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RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
Claudia Amorim
Marcos Dias de Araújo 
Mariana Paladino
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS
48955
www.iesde.com.br
www.iesde.com.br
IESDE BRASIL S/A
2017
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
© 2010 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização 
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________
A543r
Amorim, Cláudia
Relações étnico-raciais / Claudia Amorim, Marcos Dias de Araújo, Mariana Paladino. 
- 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE BRASIL S/A, 2016.
160 p. : il. ; 21 cm.
ISBN 978-85-387-6212-6
1. Negros - Brasil. 2. Índios do Brasil - Trato. 3. Conscientização. 4. Preconceitos. 5. 
Racismo. I. Araújo, Marcos Dias de. II. Paladino, Mariana. III. Título.
16-34686 CDD: 370.981
 CDU: 37(81)
________________________________________________________________________
Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (UERJ). Mestre em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de 
Janeiro (UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em 
Letras Português – Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRJ.
Claudia Amorim
Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Gradua-
do em História pela UFPR. Professor de História do Brasil, Relações Internacionais 
e História da Arte em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Em 2009 coorgani-
zou o livro Relações internacionais: uma abordagem multidisciplinar. 
Marcos Dias de Araújo
Doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia 
Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/UFRJ). 
Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFRJ. Graduada em Antropologia 
pela Universidad Nacional de La Plata, Argentina.
Mariana Paladino
Sumário
Conceitos de raça, etnia e 
identidade cultural e nacional ................................................9
Raça ...................................................................................................................................................9
Etnia ............................................................................................................................................... 14
Identidade nacional e múltiplas identidades .................................................................. 17
A identidade nacional brasileira .......................................................................................... 23
A África lusófona: um pouco de história .......................... 33
Breve panorama 
histórico da África lusófona ................................................................................................... 34
A colonização das ilhas 
do Atlântico e da Costa Africana .......................................................................................... 36
O Império Colonial Português 
nas ilhas e nas terras africanas .............................................................................................. 36
A independência dos 
cinco países africanos lusófonos ......................................................................................... 38
África lusófona e Brasil: laços e letras ................................ 51
Os africanos no Brasil: 
um pouco de história ............................................................................................................... 51
Estudos afro-brasileiros na contemporaneidade .......................................................... 64
História e historiografia indígena ....................................... 75
O sistema colonial e missionário (1549-1755) ................................................................ 76
O Diretório dos Índios e o retorno 
da ação missionária (1755-1910) ........................................................................................ 82
O Regime tutelar (1910-1988) ............................................................................................. 84
As imagens sobre os índios 
nos séculos XVIII, XIX e XX ...................................................................................................... 88
Visões indígenas do contato ................................................................................................. 89
Situação contemporânea dos povos indígenas ............ 97
Quem são e quantos são os 
povos indígenas hoje no Brasil ............................................................................................ 97
Diversidade linguística e cultural ......................................................................................102
Formas de organização social e parentesco ..................................................................106
Economias indígenas .............................................................................................................107
Religiões indígenas .................................................................................................................108
Políticas de ações afirmativas, 
políticas curriculares e currículo .......................................117
As questões demográficas e raciais do Brasil ................................................................117
Ações afirmativas no mundo ..............................................................................................124
Ações afirmativas no Brasil ..................................................................................................126
Políticas curriculares ...............................................................................................................129
Currículo .....................................................................................................................................134
Gabarito .....................................................................................145
Referências ................................................................................151
Apresentação
Você vai ler agora um material sobre as relações étnico-raciais. Esse tema deve 
ser abordado de maneira direita e ampla, pois se trata de um assunto de suma im-
portância na formação dos profissionais e estudiosos brasileiros. Enseja questões 
sobre nossa formação e população, passando por seus problemas e suas heranças 
positivas e negativas de relações marcadas pelo equívoco, pela violência, pela sub-
missão e pela revolta, mas também visando à construção de um país mais equilibra-
do, justo e igualitário. 
A problematização desse tema envolve questões de educação, oportunidades, 
mercado de trabalho e identidade social. Seu conceito e sua evolução são os temas 
centrais deste material.
Marcos Araújo
Neste capítulo inicial, vamos refletir sobre os conceitos de raça, etnia e 
identidade nacional. O objetivo é discutir o surgimento e a evolução das 
ideias sobre o tema até o momento atual. Daremos atenção especial à apli-
cação dos conceitos no Brasil e sua variedade de sentidos contemporâneos.
Raça
A pura observação da diversidade entre seres humanos sempre intri-
gou o homem que, ao mesmo tempo em que via traços comuns de huma-
nidade, apontava diferenças consideradas insuperáveis para o pertenci-
mento social: cor da pele, índole, práticas sociais, textura e cor de cabelos, 
concepção de mundo, inteligência e força. Muitas vezes, a classificação 
dos homens se dava, no mundo antigo, por obediência política, religião, 
local de nascimento, tribo, raça ou nação. 
Havia em quase todas as culturas um senso de superioridade em re-
lação às outras. Os diversos hábitos sociais eram considerados bizarros, 
inumanos, e acultura daqueles que não eram do grupo era considera-
da subalterna. Os gregos, por exemplo, achavam que todos os povos não 
gregos eram bárbaros e inferiores; se não o fossem em poderio militar, o 
seriam em índole e cultura. 
Nos séculos seguintes à derrocada do mundo antigo, a emergência das 
religiões universalistas como o cristianismo e o islamismo adicionou um 
elemento de identidade e separação pela religião que guiou as disputas 
pela Península Ibérica, pela África e pelas áreas dos otomanos, no Leste 
do Mediterrâneo. Porém, com o crescimento da sociedade europeia para 
regiões da África e da Ásia, bem como seu domínio sobre a América, a con-
cepção de uma humanidade mais diversa começou a intrigar os homens. 
Os europeus se achavam mais inteligentes e justos por terem sua reli-
gião católica e se viam como superiores aos demais. O contato com povos 
Conceitos de raça, etnia e 
identidade cultural e nacional
10
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
diversos colocou as verdades europeias em cheque. Com a dominação gradual 
sobre portos africanos e a colonização da América, a Europa criou as bases de 
uma sociedade econômica em crescimento constante. Ao mesmo tempo, a es-
cravidão africana e indígena precisava de uma justificativa moral que advinha 
da religião (os negros e índios seriam descendentes de Cam, filho amaldiçoado 
de Noé) e a própria condição de escravo colocava esse homem europeu como 
superior aos cativos.
Entre alguns homens sensatos, algumas dúvidas foram plantadas. Montaigne 
(1533-1592), que estudou o canibalismo de nossos índios tupinambás, esclare-
ceu que mais chocante do que pensar que humanos devoram humanos, seria 
pensar que cristãos matam cristãos em lutas entre católicos e protestantes, que 
atearam fogo na Europa da época. Montaigne observou que “cada qual consi-
dera bárbaro o que não se pratica em sua terra” (BRASÃO, 2013). No entanto, de 
forma geral a sociedade aristocrática do Antigo Regime manteve um discurso de 
superioridade de sua cultura. Algo que a sociedade burguesa só ressaltaria mais. 
No século XVII, o filósofo François Bernier tentou pela primeira vez classi-
ficar as pessoas por ratio, termo latino que designa descendência, espécie ou 
categoria. O avanço da ciência e a busca por classificações foram vitais para a 
disseminação da noção de raça moderna. Carl Linneauhs (Carlos Lineu), um bo-
tânico sueco, desenvolveu o sistema binominal de classificação dos espécimes 
(por exemplo, o gato é Felis catus). Lineu também classificou os humanos, em 
1775, segundo raças e mantendo uma visão fortemente preconcebida dos tipos 
humanos unindo características físicas de cor de pele com marcas de índole: 
 � americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento, 
subjugável);
 � europeu (Homo sapiens europaeus: branco, sério, forte);
 � asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso);
 � africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso). (NORMANDO; 
PALOMARES; QUINTÃO; SANTOS, 2010)
Essa classificação serviu de base àqueles que vieram depois, no século XIX, e 
seguiam a linha de Lineu. Depois dele, J. F. Blumenbach, em 1795, estipulou que a 
humanidade estaria dividida em tipos físicos mais ou menos gerais como cauca-
siano, mongol, etíope, americano e malaio. Durante o século XIX, essa teoria justi-
ficou uma visão racialista da humanidade, ou seja, de que existiam grandes dife-
renças entre os tipos humanos e que havia uma relação entre tipo físico e cultura. 
Dessa forma, o pensamento científico do século XIX reforçou a doutrina da 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
11
superioridade europeia, adotando práticas matemáticas – medição de crânios, 
narizes, altura etc. – com discursos eurocêntricos, segundo os quais a inteligên-
cia e a índole dos europeus seriam superiores às dos asiáticos, africanos, oceâ-
nicos e ameríndios. Histórias como a de Tarzan, a qual conta como um menino 
branco perdido era superior aos animais da África e se tornava rei deles (o 
homem branco controla tudo, inclusive a natureza), foram repetidas de diversas 
formas e com variantes. 
Esse conceito da superioridade da raça branca não deixou de ser visto como 
uma resposta à questão da igualdade iluminista, proposta ao mesmo tempo. 
Enquanto o conceito iluminista de cidadão engloba, em tese, todos os nascidos 
na pátria, independente de classe e posição social, o conceito de raça aposta 
numa desigualdade intrínseca ao homem, que separa os seres humanos de uma 
mesma nação. Tanto é assim que a teoria racialista ganhou terreno não só na 
ciência europeia, mas também na norte americana e na jovem ciência brasileira. 
Nomes de cientistas brasileiros como Mena Rodrigues e Euclides da Cunha estão 
ligados aos estudos de raça. 
Na medida em que é um conceito derivado da Biologia e que as raças cru-
zadas geram mestiços e seres misturados, apagando traços originais, logo, sur-
giram ideias de que é possível, por meio de cruzamentos humanos, melhorar o 
plantel humano do país ou, ao contrário, torná-lo decadente e fraco. Esse pa-
radigma deu suporte a várias políticas de eugenia, criadas em quase todos os 
Estados contemporâneos, europeus e americanos.
Eugenia é uma política de limpeza da raça por meio de proibição de ge-
ração de determinados grupos, ou de miscigenação. Muitas vezes serve para 
argumento da detenção do avanço de doenças hereditárias e doenças men-
tais. No Brasil, a política de imigração do Segundo Império foi implantada 
por D. Pedro II, sob consulta do Conde Gobineau, um dos pais do racismo 
moderno. Gobineau escreveu um o “Ensaio sobre a desigualdade das raças 
humanas”. Para ele, a única saída possível para o Brasil, formado por negros e 
índios, (que, segundo sua concepção, são inferiores) era a de importar bran-
cos europeus e, aos poucos, eliminar os negros, miscigenando-os até que 
os traços das raças inferiores desaparecessem da sociedade. A política de 
importação de europeus e a segregação de negros alforriados e livres em 
guetos empobrecidos eram as táticas nessa política.
12
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Nas décadas seguintes a ciência continuaria a aprofundar os estudos das 
raças erguendo regimes sociais baseados nas desigualdades entre elas. Mesmo 
na África, colonizada por europeus, o sistema racial entrou em vigor, classifican-
do os habitantes do país. Em Ruanda, por exemplo, país colonizado pelos belgas, 
estabeleceu-se um sistema em que tutsis mais altos e com narizes mais finos, 
considerados “mais europeus”, eram colocados acima dos hutus, que eram os 
negros mais baixos e com nariz largo. (GOUREVITCH, 2006)
A ciência do final do século XIX ligava os elementos darwinistas e os racistas 
ao unir as tradições cristãs e outras paternalistas em relação aos demais povos. 
Mesmo com eventos que apontavam sua insustentabilidade, essas teses esta-
vam tão arraigadas que mais se pareciam com crenças. Dentre tantos exemplos, 
a derrota dos russos para os “amarelos” japoneses encheu de vergonha não só 
os próprios russos, mas como também os brancos europeus, ao mostrar que as 
táticas modernas e as armas poderiam ser utilizadas com maestria por oficiais in-
teligentes e capazes. Nenhum outro argumento racional era capaz de demons-
trar o contrário. A ciência e o senso comum continuaram repetindo o discurso de 
raças. Nos censos dos países, os homens eram classificados de acordo com sua 
raça, muitas vezes associada à cor de pele, de forma que o racialismo se tornou 
vital no estabelecimento de políticas públicas. 
No campo da ciência surgiram pessoas, especialmente antropólogos, que co-
meçaram a questionar a cientificidade da teoria racialista, especialmente as de-
rivações sociais do racialismo, isto é, a ideia de limitações mentais ou físicas para 
negros ou índios nas sociedades dominantemente brancas. O auge da divisão 
racista do mundo ocorreu com a doutrina nazista, que serviu de pavimento para 
regimes e grupossupremacistas pelo resto do século XX. 
Hitler, que fora um artista frustrado e que fora cabo do exército na Primeira 
Guerra Mundial, não entendia de ciência, mas, imbuído dos conceitos de senso 
comum do racialismo, colocou o sistema alemão sob essa visão quando assumiu 
o poder, em 1933. Ele aprovou leis que negavam o direito de judeus, negros, 
ciganos e poloneses de casar com mulheres arianas (brancas alemãs). Em se-
guida, a segregação ocorreu no trabalho, nas escolas e nas cidades por meio 
da criação de guetos nas áreas ocupadas. Por fim, Hitler e seus subordinados 
criaram campos de concentração, onde 12 milhões de pessoas perderam a vida 
(6 milhões de judeus). 
Em oposição ao racialismo hitlerista, o socialismo e o liberalismo adotaram 
posições cada vez mais opostas ao racismo. Do lado socialista, um discurso de 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
13
igualdade entre povos oprimidos pelo imperialismo e colonialismo e a abertura 
de universidades e postos de trabalho, bem como a cooperação entre a União 
Soviética e movimentos e países africanos e asiáticos, fizeram com que diversos 
estudos universitários começassem a ser feitos nas universidades africanas, in-
cluindo estudos da história dos povos africanos anteriores à colonização. Nos 
países africanos e asiáticos, a igualdade racial foi tentada, ainda que muitas 
vezes os governos não conseguissem acabar com fortes tradições. 
Nos países liberais, o sistema de igualdade racial começou nas áreas mais 
sensíveis à presença negra, como Estados Unidos e Brasil, países onde a pre-
sença negra era muito grande e a escravidão criou uma ciência fortemente 
racialista. Se pelo lado dos racistas havia um forte apelo tradicional, por outro, 
a forte presença negra e sua cultura cada vez mais importante no cenário 
urbano moderno, criando comportamentos, formas de luta, músicas e discur-
sos. Além disso, cada vez mais celebridades e figuras importantes da socieda-
de encontraram eco de sua luta por igualdade racial entre liberais brancos que 
aproximaram o Partido Democrata da plataforma de integração e direitos civis 
durante as décadas de 1940 a 1960. 
Com os estudos antropológicos em alta (ver conceito de etnia a seguir), a 
ideia de raça perdeu força no meio científico, mas continuou vigorando nos 
meios sociais, ganhando inclusive significados mais positivos atribuídos por 
suas primeiras vítimas, isto é, os negros. “Raça” passou a ser utilizada de maneira 
positiva. Expressões como “esse é um sujeito de raça”, “esse jogador joga com 
raça”, “minha raça é negra”, entre outras, mostravam como o termo foi incorpora-
do no dia a dia das pessoas. 
Diversos regimes mantiveram os estatutos de raça para dividir socialmente 
as pessoas, sendo o caso mais conhecido e debatido no estatuto da África do 
Sul, onde, depois da Segunda Guerra, construiu-se um regime de segregação 
baseado em leis fortes e repressivas. Por meio dessas leis, os negros, indianos e 
mestiços eram foram considerados inferiores e não podiam frequentar determi-
nados lugares, nem podiam votar. O regime do apartheid, como ficou conheci-
do, mantinha a desigualdade e a violência aberta contra os negros, perseguindo 
e matando abertamente os opositores. O maior deles, Nelson Mandela, ficou 
preso de 1964 até 1990 e só obteve de volta sua liberdade quando o regime 
desmoronou interna e externamente, depois que o mundo fez um boicote aos 
produtos africanos. A legislação segregacionista foi suprimida, e a África do Sul 
se tornou uma democracia com igualdade racial. 
14
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Por outro lado, no mesmo período pós-guerra, o conceito de raça sofreu um 
forte revés após o avanço científico da época, mas continuou existente na bu-
rocracia e na vida social, o que resultou numa volta de estudos de raça. Antes 
de negar o conceito, um grupo de antropólogos o retomou sob um prisma 
mais moderno, que não levava em conta medições cranianas ou apenas achava 
que a construção da raça era política e não tinha implicações sociológicas. Para 
esse grupo de cientistas sociais, a raça é uma construção social que representa 
uma forma de identidade moderna em uma série de conjunções de identida-
des possíveis, que misturam gênero, classe, raça, religião e outras formas con-
temporâneas de identidades que formam indivíduos plurais e multifacetados.
(Representações de escravos de diversas nacionalizadades encontradas no Basil, por Johann Mo-
ritz Rugendas. Disponível em: <http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/51/imagens/
i347320.jpg>.)
Etnia
Quando a sociologia surgiu entre as ciências, duas tradições foram critica-
das pelos pensamentos de Marx, Durkheim e Boas: a imanência da religião e a 
subordinação do humano à natureza. Foi assim que a influência do clima ou da 
formação racial foi minorada diante da questão da formação social. Seus graus 
de evolução não tinham a ver com a natureza, mas sim com sua posição no 
tecido histórico social. Em dadas condições objetivas, os grupos humanos se 
equivaliam em moral, inteligência e trabalho (PINHO, 2008, p. 64-65). Sendo 
assim, a sociologia se afastou do conceito de raça e, até mesmo entre biólo-
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Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
15
gos, passou-se a usar o conceito de população para designar um grupo mais ou 
menos homogêneo geneticamente. 
Na antropologia e na sociologia, o termo etnia passou a ser usado para clas-
sificar grupos humanos coesos cultural e biologicamente. Trata-se de um termo 
grego que designava exatamente isso: grupos de mesma espécie no mundo 
animal ou pessoas de uma mesma tribo ou nação. Em 1950, a ONU, por intermé-
dio da UNESCO, passou a adotar o termo “grupo étnico”, que designava grupos 
humanos com características sociais, culturais e históricas comuns. 
O termo grupo étnico tinha diversas implicações interessantes. Os grupos ét-
nicos poderiam ser usados de maneira indistinta pelos diversos grupos huma-
nos, não só no presente como no passado e davam conta de uma situação cada 
vez mais comum que era a existência de grupos étnicos com culturas e aparên-
cias diferentes dentro de um mesmo espaço nacional ou mesmo urbano. As 
grandes cidades cosmopolitas sempre foram um cadinho de misturas, desde a 
Lisboa moderna, de 1500, que já contava com um número expressivo de negros 
vivendo na cidade, bem como Amsterdã e Londres, um pouco mais tarde. No 
século XX, as grandes cidades mundiais se tornaram, até o final do século, de-
positárias e geradoras de diferentes culturas formadas a partir de experiências 
individuais no intercurso dessas diferentes culturas. Sob esse ponto de vista, o 
avanço do estudo que usava o conceito de etnia foi notável.
Se no início havia, na escola de Chicago de antropologia, uma confusão 
entre os termos étnicos, comunidade, tribo e nação, mais tarde, houve uma am-
pliação do significado e uma precisão maior na metodologia em vez de uma 
discussão teórica. 
Do ponto de vista antropológico, as conquistas foram a compreensão dos 
mecanismos de sobrevivência da cultura, sua adaptação às tensões do contato 
com as outras culturas circundantes e as formas como a aculturação acontecia, 
ou seja, como novas manifestações – músicas, comportamentos, costumes – 
eram incorporadas e adaptadas pelos grupos sociais. 
Já na sociologia, as pesquisas de grupos étnicos valorizaram as maneiras 
como esses grupos se formaram e resistiram aos conflitos e problemas decor-
rentes de sua situação de fragilidade social, sejam imigrantes ou sujeitos a códi-
gos racistas, sejam grupos que sofrem com alguma tensão social, os japoneses, 
italianos e alemães nos Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra Mun-
dial, ou as minorias e as perseguições e ações do Estado contra elas.
16
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
De qualquer forma, os estudos mostravam que:
A cidade, e mais em geral o processo de urbanização,além de integrar e/ou estigmatizar o 
outro étnico, também é heterogenética – cria diferença, diversidade e novas oportunidades 
para o processo identitário, e torna mais amplo e variado o banco de símbolos ao qual um 
grupo étnico pode atingir no processo de redefinição da sua identidade coletiva. (PINHO; 
SANSONE, p. 165)
A diversidade de estudos sobre a questão étnica esbarrou em dois obstácu-
los: idealização do passado e da comunidade e certa nostalgia do passado da 
comunidade, que selecionava exemplos, relativizava situações e negava contra-
dições. Mobilidades, aculturações e multiformações étnicas eram muitas vezes 
negadas pelos pesquisadores dos anos 60 aos 80. 
Um dos problemas decorrentes dos estudos étnicos foi o etnocentrismo 
branco. Dessa forma, os estudos étnicos se debruçavam sobre minorias – índios, 
negros, ciganos –, mas não sobre a etnia branca. Assim, o trato sobre a questão 
era ainda muito parecido com a questão antiga, ou seja, a questão das mino-
rias era considerada um problema para a sociedade “normal” e branca. Somente 
nos anos de 1990 os antropólogos e sociólogos passaram a ver a relação maio-
ria-minoria como um debate e um conflito entre etnias de diferentes culturas. 
Também nos anos 1990, a questão étnica ganhou contornos globais e os 
pesquisadores conseguiram se distanciar do elogio da cultura estática de 
grupos étnicos idealizados. Dessa maneira, foi possível ver mais nuances nas 
relações culturais entre diferentes grupos étnicos e as suas diferenças internas, 
com membros mais atentos à cultura global.
Nos anos 2000, a crítica ao conceito de etnicidade ganhou contornos mais 
nítidos. Primeiro, porque foi feita pelos ativistas e pesquisadores de fora dos 
Estados Unidos, por verem a teoria baseada somente em casos norte-america-
nos ou canadenses, que teve uma forte escola. Dessa forma, sem conhecimen-
to sobre a realidade do mundo, os pesquisadores americanos lançaram bases 
igualmente centradas em seus casos e exemplos.
Outro ponto de vista crítico foi o de que a visão estática da cultura sofria com 
a realidade da globalização, em que modelos globais são mais fortes que heran-
ças locais. Além disso, havia o entendimento de que muitos dos casos de cultura 
tradicional eram o que Eric Hobsbawm chamou de “tradição inventada”. Dessa 
maneira, uma tradição de grupos sociais era recente, inventada há pouco, mas 
sua fixação na sociedade se fazia pelo discurso da tradição, dizendo que essa 
tradição era mais antiga do que, de fato, era. Nos estudos de grupos étnicos, 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
17
muitas vezes os pesquisado-
res acreditaram que estas tra-
dições inventadas eram reais 
e antigas. A crítica consistia no 
fato de que era muito comum 
o pesquisador enxergar so-
mente aspectos tradicionais 
das sociedades, sem entender 
o avanço e a mudança das co-
munidades. Estas, por vezes, 
faziam um “jogo” para reforçar 
estereótipos a fim de mostrar a turistas e pesquisadores a “real” comunidade, 
como mostra satiricamente a charge1.
Identidade nacional e múltiplas identidades
Um dos pontos centrais da antropologia e da sociologia é a identidade dos 
sujeitos. Quem são, como se identificam e como se classificam os seres humanos 
no planeta? Um sujeito forma sua identidade a partir de diversas instituições so-
ciais que se conjugam na vida: a família, a rua e seu bairro, sua cidade, seu país, 
sua religião, seu time de futebol, suas afinidades culinárias ou sexuais, políticas 
ou musicais, seu ofício e sua função social. 
Somos também de algum jeito moldados pela nossa sociedade e pelas expe-
riências sociais que vieram antes de nós, mas que nos forma na medida em que 
o sujeito se estrutura a partir de sua experiência circundante, dos exemplos aos 
quais os jovens são apresentados ao mundo de acordo com a cultura de seus 
pais. Muitas vezes os jovens revolucionam o mundo, mas nunca totalmente e 
não sem arrependimento das transformações ensejadas. 
As formas identitárias variaram de acordo com a história. Geralmente, tinham 
a ver com a cidade e o bairro de origem do sujeito, tal como com sua classe social 
e ofício. Um sujeito nascido na colina do Aventino, em Roma, plebeu e soldado, 
classificava-se às vezes como romano, aventino, plebeu e soldado de alguma 
formação específica do exército romano. Por vezes, a identidade era religiosa, 
como entre os sacerdotes e seguidores das religiões. Dessa maneira, existe uma 
congregação de interesses e peso da religião que, em determinados momentos, 
pesa mais na vida dos sujeitos de algum lugar. Por exemplo, quando se diz que 
1 HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições. 
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18
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
o cristianismo faz parte da formação tradicional e da identidade da Espanha, 
isso se justifica porque em determinado momento, no Norte do país, o avanço 
mouro foi detido, de forma que aquela zona foi considerada de confronto. Fran-
ceses, alemães, italianos, ingleses, aragoneses e castelhanos saíam de suas casas 
para lutar pela cristandade, sendo essa a forma identitária que unia homens tão 
diferentes; sua força foi tão grande que os séculos seguintes foram de Inquisição, 
rigidez religiosa e apego à ortodoxia. 
As transformações identitárias tradicionais tomaram um rumo diferente na 
Europa no Período Moderno (1453). Aos poucos, formaram-se estados na Itália e 
depois pela Europa, criando-se, ao longo dos séculos seguintes, condições para 
a ascensão de uma entidade territorial em que os interesses econômicos dos 
estados e/ou do rei com empresários de comércio e do monopólio dos portos 
abertos para o mundo coincidiram. A economia de todo o Período Moderno 
europeu foi predominantemente agrícola – mais de 80% da riqueza dos países 
era gerada pela agricultura –, mas a parte dinâmica da economia, a que gerava 
grandes lucros e grandes perdas, era o capitalismo comercial. O Estado moderno 
apresentava todas as características do Estados contemporâneos: forças de re-
pressão, burocratas fiscais e de fronteiras, cobrança de impostos, censura sobre 
o que circulava entre os habitantes das cidades, interferência no comércio, defi-
nição da política externa e um judiciário que legitimava, sobre o primado da lei, 
a ação dos burocratas e do rei.
A presença do rei era ambígua no sistema. Por um lado, a política da nobre-
za da época acabou criando figuras de grande poder – militares que, por dom 
administrativo, criavam dinastias que duravam gerações e que só eram retiradas 
do poder por meio do uso da força. Se bons reis faziam bons governos, reis ruins 
podiam despedaçar e enfraquecer reinos para sempre. Porém, mais que isso, os 
reis não permitiam a criação de uma identidade nacional verdadeira. A fidelida-
de era a ele, monarca e príncipe. Pouco importava a origem de classe, língua ou 
local de nascimento do sujeito para que ele fosse súdito de um rei que, muitas 
vezes, tinha domínios não contíguos. 
É possível analisar o caso da Dinastia dos Habsburgos, que foram arquiduques 
da Áustria (1363-1780), reis da Croácia, da Boêmia e da Hungria (1526 -1780), 
reis dos espanhóis (1516-1700), reis de Nápoles e da Sicília (1516-1700), reis dos 
portugueses (1580-1640) e grandes príncipes da Transilvânia (1690-1780), além 
de terem sido duques da Borgonha e condes da Holanda. Um rei com tantos sú-
ditos diferentes não podia esperar unidade linguística, econômica e identitária 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
19
entre eles; só a fidelidade de seus súditos a seus interesses era necessária. Do 
ponto de vista simbólico, o estado girava em torno do monarca, dos seus feitos e 
dos seus símbolos e caprichos pessoais. (BALAKRISHNAN, 2000)
O estado absoluto entrou em colapso depois que o Iluminismo começou a 
questionar o poder absoluto dos reis e da religião, de forma que as autoridades 
foram abertamente questionadas. O surgimento de uma doutrina de direitos 
humanos e de cidadaniase implantou em grupos burgueses e até mesmo aris-
tocráticos, enquanto ganhava o povo da Europa. Quando a Revolução America-
na e a Revolução Francesa eclodiram, em 1776 e 1789, respectivamente, um dos 
termos revolucionários era nação. 
A nação era uma entidade nova – se não a palavra, o seu novo sentido, que 
proporcionava um tom político. Surgia como uma novidade revolucionária, o 
estado, a língua, o povo, os costumes e a visão de mundo, o território, as regi-
ões federadas e as histórias comuns. Todas as diferenças sociais se obliteravam 
diante da nação, que carregava um sentido simbólico e político, já que engloba-
va, também, seus representantes e sua autodeterminação. 
O conceito de nação era revolucionário, pois, diante do Antigo Regime, que 
proporcionava acesso a poucos, a nação incluía a todos – se não no voto, na con-
cepção de que mesmo esse sujeito tinha direitos que o Estado respeitaria e faria 
os outros respeitarem. Esses direitos são os chamados direitos humanos e univer-
sais, base das leis norte-americana e francesa. O Estado nacional passou a não ter 
mais o rei como referência, mas sim uma entidade abstrata, que era a nação, os 
seus símbolos e a sua sobrevivência, sustentados e mantidos pelo Povo. 
Depois da Revolução e do Império Napoleônico, a nação se tornou um con-
ceito manipulado pelos conservadores do mundo todo. Nas regiões onde o ab-
solutismo vigorava mais forte, nação era ainda uma palavra carregada de senti-
do aguerrido, mas nas regiões onde o conservadorismo venceu, enfraquecendo 
o garrote sobre o povo, passou a ter seu sentido atrelado ao discurso da elite que 
mantinha a máquina estatal em suas mãos. 
A nação, apesar de ente social e histórico, era apresentada como um todo 
orgânico e transcendental que sempre esteve presente, pronto para se formar. 
Dessa maneira, quando se buscava a história das nações, apelava-se para a geo-
grafia. “Qual é o mapa atual da nação? Essa será a geografia da história nacional. 
Qual é a língua da nação? Então, busca-se sua origem e a valorização da língua 
‘nacional’ em detrimento das outras”. 
20
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
A língua nacional era a língua do rei ou da região central. Na França – em Ile 
de France e Paris – o bretão, o alsaciano e o occitano foram mantidos como curio-
sidades da formação nacional. Na Grã-Bretanha, predominou o inglês do rei, 
enquanto nos Estados Unidos houve debate intenso sobre qual língua adotar 
após a independência, já que existiam numerosos falantes de espanhol, alemão 
e holandês no país. Na Espanha, o castelhano pouco se impôs sobre o catalão e 
o basco, as mais fortes línguas regionais da Península Ibérica, sempre almejando 
a independência da Espanha. Na Alemanha, o alto alemão da Prússia também 
demorou a impor sobre as falas regionais, ainda bem usuais. 
Os agentes de propagação da língua são o Estado, a Justiça, a escola, o exér-
cito e a imprensa. Tudo isso valoriza a língua nacional. Primeiro, elege-se uma 
língua, e os gramáticos a tornam mais ampla com contribuições regionais (uma 
interiorização de idiomas regionais). Depois, fazem-na se fechar para o mundo e 
para influências estrangeiras. Do mesmo jeito que a raça deveria se manter pura, 
a língua nacional deveria se eximir de contato com outras, evitando estrangeiris-
mos. (ANDERSON, 2008)
A nação também precisa de símbolos fortes. A bandeira, o hino, o brasão e 
o território eram vistos como entes que deveriam ser protegidos. As cores na-
cionais passaram a ser usadas nas festividades promovidas pelo Estado, sendo, 
nos momentos de luta, símbolo pelo qual morriam homens aos milhões. O hino 
passou a ser cantado nas escolas, pelo exército e nas festividades teatrais e depois 
desportivas, somando-se ao universo emocional dos homens. No momento de 
dor nacional e de vitória, o hino tem o papel de enaltecer as glórias. Associado às 
bandeiras e às cores nacionais, provoca os sentimentos dos sujeitos. Os símbolos 
nacionais geralmente não podem ser degradados. São vistos como parte do ter-
ritório nacional, cuja usurpação é grave e merece resposta militar. 
Aos poucos, ao longo do século XIX, foi-se dando mais importância para a 
nação, a partir de diversas teorias que tentavam explicá-la, inclusive a naturali-
zando ou a colocando como a única forma possível de organização social con-
temporânea. O sentimento nacional demorou um século para se tornar a pedra 
angular da política internacional. O nacionalismo é o surgimento da concepção 
de excelência da nação; de que a “nossa” nação é melhor que as outras e de 
que o amor pela nação deve vir antes de tudo, inclusive da justiça e da razão. A 
frase “minha pátria, certa ou errada”, atribuída ao político americano Carl Schurz, 
mostra como a nação tomou conta da política e da noção de moral, subordinan-
do tudo à sua vontade.
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
21
A partir desse entendimento, o nacionalismo logo se tornou um sentimento 
manipulado pelos homens do poder para mobilizar as massas na luta pela ma-
nutenção do Estado ou seu alargamento. Os interesses de capitalistas, militares, 
donos de terras e até de donos de jornais se sobrepunha às vidas de milhões de 
mortos em conflitos cada vez mais sangrentos. A era das nações matou, entre 
os séculos XIX e XX, mais de 100 milhões de pessoas em conflitos abertos, sem 
contabilizar perseguições aos não nacionais, expropriações e deslocamentos 
forçados de minorias que eram vistos como ameaça à nação. Tanto os movimen-
tos de independência africanos e asiáticos como a luta contra o imperialismo, 
o fascismo e o antifascismo se utilizaram do sentimento nacional para inspirar 
homens e mulheres na luta social durante os séculos XX e XXI. 
As identidades nacionais são consideradas naturais no senso comum e no 
discurso de políticos, mas os teóricos perceberam o caráter discursivo e simbó-
lico da nação. Foi Benedict Anderson quem marcou essa abordagem, quando 
tratou das nações como entidades imaginadas. Para ele, a forma como o estado 
capitalista se estruturou precisava de uma identidade nova para reinos antigos, 
então, a nação foi a forma escolhida, pois abrangia elementos essenciais para a 
propagação dos interesses econômicos e sociais das elites dos países.
 Mesmo os novos povos e as novas nações que surgiram dos conflitos dos 
séculos XIX e XX, conjugando língua, território e história novos, construíram um 
discurso em que a existência da nação se naturalizava. Tentavam, assim, nivelar 
a sociedade do ponto de vista cultural e simbólico, fazendo com que todas as 
diferenças sociais fossem minoradas pela igualdade teórica sob a nação e sua 
história muitas vezes fantasiosa. Se a nação foi a forma contemporânea de agru-
par grandes grupos de homens sob o mesmo interesse, seus limites começaram 
a ser enxergados na segunda metade do século XX. O nacionalismo foi visto de 
forma negativa depois de o fanatismo alemão, italiano e japonês ter levado o 
mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial. Como consequência, o nacio-
nalismo foi colocado como uma doutrina extremista e violenta, que desprezava 
a realidade do mundo e da própria nação. 
O nacionalismo obscurantista esquecia ou suprimia violentamente o dissen-
so e a diversidade. Em lugares em que a participação do Estado era a de manter 
privilégios sociais arraigados, sistemas de distribuição de renda desiguais e uma 
legislação preconceituosa contra uma minoria, o Estado nacional foi combati-
do internamente por forças igualitárias. Aqueles que o mantinham acabaram 
confundindo na imprensa e em suas peças de propaganda esses sistemas de 
privilégios com a própria nação, levando a um rompimento entre esta e deter-
22
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
minados grupos discriminados. Esse fator levou a força do Estado contra essas 
pessoas, que passaram a ser vistas não mais como uma força da sociedade bus-
cando igualdade, mas sim como uma força contra a sociedade e a nação.Por fim, no final do século XX, um movimento de globalização acelerou-se 
com as tecnologias da comunicação e a venda de artigos globais em um merca-
do global. Os Estados passaram a incentivar o capitalismo global, abrindo fron-
teiras e baixando tarifas para importar produtos de tecnologia. De forma cada 
vez mais frequente a aldeia global começou a seguir modelos de comportamen-
to e consumo progressivamente mais parecidos, a ter modelos globais e a se 
interessar sobre os assuntos do mundo. 
As formas de identidade começaram se dissolver diante do mundo novo. Pes-
soas passaram a se identificar globalmente umas com as outras não mais devido 
à sua origem, mas em razão de uma série de novos elementos, como interesses 
culturais e comportamentais. Dessa forma, não se lutava mais por uma políti-
ca nacional, mas sim por um mundo de direitos para todos. As causas comuns 
dos homens a despeito de sua origem nacional passaram a alimentar uma onda 
global de protestos, solidariedade e pressão sobre governos em favor de diversas 
causas que, agora, eram tidas como globais. Homossexuais, mulheres, negros e 
indígenas de todo o mundo passaram a ver seus direitos, temores e desejos como 
uma causa global que deve ser pleiteada no mundo todo. O que une um homos-
sexual nepalês a um americano é a luta comum de ambos por direitos e a solida-
riedade existente entre eles. Parte importante da identidade desse homem não é 
mais a nação, mas seu comportamento e sua orientação sexual – e essa pode ser 
mais importante que o sentimento de nação, da mesma maneira que é possível 
pensar em outros diversos comportamentos e identidades transnacionais que 
existem no mundo e que parecem orientar as pessoas nas suas vidas cotidianas. 
No final dos anos 90, já se falava no fim das nações, mas isso não aconteceu. 
Mesmo na União Europeia, que permitiu que tanto o capital como o trabalha-
dor atravessassem as fronteiras nacionais, o sentimento nacional se manteve e, 
em alguns casos, recrudesceu, especialmente entre setores conservadores que 
enxergam na abertura das fronteiras o fim do Estado nacional e da nação como 
identidade cultural. 
Franceses, alemães, ingleses, italianos e norte-americanos fazem um discur-
so pessimista sobre a globalização e o fim da nação. Muitos ainda enxergam a 
nação como tendo uma base racial e condenam a mistura de raças. O precon-
ceito é maior com negros africanos, árabes e asiáticos, mas não é raro existir pre-
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
23
conceito contra brancos empobrecidos na própria Europa. Poloneses ou molda-
vos sofrem com o preconceito na França, por exemplo. A manutenção da Nação, 
racial e culturalmente, passou a ser vista como uma das principais bandeiras dos 
conservadores europeus e norte-americanos e é condenada por grupos huma-
nitários e de esquerda que não vêm a mistura cultural como um problema. 
Como o século XXI enfrentará o problema das identidades nacionais e tran-
sacionais permanece um mistério, mas o fato é que a própria identidade nacio-
nal tende a mudar, e os grupos de pressão das minorias contarão com um apoio 
global. Talvez a abertura de direitos mais igualitários entre todos na nação seja a 
saída para uma nova busca de identidade do sujeito com a nação, mais uma vez 
vista como o local da realização dos direitos amplos de cidadania e liberdade dos 
homens e das mulheres. 
As nações que mantiverem privilégio para alguns e poucos direitos para muitos 
continuarão enfrentando uma oposição que, no limite, quer se afastar da nação 
privadora de direitos. As nações que proporcionam direitos amplos tendem a ser 
acalentadas como nações modernas e a levar os homens ao retorno a elas mesmas 
– não mais como um Estado imposto sobre a sociedade por uma minoria, mas 
como a construção de um território pleno de direitos e de felicidade individuais.
A identidade nacional brasileira
O Brasil, ainda como território português, foi uma praia na Bahia; depois, uma 
faixa de solo Massapê no litoral nordestino; e, durante dois séculos, foi o litoral e 
uma parte de interior ainda muito próxima do mar. No século XVIII, Minas Gerais, 
Goiás, Mato Grosso e a Amazônia foram conquistados. 
Em 1750, o formato da colônia não era muito diferente do atual Brasil, mas 
suas relações estavam longe de serem simples. A nação brasileira só nasceu em 
1822, mas já de forma superlativa, com um território imenso conquistado ainda 
como colônia e que tinha diversas populações indígenas às centenas, negros de 
dezenas de lugares distintos da África, espanhóis, portugueses, mestiços, holan-
deses e até indianos que falavam uma série de línguas próprias ou intermediárias. 
Do ponto de vista das relações econômicas, por exemplo, a província do Pará 
mantinha uma comunicação mais constante e intensa com Lisboa do que com o 
Rio de Janeiro, verdadeiros estranhos à época. Tal fato mostra que o Brasil tinha 
dificuldade em criar um projeto de nação, pois os interesses eram muito distin-
24
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
tos e a coesão política não se fez em torno do poder político da nação, mas de 
seus privilégios econômicos e sociais. 
No Brasil, a nação surgiu forçada por uma elite que se apropriou da palavra 
nação para criar um Estado desigual sustentado pelo latifúndio monocultor e na 
escravidão. Dessa forma, a nação não surgiu como uma alternativa para englo-
bar, mas sim como uma nova maneira de excluir e apartar. O governo monárqui-
co mantinha seu poder absoluto nomeando senadores e presidentes da provín-
cia e mantendo os ministros atrelados à sua vontade. Já a elite dos fazendeiros, 
além de tomar de assalto os cargos e privilégios do Estado em seus níveis regio-
nais, mantinha a escravidão e o poder local. Com essa aliança, o poder político se 
manteve nas mãos de uma minoria por todo o império.
Para os brasileiros brancos de então, a verdadeira identidade brasileira era a 
herança dos portugueses brancos e católicos da elite. Todos os demais grupos 
indígenas, negros e mesmo imigrantes europeus eram desprezados. O Brasil 
tinha fidelidade com o seu monarca e com uma história que começou a ser res-
gatada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas não teve um senti-
mento nacional até a Guerra do Paraguai.
Durante a guerra, recrutamentos, leituras de notícias e leis e paradas militares 
eram feitas com a bandeira e o hino. A máquina de guerra precisava de heróis: a 
mãe de Deodoro, ao receber a notícia da morte dos filhos na guerra, enfeitou sua 
casa com as cores nacionais e não pranteou, alegre pelo fato de os filhos terem 
dado a vida de maneira heroica pela pátria. Essa postura mostra que a nação 
não desperta sentimentos banais nas pessoas – e como a guerra matou 50 000 
brasileiros, havia muitos heróis.
No regime republicano instaurado em 1889, mantiveram-se os mesmos 
grupos poderosos com uma identidade excludente. O pensamento racialista e 
racista da elite brasileira marcou a obra literária e jurídica brasileira e foi respon-
sável pela perpetuação de tratamentos oriundos do trato da escravidão. A pro-
posta federalista dos gaúchos foi rejeitada em nome de um poder centralizado, 
mas este permitiu às elites regionais o controle completo da política estadual 
– o que levou a uma acirrada disputa regional pelo poder entre famílias pode-
rosas. Os imigrantes brancos eram bem-vindos para trabalhar, mas seus costu-
mes eram considerados estranhos e muitos viviam em colônias fechadas, onde a 
“brasilidade” demorou a chegar.
Os negros e os índios formadores do Brasil eram desprezados pela elite, e só 
foram resgatados por um novo conceito e ideia de Brasil. Foram os modernistas 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
25
que olharam para o Brasil com olhos mais complacentes, instigados pela curiosi-
dade sociológica brasileira. O resgate do folclore brasileiro, por Mário de Andrade 
e pelos modernistas, e a valorização do índio e do negro começaram fortemente 
nas artes.Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral trouxeram esses temas para suas pin-
turas, e os mitos indígenas e os negros apareceram como o verdadeiro Brasil.
Também na década de 1930, a sociologia brasileira foi impulsionada. De 
obras racistas como as de Euclides da Cunha e Raymundo Nina Rodrigues, sur-
giram obras que redescobriam o Brasil e sua identidade. Gilberto Freyre, por 
meio de Casa-grande & senzala, mostrou a herança dos negros e índios sobre um 
prisma positivo, apontando o quanto o brasileiro devia sua alegria, melancolia, 
sociabilidade, desconfiança e jeito de ver de mundo ao contato entre raças e à 
sua miscigenação em larga proporção. Já Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes 
do Brasil, procurou entender como os brasileiros lidavam com a relação entre pú-
blico e privado e como essa relação era marcada por um prisma afetivo e pessoal 
(“o homem cordial”).
Nos anos 1930, o passo decisivo da nova identidade nacional brasileira foi a 
aceitação das heranças raciais e sua ideia de assimilação a um todo brasileiro. 
Esse passo se tornou política de estado com a ditadura de Vargas, instaurada em 
fins de 1937 e que durou até 1945. Durante esse período, a brasilidade ganhou 
contornos nítidos: o samba, a despeito de ser uma música carioca, tornou-se a 
música brasileira e, depurado de seu elogio à malandragem, o Estado Novo o 
incentivou também a feijoada, que ganhou status de comida nacional. O feijão 
preto, o arroz branco, a laranja amarela e a couve verde, somada à farinha de 
mandioca indígena, formava a própria imagem que reunia harmoniosamente as 
raças formadoras do Brasil (negro, índio e branco) e as cores nacionais. A bandei-
ra brasileira e o hino ganharam escolas e ruas em um amor patriótico, enaltecido 
pelo governo e seu líder. A Segunda Guerra Mundial reforçou a ideia nacionalista. 
Nos anos 50 e 60, o Brasil cresceu e se tornou mais global, de modo que en-
traram em debate as influências estrangeiras sobre a cultura brasileira, como o 
jazz e o rock, o cinema americano e os padrões de consumo contemporâneos. 
Com o regime militar, o nacionalismo brasileiro foi agigantado por meio de uma 
propaganda massiva nos cinemas e na televisão, sempre girando em torno da 
herança das três raças e na acolhida respeitosa aos estrangeiros. Por trás dessa 
imagem produzida havia uma forte desigualdade, social e legal, que afastava os 
pobres e os periféricos de governo e Estado brasileiros e mesmo da sociedade 
que era veiculada na televisão, muito diferente do Brasil real.
26
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Depois da redemocratização, o Brasil repensou si mesmo. Diversos movimentos 
sociais e grupos minoritários mostraram um Brasil diverso, repleto de contradições: 
grupos arcaicos e modernos que conviviam em um mesmo espaço de trabalho, de 
diversão e até mesmo familiar. Tratava-se de um Brasil que mostrava diversas regi-
ões com suas heranças locais e sua relação ambígua, de orgulho e diferenciação, e 
que se relacionava com o mundo globalizado de maneira muito peculiar, com uma 
sociabilidade cada vez mais tecnológica, mas ainda com diversos traços culturais 
antigos, revalorizados pelos grupos sociais urbanos que buscavam na junção da 
história do país e de suas vidas, dando significação a si mesmo no mundo.
Nas décadas de 80 e 90, o movimento negro, das mulheres e dos índios res-
surgiu fortemente. A luta pela redemocratização terminou, de forma que todos 
podiam, então, lutar pelas suas próprias agendas. O mito do Brasil sem racismo, 
da cordialidade do brasileiro, caiu por terra com a emergência da violência urbana 
e das manifestações de racismo sendo combatidas pelos grupos organizados.
Com a Constituinte e os anos 90, os negros e pardos tiveram mais visibilidade 
e suas lutas surgiram nas favelas. O movimento Black, que era forte nos anos 
70 e 80 nas favelas cariocas e que ressaltava a alegria da descoberta do black 
is beautiful (o negro é lindo), por exemplo, transformou-se no rap paulista dos 
anos 90, que denunciava as drogas e a violência policial.
A luta dos negros e pardos conscientizou os brasileiros do papel ainda maior 
desses agentes na sociedade, cultura e história brasileiras, transformando o co-
nhecimento sobre o tema e criando condições políticas e culturais para a inser-
ção de disciplinas sobre o tema nas universidades e escolas de todos o Brasil.
Graças à Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, o ensino da disciplina História 
e da cultura afro-brasileira se tornou obrigatória nas escolas e universidades de 
todo o Brasil, diante do reconhecimento oficial da necessidade de todo brasilei-
ro saber identificar as matrizes africanas de nossa cultura nacional.
Textos complementares
Um texto racista do século XIX
“Nenhum antropologista poderá jamais admitir uma igualdade de capa-
cidade evolutiva entre o branco e o negro. O mais humanitário dos anties-
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
27
cravistas jamais poderá cancelar as diferenças biológicas entre os homens. 
Acaso não são elas tais e de tal intensidade que induzam alguns dos mais 
competentes naturalistas, qual um Linneu, um Fred. Muller, e um Maeckel, 
a admitir que as chamadas raças humanas são outras tantas espécies biolo-
gicamente distintas do gênero Homo?... O Negro, principalmente, é inferior 
ao Branco, a começar da massa encefálica, que pesa menos, e do aparelho 
mastigatório que possui caracteres animalescos, até às faculdades de abs-
tração, que nele é tão pobre e tão fraca. Quaisquer que sejam as condições 
sociais em que se coloque o Negro, está ele condenado pela sua própria 
morfologia e fisiologia a jamais poder igualar o Branco. Para que se pudesse 
verificar tal acontecimento histórico-antropológico, fora mister uma circuns-
tância bem improvável, senão impossível: a perda, por parte do Branco, da 
sua capacidade de adaptação progressiva. Só uma parada da civilização eu-
ropeia e Anglo-Americana daria tempo aos Negros para, na sua lentíssima e 
não espontânea evolução, atingir-nos e igualar-nos. Mas enquanto a civiliza-
ção americana for progressiva, as aquisições que aquele grande povo realiza 
cada ano aumentarão, fecundarão sucessivamente o mundo, e, enquanto 
o Negro tiver dado um curto passo, os Anglo-saxões terão tomado tal im-
pulso que excederão sempre aos seus concidadãos de cor. Por outro lado é 
estranho que espere alguém possam os Afro-Americanos civilizar-se tanto 
quanto os Brancos. Estes otimistas não refletem que a civilização nasceu na 
Europa de causas particulares da raça, clima e ambiente e que bem diversa 
teria sido se nascesse espontaneamente em o meio de populações cafres ou 
sudanesas.”
Discurso de Nelson Mandela à corte 
em sua defesa em 1964
[...]
A falta de dignidade humana vivida pelos africanos é resultado direto da 
política de supremacia branca. A supremacia branca supõe a inferioridade 
negra. A legislação que visa preservar a supremacia branca institucionaliza 
essa noção. As tarefas subalternas na África do Sul são invariavelmente reali-
zadas por africanos. Quando qualquer coisa precisa ser carregada ou limpa-
da, o branco olha em volta, à procura de um africano que o faça por ele, quer 
28
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
o africano seja empregado por ele, quer não. Devido a esse tipo de atitude, 
os brancos tendem a enxergar os africanos como uma raça diferente.
Não os enxergam como pessoas que têm suas próprias famílias; não per-
cebem que nós temos emoções; que nos apaixonamos, como se apaixonam 
os brancos; que queremos estar com nossas mulheres e nossos filhos, como 
os brancos querem estar com os deles; que queremos ganhar dinheiro, di-
nheiro suficiente para sustentar nossas famílias adequadamente, alimentá-
-las, vesti-las e fazê-las frequentar a escola. E que empregado doméstico, 
jardineiro ou lavrador braçal pode algum dia ter a esperança de fazer isso?
As leis do passe, que para os africanos estão entre as mais odiadas da 
África do Sul, tornam qualquerafricano passível de ser barrado pela polícia a 
qualquer momento. Duvido que exista um único africano do sexo masculino 
na África do Sul que não tenha em algum momento tido um desentendi-
mento com a polícia em torno de seu passe. Centenas e milhares de africa-
nos são colocados na cadeia todos os anos devido às leis do passe. Ainda 
pior que isso é o fato que as leis do passe separam maridos e mulheres e 
levam à desintegração da vida familiar.
A pobreza e a desintegração da vida familiar têm efeitos secundários. 
Crianças perambulam pelas ruas das "townships" porque não têm escolas a 
frequentar, ou não têm dinheiro que lhes possibilite frequentar a escola, ou 
não têm pais em casa para verificar se vão à escola, porque pai e mãe, quando 
os dois estão presentes, precisam trabalhar para manter a família viva. Isso 
leva a uma ruptura nos padrões morais, ao aumento alarmante da ilegitimi-
dade e à violência crescente que explode não apenas politicamente, mas em 
toda parte. A vida nas "townships" é perigosa. Não se passa um dia sem que 
alguém seja apunhalado ou agredido. E a violência é levada para fora das "to-
wnships", para as áreas residenciais brancas. As pessoas têm medo de andar 
sozinhas na rua à noite. Os assaltos e arrombamentos de casas vêm aumen-
tando, apesar do fato de que tais crimes podem agora ser punidos com a 
sentença de morte. Sentenças de morte não podem curar a ferida aberta.
A única cura consiste em mudar as condições nas quais os africanos são 
forçados a viver, atendendo às suas reivindicações legítimas. Os africanos 
querem receber salários que possibilitem a sobrevivência. Os africanos 
querem fazer o trabalho do qual são capazes, e não o trabalho do qual o 
governo os declara capazes. Queremos poder viver onde obtemos trabalho, 
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
29
e não ser impedidos de viver numa área porque não nascemos ali.
Queremos ser autorizados e não obrigados a viver em casas alugadas que 
jamais poderão ser nossas. Queremos fazer parte da população geral, e não 
ser confinados em nossos guetos. Os homens africanos querem ter suas mu-
lheres e seus filhos vivendo com eles onde eles trabalham; não querem ser 
forçados a viver de modo antinatural em albergues de homens. Nossas mu-
lheres querem estar com seus companheiros, e não viver nas reservas como 
viúvas permanentes. Queremos o direito de estar fora de casa às 23h, e não 
sermos confinados em nossos quartos, como criancinhas. Queremos o direito 
de viajar em nosso próprio país e buscar trabalho onde quisermos, e não onde 
o Burô do Trabalho nos manda. Queremos uma participação justa na África 
do Sul como um todo; queremos segurança e uma participação na sociedade.
Sobretudo, Meritíssimo, queremos direitos políticos iguais, porque sem 
esses direitos nossas deficiências serão permanentes. Sei que isso soa revo-
lucionário aos brancos deste país, porque a maioria dos eleitores será forma-
da por africanos. Esse fato faz o homem branco temer a democracia. 
[...]
Dicas de estudo
Filmes:
 � Sobre escravidão: Amistad, de Steven Spielberg, 1997.
Conta a história real de um navio negreiro espanhol, apreendido pelos 
americanos que resultou num processo que antecipa o conflito da Guerra 
Civil. 
 � Sobre eugenia: Homo sapiens 1900, de Peter Cohen, 1998.
Documentário. Traça os princípios da eugenia, ou a busca de uma raça 
pura e melhorada. Morte, castração, leis que proibiam casamentos e outras 
formas de segregação eugênica foram implantados em diversos países nos 
século XIX e XX.
 � Sobre a formação brasileira: O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, 2000.
Documentário. Entrevistas com o antropólogo Darcy Ribeiro sobre a for-
mação do Brasil e do povo brasileiro e suas várias matizes.
30
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional
Exercícios
1. Descreva o surgimento do conceito de raça e sua utilização política.
2. Qual é o conceito de etnia e como ele se contrapõe ao conceito de raça?
3. Como se deu a formação da identidade nacional brasileira?
Claudia Amorim
O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama da ocupa-
ção portuguesa, na África, que se iniciou na segunda década do século XV 
(1415), com a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, e se finalizou 
na segunda metade do século XX, com a independência dos cinco países 
africanos colonizados pelos portugueses.
Durante esses cinco séculos de ocupação portuguesa na África, a cul-
tura do colonizador se misturou, ainda que timidamente, com a do coloni-
zado, malgrado os esforços dos europeus em impor a cultura dominante. 
Antes da chegada do europeu na África, quase nada se sabia sobre o modo 
de vida ou sobre a organização dos grupos étnicos que lá viviam, porém 
é inegável que a cultura secular e ágrafa desses povos permaneceu e se 
difundiu por outros territórios ocupados pela nação lusa, como o Brasil, 
por exemplo, que recebeu um grande número de escravos provenientes 
da África, especialmente do Congo, da Guiné e de Angola (grupo étnico 
banto) e da Nigéria, Daomé e Costa do Marfim (grupo étnico sudanês).
No Brasil colonial, a cultura portuguesa do colonizador, a cultura africana e 
a cultura indígena foram os pilares da constituição do caráter brasileiro, ainda 
que o colonizador europeu, branco, tenha subjugado o negro e o índio e suas 
culturas não cristãs e, por isso, naquela época, consideradas “inferiores”.
Contemporaneamente, os laços culturais que aproximam a cultura bra-
sileira da África lusófona são inúmeros e passam, entre outras coisas, pela 
música, pelas crenças religiosas, pela culinária e pela literatura que se ex-
pressa em português.
Assim, para falarmos da cultura e da literatura africana, e de seus inegáveis 
laços com o Brasil, precisamos voltar no tempo e observar que, sem os empre-
endimentos marítimos dos portugueses que os levaram a algumas regiões da 
África, e também ao nosso território, essa história seria bem diferente.
Comecemos, então, por estudar a África lusófona, ou seja, a África dos 
cinco países que falam hoje o português (Cabo Verde, São Tomé e Prín-
cipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique), focalizando primeiramente a 
chegada do português a essas regiões.
A África lusófona: um pouco de história
34
A África lusófona: um pouco de história
Breve panorama 
histórico da África lusófona
No ano de 1415, os portugueses tomaram dos mouros, em apenas um dia de 
combate, a cidade de Ceuta, no Marrocos. Essa importante vitória da cristanda-
de sobre os “infiéis”, já nos primórdios do Renascimento, guarda um significado 
simbólico também por ter sido exatamente de Ceuta que Tarik e o seu exército 
de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península Ibérica, per-
manecendo na Península durante sete séculos.
Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta 
foi o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Pe-
nínsula Ibérica ao Extremo Oriente e ao Brasil no final do século XV e início do 
século XVI.
A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas 
do sul da Berbéria (nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a 
região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual 
Magreb com exceção do Egito), e das caravanas com o ouro proveniente da 
Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os portugueses 
adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do con-
tinente africano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em 
que buscava contato com um suposto soberano cristão na África – Preste João 
das Índias1 –, a política de expansão portuguesa adotou a exploração da África 
em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo.
Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul 
ao longo da costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois 
avançou pela costa oriental do continente africano ao longo do OceanoÍndico, 
em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, chegando finalmente à região do 
Atlântico Sul com a colonização do Brasil.
O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o império de Cristo entre os 
povos não cristãos vai se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economica-
mente mais enriquecedoras. A exploração da Costa Africana onde os navegantes 
encontraram pimenta malagueta, canela e outras especiarias, além do marfim e 
do ouro, se mostrava bastante lucrativa. Assim, novas expedições se organiza-
ram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando 
um período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses.
O mapa a seguir indica os territórios ocupados pelos portugueses e a rota das 
navegações portuguesas a partir de 1415 até meados do século XVI.
1 Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João das Índias, e acreditava-se 
que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na África, poderia ser aliado europeu para a exploração do 
caminho marítimo para as Índias. A Coroa Portuguesa, a partir dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com 
o desejo de fazer possíveis alianças.
A África lusófona: um pouco de história
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A África lusófona: um pouco de história
A colonização das ilhas 
do Atlântico e da Costa Africana
Nos anos seguintes à tomada de Ceuta, os navegadores portugueses empre-
enderam seu movimento para o sul, chegando em 1418 à ilha de Porto Santo, 
em 1419 à Ilha da Madeira, em 1427 aos Açores, em 1460 às ilhas de Cabo Verde 
e em 1470 às ilhas de São Tomé e Príncipe, todas desabitadas. Nos primeiros 
arquipélagos – Porto Santo, Madeira e Açores – o clima favorecia a ocupação e 
o trabalho na terra, e ali se estabeleceram, então, as primeiras colônias de po-
voamento. Nos demais arquipélagos – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe –, os 
portugueses fundaram colônias de plantação, não se preocupando com o povo-
amento da região.
Nas terras continentais, no ano de 1446, os portugueses alcançaram a Guiné-
-Bissau (a que colonizaram com o nome de Guiné Portuguesa), em 1483 che-
garam à região que hoje se conhece como Angola e, após a viagem de Barto-
lomeu Dias, que venceu o Cabo das Tormentas (renomeado para Cabo da Boa 
Esperança, devido ao sucesso da empreitada), Vasco da Gama pôde preparar sua 
armada para uma viagem até a Índia. Em 1488, Gama partiu da Praia do Restelo 
em Lisboa, onde está atualmente a Torre de Belém, avançando para o sul até 
alcançar o Oceano Índico. Antes que o propósito de sua viagem se concluísse, as 
caravelas portuguesas aportaram em Moçambique no ano de 1489.
Em cada lugar em que as caravelas portuguesas aportavam, um padrão de 
pedra com as armas e o brasão português era fincado. O padrão simbolizava a 
posse oficial do território. Essa medida da Coroa Portuguesa visava a desencora-
jar intrusos e reforçar o senhorio sobre as terras ocupadas.
O Império Colonial Português 
nas ilhas e nas terras africanas
A extensão do Império Português no Oriente e no Extremo Oriente obrigou 
a Coroa Portuguesa à fragmentação das possessões portuguesas na África. O 
alto custo da manutenção em algumas cidades do Marrocos fez com que a 
Coroa abandonasse essa região. Os gastos numerosos com a defesa da Costa 
da África, especialmente com os ataques de corsários e comerciantes de outros 
países europeus, enfraqueceram a Coroa Portuguesa. Porém, mesmo com esses 
A África lusófona: um pouco de história
37
revezes, nos séculos seguintes, o Império Colonial Português se sustentou e as 
colônias portuguesas na África continuaram a ser sistematicamente exploradas. 
Para garantir as terras na África, a Coroa Portuguesa concedia as terras, por um 
período de tempo limitado (cerca de três gerações), aos colonos que desejassem 
explorá-las. Ao fim desse período, a concessão deveria ser renovada. Os colonos 
tinham como tarefa defender os interesses portugueses nas terras do além-mar 
e pagar por essa concessão com o produto dos territórios que lhes eram confia-
dos. No entanto, gradativamente, o mundo dos senhores ia se misturando com 
o dos africanos e indianos locais, alterando as relações de poder.
Nesse período, outro “negócio” começou a ganhar força – o tráfico negreiro. 
Por volta de 1648, os portugueses ocuparam os locais estratégicos no comércio 
de escravos, que se tornou indispensável a todas as colônias da América. A eco-
nomia de plantação – especialmente na América – demandava uma maior ex-
portação de escravos africanos que se tornou sistemática. Entre os anos de 1502 
e 1860, 9,5 milhões de africanos foram deportados para o continente americano, 
e no século XVIII, com a descoberta do ouro em Minas Gerais e a necessidade de 
extraí-lo, muitos negros da região de Angola foram enviados ao Brasil.
A Guiné Portuguesa foi inicialmente a principal fornecedora de mão de obra 
escrava para o continente americano, sendo depois substituída por Angola, país 
que manteve essa posição até o século XVIII. Nos fins desse mesmo século e du-
rante o século XIX a região do Golfo da Guiné3 ocupou a supremacia do tráfico 
negreiro, que havia sido de Angola no século anterior, e a feitoria de São Jorge da 
Mina4, em Gana, foi o principal porto de escoamento de escravos para a América.
O início do século XIX trouxe mudanças significativas para a situação da África 
portuguesa. Com a independência do Brasil, em 1822, Portugal se viu pressio-
nado a enfrentar as demais potências europeias para assegurar seus “direitos” 
sobre os territórios africanos ocupados.
Pressionado pela política europeia, Portugal extingue o tráfico negreiro no 
Império em 1842, e em 1869 declara o fim da escravidão, embora esse tráfico 
continuasse a ser feito durante os anos seguintes. Nas colônias, a política de ex-
ploração das riquezas tinha seguimento e, para tanto, Portugal precisou instituir 
uma legislação trabalhista que obrigava o nativo ao trabalho forçado nas planta-
ções de algodão ou nas obras públicas.
3 Golfo da Guiné é uma reentrância próxima às Ilhas de São Tomé e Príncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, 
Camarões, Guiné Equatorial e a parte norte do Gabão.
4 A feitoria de São Jorge da Mina, em Gana, é a construção europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara.
38
A África lusófona: um pouco de história
Paralelamente às pressões externas, ao longo do século XIX, a vida nos ter-
ritórios africanos mudava lentamente. A essa altura, uma população mestiça e 
burguesa, ainda que em número reduzido, vai se formando nas colônias do ultra-
mar, reivindicando melhores condições para essas terras. Aparecem os primeiros 
assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de portugue-
ses, geralmentemestiços, nascidos na África, que recebiam uma educação mais 
formal. Nessa época, alguns poucos jornais circulavam pelas mais importantes 
cidades da África portuguesa, instaurando a necessidade de uma educação nas 
regiões mais importantes do ultramar.
As demais nações europeias, interessadas em repartir a África, pressionaram 
Portugal a abrir mão de alguns de seus territórios. Na Conferência de Berlim, 
de 1885, Portugal perdeu o Congo e teve que se contentar com o enclave de 
Cabinda, região próxima a Angola. No entanto, apesar desse recuo, Portugal é, 
no fim do século XIX, senhor de dois milhões de quilômetros quadradros no 
território africano.
A independência dos 
cinco países africanos lusófonos
A Guerra Colonial durou treze anos – de 1961 a 1974 – e pôs fim à ocupação 
portuguesa no território africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os 
portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da África. Entre os povos dos 
territórios ocupados duas denominações foram adotadas: Guerra de Libertação 
Nacional e Guerra pela Independência.
Ao longo desses cinco séculos de domínio português nas colônias da África, 
houve muitas tentativas de resistência dos povos locais, mas a supremacia bélica 
dos portugueses, aliada às disputas políticas entre as diversas etnias das regi-
ões ocupadas, favoreceram o domínio lusitano, dando lugar ao Império Colonial 
Português que abrangia não só territórios na África, mas também na América do 
Sul, com o Brasil, e, ainda, na Índia e na Ásia.
Como afirma Kabengele Munanga (1986), quando os primeiros europeus 
desembarcaram nas terras africanas, encontraram estados organizados politica-
mente, mas essa organização não foi capaz de reverter a ocupação europeia, 
pois o desenvolvimento técnico dos estados africanos, incluída a tecnologia de 
guerra, era inferior ao dos portugueses.
A África lusófona: um pouco de história
39
A República Portuguesa 
e o golpe militar de 1926
No início do século XX, a situação das colônias africanas lusófonas não se al-
terou muito em relação ao século anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para 
“Portugal, como para as outras potências europeias, a colonização supõe a con-
quista, o desenvolvimento de uma economia de exportação e a submissão da 
mão de obra indígena para o trabalho e para o imposto”. Com isso, o trabalho 
de exploração das terras africanas, sem nenhum investimento econômico, conti-
nuou e se agravou com o início das duas grandes guerras mundiais.
A curta vida da República Portuguesa, que surgiu em 1910 e foi derrubada 
pelo golpe militar de 1926, põe fim às pretensões dos republicanos, inauguran-
do um longo período ditatorial marcado por perseguições de toda ordem, re-
trocesso político e econômico, com reflexos graves nas colônias do ultramar. Em 
1928, Antônio de Oliveira Salazar – um professor de Coimbra – foi convidado a 
assumir a Pasta das Finanças do país e a partir dessa data inaugurou-se um pe-
ríodo difícil da história de Portugal. É o início da ditadura salazarista, nome pelo 
qual ficou conhecido o regime ditatorial em Portugal, que teve início em 1926 e 
só terminou em 1974, com a Revolução dos Cravos.
Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista 
“um projeto econômico-social se integra organicamente à repressão antipopular 
e antidemocrática. Trata-se, explícita e nitidamente, do projeto fascista do grande 
capital, de que Salazar se fez um funcionário coerente, lúcido e pertinaz”.
Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colô-
nias, e com mão de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição. 
Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forçado para os na-
tivos das colônias, obrigando a população negra a servir por um determinado 
período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial era, na 
verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa 
Portuguesa aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a dita-
dura salazarista criou a polícia política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância 
e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polícia Internacional de 
Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colônias do ultra-
mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande 
revolta nas colônias contra a política da Metrópole.
40
A África lusófona: um pouco de história
Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial, 
o regime português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial-
mente algodão, cana-de-açúcar, café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros 
obtidos com essa exploração eram revertidos para a Metrópole, ao passo que as 
colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva.
O descontentamento com essa política de exploração aumentou visivelmen-
te na década de 1950 e, durante essa mesma época, disseminaram-se na África 
as ideias do Movimento da Negritude, criado em 1934, em Paris, por um grupo de 
poetas e intelectuais negros. O Movimento da Negritude defendia uma revolu-
ção na linguagem e na literatura, a fim de reverter o sentido pejorativo da pala-
vra negro e dela extrair um sentido positivo. Em 1939, o poeta negro martinica-
no Aimé Césaire o utilizou pela primeira vez em um trecho do ”Cahier d’un Retour 
au Pays Natal” (Caderno de um Regresso ao País Natal), poema que se tornou a 
obra fundadora da Negritude. Inspirados pela luta dos negros norte-americanos, 
que combatia a discriminação racial e a intolerância, os adeptos do Movimento 
da Negritude defendiam o respeito à diferença e a valorização das características 
próprias da cultura negra.
Nesse ínterim, a situação de alguns dos territórios africanos colonizados 
por franceses ou ingleses, por exemplo, ganhava outro estatuto. Alguns novos 
países independentes surgiam na África acelerando o processo de descoloniza-
ção. Todas essas lutas eram estimuladas pela ação do Movimento da Negritude 
que defendia a valorização dos negros e da sua cultura e pelas lutas dos negros 
norte-americanos contra o racismo.
Desse modo, a grande insatisfação com a política salazarista para as colô-
nias, a disseminação das ideias do Movimento da Negritude, a luta dos negros 
norte-americanos contra o racismo e a independência de países africanos co-
lonizados pela França e pela Inglaterra foram os propulsores dos movimentos 
independentistas nas “províncias ultramarinas” portuguesas.
A criação dos movimentos pela 
independência das colônias na África Portuguesa
Na esteira desses acontecimentos, em meados da década de 1950, surgia, 
na Guiné Portuguesa, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné 
e Cabo Verde), cujo líder era Amílcar Cabral, e em Angola o MPLA (Movimento 
A África lusófona: um pouco de história
41
Popular de Libertação de Angola), sob a liderança do poeta Agostinho Neto. Na 
década seguinte, em 1962, um ano após o início da guerra pela independência 
em Angola, surgia em Moçambique a FRELIMO (Frente Nacional de Libertação 
de Moçambique), sob o comando de Eduardo Mondlane.
Todos esses movimentos africanos pela independência têm entre seus líde-
res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigos 
estudantes da Casa do Estudante do Império (CEI), em Lisboa – (havia uma em 
Coimbra também). Essas casas funcionavam como um ponto de reunião de 
jovens estudantes oriundos de vários territórios do ultramar, especialmente dos 
países africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local 
estratégico e decisivo para a tomada de consciência e organização dos jovens 
estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes 
e intelectuais portugueses contrários ao regime fascista. Centro de articulação 
política e resistência, a CEI de Lisboa também funcionou como um espaço para 
o surgimento de uma literatura de valorização das raízes africanas.
Como observa Manuel

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