Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Montes Claros/MG - 2014 Alessandro Almeida Filomena Luciene Cordeiro História Medieval i 2014 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Antônio Alvimar Souza César Henrique de Queiroz Porto Duarte Nuno Pessoa Vieira Fernando Lolas Stepke Fernando Verdú Pascoal Hercílio Mertelli Júnior Humberto Guido José Geraldo de Freitas Drumond Luis Jobim Maisa Tavares de Souza Leite Manuel Sarmento Maria Geralda Almeida Rita de Cássia Silva Dionísio Sílvio Fernando Guimarães Carvalho Siomara Aparecida Silva CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Jânio Marques Dias Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camila Pereira Guimarães Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso Rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Mariléia de Souza Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Ângela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do Departamento de História/Unimontes Francisco Oliveira Silva Jânio Marques dias Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação José Henrique Paim Fernandes Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior narcio Rodrigues da Silveira Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Alessandro Almeida Graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, mestrado em História pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU- Doutorando em História pela mesma Universidade, com ênfase na área de desenho, videogame, ficção, história e imagens. Filomena Luciene Cordeiro Graduada em História pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes, pós-graduação lato Sensu em Ciências Sociais pela Unimontes e Gestão da Memória: Arquivo, Patrimônio e Museu pela Universidade Estadual de Minas Gerais - UEMG - mestrado em História pela Universidade Severino Sombra. Professora do Departamento de História da Unimontes. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Idade média: introdução e debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 A idade média: preconceito, origem e caracterização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.3 O imaginário Medieval e os contos/desenhos animados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23 Os reinos e impérios medievais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 Concepções do termo “bárbaras” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.3 Os bárbaros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24 2.4 Império Bizantino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 2.5 Os Árabes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 O(s) Feudalismo(s) Ocidental(is): Constituição e características . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 3.2 O sistema Feudal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 3.3 Características gerais do modo de produção Feudal na Europa Ocidental . . . . . . . . 46 3.4 Alguns legados da idade média - Feudalismo Ocidental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 3.5 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .57 Atividades de Aprendizagem- AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 9 História - História Medieval I Apresentação Caro(a) acadêmico(a): O caderno didático de História Medieval I dará continuidade ao aprendizado e às discussões que você começou na disciplina “História Antiga I e II”. Esta disciplina permite ao estudante viajar na história dos tempos medievais e conhecer como as pessoas pensavam, sentiam e viviam na- quela época. Nesse sentido, a disciplina História Medieval I tem como objetivos: • Refletir sobre os processos e fatores da decadência do mundo clássico ocidental e as origens da Idade média; • Analisar o contexto de formação dos reinos bárbaros, seu desenvolvimento econômico, po- lítico e sociocultural; • Identificar as estruturas socioeconômicas do Império Carolíngio, Bizantino e da civilização árabe; • Delimitar o arranjo estrutural do mundo medieval ocidental, bem como suas diversas com- plexidades. Para tanto, organizamos os conteúdos em três unidades. Na Unidade I, Idade Média: in- trodução e debate, abordamos os preconceitos referentes ao mundo medievo, a reflexão con- cernente ao imaginário medieval e a sua importância, para pensarmos sobre representações cinematográficas e animadas que demonstram a importância das representações simbólicas do mundo medieval para a contemporaneidade. Na Unidade II, Os reinos e impérios medievais, apresentamos os reinos bárbaros, entre eles os quais destacamos os francos. Por último, na Uni- dade III, O(s) feudalismo(s) ocidental(is): constituição e características, apresentamos a constitui- ção e as principais características do feudalismo ocidental. A proposta deste material contempla conhecer e compreender a idade média, enfatizando noções básicas, assim como a constituição e características do feudalismo ocidental. Serão tra- balhados também os reinos e impérios medievais, entre eles, o Império Carolíngio, bizantino e Árabe. Bom trabalho! Os autores 11 História - História Medieval I ◄ Figura 1: Representação de Vila Medieval. Fonte: Disponível em http://www.meionorte. com/danielcristovao/ densidade-demografica- na-primeira-idade-me- dia-77799.html. Acesso em 23/11/2010 UnidAde 1 Idade média: introdução e debate 1.1 Introdução Nesta primeira unidade, lançaremos as bases para uma boa análise do mundo medieval. In- troduziremos discussões acerca dos preconceitos gerados em torno do mundo medieval, bem como do imaginário desses preconceitos. Após essa discussão introdutória, apresentaremos me- todologias de análises acerca de materiais cinematográficos medievais, que poderão ser traba- lhados em sala de aula. Sendo assim, nosso foco principal é teorizar acerca das discussões que envolvem o mundo medieval. 1.2 A idade média: preconceito, origem e caracterização Pensar em Idade Média nos remete a imagens de bruxas, castelos, dragões e uma sociedade camponesa que, mesmo permeada de romances, leva-nos muitas vezes a afirmar: “é realmente a idade das trevas”. Tais símbolos desafiam a periodização e o tempo, demonstrando-nos que a dis- cussão sobre o mundo medieval faz-se necessária para compreendermos significados que mar- cam a nossa história do “presente”. É com a perspectiva de Marc Bloch, historiador e analista da sociedade feudal, de que a história é a disciplina do presente que iniciaremos nossas reflexões. Em primeiro lugar, devemos desde já desconstruir qualquer tipo de fórmula como: idade média = feudalismo. É preciso antecipar que a idade média é muito mais abrangente que o feu- dalismo ocidental. Assunto a ser tratado com detalhe na Unidade III. diCA Na mitologia grega, Europa era o nome de uma bela princesa fenícia, raptada por Zeus, que a levou à ilha de Creta. Ali se uniram e geraram filhos, entre os quais Minos, o futuro rei de Creta. Não há uma tese segura que explique as razões pe- las quais o continente europeu adquiriu esse nome. Até que ponto, estamos reconstruin- do essa mitologia em nossas salas de aula, quando somente rei- teramos uma História Eurocêntrica? Ou seja, é nosso fim maior. Estamos sendo críticos o suficiente para dar à Europa o devido lugar? 12 UAB/Unimontes - 3º Período Acerca da Idade Média (V-XV), é conveniente frisar que existe uma generalização preconcei- tuosa que vincula esse período ao atraso. A esse respeito, a historiografia destaca que o termo medieval é tido como pejorativo,assim como o próprio apelido de “idade das trevas”, ambos cria- dos por renascentistas e até mesmo defendidos por historiadores até o século XIX. Os primeiros detinham a percepção preconceituosa de que aquele momento do passado havia regredido, até mesmo por não deter as obras clássicas da antiguidade romana e grega. Seria uma sociedade na qual a servidão estava aparente e os meios de produção eram os mais rudimentares, além do fato de as vilas serem isoladas e não desenvolvidas. Povoados imensos se resguardavam atrás de seus castelos e de bosques “mal assombrados”. Portanto, o sentido básico mantinha-se renascen- tista: a “Idade Média” teria sido uma interrupção no progresso humano inaugurado pelos gregos e romanos e retomado pelos homens do século XVI. Percebamos, portanto, que a significação do período medieval como atrasado foi elaborada por um conjunto de pensadores que queriam afirmar o ideal de uma sociedade predominantemente burguesa, dita como “moderna”, como um período de maior desenvolvimento, cujo tempo realidade é caracterizado entre os séculos XV e XVIII. Em termos de periodização, a Idade Média é dividida em Alta Idade Média (V ao X) e Baixa Idade Média (XI ao XV). A disciplina Medieval I privilegiará a ascensão e constituição do feuda- lismo, enquanto Medieval II (outra disciplina) dará ênfase à crise feudal, característica da Baixa Idade Média (XI ao XV). Logo, o estudo do mundo medieval ocidental leva-nos a analisar a Euro- pa após a decadência de Roma (séc. V), ocasionada a partir das invasões bárbaras. Considerando que essas invasões se seguem pela Alta Idade Média (V-X), é conveniente perceber que o mundo feudal ocidental constitui-se a partir desses conflitos. Após essa breve situação vocabular e histórica, atenhamo-nos ao final da sociedade roma- na: Quais os fatores que desencadearam a queda do Império Romano? O que contribuiu para a chegada da sociedade medieval? Quais os limites e projeções do feudalismo? Esse é o nosso trabalho neste momento. O Império Romano, com o passar dos anos e das conquistas, encaminhava-se à chamada Pax romana (III), período de diminuição de guerras e, consequentemente, de diminuição dos aprisionamentos de escravos adquiridos nas mesmas. A crise da escravidão, os excessivos gastos com guerras e a tentativa de manutenção dos privilégios aos burocratas provocaram a retração da produção e a aceleração do processo inflacionário, fatores que fizeram com que a crise econô- mica se generalizasse. Segundo Perry (1989), em Passagens da Antiguidade ao Feudalismo, a crescente expansão de Roma trouxe mais conquistas e menos controle das áreas conquistadas. Com o distanciamen- to das terras, aliado ao crescente volume cultural, e com a chegada das primeiras ondas de inva- sões bárbaras e as constantes trocas de imperadores, o fim do grandioso Império aproximava-se tanto quanto o passar dos anos: Mediante imigrações pacificas ou invasões, diversos povos germânicos (que os romanos chamavam de bárbaros) foram ocupando o Império Romano do Ocidente. As invasões germâ- diCA No período medieval, representantes da es- colástica apropriavam- se da cultura clássica (greco-romana) para defenderem a fé cató- lica. Com o desenvol- vimento do comércio e a urbanização, surgiu o Renascimento (XIV), e a maior parte dos renascentistas eram intelectuais da própria Igreja Católica que, com a mudança de realida-de histórica, construí- ram uma “nova lógica burguesa” que condu- ziu o mundo ocidental. Para tanto, construíram o ideal de Idade Média como “idade das trevas” ou “noite dos mil anos”. A partir de tais informações, convém problematizarmos: De- vemos transmitir para nossos alunos a Idade Média como “idade das trevas”? Qual a impor- tância das mudanças históricas para alterar- mos nossa maneira de pensar? Como as elites constroem seu predo- mínio, “seu mundo” por meio da educação e da história? Figura 2: Castelo construído no período medieval Fonte: Disponível em http://www.historiadetu- do.com/idademedia.jpg. Acesso em 23/11/2010 ► 13 História - História Medieval I nicas desencadearam transformações profundas que marcaram a formação da Europa medieval (COTRIM, 2007). Nesse caminho, podemos listar outros agravantes como: • esgotamento das terras devido a técnicas inadequadas; • a produção agrícola decai, assim como a produção livre; • impostos elevados em todo o império, sufocando, sobremaneira, a população; • ascensão do cristianismo. Em meio à crise do império e do escravismo, ocorre o fortaleci- mento da religiosidade cristã que, em alguns momentos, foi até utilizada como meio de for- talecimento do Império; • o trabalho corporal visto como indigno, uma vez que o principal intuito dos grandes ho- mens seria ter, suficientemente, escravos para alcançar a ociosidade e, assim, a sua intelec- tualidade e seu status; • as cidades perdem prestígio, iniciando a fuga da população urbana para o campo. 1.2.1 A importância das invasões bárbaras para a formação do Mundo Feudal Um dos fatores que determinaram a crise do Império Romano no século V foram as inva- sões bárbaras. A partir de então, muitos livros didáticos tratam as invasões com um dado fixo e “morto” que, como fato, se restringiria ao momento da decadência de Roma. Porém, tratando a história como processo, o historiador Marc Bloch, em A sociedade feudal destaca que o conjunto de invasões acumuladas entre os séculos V e IX foi fundamental para entendermos o processo de feudalização da Europa Ocidental que ocorre de forma gradual. Nesse prisma, a compreensão desses conflitos é fundamental para entendermos o mundo medievo e a sociedade feudal. Segundo Perry Anderson (1989), o período compreendido entre os séculos III e IV abarca as primeiras invasões bárbaras. Na primeira onda de invasão, algumas regiões passam a se desvin- cular do poderio de Roma, muito embora o legado romano ainda seja utilizado em grande parte da Europa. Destaca-se que, nessas primeiras invasões, surge um dualismo em várias esferas: na política, a lei romana confrontava-se com as tradições de oralidade bárbaras, principalmente dos germanos. Na religião, o monoteísmo católico duelava com o politeísmo bárbaro, fato que fun- ◄ Figura 3: Fortificação dos castelos: muros altos e torre Fonte: Disponível em http://www. paliodeinorma nni.com/ images/PIAZZA/feudo_67. jpg. Acesso em 23/11/2010 GLOSSÁRiO Arianismo: Esta religiosidade tem seu princípio no Cris- tianismo Primitivo, sendo sustentado pelos seguidores de Arius (bispo de Alexandria). O princípio do Arianis- mo era a negação da consubstancialidade entre Jesus e Deus, ou seja, o primeiro era subordinado ao se- gundo e não a mesma entidade. Ao mesmo tempo, afirmava que Deus seria um gran- de e eterno mistério, oculto em si mesmo, e que nenhuma criatura conseguiria revelá-lo, visto que Ele não pode revelar a si mesmo. O Concílio de Nicéia (325 d.C) condenou esta doutrina após uma grande controvérsia e declarou-a herética. No entanto, visões seme- lhantes e, em alguns casos, revivificação do nome ocorreram desde então. Uma carta de Auxentius, um bispo de Milão do século IV, referindo-se ao missio- nário Ulfila, apresentou uma descrição clara da teologia ariana sobre a Divindade. Deus, o Pai, nascido antes do tempo e Criador do mundo, era separado de um Deus menor, o Logos, Filho único de Deus (Cristo) criado pelo Pai. Este, traba- lhando com o Filho, criou o Espírito Santo, que era subordinado ao Filho e, tal como o Filho, era subordinado do Pai. Segundo outros autores, para Ário, o Espírito Santo seria uma criatura do Logos (Filho). Por causa de propensos conflitos políticos, Constantino I (IV) reafirma o Aria- nismo como herético, muito embora tenha se convertido ao final de sua vida. 14 UAB/Unimontes - 3º Período damentou, por exemplo, o surgimento do arianismo. A força das “armas” condicionava uma redis- tribuição de terra desigual. Diferentemente, a segunda onda de invasões demarca ainda mais os contornos iniciados pela primeira. A população dividida passa a fugir para o campo e refugiar-se dos conflitos. O medo “do saque e da violência” leva os nobres a firmarem pactos de vassalagem. Nesse momento devemos lembrar nossa afirmação inicial: muito embora seja adotado o feuda- lismo analogamente com o período do ano V ao X, intitulado como Alta Idade Média, ele só re- ceberá contornos visíveis a partir do século IX, após o governo de Carlos Magno. Na sequência, percebamos, de maneira objetiva, as principais contribuições das invasões para a constituição do feudalismo ocidental mais bem identificado entre os séculos IX e XI: No aspecto político, em consequência das invasões, o medo, as guerras, as construções de fortalezas e castelos são marcantes para a compreensão do mundo feudal. Na primeira onda de invasões, os bárbaros (povos que não seguiam as leis e costumes romanos) desestruturaram o exército do Império Romano. Dessa forma, muitos guerreiros romanos e bárbaros de- sistiram de defender as cidades e passaram a defender possessões de terras que, poste- riormente, seriam entendidas como feudos. A construção de castelos em lugares distantes poderia garantir aos indivíduos de maiores posses segurança, visto que o medo de um possível conflito era constante. Em termos econômicos, as guerras cons- tantes geraram o êxodo urbano e a ruralização da economia, pois as primeiras invasões oca- sionaram a crise da escravidão e do comércio romano. Estruturava-se, portanto, uma vivência social em que o apreço ao trabalho nas terras dos senhores “feudais” condicionava toda uma nova sociedade que irrompia. Além disso, os bárbaros, povos que, em sua maioria, tinham tradições rurais e não possuíam um sistema mo- netário muito organizado, passaram a impor seu modo de vida. A economia na Europa ocidental, Figura 4: Representação das invasões Bárbaras em Roma Fonte: Disponível em http://upload.wikimedia. org/wikipedia/com- mons/9/95/Vandalen.jpg. Acesso em 23/11/2010 ► Figura 5: O germano e sua família Fonte: Disponível em http://educaterra.terra. com.br/voltaire/artigos/ pimage/gemanos1.jpg Acesso em 23/11/2010 ► 15 História - História Medieval I gradativamente (entre os séculos V e IX), tornava-se predominantemente agrária e vinculada à sub- sistência. O trabalho era realizado pelos servos das terras senhoris, e a escravidão perdia espaço e convivia com a servidão. Em termos de religião, o politeísmo hegemônico dos bárbaros, a pluralidade religiosa e o constante ambiente de medo proporcionado pelas invasões condicionavam a emergência da Igreja Católica que, progressivamente, ganhava espaço nas relações espirituais (religiosas) e tem- porais (políticas). Esses fatores, conjugados e somados às fragilidades das instituições políticas, faziam com que a Igreja Católica ganhasse força no mundo medieval. Nos reinos Merovíngio e Carolíngio, por exemplo, os líderes políticos Clóvis e Carlos Magno buscaram apoiar seus impé- rios nas práticas e na ajuda de membros da Igreja Católica. A partir de então, a influência da Igre- ja se amplioue, mesmo com a decadência desses impérios, os papas empunhando “a cruz ou a espada” tornavam-se figuras fundamentais na sociedade feudal. Como a maior detentora de terras, a instituição Igreja Católica passou a julgar e coordenar a maioria dos povos que vivia no período feudal. Procurando utilizar o ambiente de medo a seu favor, o poderio da Igreja Católica teve um de seus momentos de ápice no período medieval, fato condicionado pelas invasões. Como podemos perceber, a compreensão do conjunto de invasões entre os séculos V e IX condicionou a formação da sociedade feudal. Até as particularidades do sistema feudal nas dife- rentes regiões da Europa são também condicionadas pela pluralidade de povos que invadiram o Império Romano e a Europa. Reiteramos, portanto, que a sociedade feudal, cujo esplendor se deu entre os séculos (IX-X), se formou a partir das invasões. Segundo Enzensberger (1995), toda migração – qualquer que tenha sido o fator a desen- cadeá-la ou sua motivação subjacente, seja ela voluntária ou involuntária e seja qual for a escala que assume – leva a conflitos. A defesa dos interesses locais e a xenofobia são constantes an- tropológicas que precedem qualquer racionalização. A distribuição universal desses traços indica que são mais antigos que todas as sociedades conhecidas [...] Os movimentos migratórios em grande escala sempre levam à disputa pela distribuição dos recursos. [...] Ninguém emigra sem a promessa de uma vida melhor (ENZENSBERGER, 1995). Na sequência, apresentamos algumas características e definições de novas formas de rela- ções do mundo germânico e romano. a. Germânico • Comitatus: Em troca de serviços militares, os guerreiros recebiam terras de seus chefes e tinham autonomia para administrá-las. Esse processo era consolidado por meio de um jura- mento de lealdade e contribuiu para o surgimento da suserania e vassalagem. • direito Consuetudinário: Sistema de leis herdadas de antepassados e transmitidas oral- mente. • A agricultura e o pastoreio: Tradição que contribuiu para a ruralização da economia. b. Romano • O sistema de colonato: O colono ou camponês era obrigado a se fixar na terra, sob a tutela do proprietário. Essa relação contribuiu para o surgimento da servidão. • Villas: Com as invasões bárbaras, as villas (grandes propriedades rurais) passaram a ser o centro das atividades econômicas e um refúgio para os camponeses, fato que contribuiu para a servidão e descentralização. • igreja Católica: Com a desestruturação do Império Romano, a Igreja Católica passou a do- minar o cenário político, cristianizando bárbaros, controlando territórios, interferindo em guerras, monopolizando o conhecimento e determinando até sucessões monárquicas. ◄ Figura 6: Representação organizacional de um feudo Fonte: Disponível em http://www.professoracla- ra.com/imagens/feudal/ feudo-des.JPG. Acesso em 23/11/2010 16 UAB/Unimontes - 3º Período 1.3 O imaginário Medieval e os contos/desenhos animados Em meio à escassez de fontes para se analisar as formas de viver, sentir e pensar do medievo, inúme- ros historiadores se depararam com a necessidade de utilizar signos, símbolos e imagens que poten- cializariam a (re) significação do mundo medieval. Baczko (1985), estudando sobre o imaginário social, afirma que, no mundo medievo, assim como em vá- rias civilizações antigas, a utilização de imagens sa- cras, mitos e ritos foi fundamental para o domínio de grupos privilegiados “tecnicamente” sobre determi- nadas sociedades. Nesse viés, a distribuição de pro- priedade, o prestígio, as hierarquias e a submissão eram conduzidos por aqueles que dominavam a ma- nipulação de símbolos, fato que solidificava domínio social. Em termos de Idade Média, é conveniente destacar que reis, nobres e representantes da Igreja Católica buscavam dominar a população por meio do domínio da imaginação social. Po- rém, vários contos populares fizeram-se presentes e se perpetuaram no decorrer da história, ilus- trando fatos em produções cinematográficas ou desenhos animados. Na atualidade, o uso de instrumentos audiovisuais, projetados pela televisão em sala de aula, é ainda um desafio, porém deve ser enfrentado. Pensando nas produções televisivas como documentos históricos, o professor e historiador Marcos Napolitano, perguntado em entrevista sobre o seu livro: Como usar a televisão em sala de aula, afirma: A minha perspectiva é mostrar que os conteúdos veiculados pela televisão aberta, pela TV a cabo, pelos comerciais mesmo podem ser usados em sala de aula para discutir os mais variados conteúdos escolares tradicionais, va- mos dizer assim. Há fontes interessantes em várias disciplinas e a idéia é que a televisão seja uma grande geradora de questões a serem discutidas e, ao mesmo tempo, um documento a ser analisado e mais bem compreendido pelo aluno. A proposta que perpassa todo o livro é a da “alfabetização visual” para ver TV, porque é fundamental formar um espectador crítico (NAPOLITA- NO, 2006, p. 98). Em busca da construção deste “espectador crítico”, o professor/historiador deve estar atento aos seguintes aspectos: • expor a historicidade do documento em análise (contexto histórico da produção); • analisar a produção (autores, vida, intenções, entrevistas, etc.); • ficar atento à periodicidade da temática expressa na produção; • ficar atento ao público ao qual a produção audiovisual se dirige. Conforme afirma Le Goff (1998), nenhum documento é inócuo, ele sempre é produzido por pessoas que têm interesses diferen- tes em tempos diferentes. Portanto, de maneira parecida com a análise de um documento “antigo”, o historiador deve estar atento ao lugar, tempo e espaço de produção e de recepção das fontes produzidas, sejam elas es- critas, sejam audiovisuais, sejam de qualquer espécie. Evidentemente que as produções audiovisuais pos- suem algumas especificidades; po- rém, tais características são marcadas pelo seu tempo de produção, fato que legitima a análise historiográfica. Figura 7: Os Irmãos Grimm. Fonte: Disponível em http://acmlp.pt/bib/ wp-content/uploads/ 2008/04/grimm4.jpg Acesso em 23/11/2010 ► Figura 8: A mídia na sala de aula Fonte: Disponível em http://populo.weblog. com.pt/ arquivo/tele- visao2.jpg. Acesso em 11/2010 ► 17 História - História Medieval I 1º. passo - Explicar aos alunos o contexto de produção do filme: o ano de 2000. ‘Destacar que, após a queda da URSS e os avanços da globalização, inúmeros problemas como a intolerân- cia, corrupção e violência marcaram as vidas de inúmeros “cidadãos do mundo”. Nesse contex- to, há a saga de “Maximus” – o Gladiador– lutando contra o imperador de Roma. (È importante lembrar-se de que George W. Bush, por exemplo, estava sendo eleito no “Império Americano” e acusado de corrupção). Obs: Perceber que apenas a comparação “Queda do Império Romano versus Queda do Im- pério Americano” já daria uma aula. 2º. passo - Após contextualizar a produção do filme, apresentá-lo pedindo aos alunos para prestarem atenção nos aspectos que geraram a decadência de Roma, apesar de o filme fazer re- ferência aos Imperadores que governam o Império no Principado (Século II d.c). 3º. passo - A partir da exposição dos alunos sobre os problemas de Roma, iniciar uma expo- sição da matéria. 4º. passo - Propor um exercício em forma de redação para que os alunos estabeleçam um diálogo entre a produção (período em que o filme é lançado) e a matéria (decadência do Império Romano). Obs: Caso considere o filme longo, é interessante selecionar trechos. Porém, na propos- ta de aula sugerida, era imprescindível que o aluno assistisse ao filme. Assim sendo, o filme ganhará mais sentido, e os alunos poderão perceber a História como disciplina marcada pela criticidade. AtiVidAde Observe uma sugestãode análise: Objeto: Filme “O Gla- diador” delimitação da análi- se: tema específico de aula: Crise do Império Romano e Invasões Bárbaras Época de produção do filme: Ano 2000 ◄ Figura 9: Cena do filme Gladiador Fonte: Stúdio Dreamworks, 2000 ◄ Figura 10: Hagar, o Horrível, o sempre atrapalhado e corajoso vicking. Fonte: Disponível em http://hq.cosmo.com.br/ images/hqcoisa/h0066_ hagar_close.jpg. Acesso em 23/11/2010 18 UAB/Unimontes - 3º Período Grandes historiadores já fizeram análises com o que acreditavam ser anedotas ou fatos que ninguém creditava importância, como é o caso do historiador Marc Bloch. Ele analisou um fato curioso que se arras- tou do século XII ao XVII na França e até o século XVIIII na Inglaterra: a cura de escrófulas (adenite tuberculosa) por meio do toque das mãos dos reis. Participante do movimento dos Annales, ou grupo dos Annales, este historiador francês foi um dos primeiros fundadores da “escola” com o seu livro Os Reis Taumaturgos. Nas pala- vras de Bloch (1993), (...) pensei que esse desvio no ca- minho merecia ser seguido e, com a experiência, acre- ditei perceber que ele levava bem longe. Julguei que se podia fazer história com aquilo que, até o presente, era só anedota. Em O grande massacre de gatos e outros episódios da História Cultural Francesa, Robert Darnton apresenta, além do episódio que carrega em seu título, uma aná- lise acerca de vários contos, como os publicados pelos famosos Irmãos Grimm. Nesse contexto, o autor nos demonstra que muitos contos seriam mitos contados desde a Idade Média e foram substancialmente modificados para a sociedade francesa do século XVI e ainda mais reelaborados para a utilização em nossa sociedade atual. Há análises des- de contos como Chapeuzinho vermelho, João e o pé de feijão, A mamãe ganso e, até mesmo, A Cinderela, con- to que, segundo a indicação de pesquisas, há registros de uma história análoga na China do século IX. Darnton (1988) nos chama a atenção de que boa parte dos con- tos apresenta a comida em abundância como reflexo de uma sociedade faminta que seria a França do século XVIII. Outros, como é o caso de A Cinderela, apresentam uma família em que aparece sempre a figura da ma- drasta má, fato que se origina da grande mortandade entre as mulheres, ocasionando grande número de filhos órfãos e maridos propensos a amasiarem-se. A sexualidade inicial exagerada apresentada no conto de Chapeuzinho vermelho original é extirpada para a apresentação aos olhares infantis de uma garota doce com um fim trágico em algumas tradições e/ou um final feliz em outras. Poderíamos citar inúmeros outros exemplos, principalmente no que diz respeito a filmes. Seria possível apresentar uma vasta filmografia que retrata as mais variadas passagens e fatos diCA Hobin Hood: Produto da sociedade medieval em crise (Inglaterra, séculos XII e XIII), este personagem dos dese- nhos, filmes e demais, nasceu em meio a um contexto poucas vezes levado à tona. Injustiça- da no governo de João “O sem Terra”, em meio a confiscos, derrotas em batalhas e a conse- quente confecção da Magna Carta (docu- mento que restringia os poderes dos reis), a população inglesa pas- sa a transmitir a história de um inglês simples que almejava uma luta contra o autoritarismo e a favor da liberdade e do fim dos privilégios do clero e da nobreza. Figura 11: Marc Bloch Fonte: Disponível em http://api.ning.com/files/ gWlIW1oPwUhTC*gbcDjG- m9zDoLvHNyc3aCBez7B- dAoLDQHZC9cE9qdw56y- VymiMukXMg0ONGqzKa- moYNu*GjOA jrBRoYFcUD/ Bloch.jpg. Acesso em 23/11/2010 ► Figura 12: Robert Darnton Fonte: Disponível em http://br.librarything.com/ author/darntonrobert. Acesso em 23/11/2010 ► Figura 13: Representação das diversas personagens femininas dos contos infantis, retratadas homonimamente no filme Shrek (da esq. p/a dir.: Cinderela, Branca de Neve, Fiona, Rapunzel, Bela Adormecida) Fonte: Disponível em http://www.themovieblog. com/archives/Shrek-3- -Princesses.jpg. Acesso em 23/11/2010 ► 19 História - História Medieval I históricos. Como quase sempre os filmes apresentam uma visualização mais facilitada (muito embora alguns carreguem romances que, geralmente, chamam a nossa atenção para outros as- pectos que não os de aproximar a História teórica, textual de imagens e ações contextualizadas epicamente), resolvemos apresentar, aqui, um desenho animado cujo foco seria a faixa etária infantil. Na série Shrek, vários contos são retratados em uma abordagem crítica e atual; porém, pressupostos do imaginário medieval, como o medo, os “castelos” distantes, as insurreições po- pulares e mesmo a caracterização mítica do Ogro, são fundamentais para a produção do filme. A trilogia apresenta-nos uma crítica, na qual os diversos contos conhecidos no mundo in- fantil tomam rumos nunca pensados. Príncipes tornam-se vilões, fadas são maldosas, e monstros, como o próprio Shrek, um ogro, chegam ao ponto de se tornarem um príncipe, ao menos politi- camente. Apesar da estranheza que nos salta aos olhos, um misto de medievalidade e contem- poraneidade dá um ar sarcástico aos diversos personagens das histórias infanto- juvenis. Ineditismo à parte, podemos fazer a seguinte análise acerca do terceiro filme intitulado Shrek Terceiro: ◄ Figura 14: Personagens do filme Shrek. Ao meio, encontra-se o protagonista que dá nome ao longa metragem (da esquerda para a direita: O Burro, Shrek, Gato de Botas) Fonte: Disponível em http://www.imotion. com. br/imagens/data/ media/61/Shre k1_www. imotion.com.br.jpg. Acesso em 23/11/2010 ◄ Figura 15: Reino de “Tão Tão Distante “(DREAM- WORKS, 2007) Fonte: Disponível em http://www.imotion. com.br/imagens/data/ media/61/Shrek1_ www. imotion.com.br.jpg. Acesso em 23/11/2010 20 UAB/Unimontes - 3º Período QUADRO 1 Terceiro filme intitulado Shrek Terceiro SHReK teRCeiRO idAde MÉdiA (V-XV) Contos A série cinematográfica Shrek baseia-se em contos que destacam um cenário característico do período medieval. Leis Consuetudinárias: Com a decadência do Império Romano, os valores medievais foram constituídos através da valorização da oralidade (tradição dos bárbaros, princi- palmente dos germanos). Assim, passou a ser comum a tra- dição de inventar contos que destacassem as dificuldades existentes nas florestas ou bosques (às vezes chamadas de mansos comunais). O reino “Tão Tão Distante” Após a desestruturação do Império Romano, Merovíngio e Carolíngio, a política feudal, em meados do século IX, passou a ser descentralizada. Com isso, os reinos ficaram “tão tão distantes”, sob o risco de ataques inimigos, prin- cipalmente nas florestas que os cercavam. A invenção do “Ogro” (Shrek) As árvores assustadoras, bruxas más. Devido à distância e à rivalidade dos reinos que são originados de povos bárbaros diferentes, surgiu a necessi- dade da suserania e vassalagem (relação de produção e defesa entre os senhores feudais) e a criação de mitos assombrosos que impediam as pessoas de se arriscarem nas florestas. O capitão Gancho Reinos bárbaros, sobretudo de origem Viking ou anglo- -saxônica, tinham a prática da pirataria. A revolta do príncipe “Encantado” Ao convocar os “vilões desprivilegiados” a lutar contra “Fiona e Shrek”, podemos relembrar as inúmeras revoltas ocasionadas pela disputa do trono, como a dos jacqueries, que significa “João ninguém” ou camponeses. As princesas a espera de seu príncipe Encantado A mística da bravura dos cavaleiros medievais e a necessi- dade de relação política entre os reinos propiciaram o surgi- mento do famoso enredo em que os príncipes enfrentam os perigos da floresta para salvarem a princesa. O príncipeArtie (o rei Arthur) Devido à tradição oral, não existem registros que comprovem objetivamente a existência do rei Arthur. Porém, a mística arturiana destaca entre suas versões a história de um jovem bretão que assume o trono com a ajuda de Merlin. Apesar de poder afirmar a existência de Arthur, a história é contada principalmente entre os séculos VII e XII, e as suas características condizem com o contexto medieval. Lembremo-nos da Guerra dos Cem Anos e da Revolução de Avis no século XIV, onde a disputa pelo trono era a tônica. Fonte: (DREAMWORKS, 2007) Assim, nesse quadro, é possível perceber várias características que permeiam o imaginário medieval. Os reinos distantes, a tradição oral, as relações entre nobres, as revoltas populares, o constante medo de conflitos e a valorização das tradições e das posses de terras são constan- temente percebidas nas “brincadeiras” que a série Shrek faz com outros contos tradicionais. Ao propormos tal reflexão, buscamos evidenciar a possibilidade de aprender características do mun- do medievo de desenhos ou filmes, fato que facilita a dinâmica de sala de aula. Ou seja, um es- tudioso/estudante do período medieval pode se valer das produções audiovisuais para lecionar e apresentar características da Idade Média ou do feudalismo ocidental de forma mais atrativa para seu alunado. diCA Assista ao filme Shrek Terceiro e, diante de seus conhecimentos prévios, faça a análise histórica do filme. 21 História - História Medieval I Referências BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). enciclopédia einaudi. Lis- boa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. v.5. BLOCH, Marc. Os Reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra. Júlia Mainardi (trad). 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. São Paulo: Saraiva, 2007. DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos: e outros episódios da História Cultural Fran- cesa. São Paulo: Graal, 1988. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Guerra Civil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida. São Paulo: Brasiliense, 1998. NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In: Fontes históricas. São Paulo: contexto, 2006. PERRY Anderson. Passagens da antiguidade ao feudalismo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. 296 p. 23 História - História Medieval I UnidAde 2 Os reinos e impérios medievais 2.1 Introdução Nesta unidade, o tema abordado será os reinos medievais, entre eles, os germanos, os esla- vos, os escandinavos, os árabes e outros. Ao discutir os reinos medievais, deve-se levar em consi- deração que o estudo permeará o declínio do mundo antigo e a transição do escravismo para o feudalismo. Nesse sentido, num primeiro momento, o nosso estudo será sobre os bárbaros, com ênfase nos francos e, num segundo momento, sobre os impérios árabe e bizantino com o objetivo de compreender esses povos e sua atuação no período medieval. 2.2 Concepções do termo “bárbaras” De acordo com o Dicionário Aurélio (2001, p: 88), bárbaro significa inculto, selvagem, bruto, grosseiro, com nível cultural inferior. Já civilizado é abordado como um estado de progresso e cultura social, com nível cultural superior (Ibid. p.157). Nessa veia, discutir esses conceitos, sobretudo o termo bárbaro, é fundamental para com- preensão desta unidade. De acordo com Guerras (1987), o termo bárbaro é uma herança grega. Segundo Heródoto, os gregos chamavam “bárbaros” aqueles que falavam uma língua diferente da sua. Essa era uma prática originária grega. Então, “bárbaro”, em grego, seria aquele que possuía uma língua incom- preensível, que não compartilhava nem os costumes dos helenos. A concepção adotada pelos romanos compreendia os “bárbaros” como os estrangeiros não assimilados, ou seja, OS OUTROS, dos quais era necessário se defender. 2.2.1 Construção da concepção de bárbaro De acordo com Guerras (1987, p. 7), durante o Renascimento, movimento cultural datado de 1350 a 1600, o termo bárbaro tinha sentido pejorativo, ou seja, significava inculto, selvagem, bruto e grosseiro. Essa significação era difundida no Renascimento para designar os povos que puseram fim ao Império Romano e iniciaram a “Idade das Trevas”. Os motivos que remetiam a esse significado consistiam na não aceitação do diferente. O es- trangeiro, entidade não coerente e possuidor de nível cultural inferior é antagônico: “nós – eles”. Os homens renascentistas viviam numa época de revalorização do mundo clássico, grego e romano, apogeu da cultura humana, e, por outro lado, consideravam a Idade Média revestida de caráter negativo, um período de barbárie, no qual a humanidade alcançou o estado mais baixo de cultura. Da mesma forma, a palavra invasão que acompanha os bárbaros, ou seja, “a invasão dos bárbaros” implicava uma ideia de violência e de choque militar. O Iluminismo e a ilustração no século XVIII reafirmam a postura do Renascimento. No século XIX, o Romantismo resgata a Idade Média. Por isso, os povos bárbaros passaram a ser o sopro de vitalidade frente à civilização decadente do Império Romano. Nesse novo quadro, a palavra “invasões” também foi trocada por “migrações”. Ou seja, o Império Romano não foi as- sassinado, mas morre de morte natural. diCA John Updiker, um romancista norte-ame- ricano do século XX, afirma que “Homens famintos são bons soldados”. A partir da discussão sobre os povos bárbaros, reflita sobre essa frase. diCA Procure se informar sobre quem foram os helenos. Faça essa pes- quisa em dicionários históricos, internet e em Perry Anderson no livro Passagem da anti- güidade ao feudalismo. 24 UAB/Unimontes - 3º Período No século XX, os bárbaros eram, até recentemente, estudados em função de sua relação antagônica com o Império Romano. Atualmente, os bárbaros são vistos em sua individualidade, portadores de uma cultura própria. 2.2.2 Os povos bárbaros Os povos denominados “bárbaros” são: • Germanos: ostrogodos, visigodos, francos, lombardos, anglos, saxões, alamanos, turíngios, suevos e vândalos; • Eslavos: russos, poloneses, thecos, eslovacos, ucranianos; • Tártaro-mongois: hunos, magiares, turcos e búlgaros. Assim sendo, depois dessa discussão, fica claro que o termo “bárbaro” não é o que a primeira impressão nos orienta a conceber: BÁRBAROS? 2.3 Os bárbaros Entre os povos bárbaros, o estudo será focado no reino carolíngio por causa da sua atuação no período medieval, que possibilita à Europa Ocidental uma nova configuração. 2.3.1 Império Carolíngio: Os Francos De acordo com Mello (1990), as tribos francas partiram de seu berço no Vale do Rio Reno e se expandiram pelo território romano no século IV e V. diCA Assista ao filme Átila, O Huno, dirigido por Dick Lowry, conta uma his- tória que gira em torno de Átila, relatando como foi a sua cami- nhada para tornar-se um dos maiores líderes da história. Com seus pais mortos no início do filme, ele é criado pelo seu tio, que já tem um sucessor para o trono. Como guerreiro, conseguiu impor medo até na gigante Roma, que, com sua crueldade e esperteza, vai tentar de tudo para não ser atacada pelos exércitos do guerreiro principal. diCA O termo BÁRBARO dá margem a muitos significados. Reflita um pouco, a partir das leituras e do estudo acerca desse termo, e veja como concebê-lo inserido no contexto da Idade Média. diCA Analise os mapas com atenção e cuidado para apreender melhor o as- sunto e poder localizar geograficamente onde todos esses aconteci- mentos ocorreram. Figura 17: Reino Franco Fonte: Disponível em www.historianet.com.br/ conteudo/default.aspx. Acesso em 23/11/2010 ► Figura 16: Os Reinos BárbarosFonte: Disponível em http://www.historianet. com.br/conteudo/default. aspx?codigo=79. Acesso em 23/11/2010 ► 25 História - História Medieval I Clóvis, rei franco, uniu as várias tribos e conquistou a maior parte da Gália. Em 496, Clóvis se converteu ao Cris- tianismo, sendo este acontecimento de grande significa- ção para a época e para o contexto histórico. Diferentemente de Clóvis, vários outros reis germâ- nicos haviam adotado o Cristianismo de Ário, bispo de Alexandria, que negava a divindade do Filho e do Espírito Santo e só aceitava o Pai como Deus verdadeiro. Confor- me previa o Concílio de Nicéia em 325, havia a Santíssima Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espírito Santo. Nesse sentido, ao adotar o Cristianismo romano, os francos tornaram-se aliados potenciais do papado. Com a morte de Clóvis em 511, as terras francas atra- vessam períodos difíceis como: • Reino dividido; • Governantes merovíngios – Meroveu, ancestral semi -lendário de Clóvis – empenharam-se em guerras fra- tricidas e assassinatos brutais; • Verdadeiro governante de cada reino franco era o Mordomo ou o Prefeito do Palácio, principal funcionário real; • Pepino II, um desses prefeitos, denominado de o Moço, dito de Heristal (687–714), triunfou sobre os prefeitos rivais e reunificou o reino franco. Assim, ocorre centralização do poder, e Pepino II torna-se o fundador da Dinastia Carolíngia, nome derivado de Carlos Magno, o maior dos Carolíngios. 2.3.2 Sucessores de Pepino II Os sucessores de Pepino II foram: • Carlos Martelo; • Pepino, o Breve; • Carlos Magno. Carlos Martelo foi sucessor de Pepino II, o pai, e ser- viu como Prefeito do Palácio de 717 a 741. Ele dominou a maior parte da Gália em 732, derrotou os exércitos muçul- manos em Tours. Dessa forma, os árabes, que haviam ocu- pado a Península Ibérica, tiveram barrado o seu avanço para o norte da Europa. Pepino, o breve, sucessor de Carlos Martelo, foi o primeiro rei e governou durante o período de 741 a 768. Ele depôs o último rei merovíngio, Childerico III. Foi apro- vado pelo papado e nobres, sendo coroado rei por Boni- fácio, bispo muito importante da época. Ao aprovar a as- censão real de Pepino, conforme Mello (1990), o papado esperava um aliado na sua luta contra os lombardos, que haviam conquistado grande parte da Itália no século VI e tinham ambições em relação ao território pontifício. Em 753, o papa Estevão II conversou com Pepino, que o rece- beu respeitosamente. Dessa forma, ele foi ungido como rei dos francos e solicitou proteção contra os lombardos. Então, Pepino invade a Itália, derrota os lombardos e en- trega ao Papa as terras conquistadas, tornando Estevão II governante do território entre Roma e Ravena, ou seja, os Estados Pontificais. Com a aquisição dessas terras, a Igreja torna-se a maior latifundiária na Europa ocidental. ◄ Figura 19: Pepino, o Breve Fonte: Disponível em oglo- bo.globo.com/.../ default. asp? a=497. Acesso em 23/11/2010 ◄ Figura 18: Clóvis, rei franco. Fonte: NÉMETH-TORRES, Geovani. Antigas Origens do “Direito Divino dos Reis”: Da Antiguidade Oriental à Ascensão do Cristianismo na Idade Mé- dia Européia. Disponível em www.causaimperial. org . b r /. . . / antigasori- gens. Html. Acesso em 23/11/2010 26 UAB/Unimontes - 3º Período 2.3.3 Carlos Magno Conforme Mello (1990), Carlos Magno, sucessor de Pepino, subiu ao trono em 768 e governou até 814. En- tre as obras e atitudes de Carlos Magno, podemos citar: • Continuou aliança entre os francos e o papado; • Continuou política carolíngia de ampliar o Reino; • Destruiu o reino dos lombardos, do qual se declarou rei; • Acrescentou a Baviera aos seus domínios; • Forçou os saxões a se submeterem e se converterem ao cristianismo; • Conquistou uma região da Espanha, a Estremadu- ra ou Marca Espanhola, que serviu de tampão entre os francos cristãos e os muçulmanos da Espanha. • Conforme Kosminsky [19--], Carlos Magno teve difi- culdades em governar o território pelos seguintes mo- tivos: • O território era grande demais, tornando-se um obs- táculo insuperável; • A estrutura administrativa era carente de pessoal trei- nado, primitiva pelos padrões islâmicos, bizantinos e ro- manos. Por causa dessas dificuldades, a forma encontrada por Carlos Magno para governar foi dividir o Império em cerca de 250 condados administrados pelos condes. Os condes eram nobres que deviam fidelidade pessoal ao governante e serviam de generais, juízes e adminis- tradores, colocando em prática as decisões do rei. Para supervisionar os condes e os condados, Carlos Magno criou os mensageiros reais, dois leigos e um bispo ou abade, que faziam viagens anuais a diferentes conda- dos. De acordo com o autor, no Natal de 800, em Roma, o Papa Leão coroou Carlos Magno Imperador dos Ro- manos. Essa iniciativa, conforme Mello (1990), provavel- mente, partiu do papado, e não de Carlos Magno. En- fim, essa coroação significava: • Sobrevivência da tradição de um império mundial, apesar da derrota do Império Romano do Ocidente tre- zentos anos antes; • Como foi o Papa quem coroou Carlos Magno, o imperador tinha uma responsabilidade espi- ritual de disseminar e defender a fé; • Fusão do universalismo romano com o universalismo cristão; • Fusão de elementos germânicos cristãos e romanos. Essa é uma característica essencial da civilização medieval; • Fusão de tradições evidentes no plano cultural, pois Carlos Magno, um rei guerreiro, mos- trou respeito pelo conhecimento clássico, pelo Cristianismo e pelas tradições não germâni- cas. Porém, o Império Franco é fraco, consistindo apenas numa sombra do Império Romano. O Império Franco não tem a estrutura e muito menos a dimensão territorial do Império Romano. Mas por que isso ocorre? Os motivos são os seguintes: • Os francos não tinham o direito romano nem as legiões romanas; • Não havia cidades que fossem centros da atividade econômica e cultural; • Os funcionários não eram servidores civis treinados nem tinham uma visão do mundo, mas sim chefes guerreiros sem preparo e com uma visão tribal. Mas, mesmo assim, o Império de Carlos Magno representava a ideia de um império cristão universal, ideia que perdurou por toda a Idade Média. Figura 20: Carlos Magno Fonte: Disponível em http://ogatoqueco- meorato.blogspot. com/2009/06/carlos- -magno.html. Acesso em 23/11/2010 ► Figura 21: Coroação de Carlos Magno Fonte: Disponível em atanasiano.blogspot. com/2009_05_01_ar- chive.html. Acesso em 23/11/2010 ▼ 27 História - História Medieval I 2.3.4 O renascimento carolíngio De acordo com Mello (1990) e Mendonça (1985), Carlos Magno considerou que era seu dever religioso elevar o nível educacional do clero, para que este com- preendesse e pudesse ensinar devidamente a fé cristã. Para que isso pudesse acontecer, era necessário: • Superar o analfabetismo ou semianalfabetismo dos padres; • Preparar escrituras sagradas com um texto unifor- me, completo e livre de erros. Carlos Magno também estimulou a educação, a fim de formar administradores capazes de supervisio- nar seus reinos e suas propriedades reais. Para que isso pudesse acontecer, era necessário alfabetizar esses ho- mens. Nesse sentido, para alcançar esses objetivos, • era preciso reunir alguns dos melhores eruditos da Europa. Entre eles, foi selecionado Alcuíno de Nor- túmbria da Inglaterra. Ele era encarregado da Aca- demia Palatina, frequentada pelo próprio Carlos Magno e sua família, pelos grandes nobres e jovens que estavam sendo treinados para servir o imperador. Alcuíno recebeu a tarefa de preparar o texto definitivo da bíblia, a partir de várias versões em uso. Seu trabalho foi aceito com al- gumas modificações como a versão oficial do Livro Santo durante todaa Idade Média; • sabendo-se que o enfoque do renascimento carolíngio era predominantemente cristão, era preciso melhorar o entendimento da bíblia e dos escritos dos pais da Igreja, bem como o nível de conhecimento, aprimorando-o e aperfeiçoando o estilo latino. Os copistas monásti- cos preservaram textos antigos que, sem isso, poderiam não ter sobrevivido. Os manuscritos mais velhos de muitas obras da antiguidade são cópias carolíngias. Os eruditos da época contribuíram para fertilizar o florescimento cultural conhecido como o “despertar do século XII”, ou seja, o ponto alto da civilização medieval. Porém, comparado ao pas- sado greco-romano ou à explosão dos séculos XII e XIII, o grande renascimento carolíngio parece insignificante porque: • Não recapturou o espírito da Grécia e de Roma, embora redescobrisse e revivesse obras an- tigas; • Os eruditos carolíngios não se dedicaram à especulação filosófica independente ou à busca de conhecimentos novos nem realizaram aquela síntese da fé e da razão que seria o apaná- gio dos grandes teólogos dos séculos XII e XIII; • Não se pode esquecer da pobreza cultural que predominou antes da era de Carlos Magno; • O renascimento carolíngio inverteu o processo de decadência cultural que havia caracteriza- do grande parte da Alta Idade Média; • O conhecimento voltaria ao nível de declínio registrado nos séculos seguintes à queda de Roma. Enfim, o renascimento carolíngio deixou legados. Entre eles, é interessante ressaltar que, na era de Carlos Magno, deitou raízes uma civilização europeia característica, que fundiu o legado romano. De um império mundial à realização intelectual do espírito greco-romano, à preocupa- ção cristã com o outro mundo e os costumes dos povos germânicos. Essa nascente civilização europeia diferia das civilizações bizantinas e islâmicas, e os europeus estavam se tornando cons- cientes dessa diferença. Mas vale lembrar que a nova civilização estava a séculos de distância de sua frutificação. O Império Carolíngio defendeu, também, o ideal da unificação dos povos da cristandade la- tina numa comunidade cristã, sob um só governo inspirado a muitos (tanto clérigos como lei- gos), o ideal do Estado Mundial Cristão. A cristandade atingiria o seu ponto culminante nos sé- culos XI e XII. Mas, ante a grande diversidade dos povos europeus e o aparecimento de Estados separados e rivais, esse ideal de unificação perderia a sua atração nos séculos XIV e XV. ▲ Figura 22: Renascimento Carolíngio Fonte: Disponível em deedellaterra.blogspot. com/2009_04_01_archive. Acesso em 23/11/2010 diCA Procure se informar mais sobre: MUÇUL- MANOS; NÓRDICOS; MAGIARES. 28 UAB/Unimontes - 3º Período 2.3.5 A fragmentação do Império de Carlos Magno Após a morte de Carlos Magno em 814, conforme Mello (1990), seu filho Luís, o Piedoso, herdou o trono. Ele pretendia preservar o Império, mas a tarefa era praticamente impossível pe- los seguintes motivos: • O vigor do Império dependera mais das qualidades pessoais de Carlos Magno do que de qualquer base política ou econômica firme; • O Império era grande demais e constituído de povos demais para ser governado com efi- ciência; • Os nobres francos buscam aumentar seu poder às expensas do Imperador; • Luís teve de enfrentar seus próprios filhos rebelados. Com a morte de Luís em 840, o Império foi dividido entre seus três filhos, ocorrendo o enfra- quecimento da autoridade central. Os grandes latifundiários passaram a exercer um poder cada vez maior em suas próprias regiões, bem como as invasões simultâneas procedentes de todas as direções estimularam ainda mais esse movimento do localismo e descentralização. Além disso, nos séculos IX e X, a Europa Ocidental e a Central foram atacadas pelos muçul- manos, nórdicos e magiares. Esses invasores queriam escravos, joias e metais preciosos entesourados nos mosteiros. Então, saquea- ram, destruíram e assassinaram: aldeias foram devastadas, portos destruídos, população foi dizimada, e o comércio parou. As moedas dei- xaram de circular, e as fazendas foram trans- formadas em desertos. A economia entrou em colapso. Assim sendo, a autoridade real desapare- ceu. Os ataques intensificaram a insegurança política e aceleraram o processo de descentra- lização iniciado com o declínio de Roma. Os condes passaram a considerar como proprieda- de sua a terra que administravam e defendiam para o rei. Os habitantes de um distrito ou con- dado consideravam o conde ou o senhor local como o governante, pois seus homens e suas fortalezas os protegiam. Nessas regiões, os no- bres exerciam o poder público que antes fora prerrogativa dos reis, e essa nova estrutura so- cial iria receber o nome de FEUDALISMO. A vida cultural e o conhecimento fenece- ram. E, quando os grandes senhores não con- seguiam proteger os seus territórios contra os condes vizinhos ou os invasores, o poder polí- tico fragmentava-se ainda mais. Os nobres lo- cais assumiam a autoridade de conde em suas áreas e, assim, em muitas regiões, A CASTELA- NIA, área sobre a qual o castelo tinha jurisdição, ao redor de seu castelo, tornou-se a unidade política em lugar do condado. O senhor local exercia autoridade suprema, em quem o povo bus- cava proteção e justiça. Concluindo, a Europa ingressa na era do FEUDALISMO, cuja unidade de governo não é o REI- NO, mas um CONDADO ou uma CASTELANIA, e o poder político é propriedade dos SENHORES LOCAIS. 2.4 Império Bizantino De acordo com Burns (1981), o século VII constituiu um novo período da história das civili- zações, ficando claro que não haveria um único império que englobasse todos os territórios vizi- nhos ao Mediterrâneo. Mas são apresentadas três civilizações sucessoras: diCA Assista ao filme Átila. Filme italiano de 1953, produzido por italianos e franceses e dirigido por Pietro Francisci, o qual reproduz histórias das guerras entre roma- nos e hunos. Átila, o rei dos hunos, foi um dos chefes guerreiros mais temidos entre todos os que combateram Roma. Esse filme conta como Átila cercou a cidade, sem invadi-la. ▲ Figura 23: Condado Carolíngio Fonte: Disponível em br.geocities.com/fcpe- dro/fragmentacao_po- der.html. Acesso em 23/11/2010 29 História - História Medieval I a) Civilização islâmica De origem semita (hebreus, árabes e etíopes), com descendentes de Ismael, filho de Abraão e Agar, tendo o idealismo de uma nova dinâmica de religião. b) Civilização Cristã Ocidental Retardatária, pois apresentava economia menos avançada, bem como deficiências no go- verno e na religião, tendo como base unificadora o Cristianismo e a língua latina. c) Civilização Bizantina A decadência do Império Romano do Ocidente deu origem ao Império Romano do Oriente, cuja divisão foi determinada por Teodósio no século IV. É formada por Egito, Grécia, Síria-Palesti- na, Mesopotâmia e Ásia Menor. A língua predominante é o grego. Gibbon, de acordo com Burns (1981), menosprezava a Civilização Bizantina, a qual hoje é vista com mais interesse. O Império Bizantino apresenta as seguintes características: • Não é inovador; • Viveu sob ameaças externas e debilidades internas; • Sobreviveu por um milênio; • Prosperou e influenciou o mundo ao seu redor; • Preservou o pensamento grego antigo; • Criou obras de arte e levou a cultura a povos pagãos (eslavos). É impossível fixar uma data precisa para o começo da Civilização Bizantina, pois constituiu o sucessor ao Estado Romano. As datas variam de um historiador para outro. Quando do Império Romano unificado, as características bizantinas já haviam emergido na his- tória romana com Dioclesiano (284– 305). É Constantino quem muda a capital Roma para Constantinopla, tor- nando-a o centro do mundo bizantino durante o seu governo no período de 306 a 337.Justiniano (527–565), impera- dor oriental, considerou-se herdeiro de Augusto e lutou para reconquis- tar o Ocidente. Ocorrerá, então, a cristalização do novo modo de viver. Heráclio ascende ao poder em 610. Sua dinastia é oriunda do Oriente. Ele falava grego e seguiu a política oriental no Ocidente. 2.4.1 Reinado de Heráclio De acordo com Burns (1981), Heráclio governou de 610 a 642. Du- rante o período de 610 a 1071, prevalecerá a história política e militar com a característica de resistência às invasões vindas do Oriente. No período em que Heráclio está no trono, a existência do Império Bizantino é ameaçada pelos persas. Porém, há uma inversão da situação, reduzindo a Pérsia a um estado vassalo. Heráclio governa até 641 em gló- ria, mas, em 650, os árabes avançaram com rapidez e submeteram maior parte dos territórios bizantinos ao poder deles. Em 677, os árabes tentam conquistar Constantinopla, mas fracassam. Em 717, novamente, os ára- bes tentam atacar assinalando um novo ponto baixo na fortuna do Impé- rio. Porém, essa ameaça é neutralizada pelo Imperador Leão, o Isauriano (717–741). Esse fato é importante porque permitiu ao Império Bizantino durar mais alguns séculos, assim com ajudou a salvar o Ocidente. Decênios seguintes, os bizantinos reconquistam a maior parte da Ásia Menor e tornam a tomar dos árabes a maior parte da Síria. No sé- culo XI, os turcos seljúcidas aniquilam os bizantinos em Manzikert (Ásia Menor), ocupando as províncias restantes do Oriente. ◄ Figura 24: Conquista de Justiniano Fonte: Disponível em www.historianet.com.br/ conteudo/default.aspx . Acesso em 23/11/2010 Figura 25: Heráclio I Fonte: Disponível em maltez.info/.../500- 999/610-19.htm. Acesso em 23/11/2010 ▼ 30 UAB/Unimontes - 3º Período 2.4.2 Fim do Império Bizantino Após Manzikert, o Império Bizantino conseguiu sobreviver pelos seguintes motivos: a) 1071 a 1453: Ocorre a ascensão da Europa ocidental. Os normandos expulsam bizantinos dos últimos redutos no sul da Itália. b) 1095: O imperador bizantino, Aleixo Comneno, pede ajuda ao Ocidente contra os turcos. Essa atitude constitui um erro, pois esse apelo inspira as Cruzadas, uma das causas da queda do Império Bizantino. O que se verifica é que, na primeira cruzada, os ocidentais ajudam os bizantinos e recuperam a Ásia Menor, mas se apoderam da Síria, território bi- zantino. Com o tempo, crescem os atritos com os ocidentais, cujo poderio militar é supe- rior, e voltam os olhos para Constantinopla. c) 1204: Os cruzados, em vez de conquistarem Jerusalém, preferem Constantinopla e aca- bam saqueando-a. O governo bizantino debilitado sobrevive nas proximidades. d) 1261: O governo volta a Constantinopla, mas sua existência é minguada. e) 1453: Os turcos otomanos tomam Constantinopla. Até os dias de hoje a dominam. Hoje é Istambul. 2.4.3 Fatores de estabilidade do Império Bizantino Os fatores que provocam a estabilidade do Império Bizantino são: a) Ocasionais governantes capazes O Estado Bizantino sobrevive por muitos séculos, apesar de forças hostis diferentes. Cons- tata-se que a política interna é bastante tumultuada. Os governantes bizantinos tinham poderes absolutos. A oposição ocorria somente por intriga e violência, que constituíam as revoltas pala- cianas. Surgiam governantes habilíssimos que detinham poderes totais e eficientes, assim como contavam com uma máquina burocrática eficaz. b) Administração burocrática eficiente Os bizantinos contam com mão de obra para a burocracia porque preservaram e estimula- ram a educação do laicato, que era fundamento da atuação do governo diferente do Ocidente de 600 a 1200, cujos leigos não eram alfabetizados. Os burocratas supervisionavam a educação reli- giosa, sobretudo a observância dos sábados. Também controlavam atividades econômicas, como regular preços e salários, controlar exportações, regular o exército e a marinha, os tribunais e o serviço diplomático. diCA Procure saber mais sobre os povos persas desse período. Pesquise na biblioteca e na inter- net. Veja acerca desse assunto em: GUER- RAS,1995. 86p. (Série princípios 126). Figura 26: Fim do Império Bizantino. Invasões Fonte: Disponível em: www.trasosmontes. com/forum/ viewtopic. php?t=31. Acesso em 23/11/2010 ► 31 História - História Medieval I c) Base econômica firme As cidades e o comércio continuavam a florescer no Oriente, diferentemente do Ocidente, onde o comércio era realizado a longa distância, e as cidades quase estavam desaparecidas. Constantinopla significava nesse momento: • Empório comercial; • Incentivo e proteção para suas indús- trias; • Estabilidade para cunhagem de ouro e prata; • Os centros urbanos do Império consis- tiam em: Constantinopla (1 milhão de habitantes), Antioquia, Tessalônica e Trebizonda. 2.4.4 Significado da história agrícola Bizantina A agricultura era a base da economia bizantina. Porém, apresenta uma história de luta: pe- quenos camponeses versus grandes proprietários de aristocracias e mosteiros ricos. Até o século XI, o campesinato era livre e sobrevive, mas, com a legislação estatal, os resultados são danosos. Os camponeses não se interessam em resistir aos inimigos. A derrota de Manzikert colaborou na destruição do campesinato livre e possibilitou o do- mínio estrangeiro no comércio bizantino, como de Veneza e de Gênova, entrepostos comerciais, ainda com privilégios dentro dos territórios bizantinos depois de 1204. A riqueza estava canali- zada para o exterior. O Império estava destruído por dentro (venezianos) e avassalado por fora (turcos). 2.4.5 Religião Conforme Burns (1981) e Roncinman (1961), a religião era o centro da sobrevivência bizan- tina. Os bizantinos brigam por obscuras questões religiosas. Os litígios religiosos eram agrava- dos pelo fato de os imperadores tomarem parte ativa, pois eles exerciam poder na vida da Igreja. Eram considerados “semelhantes a Deus”. Porém, os imperadores não podiam obrigar os súditos a acreditar naquilo que eles criam. A paz religiosa era um refinamento de fórmulas doutrinárias no século VIII, mas destroçada pelas controvérsias iconoclastas. diCA As descobertas arqueo- lógicas aproximam o passado do presente e vice-versa. Reflita acerca das questões suscitadas a partir da figura 28. ◄ Figura 28: Igreja construída durante o Império Bizantino, Israel. Fonte: Disponível em www.jornalalef.com. br/15_03_09.htm. Acesso em 23/11/2010 diCA A figura 28 retrata uma Igreja construída du- rante o Império Bizan- tino, entre os séculos VI e VII d.C., descoberta em uma obra para construção de casas em Nes Harim, a 20 km de Jerusalém, Israel. ◄ Figura 27: Bandeira bizantina do século XIII Fonte: Disponível em http://www.portalsao- francisco.com.br/alfa/ imperio-bizantino/ imperio-bizantino-4.php. Acesso em 23/11/2010 32 UAB/Unimontes - 3º Período Os iconoclastas desejam proibir o culto dos ícones. Esse movimento foi iniciado pelo Impe- rador Leão, o Isaurino, e mantido por seu filho Constantino V (740 -775). As motivações que levaram a essa questão foram: a) Pontos teológicos: • Sabor de paganismo; • Nada produzido por mãos humanas devia ser adorado; • Proibição do culto de imagens esculpidas nos dez mandamentos; • Como Leão, o Isaurino, salvou Constantinopla do Islã, para os muçulmanos, que alegavam ser as imagens “obras de satã”, essa seria uma resposta às principais críticas do Islã ao cristia- nismo. b) Pontos financeiros e políticos: • Movimento religioso novo: os imperadores podem reafirmar controle sobre a Igreja e com- bater força crescente dos mosteiros; • Os mosteiros defendem a causa e as imagens. Constantino V persegue os mosteiros e se apropria de suas riquezas. • A questão iconoclasta é resolvidano século IX, tendo, entre as suas consequências, as se- guintes: • Destruição, por ordens imperais, de objetos de arte religiosa. As imagens que sobreviveram provêm da Itália e da Palestina, estando fora do alcance dos imperadores iconoclastas; • Cisma religioso entre o Ocidente e Oriente. O Papa, até o século VIII, era aliado dos bizan- tinos e não aceitava o iconoclasmo. Ele não aceitava e questionava os iconoclastas porque considerava o culto dos santos, bem como as pretensões de primazia papal, baseadas na suposta descendência de São Pedro. Logo, os papas do século VIII combatem o iconoclasmo bizantino e se voltam para os reis francos em busca de apoio. Isso agrava as relações do Oci- dente e Oriente; • Reafirmação da tradição. As experiências com questões religiosas servem para ritualizar a tradição. Essa atitude deu força à religião bizantina para pôr fim na controvérsia e na heresia, ganhando novos fiéis nos séculos IX e X, bem como inibiu a livre especulação, não só em religião, mas em assuntos intelectuais; • Triunfo da piedade contemplativa bizantina. Os ícones não serviam para ser adorados, mas para levar à morte e à contemplação do mate- rial ao imaterial. 2.4.6 A herança de Bizâncio Entre os legados do Império Bizantino, podemos citar, de acordo com Burns (1981) e Roncinman (1961): • O Império Bizantino atuou como uma mura- lha contra o Islã do século VII ao XI, ajudando a preservar a independência do Ocidente. Se não houvesse os bizantinos, que, na época, eram prósperos e defendiam a Europa, é bem pro- vável que a Civilização Cristã Ocidental tivesse sido liquidada; • Os bizantinos ajudaram a preservar o conhe- cimento grego clássico. O Renascimento teve constância no contato Oriente e Ocidente; • A arte bizantina exerceu influência sobre a arte da Europa ocidental. Podemos citar como exemplo a Basílica de São Marcos em Veneza, estátuas, pinturas e esculturas e a existência de trabalhos como de Giotto e El Greco, pintores ocidentais. diCA Converse com os colegas, amigos, pais e parentes sobre o que é um império. Como eles veem os impérios?De quantos impérios a história nos conta? Dis- cuta sobre a ascensão e queda desses impérios. Qual o maior império dos dias atuais? Como eles se comportam? Figura 29: Pinturas em painel portátil com a imagem de Cristo. Fonte: Disponível em www.patyeregina-arte- bizantina.blogspot.com. Acesso em 23/11/2010 ▼ 33 História - História Medieval I 2.5 Os Árabes De acordo com Burns (1981), o Islã é consi- derado um fenômeno. Seu ponto de origem é a vida de Maomé no século VII. A religião de Maomé representa força ponderável no mundo moderno. Os cren- tes do Islã são conhecidos como muçulmanos ou maometanos. Nesse contexto, os muçulmanos abraçam a mesma religião e o mesmo modo de viver. O Islã exige dos fiéis certas formas de culto, assim como um conjunto de normas sociais e cultu- rais, possuindo a experiência em construir uma sociedade no âmbito mundial. Sua base é a sua identidade que demanda requisitos religiosos e um código de existência cotidiana. Tudo isso na prática tem êxito garantido durante séculos, assim como apresenta características diversas de tempo e lugar, porém sempre com sentido de comunidade, independentemente de quais- quer raças, línguas e localizações geográficas. O Islã tem influência na história da África, da India, da Europa e da Ásia ocidental. 2.5.1 As condições na Arábia antes da ascensão do Islã Conforme Burns (1981), o Islã foi propa- gado para muitas terras. Nasceu na Arábia, pe- nínsula de desertos, cujos vizinhos dominantes – romanos e persas – não se interessavam em estender seu controle sobre esse território. Os árabes têm a sua história vinculada ao espaço da Península Arábica, onde primordial- mente se fixaram em uma região tomada por vários desertos que dificultavam a criação de povos sedentarizados. Por isso percebemos que, no início de sua trajetória, os árabes eram povos de feição nômade que se intercalavam entre as regiões desérticas e os valiosos oásis presentes ao longo desse território. Assim, os árabes, na sua maioria, eram pastores nômades de camelos. Viviam do leite de seus animais e produtos, como as tâmaras, encontradas nos oásis. Havia, também, os ára- bes sedentários, embora em menor quantida- de, que viviam nos oásis e em cidades. Conhecidos como beduínos, essa parcela do povo árabe era conhecida pela sua religião politeísta e a criação de animais. A realidade dos beduínos era bem diferente da que poderia ser vista nas porções litorâneas da Península Arábica. Nesse outro lado da Arábia, havia centros ur- banos e a consolidação de uma economia agrícola mais complexa. Entre as cidades da região, destacava-se Meca, grande centro comercial e religioso dos árabes. Na segunda metade do século VI, ocorre o aceleramento da vida econômica da Arábia. Os motivos pelos quais ocorre esse aceleramento econômico são: ◄ Figura 30: Arquitetura. Igreja de Santa Sofia Fonte: Disponível em patyeregina-artebizanti- na.blogspot.com/. Acesso em 23/11/10 Figura 31: Arábia Fonte: Disponível em http://html.rincondelvago. com/germanos-bizanti- nos-arabes.html. Acesso em 23/11/2010 ▼ 34 UAB/Unimontes - 3º Período • Modificação das rotas do comércio a longa distância; • Prolongadas guerras. As guerras entre bizantinos e persas tornaram a Arábia um caminho mais seguro para o trânsito das caravanas; • Algumas cidades acabaram crescendo para dirigir e tirar proveito do desenvolvimento comercial; • A cidade de Meca, situada na junção de importantes rotas comerciais, sendo o centro da religião local, tornou- se importante. Em Meca ficava a Caaba, ou seja, o santuá- rio de peregrinação. Ela era o centro de romarias de clãs e tribos árabes diferentes e, no seu interior, ficava a Pedra Negra, meteorito cultuado como relíquia divina; • Havia a tribo de Qoreish, os coraixitas, homens que controlavam o santuário e a vida econômica da área de Meca, bem como era a aristocracia de mercadores e ne- gociantes que proporcionaram à área o pouco de governo que conhecia. 2.5.2 Maomé De acordo com Burns (1981) e Giordani (1985), Maomé é o fundador do Islã. Nasceu em Meca e pertencia a uma família da Tribo Qoreish, por volta de 570. Ele foi órfão desde peque- no. Colocou-se a serviço de uma viúva rica que o desposou, obtendo segurança financeira. Até a meia idade era um próspero mercador e de conduta similar aos seus conterrâneos. Em 610, uma experiência religiosa muda sua vida e de boa parte do mundo. Maomé se con- verte e se torna monoteísta. Ele escuta uma voz do céu lhe dizer: “Único Deus: Alá”. Maomé continua recebendo mensagens que se tor- nam a base da nova religião. Aceita a vocação de profeta para proclamar a fé monoteísta aos Qoreish. Os árabes eram, na sua maioria, poli- teístas, mas admitiam a superioridade de um Deus – Alá. De início, Maomé não tem grande êxito em fazer prosélitos, porque os membros da Tribo acreditavam que a criação de uma nova religião haveria de privar Caaba e, con- sequentemente, Meca de seu ponto central na religião do lugar. Contudo, Yathrib (Medina) não nutria tais preocupações e os represen- tantes do lugar convidaram Maomé para emi- grar para lá, pois ele seria o árbitro neutro de rivalidades locais. Em 622, Maomé e seus seguidores mi- gram para Yathrib. Essa migração é denomi- nada de HÉGIRA, assinalando o começo da mudança positiva na sorte de Maomé e dos muçulmanos. É o início de uma nova era. 2.5.3 Consolidação da religião de Maomé Conforme Burns (1981) e Giordani (1985), Maomé muda o nome de Yathrib para Medina, que significa a “Cidade do Profeta”, e se torna governante da cidade. Tudo isso tem um grande significado para a história, pois
Compartilhar