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Reformas urbanas e políticas higienistas no Rio de Janeiro

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O discurso biopolítico e as políticas higienistas nas reformas urbanas no Rio de Janeiro no início do século XX
Geohistória
Prof. Rogério Haesbaert
Nomes: Flávia Barros 
 Gleice Nascimento
 Karenn Correa
Introdução	3
Conceitos	4
Poder	4
Biopoder	4
Território	5
Desterritorialização	6
O modelo parisiense	6
O panorama do Rio de Janeiro	7
A administração Pereira Passos	8
A revolta da vacina	11
Cidade Maravilhosa	13
Bibliografia	14
 
O silêncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!
Cruz e Souza
Introdução
Nesse trabalho, partiremos de conceitos geográficos para abordar o contexto da reforma higienista ocorrida na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX.Como objeto de análise,tomaremos a área central da cidade,privilegiando a escala local.O recorte temporal se dará,grosso modo,entre 1890 e 1920,período de desenvolvimeno do processo e de suas consequências.
 
Começaremos definindo os conceitos de poder, biopoder, território e desterritorialização. Em seguida, veremos como essa base teórica justificou as políticas públicas estatais ou , ainda, como esses conceitos podem ser notados nos acontecimentos no início do século passado. 
	
Conceitos
Poder
 O termo “poder” é difícil de ser definido por consistir em ações que possuem um caráter relativo. Podemos começar analisando a ambiguidade que a palavra “poder” assume. Ela pode vir grifada com maiúscula no início, o que vai significar que se refere a uma concepção unidimensional do poder, a soberania do Estado; ou iniciada com minúscula, que vai indicar o poder contido em cada relação existente.
 O problema está no fato de o poder estar escondido, muitas vezes, por trás do Poder mais expressamente delimitado pela figura do soberano. No entanto, o primeiro é mais perigoso por estar tão minuciosamente entranhado nas relações que por vezes acaba não sendo percebido.Assim, é um tanto precipitado achar que o poder emane de um único lugar. “O poder está em todo lugar; não que englobe tudo, mas vem de todos os lugares”¹.
 Segundo Foucault, o poder possui várias características, como o fato de não ser adquirido, mas exercido a partir de diversos pontos (multidimensionalidade); não ocupar uma posição de exterioridade, mas estar intrínseco em todas as relações sejam elas econômicas, sociais, políticas etc.; as relações de poder serem objetivadas por um fim e o fato de poder e resistência coexistirem.
 Existe também uma ligação entre poder e saber. Saber como usar a informação e transformá-la em conhecimento. O espaço-tempo relacional é organizado pela combinação de energia – necessária para a comunicação, trocas orais etc. – e informação.
 Para Foucault e Deleuze, o lugar de formação de saber é o mesmo de onde o poder é exercido. Esse elo entre poder e saber é afirmado por vários autores. A energia pode virar informação, portanto saber; a informação pode facilitar a liberação de energia, portanto de força. Dessa forma, o poder é também um lugar de transformação.
 Seguindo a linha marxista, pode ser aceita a ideia de que o poder está enraizado no trabalho. Quando as organizações separam a energia de informação do nível de trabalho, facilita a manipulação das classes (conceito de alienação).
 Portanto, é da população que emana todo o poder. Sem ela, ele seria uma mera potencialidade. Porém também é sobre a população que o poder age. Não só sobre ela, mas também sobre o território e os recursos. Inclusive, geralmente, isso é feito de forma simultânea. O objetivo do poder é controlar e dominar homens e coisas.
Biopoder
É no séc. XVIII que surge a “população” enquanto problema econômico e político, a “população” enquanto ser biológico que se reproduz, e, portanto, deve ter os seus processos biológicos controlados.
Segundo Foucault(1985), durante muito tempo o soberano tinha o poder sobre a vida dos seus súditos, o poder de deixar viver ou exigir a morte, fosse a morte enquanto punição por uma ameaça direta ou entrando em guerra e exigindo a defesa do Estado à custa do risco de morte. Esse mecanismo de poder se transforma, e “O velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver à morte”[footnoteRef:1]. O poder passa a gerir e ordenar a vida. [1: FOUCAULT, M. Historia da Sexualidade vol.1, p. 130] 
A partir do século XVII vemos o corpo como máquina, que deve ser adestrada, docilizada. Os corpos são manipulados, treinados pra potencializar suas aptidões, de modo a extrair deles o máximo de suas potencialidades. Aproximadamente na metade do século XVIII, vemos o corpo no seu aspecto biológico, como ser vivo que se reproduz, demandando uma regulação de seus processos biológicos, sua natalidade,mortalidade, longevidade etc. A partir daí o poder se volta ao controle dos corpos, o homem passa a ser visto como espécie, devendo ser regrados sua reprodução, habitação, sua vida, enfim. Valoriza-se a disciplina e os órgãos onde ela é aplicada desenvolvem-se, como escolas, quartéis, etc. assim como cuida-se da saúde pública, habitação, demografia, duração da vida, em suma, cria-se uma tecnologia de poder centrada na vida, no seu controle, na sua organização.
Foucault chama “biopolítica” à presença dos mecanismos da vida em cálculos explícitos. Assim, a política cada vez mais se ocupa dos corpos, sua reprodução, saúde, doenças, local de habitação. A atuação da lei se intensifica enquanto norma, e os aparelhos médicos, administrativos e judiciários se integram cada vez mais com objetivo sobretudo regulador. 
Essa biopolítica terá influência crescente na configuração do poder, evoluindo até a sociedade de controle contemporânea. Propomos-nos analisar essa influência particularmente na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, focando nas reformas realizadas na administração do prefeito Pereira Passos (1902-1906).
Território
 Território possui uma significação bem ampla. Existem dicionários que o dão até seis significados diferentes. Ele pode ser definido pelo senso comum como um espaço social qualquer ou também definido com um sentido mais etológico, como um espaço defendido por determinados grupos de animais. No entanto, etimologicamente, território vem do latim territorium que se refere a “terra”. A partir da década de 70 foi amplamente difundido na Geografia com o valor de “pedaço de terra apropriada”.
 
 Apesar de o território se apoiar no espaço, eles não são sinônimos. O conceito de espaço é anterior. Portanto, o homem se apropria dele, territorializando-o, criando relações, campos de poder. Assim, “o espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”¹.
 O conceito de território diverge na concepção de alguns autores. Raffestin, por exemplo, definiu as ligações com o território (territorialidade) a partir de um processo de coletividade. Ou seja, que a territorialidade está baseada nas relações que geram uma ordem coletiva seja através de instrumentos ou mediadores.
 Já para Baudrillard, o território como substrato físico, concreto, era menos significativo do que o território informacional. Ele afirmava que a unidade de medida não era a distância espacial, mas a unidade de tempo.
 Ratzel, no entanto, não acreditava que a essência de território estivesse ligada a tecnologia ou a informação, mas à natureza política relacionada ao conceito de Estado-nação.
Portanto, sintetizando os diversos valores que território pode assumir, são observadas três vertentes básicas:
· Política – mais relacionada a noção de espaço-poder. Território é visto como um espaço delimitado sob o domínio determinado poder, geralmente o Estado. 
· Cultural – mais subjetiva, focaliza as relações de cunho identitário com o espaço.
· Econômica – minoritária, relativa as relações materiais, ao embate entreas classes sociais e a relação entre capital e trabalho.
Assim, a partir de uma visão política, território pode ser entendido como um objeto de ação estatal. É partir do poder do Estado que os indivíduos são distribuídos no espaço. 
A territorialidade pode ser usada, então, como um instrumento de segregação.Dessa maneira, o processo de dominação e apropriação do território se faz através de um mecanismo de poder e assume não só um sentido físico, mas também simbólico, visto que a territorialidade é composta pelo senso de identidade espacial, senso de exclusividade e pela compartimentação da interação humana no espaço².
Desterritorialização
Tendo claro o conceito de território e suas concepções, podemos perceber que desterritorialização é um processo que se dá por meio da desconstrução das relações de poder/sociais que permitem e delimitam a existência de um território e definem as suas características. 
“É o movimento pelo qual ‘se’ abandona o território. É a operação da linha de fuga”, segundo Deluze e Guattari. Visto que um território é feito a partir da articulação entre as dimensões material e simbólica , a desterritorialização também pode contemplar esse dois aspectos, embora eles geralmente se sobreponham.
 Grosso modo ,podemos destacar dois tipos de desterritorialização:
a)Deslocamento: nesse caso, ligada ao aspecto econômico do capitalismo flexível e do desenvolvimento das redes que permitem a passagem por diversos territórios.É importante ressaltar que a simples mobilidade da classe dominante não é necessariamente sinônimo de desterritorialização ,embora muitos afirmem o contrário.
b)Hibridismo: desterritorialização tomando o território como um espaço de apropriação simbólica é um processo que resulta da submissão/ inserção de um indivíduo em um território predominantemente dominado por valores culturais distintos.Nessa situação ,o individuo trabalha na construção de uma nova identidade que articula os valores novos com os tradicionais, tornando-se hibrido culturalmente. 
No nosso trabalho, privilegiaremos a abordagem de território como uma mistura das concepções política e cultural, sendo, portanto: espaço delimitado por relações de dominação e forte presença da questão identitária. 
O modelo parisiense
A reforma urbana do Rio de Janeiro foi inspirada principalmente nas obras realizadas em Paris na administração do prefeito Georges-Eugène Haussmann (1853 a 1870).
Haussmann extinguiu as ruas estreitas e os quarteirões onde habitações populares se amontoavam e facilmente cobriam de barricadas durante as lutas do proletariado (entre 1827 e 1851 foram nove vezes sucessivas).
A abertura dos largos bulevares, ao mesmo tempo em que impedia a formação de barricadas e facilitavam a movimentação das tropas do governo, levava a salubridade à cidade de esgotos a céu aberto e pouca higiene. O antigo casario foi posto abaixo, abriu espaços para os parques públicos, canalizou a água e o esgoto, e inúmeros melhoramentos urbanísticos. Tudo executado muito rapidamente e com métodos que o consagraram como verdadeiro ditador.
A nova Paris se transformou em exemplo e inspiração para outras capitais do mundo, símbolo de civilização e modernidade. Não se pode deixar de encontrar semelhanças entre a administração de Haussmann e a de Pereira Passos, semelhança entusiasticamente proclamada pela elite da época.
“A velha Paris não existe mais (a forma de uma cidade muda mais depressa, ai! do que o coração de um mortal) 
(...)
 “Paris muda! Mas nada se moveu em minha melancolia! Palácios novos, andaimes, blocos, velhos subúrbios, tudo para mim se torna alegoria, e minhas caras lembranças são mais pesadas que rochas.”
(Baudelaire –Lê Cygne)
O panorama do Rio de Janeiro
Desde 1860, já há registros da preocupação de remodelar a cidade. A partir de 1840 aparece o ônibus e com ele começa uma nova etapa no crescimento da cidade, com a população se expandindo de acordo com o traçado do seu itinerário. Logo ele se torna inviável para a expansão da cidade e, em outubro de 1868 inaugura-se a primeira linha de bondes, incrementando a ocupação urbana, porém a cidade continua com aspecto colonial, apesar da eletrificação gradativa dos bondes e da expansão da linha férrea.
Acompanhando as transformações urbanas, no decorrer da segunda metade do século XIX surgem organizações intelectuais que contribuirão para a reforma urbana da virada do século, como o Clube de Engenharia, extensão da Escola Politécnica. Um dos temas recorrentes nas suas sessões é a transformação do Rio de Janeiro. O Clube se faz presente sempre que surge algum assunto relacionado com obras públicas, e foi o principal responsável por manter o debate sobre a urbanização da cidade.
Na década de 1890 houve um agravamento das epidemias. Em 1891 ocorreu um aumento da mortalidade causada, principalmente pela febre amarela, a varíola, a malária e a influenza. Em 1889 o Rio de Janeiro é atingido por um surto de febre amarela com 2.155 vítimas. O II Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia aprova um rol de medidas sanitárias para a cidade , entre elas a drenagem e aterro dos terrenos baixos e alagadiços, destruição do lixo removido da cidade e calçamento e lavagem cotidiana das ruas, reivindicando autonomia de ação às autoridades sanitárias, desejo realizado somente por Osvaldo Cruz.
Paralelamente a recrudescência das epidemias, houve uma imensa concentração da população no centro da cidade.
“Segundo o relatório dos trabalhos da Inspetoria Geral de Higiene,
De 1869 a 1888, o número de cortiços aumentou, o número de habitantes por cortiço não só aumentou, como elevou-se a média de habitantes por quarto ou casinha, o que demonstra que nesse período a população neles aquartelada sofreu forte condensação.
Ora, exatamente de 1888 a 1890 essa população especial teve extraordinário aumento. A grande massa da antiga população servil que nesse triênio desapareceu das fazendas, que não reside mais nos povoados e cidades do interior do país, porque ai não se poderia manter, afluiu, em grande parte, para este centro de absorção, onde se achava o trabalho fácil e o salário elevado.
Tudo faz crer que a população domiciliada nos cortiços representasse em 1890 o dobro da recenseada em 1888, se não mais, isto é, mais de 100.000 habitantes. ”[footnoteRef:2] [2: Relatório dos trabalhos da Inspetoria Geral de Higiene. 1882, p.68 In: Pereira Passos: Um Haussmann Tropical. Benchimol, J.L.] 
Até o inicio do século XX os poderes públicos se limitaram a medidas paliativas, com exceção de Cândido Barata Ribeiro, prefeito do Rio de Janeiro por apenas cinco meses (17 de dezembro de 1829 a 25 de maio de 1853, quando teve a nomeação rejeitada pelo Senado Federal). Ele adotou medidas que continham vários aspectos da remodelação realizada mais tarde por Pereira Passos.
Chegamos às vésperas da virada do século em meio a uma turbulenta conjuntura política, com alta dos preços em decorrência das medidas econômico-financeiras adotadas por Rui Barbosa, o chamado “encilhamento”, crise de abastecimento no mercado interno como conseqüência da crise agrária e escassez de moradias, além dos baixos salários em conseqüência da grande oferta de trabalhadores.
A marcha do capitalismo exige o controle dessa massa popular mal-alimentada, empobrecida e sujeita a doenças. É preciso controlar suas condições de vida, mante-los em “ordem” segundo as “normas da sociedade”.
A administração Pereira Passos
Francisco Pereira Passos nasceu em 1836, foi criado numa grande fazenda de café, estudou na Corte e graduou-se em Matemática em 1856. Ingressa na carreira diplomática e é nomeado adido à legação brasileira em Paris, onde permanece de 1857 até fins de 1860. Conheceu engenheiros da École de Ponts et Causséss e freqüentou seus cursos. Presencia também as obras realizadas em Paris sob o comando de Eugène Haussmann.
Quando Rodrigues Alves assume a presidência do país, em 1902, convida Pereira Passos, já então um experiente engenheiro, para ocupar o cargo de prefeito do Rio de Janeiro. Passosaceita o convite, com a condição de governar com carta branca, no que é atendido através da lei de 29 de dezembro de 1902, que criava um novo estatuto municipal para o distrito federal. Uma lei de exceção, imposta pelo Estado.
Tem início a grande remodelação da cidade.
	Ocorreram duas ações de reformulação urbana. A primeira, projetada pelo governo federal, operou-se em função da modernização do Porto do Rio de Janeiro. A segunda, planejada pela prefeitura, foi ampla e buscou integrar as diversas regiões da cidade ao seu centro urbano, pensado como lugar privilegiado da difusão da civilização.
	No seu livro Microfísica do Poder, Michel Foucault(1979) diz que no final do século XVIII começa-se a utilizar a organização do espaço para alcançar objetivos econômicos-políticos. As reformas da então capital da República refletem bem esse pensamento. A burguesia em ascensão necessitava de uma cidade que refletisse sua crescente prosperidade, não sendo condizente com a nova realidade do desenvolvimento econômico a existência de amontoados de habitações coletivas, que contribuíam para a insalubridade da capital. Ratificando essa colocação, a medicina sanitária apresentava os números de mortos nas recorrentes epidemias e exigia providências urgentes. O poder administrativo e o poder médico se conjugavam para organizar o espaço urbano, ordená-lo segundo a necessidade de manter a população sob controle, usando todo um aparato político. Uma série de medidas foram adotadas para transformar antigos hábitos que não condiziam com a capital da república ou mesmo com um povo “civilizado”. Tais medidas afetavam principalmente a população mais pobre. Em 1903 foi proibida a venda de miúdos de animais nas ruas, no ano seguinte esse comércio foi permitido, sendo regulado, porém, o horário e a forma de transporte dos miúdos: à cabeça ou em carros, em caixas de zinco com divisões internas, com pagamento de multa em caso de infração. Também em 1903 foi proibida a ordenha de vacas na via pública, um costume antigo de se ordenhar as vacas nas portas dos fregueses. Ao mesmo tempo a prefeitura estipulou normas para a fiscalização do leite, proibindo a adição de substâncias estranhas, obrigando a vacinação das vacas com tuberculina e fiscalizando estábulos.
	A captura e extinção dos cães que vagavam nas ruas foi decretada também em 1903 e obrigava a matrícula dos cães cujos donos residissem na cidade, com pagamento de imposto anual. Nesse mesmo ano foi proibida também a prática da mendicância. Os recolhidos nas ruas eram submetidos a exame por três médicos da Diretoria Geral de Higiene e Assistência Pública; os inaptos para o trabalho eram recolhidos ao asilo São Francisco de Assis, os aptos eram considerados vadios e enquadrados no Código Penal. O aparato médico se conjugava ao judiciário para regular a circulação e determinar os capazes ou não de trabalhar, distinguir quem é doente e quem é vagabundo, disciplinando uns no hospital e outros na prisão.
	A prefeitura também proibiu certas modalidades de comércio ambulante que “enfeiavam” a cidade e não eram condizentes com uma capital moderna, muitas delas descumprindo normas de higiene.
	Proibiu-se o entrudo, perseguiu-se o candomblé e a boêmia, proibiu-se cuspir nas ruas e escarrar nos veículos de transporte, exigindo que as companhias de bondes lavassem o assoalho com solução anti-séptica. As crianças foram proibidas de soltar pipas, também foram proibidas as fogueiras, fogos de artifício e balões nas festas de São João em toda a zona urbana. A norma, executada pela lei, transformava uma cidade anti-higiênica e atrasada numa capital civilizada, estética e saudável, usando a autoridade da lei, da medicina, do poder administrativo.
	O desenvolvimento do biopoder leva à lei a funcionar cada vez mais como norma, integrando-se ao poder administrativo para normatizar a vida. Os fenômenos da vida se inserem no contexto político e a política se ocupa do ser biológico através de técnicas de gestão da vida. 
 Juntamente com o seu aspecto biopolítico, as reformas também tiveram um caráter territorializador pelo fato de agruparem indivíduos em determinado local fazendo com que coletivamente eles se identificassem com aquele espaço, o que se reflete no caso do Mangue.
 Com o famoso bota-abaixo de Pereira Passos, o baixo meretrício da cidade do Rio foi agrupado numa região que ficou conhecida como Mangue, ainda próxima à área central já que esse era um mal necessário se se quisesse canalizar os resíduos seminais masculinos sem provocar problemas na organização social. Notam-se dois aspectos principais: primeiro o fato de ter sido criado um lugar específico para a prostituição e, além disso, a criação de medidas higienistas de controle da saúde das prostitutas que visava impedir a proliferação de doenças.
 O mangue ficava em um lugar estratégico próximo às estradas de ferro Central do Brasil e Leopoldina. Atualmente, depois de inúmeras mudanças, o antigo Mangue se localiza no bairro do Estácio, agora com o nome de Vila Mimosa.
“A ação do governo não se fez somente contra os seus alojamentos, suas roupas, seus pertences pessoas, sua família, suas relações vicinais, seu cotidiano, seus hábitos, seus animais, suas formas de subsistência e de sobrevivência, sua cultura, enfim, tudo pe atingido pela nova disciplina espacial, física, social, ética e cultural imposta pelo gesto reformador. Gesto oficial, autoritário e inelutável, que se fazia, como já vimos, ao abrigo de leis de exceção e bloqueavam quaisquer direitos ou garantias das pessoas atingidas. Gesto brutal disciplinador e discriminador, que separava claramente o espaço do privilégio do espaço da opressão.” (Sevcenko, 1984)
 O Estado então se apropriou do espaço e a partir disso tomou medidas territorializadoras, como demolição de várias construções visando a especulação do solo pelas grandes companhias, novos impostos relacionados aos serviços, etc.
 Era preciso ir além da parte material da cidade, civilizar sua população, enquadra-la nos padrões aceitos pela burguesia. Esses padrões não aceitavam a divisão com o povo do espaço urbano. A cidade devia ser “limpa” das insalubres habitações populares, dos cortiços onde se amontoavam inúmeras famílias em condições precárias. A Avenida Central foi o eixo desses melhoramentos, da transformação da cidade colonial na cidade moderna. O centro recebeu as melhores casas comerciais, jornais, grandes companhias, clubes hotéis, além da Escola de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Supremo Tribunal, o Teatro Municipal, o Palácio Monroe. Sobre a população trabalhadora que residia no traçado da Avenida passaram o interesse dos especuladores, que cobiçavam a área muito valorizada, o capital comercial e financeiro, beneficiado com o projeto, a burguesia que reivindicava um espaço à sua altura. As demolições começaram em 29 de fevereiro de 1904. Além das casas de casas de cômodos e cortiços, inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais, oficinas e pequenas fábricas foram derrubados. As informações sobre os números das demolições são desencontradas, segundo Benchimol³, esses números variam entre 590 prédios desapropriados, 700 demolições, duas a três mil casas e 641 casas de comércio desapropriadas.
 No caso da desapropriação dos moradores das habitações populares no Rio de Janeiro no inicio do século passado, fica clara a desterritorialização. Em nome dos princípios da ordem e da higiene , que na verdade ocultavam o negócio lucrativo da especulação imobiliária , casas eram demolidas enquanto populações perdiam o poder que exerciam sobre suas moradias, deixando claro que o controle da própria habitação era subordinado ao poder que a o estado exercia sobre essa população. 
 Sobre o processo de desterritorialização nesse caso, é muito importante notar que a territorialidade dos menos favorecidos foi, de certa forma, manipulada pelos interesses das classes dominantes .Houve resistência ao processo de desterritorialização, como afirma Benchimol ao referir-seao episódio da demolição da habitação chamada ‘Cabeça de Porco’
A demolição não foi pacífica, como demonstra o enigmático oficio do chefe de policia do Distrito Federal, Bernardino Ferreira da Silva, de 23 de janeiro, advertindo o prefeito de que se preparava uma resistência armada visando impedí-la, e que estavam sendo compradas armas em diversas casas desse gênero de comercio. Na resistência, estariam envolvidos ate oficiais do exercito.
 No entanto, embora a população se mobilizasse ,o Estado conseguiu levar adiante o seu plano de valorização da área central por meio das desapropriações. Como consequência, grande parte da população se afastou do Centro e estabeleceu-se nos subúrbios.
 Em se tratando de desterritorialização, é de suma importância atentar para o fato de que ela é sempre seguida de uma re-territorialização. Todo ser humano está inserido em vínculos que têm o espaço como base material. Embora esse novo espaço tenha sido um refúgio para a pressão do aumento do custo de vida ,da especulação imobiliária e das reformas do Estado, houve um processo de integração e estabelecimento de laços nos subúrbios.
 Dessa forma, a nova territorialização se deu nas periferias da cidade por meio da criação de relações com o espaço.
	O impacto desse “banho de civilidade” foi enorme sobre a classe trabalhadora, para a qual a importância de residir no centro devia-se principalmente à proximidade do local de trabalho, já que o deslocamento era dificultado pelo alto custo dos transportes e precariedade dos meios de transporte para as freguesias mais distantes. Essa população foi sendo empurrada para a periferia e para os morros.
	Toda essa mudança causou uma pressão sobre a população pobre, que na primeira oportunidade iria extravasar. A oportunidade veio sob a forma de decreto: A Lei da vacina obrigatória.
A revolta da vacina
	O Rio de Janeiro era uma cidade insalubre, assolada por epidemias freqüentes. O registro da primeira grande epidemia de febre amarela data do período entre 1849 e 1850, com um saldo de 4.160 mortos. Desde então a febre se fez constante na capital. Além da febre amarela, a febre tifóide, a peste bubônica, a varíola, a tuberculose, entre outras, faziam inúmeras vítimas.
	Em setembro de 1850 a Assembléia Geral cria a Junta de Higiene Pública, que em 1886 passa a se chamar Inspetoria Geral de Higiene. Segundo o estudo “Danação da Norma”, a criação da Junta e as medidas praticadas no decorrer da epidemia marcam a institucionalização de um novo tipo de medicina no Brasil: a medicina social, que é basicamente preventiva, que situa as causas da doença não no corpo do doente, mas no que o cerca, e que, aliada ao poder do Estado, medicaliza as diferentes esferas da sociedade.
	A Junta recebeu em 1951 um Serviço de Estatísticas Demográficas. Ao longo de século XIX reivindica o exercício da polícia médica, autoridade para intervir na sociedade e policiar tudo aquilo que pudesse causar doença, num trabalho contínuo de vigiar e controlar a vida social. Os médicos higienistas apontavam a desordem urbana como responsável pela degeneração da saúde. A primeira causa da doença seria a geografia do meio ambiente, quente, úmido, cheio de pântanos e com morros que impediam a circulação dos ventos purificadores, seguida das habitações onde se aglomerava a população pobre do Rio de Janeiro.
	Esse discurso médico construiu uma opinião nas classes dominantes favorável a todo tipo de melhoria na cidade.
	Em nome da saúde os médicos procuravam controlar os espaços, se ocupando dos quatro problemas básicos enumerados por Foucault(1979): localizações, a questão do meio ambiente; coexistências, a relação dos homens entre si ou o que o cerca; moradias, o habitat; e deslocamentos, migração humana e propagação das doenças.
A administração Passos não foge à regra e dando continuidade a grande reforma da cidade, convida o médico sanitarista Oswaldo Cruz para assumir a Direção Geral de Saúde Pública. Ele exige recursos e liberdade completa de ação, sem nenhuma interferência política. O governo aceita o pedido e o cientista é nomeado com plenos poderes em 23 de março de 1903.
	No dia 8 de março de 1904 é aprovado um decreto regulamentando o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, que concedia entre outros poderes às autoridades sanitárias, o de demolir prédios considerados insalubres e constituía um juiz especial para julgar os casos pendentes, independente da justiça comum.
	Em 31 de outubro de 1904 é aprovada a lei da vacina obrigatória, que dará origem a revolta da vacina.
	Durante o ano de 1904 houve uma epidemia de varíola que deixaria um saldo total de 4.201 mortos. O governo implanta a vacina obrigatória alegando o interesse da saúde pública. A oposição protestava contra a arbitrariedade da lei e os métodos de aplicação violentos dos decretos, evocando a pouca confiabilidade dos aplicadores e dos soros, e durante cerca de dois meses e meio tentou obstruir o andamento do processo, mas o governo tinha maioria no Congresso. A lei foi votada e passou-se a regulamentação. O decreto abrangia de recém-nascidos a idosos, impondo a vacinação, ameaçando com multas e demissões sumárias.
	A regulamentação foi publicada no dia 9 de novembro e no dia seguinte iniciaram-se as agitações, com o povo atacando a pedradas a polícia, que tinha ordem de dispersar as manifestações públicas. No dia 11 o Largo de São Francisco, onde haveria um comício contra a vacina foi ocupado por forças policiais que usam a violência para dispersar a multidão. No dia 12 não há choques, mas um número estimado de três mil pessoas comparecem a reunião da Liga Contra a Vacina Obrigatória, criada por líderes trabalhistas com ambições políticas, mas que uma vez deflagrada a revolta popular, perde qualquer controle sobre o movimento. No dia 13 a revolta alcança grandes proporções, com muitos mortos, feridos e presos. Os revoltosos tomaram as ruas centrais e fizeram barricadas. As autoridades perdem completamente o controle da região central, a fúria popular arranca o calçamento das ruas destrói a iluminação pública e destrói veículos.O Exército é convocado para ajudar na repressão, assim como a Marinha, os bombeiros, mobilizou embarcações de guerra e a Guarda Nacional. No dia 14 irrompe uma tentativa de golpe militar para depor o presidente Rodrigues Alves. Militares e políticos reúnem-se no Clube Militar e deflagram o golpe. O major Gomes de Castro tenta sublevar a Escola Militar de Realengo, mas é preso pelo general Hermes da Fonseca. O tenente-coronel Lauro Sodré, o deputado Alfredo Varela e o General Sylvestre Travassos sublevam a Escola Militar da Praia Vermelha, onde os cerca de 300 alunos destituem seu comandante e marcham para o Palácio do Catete para depor o presidente. No caminho enfrentam-se com as tropas governamentais, e no intenso tiroteio morre o general Travassos, entre muitos outros. A revolta é sufocada. Dia 16 é sancionado um projeto estabelecendo o estado de sítio por 30 dias no Distrito Federal (prorrogado em 13 de dezembro de 1904 e 14 de janeiro de 1905). No mesmo dia é revogada a obrigatoriedade da vacina, e o governo finalmente retoma o controle da capital. 
	As ruas estavam cobertas de garrafas, colchões, latas e objetos incendiados. Casas comerciais foram saqueadas, árvores arrancadas, postes quebrados, bondes incendiados, trilhos removidos. Bombas de dinamite explodiram. No bairro da Saúde foram feitas trincheiras de mais de um metro de altura, com sacos de areia, veículos virados e trilhos de bonde. O material das obras em andamento na cidade foi usado para atacar as tropas do governo. Grande número de mortos, feridos e presos.
Cidade Maravilhosa	
	A inauguração oficial da Avenida Central se deu em 15 de novembro de 1905. A cidade colonial, insalubre, feia, de ruas estreitas e sujas deu lugar a uma metrópole moderna ao estilo parisiense.
	O poder governamental triunfa finalmente sobre a massa rebelde, saneia o centro da cidade tomado por casebres amontoados. O povo, agora “população”, número,estatística, é relegado à periferia. Muitos ainda resistem à margem da cidade renovada: a favela surge, cresce, abrigo dos excluídos, trincheira de uma guerra desigual. O Rio moderno, renovado ao molde europeu não era para todos. Havia os que assistiam de longe o “progresso”, que o vislumbravam no caminho para o trabalho na fábrica, nas ruas, nas casas abastadas. Sob os escombros do “bota-abaixo” ficaram não só as moradias, mas toda uma vida era deixada para trás; 1.681 habitações haviam sido derrubadas, quase 20 mil pessoas foram desabrigadas e tiveram de procurar nova moradia. Muitos morreram ou foram presos durante a Revolta da Vacina. A marcha do progresso atropelava quem se pusesse no seu caminho.
	E em 1908, Coelho Neto dá a Cidade do Rio de Janeiro o título de Cidade Maravilhosa...
Bibliografia
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FOUCAULT, Michel, Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal,1979.
HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2004.
HAESBAERT, Rogério. Des-territorialização e identidade: a rede “gaúcha” no nordeste, EdUFF, Niterói, 1997.
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SEVCENKO,Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes, Editora Brasiliense, São Paulo, 1984.
SIMÕES, Soraya Silveira. Vila Mimosa: etnografia da cidade cenográfica da prostituição carioca, EdUFF, Niterói, 2010.

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