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A MORTE ATRAVÉS DA HISTÓRIA Prof. Dr. Andrey Ferreira ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS: A MORTE E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO O conceito de morte, para além de um evento biológico, se constitui como uma construção social e seu enfrentamento e forma de compreendê-la refletem o momento histórico de uma sociedade. Por isso, por exemplo, encontramos variações nas diversas formas de rituais, de acordo com cada grupo social e religioso. Para que possamos compreenda a forma como a civilização ocidental lida com a morte, será preciso conhecer os estudos dos pesquisadores Philippe Ariès (1977a,b) e Norbert Elias (2001); O período estudado pelos autores começa na Idade Média e segue até o século XX. Interessante notar que cada fase analisada foi nomeada, de forma que, por meio do nome, ficasse realçada a sua principal característica; Morte domada, Morte de si mesmo, Morte do ouro e Morte interdita. ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS: A MORTE E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO Típica da época Medieval; - O homem é um expectador da natureza, contemplativo diante da possibilidade da morte; - Mundo teocêntrico - aceitação inconteste do processo de morte, que ocorria ou na guerra ou de doenças. - A morte era esperada no leito, uma espécie de cerimônia pública organizada pelo próprio moribundo e sua família. Todos podiam entrar no quarto, parentes, amigos, vizinhos e, inclusive as crianças. A MORTE DOMADA - Os ritos de morte eram cumpridos com manifestações de tristeza e dor e o maior temor das pessoas era morrer repentinamente, anonimamente, sem as homenagens cabidas; - A morte era uma atitude familiar e próxima, por isso chamada de domada; - O local da sepultura na Idade Média era nas Igrejas, perto dos santos – PROTEÇÃO; - Divisão entre pobres e ricos - afastados ou próximos do altar. A MORTE DOMADA A MORTE DE SI MESMO A partir do século XIV/XV o homem começa a se preocupar com o que acontecerá depois de sua morte; racionaliza o processo de perda (para quem fica e para quem vai); - Surgem os TESTAMENTOS- testar era um dever de consciência. Formados por três partes: a confissão, os desejos e a distribuição das fortunas. - Naquela época boa parte da fortuna ia para a Igreja como uma forma de libertação para a vida eterna. Do século XIII até o século XVIII, o moribundo fazia uso do documento, normalmente lavrado em um notário, para registrar os seus pensamentos, sentimentos e suas próprias convicções e fé religiosa. O testamento era usado para deixar registrados os rituais considerados necessários para um bom encaminhamento da alma, dando sinais de que, até então, não havia confiança incondicional à família. A MORTE DE SI MESMO - Surge a cor preta para simbolizar o luto - disfarce para espantar a morte e os mortos que viriam confundir o enlutado com um outro morto; - Significação social de perda, tristeza - que criava a paz e serenidade interior. Vida no Cadáver, Vida na Morte. - Séculos XVII/XVIII - Renascimento - mundo regido pela razão- preocupação com as condições do enterro; - Surgem os VELÓRIOS como uma forma de certificação da morte ? até 48 horas após a morte. A MORTE DE SI MESMO MORTE DE OURO Século XVIII: A morte passa a ganhar um ar romântico, dramático, com certa complacência. A própria morte não é mais tão temida como o é, a partir de agora, a morte do outro; - O moribundo continua assumindo o papel principal, à frente das decisões, mas os familiares já não ocupam mais o lugar de coadjuvantes; - No entanto, tudo isso vai mudar a partir do século XVIII. Os desejos passam a ser expressos oralmente, sendo confiados aos cônjuges e filhos. A família do século XVIII também está diferente, unida pelo afeto e por um forte sentimento familial; - Dessa forma, a família passa agora a ocupar um lugar mais ativo na cena final, atuando, principalmente, na assistência; - Morte Romântica- morte desejada enquanto libertação e possibilidade de reencontro entre os amores. MORTE DE OURO A MORTE INTERDITA No século XX, a morte se esconde, tem caráter de vergonha, de fracasso. No mundo tecnocêntrico: - A morte é negada, banida do discurso cotidiano, ocultada e temida; - Adota-se a mentira sistemática, o silêncio - marcada pela negação e interdição; - O homem está desaparelhado para enfrentar a morte como uma contingência, uma vez que vem sempre acompanhada da ideia de fracasso do corpo, do sistema de atenção médica, da sociedade, das relações com Deus e com os homens, etc; - Com isso, morrer torna-se um evento privado e a morte começa a se constituir como um tabu; - Um fato curioso e alarmante é o afastamento das crianças dos rituais fúnebres, comportamento ainda presente nos dias atuais. Hoje é pouco comum vermos nos velórios a presença de uma criança que tenha sido levada para se despedir de um familiar ou amigo; - Uma das características que se inicia nesse período, é o entendimento de que tomar conhecimento sobre a gravidade de seu estado e, consequentemente, da proximidade da morte, é prejudicial ao doente (Mentira Piedosa). A MORTE INTERDITA DIFERENÇAS HISTÓRICAS Na Idade Média a morte estava nas salas de visitas; hoje, se esconde nos hospitais, nas UTIs, controlada pelos profissionais de saúde, nem sempre esclarecidos da sua penosa e socialmente determinada missão - (80% das pessoas morrem no hospital); Atualmente o velório ocorre longe da casa do morto - afastamento da própria família- morte solitária. A MORTE NA SOCIEDADE CAPITALISTA - OCIDENTAL Com os progressos da terapêutica e cirurgia, sabe-se cada vez menos quando uma doença grave será mortal ou não. A morte vem assim quase em surdina com uma cumplicidade dos amigos e familiares que, por amarem o doente e não querendo vê-lo partir, negam-lhe a morte, e dos profissionais que, obstinados pela cura da doença, estão sempre lançando mão de suas onipotências e de uma última medida terapêutica eficaz para prolongar-lhe a vida - o médico é o profissional que define a questão da vida e da morte. Muitas vezes o paciente não sabe como morrer, e o profissional de saúde é incapaz de lhe explicar o sentido da morte; Há uma mudança radical na visão da morte: a ilusão da eternidade dá ao homem a sensação de poder dominar e controlar as coisas, as pessoas e conservar o que tem. Assim, a possibilidade de morte é afastada; Apesar de buscar a negação enquanto uma defesa frente à morte, o homem angustia-se frente ao seu ser mortal. Adoecer e morrer são, então, suas preocupações permanentes. A MORTE NA SOCIEDADE CAPITALISTA - OCIDENTAL Crença na possibilidade de libertação do sofrimento, mas que parte da aceitação do sofrimento como um fato natural da existência humana, aliada à coragem de encarar os problemas de frente (Enfrentamento + Naturalidade + Coragem); A Arte de Morrer - enfrentamento da morte não só lúcida, calma e heróica, mas com o intelecto corretamente dirigido para a superação e sublimação mental da dor e do sofrimento proporcionados pela enfermidade do corpo, como se praticado corretamente a Arte de Viver; A Arte de Viver: três estágios de disciplina: escuta, reflexão e meditação, levando ao autoconhecimento. A CONCEPÇÃO DE MORTE NO ORIENTE Vivência pacífica da morte: através da correta prática de uma fidedigna Arte de Morrer, a morte terá então perdido o seu estado negativo e redundará em vitória; Se no Ocidente a morte é vista como um fim, ruptura, fracasso, oculta, vergonhosa, os rituais corresponderão a esta forma de encarar a morte. São procedimentos de ocultamento, vergonha, raiva, temor. Na visão Oriental a morte surge fundamentalmente como um estado de transiçãoe principalmente de evolução, para o qual deve haver um preparo: a morte é apenas uma iniciação numa outra vida. A CONCEPÇÃO DE MORTE NO ORIENTE A MORTE NAS SOCIEDADES DITAS CIVILIZADAS 1. A extensão do viver, pelo aumento da expectativa de vida; 2. A percepção da morte como o último estágio da vida; 3. A visão da morte como um evento sereno, fruto do adoecimento ou da velhice, sendo excepcional a morte causada por violência; e 4. O alto grau de individualização que, representando uma modalidade do viver, incidirá, consequentemente, sobre o modo de morrer. REFERÊNCIAS GEOVANINI, F. C. M. Tanatologia. Rio de Janeiro : SESES, 2018.120 p: il. RIBEIRO, E. E. Tanatologia: vida e finitude. Informações gerais para os módulos: velhice e morte, Medicina e morte, cuidados paliativos e bioética - Rio de Janeiro: UERJ, UnATI, 2008. 145 p.