escreve um texto expositivo com um mínimo de 80 e um máximo de 120 palavras em 
que refiras: 
– referência ao local onde as personagens se encontram. 
– identificação do que é referido pelo expressão “aquele fogo ardente” (verso 4). 
– indicação dos argumentos apresentados pelo Diabo para condenar o frade. 
-explicitação da reação do Frade às acusações do Diabo. 
-referência ao sentido da fala do frade “não ficou isso n’ avença” (verso 21). 
-explicitação da ironia presente na fala do diabo “devoto padre marido” (verso 33). 
-explicação da função da intenção de crítica social feita através do Frade. 
 
BOM ESTUDO! 
 
 
 
 
AVISO: 
A informação para esta Sebenta foi retirada de algumas fontes fidedignas online. Algumas dessas 
fontes apresentavam gralhas de ortografia que tenteicorrigir. Poderá alguma, com “kryptonita”, ter 
me escapado, por isso, se encontrares erros, avisa-me, por favor!

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