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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E LETRAS Ana Gabriela Siqueira Silva A HISTÓRIA DESENHADA: as representações humorísticas no Rio de Janeiro durante o processo modernizador no início do século XX TAUBATÉ – SP 2009 Ana Gabriela Siqueira Silva A HISTÓRIA DESENHADA: as representações humorísticas no Rio de Janeiro durante o processo modernizador no início do século XX Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em História apresentado ao Departamento de Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté, como parte dos requisitos para colação de grau no curso de História. Orientador: Profª. Drª. Maria Januária Vilela Santos UNITAU Departamento de Ciências Sociais e Letras Taubaté – SP 2009 ANA GABRIELA SIQUEIRA SILVA A História Desenhada: as representações humoristicas no Rio de Janeiro durante o processo modernizador no início do século XX Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado ao Departamento de Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté, como parte dos requísitos para colação de grau no curso de História. Data: ________________________ Resultado: ____________________ BANCA EXAMINADORA Orientadora: Profª. Drª. Maria Januária Vilela Santos Assinatura: _______________________________ Prof. Dr. Cyro de Barros Rezende Filho Assinatura: _______________________________ Profª. Ms. Nilde Ferreira Balcão Assinatura: _______________________________ RESUMO A pesquisa trata do desenho de humor produzido no Rio de Janeiro quando Capital da República, especificamente as representações humorísticas sobre as transformações urbanísticas empreendidas por Pereira Passos, e sobre a campanha sanitarista empreendida por Oswaldo Cruz, tendo como objetivo analisar as transformações urbanas e as manifestações sociais, que culminaram na Revolta da Vacina, utilizando como objeto o traço humorístico do período abordado. A metodologia empregada foi a leitura das imagens produzidas, enfatizando a descrição dos elementos visuais, para conceber uma interpretação tomando por base bibliografias publicadas sobre o tema. O resultado foi que os desenhos produzidos no início do século XX representam, de forma eloqüente, as aspirações da elite brasileira em transformar-se numa nação civilizada, empreendendo reformas na Capital, almejando o respeito das nações européias e dos Estados Unidos. As charges abordam a afobação de mudar velhos hábitos e modernizar a cidade, ocasionando o descaso público para com a população pobre, desalojada do centro e sem ter para onde ir por não haver um plano habitacional destinado a ela e violentamente reprimida na Revolta da Vacina, quando decidem enfrentar as autoridades locais numa tentativa de adquirir o respeito negado a elas. Concluindo, a modernização da Capital atendia às necessidades da elite e à especulação imobiliária na região central, deixando a população pobre marginalizada, restando-lhe alojar-se nos morros da cidade. Palavras chave: charge – Reforma Urbana – Revolta da Vacina A História Desenhada: as representações humorísticas no Rio de Janeiro durante o processo modernizador no início do século XX LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Os Primeiros Passos do Passos ________________________________ 18 FIGURA 2 – Um Barracão de Menos ________________________________________ 21 FIGURA 3 – Depressa! Depressa! __________________________________________ 21 FIGURA 4 – Por Causa da Avenida _________________________________________ 23 FIGURA 5 – Sem Título ___________________________________________________ 27 FIGURA 6 – Na Hygiene Dando Ordens ______________________________________ 28 FIGURA 7 – O Espeto Obrigatório __________________________________________ 31 FIGURA 8 – O Porto Arthur da Saúde _______________________________________ 35 SUMÁRIO Introdução ______________________________________________________________ 5 Cap. 1 – Humor e História _________________________________________________ 6 1.1 – O desenho de humor e suas várias linguagens ___________________________________ 6 1.2 – Origem do Desenho de Humor _______________________________________________ 7 1.3 – O Desenho de Humor no Brasil _______________________________________________ 8 Cap. 2 – A Reforma Urbana _______________________________________________ 14 2.1 – O Rio de Janeiro no alvorecer do século XX ___________________________________ 14 2.2 – Os primeiros passos para a civilidade _________________________________________ 16 2.3 – A grande Reforma Urbana__________________________________________________ 19 2.4 – A questão social ___________________________________________________________ 22 Cap. 3 – A Revolta da Vacina ______________________________________________ 25 3.1 – Oswaldo Cruz, o Sanitarista ________________________________________________ 25 3.2 – A Campanha Sanitarista ___________________________________________________ 26 3.3 – A vacina obrigatória _______________________________________________________ 30 3.4 – A Revolta da Vacina _______________________________________________________ 32 Considerações Finais ____________________________________________________ 37 Referências Bibliográficas ________________________________________________ 39 Introdução A presente pesquisa apresenta como tema o desenho de humor no Rio de Janeiro quando capital da República, delimitando-se ao retrato social carioca registrado nos desenhos de humor durante o processo modernizador executado no início do século XX na cidade. Utilizando as representações humorísticas da reforma urbana empreendida por Pereira Passos e da campanha sanitária empreendida por Oswaldo Cruz, o objetivo da pesquisa foi analisar as transformações urbanas e as manifestações sociais na então Capital Republicana, entre os anos de 1903 e 1904, que culminaram na Revolta da Vacina. Sendo assim, a metodologia empregada foi a leitura das imagens produzidas na Primeira República, encontradas em livros e arquivos digitais, enfatizando a descrição dos elementos visuais do desenho de humor, para conceber uma interpretação do período tomando por base bibliografias publicadas que abordam o período tratado. A pesquisa foi dividida em três capítulos, sendo que o primeiro, intitulado Humor e História, conta com uma reflexão a respeito do desenho de humor como objeto para o estudo histórico. Para isto, o capítulo contou com um breve histórico do desenho de humor, no qual se abordou a origem, a evolução e a função do mesmo, chegando até o início do século XX no Brasil, e discutiu-se os atributos que diferenciam os vários estilos de desenho de humor, entre eles a caricatura, a charge e o cartum. O segundo capítulo, intitulado A Reforma Urbana, aborda a Reforma Urbana de Pereira Passos, apresentando imagens cujos temas são as transformações empreendidas na cidade para a abertura da Avenida Central. Poderes ditatoriais, demolições, remoção da população local e a rapidez do empreendimento são os temas tratados nos desenhos de humor, numa abordagem do caos causado pela reforma e do descaso público para com a população pobre que residia no centro do Rio de Janeiro. A população desalojada pelas obras de remodelação da cidade procura abrigar-se no subúrbio e nos morros que circundam a região central, iniciando o processo de favelização carioca. O terceiro e último capítulo, intitulado A Revolta da Vacina, trata da Campanha Sanitarista, comandada por Oswaldo Cruz, apresentando, como no capítulo anterior, imagens cujos temas são a Campanha Sanitária, a vacinação obrigatória e a revolta da vacina. Incompreendidapela população por sua violência e arbitrariedade, a campanha apresentou como desfecho a Revolta da Vacina, quando a massa popular, cansada do autoritarismo dos médicos sanitaristas, das humilhações sofridas e do descaso do governo para com ela, rebela-se contra a obrigatoriedade da vacina contra a varíola. Cap. 1 – Humor e História O capítulo aborda de forma sucinta e clara o desenho de humor na história, contando com um breve histórico do registro cômico, o qual trata a origem, a evolução e a função do mesmo, para chegar até o período republicano no Brasil no início do século XX. Todavia, há a necessidade de expor e definir os diversos estilos do desenho de humor, tais como caricatura, charge e cartum. 1.1 – O desenho de humor e suas várias linguagens Como nota Pedro Lago (2001), não é uma tarefa fácil definir os vários gêneros do desenho de humor devido a abrangência que o termo caricatura apresenta. A abrangência do termo ‘caricatura’ é difícil de definir e vale citar Cássio Loredano, profundo conhecedor do tema, que talvez tenha mais bem explicado a questão ao escrever: ‘Nada é muito preciso. Charge e caricatura são as mesma palavra: carga; mas quando numa redação brasileira se diz charge, em geral se está pensando na sátira gráfica a uma situação política, cultural, etc. estritamente atual; caricatura é geralmente sinônimo de portrait-charge; e cartum vale para o comentário satírico duma situação independente de atualidade.’ Já Chico Caruso tem uma explicação empírica mais espacial: uma cena de horizonte amplo seria um cartum; centrada numa situação ou em personagens definidos seria uma charge, e focada exclusivamente numa pessoa, uma caricatura. Mas ‘caricatura’ é ainda o termo genérico que se aplica no Brasil ao desenho de humor em geral. (LAGO, 2001, p.10-11) O desenho de humor é dividido em diversos gêneros, como caricatura, charge, cartum, entre outros que se diferenciam minimamente uns dos outros, ocasionando confusão e generalizações de que todo desenho de humor é caricatura. Caricatura é um termo que deriva do verbo italiano caricare, que significa “a ação material de ‘carregar’, pôr, ou impor um grande peso sobre alguma coisa, pessoa, ou animal; significa também exagerar, aumentar de coisas e atos além da medida.” (MIANI, 2001, p.03) Sendo assim, a caricatura é o desenho que exagera em seus traços, evidenciando alguma característica marcante com o intuito de levar ao riso o observador. Uma orelha de abano, uma boca grande, um nariz proeminente, entre outras características ganham destaque no desenho caricatural a fim de caçoar do outro. A caricatura não carrega consigo a critica de um fato, de um acontecimento recente, sendo seu único objetivo “deformar” fisicamente o individuo alvo da pilhéria, ressaltando uma característica marcante do mesmo, muitas vezes imperceptível até sua representação por um caricaturista. 7 O cartum origina-se do termo inglês cartoon que significa esboço e é utilizado para designar os desenhos de humor que relatam o dia a dia da sociedade, utilizando-se de personagens fictícios retratados em situações cômicas, geralmente composta em quadros. Já a charge, termo derivado do francês charger que também significa carregar, é o “desenho que se refere a fatos acontecidos em que agem pessoas reais, em geral conhecidas, com o propósito de denunciar, criticar e satirizar” (CAGNIN, s/d apud MIANI, 2001, p.03) Caricaturando seus personagens, a charge satiriza um acontecimento recente a ela, assuntos públicos, com o objetivo de levar o observador a refletir sobre o mesmo. Portanto, a charge é uma linguagem que se utiliza do humor para fazer uma crítica político- social de determinado acontecimento contemporâneo a ela, sendo necessário ao observador o “conhecimento da conjuntura na qual a charge foi produzida e, em muitos casos, dos personagens retratados nos desenhos” (LIEBEL, 2005, p.02) para a compreensão da mensagem transmitida pelo chargista. Por abordar fatos reais, registrando-os graficamente, a charge com o passar do tempo transforma-se em um registro histórico, podendo ser utilizada como fonte para a história, assim como a fotografia, já que ela é um testemunho de um acontecimento marcante, como nota Peter Burke (2004): Em outras palavras, os testemunhos sobre o passado oferecidos pelas imagens são de valor real, suplementando, bem como apoiando, as evidências dos documentos escritos. É verdade que, especialmente no caso da história dos acontecimentos, elas frequentemente dizem aos historiadores que conhecem os documentos algo que essencialmente já sabiam. Entretanto, mesmo nestes casos, as imagens têm algo a acrescentar. Elas oferecem acesso a aspectos do passado que outras fontes não alcançam. (BURKE, 2004, p.233) 1.2 – Origem do Desenho de Humor Não há registro exato de quando os desenhos foram utilizados para debochar do outro, sendo identificado os mais antigos em cidades romanas, em que desenhos toscos, em muros nas vias públicas, satirizavam pessoas conhecidas com o intuito de expô-las ao ridículo por algo feito às vésperas do ocorrido, como assevera Herman Lima (1963): Em 1857, conta Thomas Wright, nas buscas procedidas numa rua do monte Palatino, em Roma, descobriu-se que os muros estavam cobertos de graffiti ou fôssem riscos e garatujas, consistindo principalmente em inscrições de tôda espécie. Um dos exemplares dêsses rabiscos, recolhido ao Museu do Colégio Romano, é a caricatura já referida de um cristão chamado Alexamenos, feita por um adversário da doutrina cristã. (LIMA, 1963, p.44 ) 8 O desenho de humor voltado à crítica de um acontecimento surge na Revolução Francesa, evento este que renovou a caricatura incorporando conteúdo políticos e propagando a um maior numero de pessoas. A Revolução expandiu o debate político à população em geral ao propalar mais de 6.000 impressos, nos quais se utilizavam imagens para destituir o poder de seu caráter de mitológico, lendário e incentivar o envolvimento da população na administração da nação. Na França, eles [impressos políticos] estavam ligados à Revolução de 1789, outra guerra de imagens, na qual mais de 6000 impressos foram produzidos, ampliando assim a esfera pública e estendendo o debate político às classes não letradas [...] Entre a invenção do jornal e a invenção da televisão, por exemplo, caricaturas e desenho ofereceram uma contribuição fundamental ao debate político, desmistificando o poder e incentivando o envolvimento de pessoas comuns nos assuntos do Estado. (BURKE, 2004, p.98) Antes da Revolução Francesa, em 1730, impressos políticos surgiram na Inglaterra associados a uma nascente oposição política, contudo, é na França revolucionária que os impressos ganham destaque devido ao grande número distribuído e à agitação política do período. A caricatura ganha força, atingindo seu ápice “entre 1790 e 1792, quando se desencadearam os confrontos entre os partidos, não poupando a pessoa do rei [...]” (VOVELLE, 1997, p. 164-165) 1.3 – O Desenho de Humor no Brasil No Brasil, as primeiras caricaturas surgem durante o Período Monárquico, “com a chegada de imigrantes europeus - pintores, arquitetos, desenhistas - cujos traços ganham vigor com o exotismo de nossos costumes e a precariedade de nossas instituições”. (TEIXEIRA, 2001, p.02) Seguindo os traços franceses, inspirando-se em Honoré Daumier1, os caricaturistas brasileiros, no século XIX, não exageram nos traços dos personagens para realçar alguma característica marcante, sendo as imagens representações fidedignas da personalidade alvo da critica e, ainda, retratadas em cenas realísticas. Além disso, os desenhos são obrigatoriamente acompanhados por textos complementares, em excesso, para ajudar no entendimento, já que os leitores da época estão acostumados somente com as sátiras escritas e a utilização só da imagem dificultariaa compreensão da mensagem passada pelo autor da critica. Segundo Teixeira (2001), a fidelidade nas representações humorísticas não 1 Honoré-Victorien Daumier (1808 – 1879) foi escultor, pintor, ilustrador, e caricaturista francês, autor da caricatura “Gargântua”, que ridicularizava o rei Luís Filipe e que lhe custou seis meses de prisão em 1831. 9 representa uma autonomia de significado, isto é o traço não tem um discurso próprio, sendo sua função “servir de suporte para o texto – prolixo, redundante, rebarbativo – ilustrando a história que ele conta.” (TEIXEIRA, 2001, p.12) Portanto, neste primeiro momento o desenho de humor caracteriza-se mais como uma ilustração do texto que acompanha do que uma manifestação critica do assunto abordado. O precursor do traço satírico brasileiro é Manuel de Araújo Porto-alegre que, entre 1837 e 1839, produziu pranchas avulsas satirizando desafetos políticos. A primeira litografia2 satírica cuja autoria é dada ao brasileiro foi A Campainha e o Cujo, na qual a critica é dirigida ao jornalista Justiniano José da Rocha, retratado aceitando um saco de dinheiro, em posição servil, para redigir o Correio Oficial, publicação ligada ao governo. Justiniano era considerado “pelo Barão do Rio Branco como ‘o maior jornalista de seu tempo’” (OLIVEIRA, 2006, p.23), contudo utilizou sua habilidade e competência a favor do governo imperial, propagando o pensamento conservador em troca da direção do jornal e de 3.600 contos de réis anuais. Devido à importância do ocorrido, o registro gráfico de um acontecimento, o primeiro desenho de humor publicado no Brasil foi saudado pelo Jornal do Commercio, que fez questão de registrar seu aparecimento como uma nova manifestação artística: Saiu à luz o primeiro número de uma Nova Invenção Artística, gravada sobre magnífico papel, representando uma admirável cena brasileira (...) A bela invenção de caricaturas, tão apreciada na Europa, aparece hoje pela primeira vez no nosso país e sem dúvida receberá do público aqueles sinais de estima que ele tributa às coisas úteis, necessárias e agradáveis. (Jornal do Commercio apud LAGO, 2001, p.23) Porto-alegre esteve em Paris, em 1831, onde conheceu “o imenso prestígio das caricaturas políticas de Daumier” (LIMA, 1963, p.83) e inspirou-se para revelar um gênero artístico até então desconhecido no Brasil. Sua inspiração em Daumier é tamanha que, em 1844, lança a Revista A Lanterna Mágica, na qual cria dois personagens com o intuito de satirizar os problemas da cidade e seus habitantes, contudo, os personagens, Laverno e Belchior, são cópias de Robert Macaire e Bertrand, criações do mestre francês, sendo até mesmo os adornos que emolduravam os quadros copiados de Daumier, como observa Herman Lima (1963): [...] muito embora os dois espertalhões sigam à risca os tipos de Robert Macaire e Bertrand, da conhecida criação de Daumier, indo a influência do mestre francês ao ponto de marcar do mesmo recorte a moldura de 2 Técnica em que consiste em desenhar com lápis gorduroso diretamente numa pedra especial, pedra calcária, em seguida, a pedra recebe um banho de ácido que fixa a gordura, delimitando a área desenhada. A partir daí, obtêm-se a matriz possibilitando a reprodução tipográfica. 10 arabescos de cada desenho. (LIMA, 1963, p.91) Com a criação da Revista “Semana Ilustrada”, em 1860, pelo imigrante europeu Henrique Fleiuss, o desenho de humor ganhou espaço como entretenimento entre a população letrada, tendo como colaboradores chargistas e escritores como H. Aranha, Flumen Junior, A. Seelinger, Machado de Assis, Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco, entre outros. Considerada sofisticada, a Semana Ilustrada foi a primeira revista humorística com publicações regulares no Brasil, que perdurou até 1876, utilizando suas charges como veículo para circular “a ‘opinião’ dos mais cultos a respeito de fatos e personagens da política imperial, sem a verborrágica e maçante sisudez dos jornais de então.” (TEIXEIRA, 2001, p.06) O desenho de humor conquistou espaço e passou a ser um instrumento de notícia para a imprensa brasileira devido à falta de fotografias nas publicações da época, que passaram a utilizar-se de artistas litográficos, cujo papel a desempenhar era tornar a notícia mais atraente para os leitores e popularizar as feições das personalidades do momento. Após a criação da Semana Ilustrada, sobretudo após a Revista Ilustrada, as publicações que se utilizam das ilustrações satíricas para informar passam “a ser um dos principais veículos de informação e suas tiragem atestam o sucesso da fórmula.” (LAGO, 2001, p.12) Em 1876, surgiu a Revista Ilustrada publicada pelo italiano Angelo Agostini, principal chargista da Monarquia, que incorporou a vocação política aos desenhos brasileiros. Agostini utilizou seu trabalho para conscientizar politicamente seus leitores, dando ao desenho de humor uma nova função que é a reflexão do assunto abordado, ficando o riso em um segundo plano. Tendo uma ampla circulação, sendo distribuída por todos os Estados e Cidades brasileiras da época, a Revista de Agostini atingiu uma tiragem jamais atingida por similares na América do Sul, como atesta Herman Lima (1965): “[...] sua tiragem é de 4.000 exemplares, cifra esta que jamais foi atingida por nenhum jornal ilustrado na América do Sul”. (LIMA, 1965, p.122) Agostini era um artista acadêmico, “preso aos rigores formais da anatomia humana” (TEIXEIRA, 2001, p.13), traçando seus quadros de forma realística e abordando assuntos pertinentes à sua época, produziu “entre nós a mais extensa representação gráfica de uma sociedade que sai da monarquia e do regime de trabalho servil, rumo a se tornar uma república elitista que teima em empurrar para frente suas contradições profundas”. (OLIVEIRA, 2006, p.27) O artista fez de D. Pedro II seu principal personagem, envolvendo- o em situações cômicas no final governo, já que era defensor do republicanismo, e abordou o problema da escravidão no país, denunciando os maus tratos e torturas sofridas pelos 11 cativos e as péssimas condições de trabalho destinado ao escravo.. Contemporâneo à Agostini chega ao Brasil, em 1875, o português Rafael Bordalo Pinheiro, que substitui Agostini na Revista O Mosquito e mudou conceitualmente o grafismo da mesma. Bordalo Pinheiro inovou na diagramação da revista, desenhando na abertura das matérias delicadas vinhetas e capitulares e, ainda, adicionando propaganda e anúncios comerciais entre as charges e demais seções da revista. Bordalo Pinheiro desempenhou um papel importante no desenvolvimento do desenho humorístico brasileiro no século XIX, apesar de permanecer por apenas quatro anos no país. Segundo Teixeira, Bordalo Pinheiro, devido a sua experiência na imprensa portuguesa e a sua criatividade, abordou de forma excepcional a realidade que encontrou na Capital do Império, contribuindo para o fortalecimento do registro cômico no Brasil. Sua produção foi abundante e de uma criatividade inovadora para a imprensa brasileira da época, para a qual Bordalo trouxe a riqueza e a acuidade de seu traço seguro, desenvolvido na observação dos costumes do povo e dos comportamentos da elite em Portugal. (LAGO, 2001, p.40) A partir de 1877, Agostini e Pinheiro travam uma guerra ilustrada que perdurou por 15 meses, cuja finalidade era superar a habilidade artística do rival, culminando em uma picuinha pessoal. Com a Proclamação da República, as produções satíricas diminuem devido à extinção das principais publicações, restando apenas três revistas em circulação: A Vida Fluminense, O Mequetrefe e Revista Ilustrada. A diminuição brusca nas publicações, que possuem o traço satírico como principal ferramenta, é devida a manutenção do status quopela elite dominante que, para manter-se no poder, aceitou a posse de governos militares no início da República brasileira e, consequentemente, a repreensão a qualquer manifestação contraria ao regime adotado. Com a Proclamação da República os vilões saem de cena. Começa o ciclo dos heróis e, para estes, a caricatura não é a expressão mais adequada. O marechal Deodoro da Fonseca por exemplo, se verá, nas páginas da Revista Ilustrada, glamourizado, rejuvenescido e cheio de vitalidade. Ora aparece separando a Igreja do Estado, ora ao lado de Benjamim Constant, a cortar as cabeças da hidra das intrigas. (...) Raras são as situações caricatas, raros os Deodoros de grande cabeça e corpo pequenino na forma típica da caricatura do tempo [...] (LUSTOSA, s/d apud TEIXEIRA, 2001, p.19) Neste período, o governo tentou uma aproximação com a população brasileira, com 12 a criação de símbolos3, cujo objetivo era integrá-la ao regime republicano, contribuindo para a consolidação do mesmo, já que o povo assistiu bestializado4 a Proclamação. Sendo assim, qualquer critica política era suprimida para que não ocorresse o contrário do que se deseja que, no caso, seria a adesão ao novo governo e não a oposição e contestação do mesmo. Somente no governo de Prudente de Morais, a partir de 1894, foi que a critica retomou seu espaço na sociedade brasileira e com ela as Revistas Ilustradas voltaram à cena, restabelecendo a reflexão dos leitores. Em 1895, uma nova técnica de impressão de imagens, a zincografia5, contribui para “disseminar um novo estilo, influenciado pela caricatura francesa e por cartazistas como o tcheco Mucha, então ativo em Paris”. (LAGO, 2001, p.48) Neste período destacou-se o caricaturista português Julião Machado, que chegou ao país “para revolucionar o desenho humorístico” (LAGO, 2001, p.48) influenciando o traço do trio que consolidou o traço cômico brasileiro, Raul Pederneiras (Raul), Calixto Cordeiro (K.lixto), e José Carlos de Brito e Cunha (J.Carlos). Machado aprimorou seus desenhos em ateliês franceses antes de desembarcar no Brasil, o que contribui para desenvolver o desenho nacional que sob sua influência terá um traço de contorno mais nítido, marcado e desenvolto, como nota Herman Lima (1963): O que o jovem caricaturista trazia de mais novo e impressivo era a sutileza do próprio desenho, teor de malícia gaulesa inerente à charge, o refinamento do traço que tudo diz, numa linguagem plástica desconhecida até então, tudo aquilo palpitando ao toque mágico duma arte original, impregnada do aticismo e do charme do espírito francês, de que a caricatura brasileira renovaria o sinête, aos novos moldes, até a atualidade. (LIMA, 1963, p.140) Julião Machado fez a transição entre os desenhos de Agostini e Bordalo Pinheiro para os desenhos de J. Carlos graças a utilização de fotogravuras por zincografia, que ofereceu mais recursos aos artistas, como a utilização de luz e sombra e a rapidez de execução. Fundador de várias revistas, o artista português foi o primeiro a experimentar a impressão a cores em A Cigarra e A Bruxa, numa “primorosa composição visual misturando 3 Sobre a criação de símbolos pelos Republicanos Brasileiros, ver: A Formação das Almas de José Murilo de Carvalho. 4 Termo utilizado por Aristides Lobo para descrever a reação popular com a Proclamação da República e analisado por José Murilo de Carvalho em “Os Bestializados: Rio de Janeiro e a república que não foi.” 5 Técnica que “consiste em desenhar sobre uma lâmina de zinco, utilizando uma tinta especial, para em seguida aprofundar os talhos brancos com um banho de ácido, deixando o desenho na lamina em relevo, pronta para ser impresso. A técnica permite a utlização de recursos como luz, sombra e meios tons, com a vantagem de que a matriz fica pronta para a impressão rapidamente.” (Museu Histórico Nacional) 13 com originalidade e perfeito uso cromático”. (TEIXEIRA, 2001, p.19) Com a utilização da autotipia6 pelas Revistas e pelos Jornais para a reprodução de imagens, a partir de 1900, iniciou-se as reproduções de fotografias na imprensa brasileira deixando o desenho de humor livre das representações realísticas utilizadas até então para informar o leitor, colaborando para a sua transformação com a criação de personagens fictícios como, por exemplo, o Zé Povo, a República e a Política. É na Belle Époque que as representações humorísticas se modificam perdendo o excesso de texto que as acompanhavam, deixando de ser um suporte para a matéria, e inicia uma nova fase em que seu traço busca uma autonomia de linguagem e utilizou-se de poucas palavras para explicar seu conteúdo, como esclarece Teixeira: “[...] é através do texto que ela explicita seu conteúdo, minimizando e subordinando suas potencialidades de comunicação essencialmente gráfica”. (TEIXEIRA, 2001, p. 34) Neste período, na Capital Republicana, os desenhos de humor abordam a Reforma de Pereira Passos e a Campanha de Oswaldo Cruz, que, no Governo de Rodrigues Alves, são incumbidos de transformar a capital do país, modernizando-a com a construção de largas vias e livrando-a das epidemias que lhe rendia a alcunha de “Túmulo de estrangeiros”. Contudo, essas transformações visavam apenas a interesses da elite que desejada “apagar” o passado colonial e transparecer uma imagem civilizada e moderna aos Estados Unidos e à Europa, não se importando com a população pobre, alvo das ações. 6 “Processo de reprodução fotomecânica em que o original a meio-tom, focado através de uma retícula de vidro capaz de decompor a imagem em pontos minúsculos, aparece na impressão com todas as gradações de luz e sombra, como numa fotografia comum.” (Barsa) Cap. 2 – A Reforma Urbana As transformações urbanas no Rio de Janeiro, nos primeiros anos da República, causaram caos na região central da cidade, onde prédios foram demolidos para dar espaço às avenidas largas e retilíneas do Plano de Melhoramentos, tendo como conseqüência a expulsão da população local de suas moradias. Apresentando imagens que abordam a reforma Urbana, o presente capítulo expõe os poderes ditatoriais do prefeito, as demolições dos prédios, a remoção da população local e a rapidez dos trabalhos de demolição que caracterizaram o período. 2.1 – O Rio de Janeiro no alvorecer do século XX O Rio de Janeiro, a exemplo de todas as cidades brasileiras que se originaram antes do século XX, cresceu e se desenvolveu espontaneamente, sem planejamento, ocasionando um traçado desordenado cujas conseqüências são vistas a longo prazo como problemas de transportes, de habitação, de abastecimento, de saneamento, de segurança, entre outros. Desde 1870 são tomadas medidas paliativas para sanar o problema na então Capital brasileira, como a criação de Comissões de Melhoramentos7 cujos objetivos eram traçar planos de melhorias urbanas e executá-los, buscando resolver os problemas sanitários, que tanto preocupavam, e resolver problemas habitacionais na cidade. Dentre essas medidas, apenas a Campanha de Barata Ribeiro8 foi posta efetivamente em prática. Com o advento da República, torna-se inevitável a execução de um plano eficaz para sanar os problemas apresentados pelo crescimento desordenado, já que, como capital, o Rio de Janeiro era a “vitrine” do país no exterior. Na virada do século, o Rio de Janeiro apresentava aspectos coloniais que desagradavam a elite dominante e prejudicava a posição do país frente à Europa e Estados Unidos. Com o Brasil entrando no século XX, suas cidades mantinham muito das aparências, sons e odores de seu passado colonial. O ambiente do Rio de 7 Sobre as Comissões de Melhoramentos, ver Pereira Passos: um Haussmann Tropical de Jaime Benchimol. 8 BarataRibeiro, em um curto mandato como prefeito, esboçou uma Campanha contra as estalagens e cortiços do Rio de Janeiro tendo como episódio mais marcante a demolição do Cabeça de Porco, um dos maiores e mais conhecido cortiço na região central. 15 Janeiro repelia muitos visitantes estrangeiros. A cidade tinha reputação de moléstias, especialmente de febre amarela. Linhas marítimas italianas chegavam a anunciar suas viagens à Argentina com ‘sem escala no Brasil’. O traçado das ruas do Rio pouco mudara desde o século XVIII. [...] Elas eram estreitas, apinhadas, sem higiene e de difícil circulação. O saneamento era primitivo e o fornecimento de água suspeito. Em suma, o Rio era uma propaganda fraca para um país que desejava unir-se à marcha do Atlântico Norte rumo à modernidade. (SKIDMORE, 2003, p.110) No início do século XX, beneficiando-se da política econômica de seu antecessor, Campos Salles, Rodrigues Alves assume [...] seu mandado com uma situação bastante favorável. Além de beneficiar-se da aliança política relativamente estável das oligarquias no plano nacional (decorrente da institucionalização da política dos governadores), Rodrigues Alves também pôde fazer-se valer de vultuosos empréstimos estrangeiros previamente obtidos sob a gestão de Campos Salles. (PAMPLONA, 2003, p.179) A economia estável e a retomada da confiança dos investidores estrangeiros no Brasil permitem à classe dominante investir em outras áreas, como fabriquetas, e consumir produtos de luxo importados com os lucros hauridos das exportações agrícolas. Para esta classe, que venerava costumes europeus, é inconcebível que a Sede da República tenha resquícios de seu passado colonial, mantendo suas ruas sinuosas, sujas e pestilentas, apresentando prédios mal conservados e abrigando milhares de pessoas em condições insalubres. As ruas estreitas e sinuosas prejudicavam o escoamento e a circulação das mercadorias que chegavam do porto, já que “não comportavam mais as novas exigências do tráfego urbano, no que concernia ao volume, à velocidade e à composição do tráfego de mercadorias e dos homens entre as distintas zonas urbanas.” (BENCHIMOL, 1992, p.240), desestimulando o investimento estrangeiro na Capital. Outro empecilho era o calçamento precário que atrasava e dificultava o transporte de mercadorias no centro, elevando o custo da mesma. Com a abolição e a imigração estrangeira, maior parte portuguesa, no final do século XIX, há um crescimento demográfico considerável na Cidade, gerando um excedente de trabalhadores que buscavam “ocupações mal definidas e quase sempre mal remuneradas” (KOK, 2005, p.19) para garantir o sustento. Como os custos com transportes eram altos, esta população procurava moradias próximas aos locais de trabalho, que ficava no centro, aglomerando-se em habitações coletivas, como estalagens, cortiços e casas de cômodos. Vítima da especulação imobiliária, a população pobre pagava caro para viver precariamente nestas habitações, que abrigavam várias pessoas e famílias num mesmo espaço, muitas vezes dividido por um tapume e em péssimas condições sanitárias. 16 Diante de todas as mazelas apresentadas no centro velho do Rio de Janeiro, “a elite brasileira olhava ansiosamente para Paris, que o barão Haussmann transformara com seus grandes boulevards.” (SKIDMORE, 2003, p.110) A elite deseja modernizar o Rio, a exemplo de Paris, para atrair mais investimentos e imigrantes estrangeiros, passando uma imagem de cidade civilizada para o exterior, sendo necessário, para isto, um grande empreendimento urbano. Era o progresso chegando ao Brasil. 2.2 – Os primeiros passos para a civilidade Em 1902, Rodrigues Alves nomeia Francisco Pereira Passos para Prefeito do Rio de Janeiro, incumbindo-o de regenerar o centro velho da cidade, tido como nevrálgico por muitas autoridades, tornando-o agradável ao passeio público, higiênico, ordenado em seu traçado e apto a abrigar a Sede do Governo. Rodrigues Alves traçou um Plano de Melhoramentos para o Rio de Janeiro, dividindo-o em três frentes (a modernização do porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana) e executá-los-ia em conjunto com a municipalidade. Pela primeira vez “o Estado planejava a sua ação e intervinha diretamente no espaço urbano da cidade” (BENCHIMOL, 1992, p.246), executando uma obra de grandes proporções em tempo recorde. Para executar o Plano de Melhoramentos, Pereira Passos beneficia-se de um Decreto Federal, promulgado um dia antes de sua posse, que suspendia por seis meses o Conselho Municipal, dando-lhe “plena liberdade de ação para legislar por decretos, dispor discricionariamente do aparelho administrativo municipal e realizar operações de crédito sem a influência do legislativo.” (BENCHIMOL, 1992, p.269) Gozando de plenos poderes, o então prefeito inicia seu governo e, em fevereiro de 1903, promulga um decreto tornando público regulamentos que visavam transformar antigos hábitos e costumes populares. Dentre os vários regulamentos decretados pelo prefeito estão: a obrigatoriedade de muros ou gradis na divisa das propriedades; a imposição de regras para construir e reformar prédios; a condenação das habitações populares; a proibição de carrinhos de mão na cidade; a condenação da circulação de animais pelas ruas; a proibição de escarrar em passeio público, hábito comum entre a população menos favorecida; a proibição da venda de bilhetes de loteria nas ruas; a proibição de empinar papagaio, entre outros. O decreto possuía medidas novas e antigas disposições promulgadas desde 1870, 17 mas que não tinham saído do papel, sendo todas medidas complementares, mas fundamentais ao Plano de Melhoramentos da Cidade, já que “para as autoridades da época, a reforma da cidade ficaria incompleta se não houvesse também uma mudança de costumes.” (KOK, 2005, p.44) Os decretos ainda foram utilizados por Passos para legitimar seus atos durante seu governo, como o direito de agir contra as construções mal conservadas e habitações coletivas na região central. As medidas de Passos tiveram grandes repercussões por extinguir velhos hábitos que maculavam a imagem da cidade e, além disso, “alteraram ou pretenderam alterar práticas econômicas, formas de lazer e costumes, profundamente arraigados no tecido social e cultural do Rio de Janeiro.” (BENCHIMOL, 1992, p.277), pois “a cidade moderna devia ser entendida como uma cidade sem memória, sem as tradições e os laços que a unia ao passado.” (WISSENBACH, 1998, p.93) O prefeito usou de seu poder absoluto para impor mudanças a toda a população, não apenas aquelas que residiam ou trabalhavam no centro e imediações mas a toda a massa popular da cidade. A charge a seguir (Figura 1) aborda o poder concentrado por Pereira Passos, que passa por cima de antigas tradições e grupos sociais, buscando apagar todos os sinais do passado colonial. Com o título “Os primeiros passos do Passos”, um trocadilho entre o nome do prefeito e o ato de caminhar, o desenho refere-se às primeiras medidas tomadas pelo prefeito para concretizar sua missão de “sanar e reformar a capital federal, empreendendo o que ficaria conhecido como a ‘regeneração’ do Rio de Janeiro.” (KOK, 2005, p.36) Publicada na Revista o Tagarela, a charge apresenta Pereira Passos, em grandes proporções, aludindo aos poderes absolutos do prefeito, ocupando todo o espaço vertical e o primeiro plano da imagem, segurando na mão direita uma espécie de palmatória, em que se lê executivo, e num plano inferior o alvo dos regulamentos. Sobranceiro, o Prefeito pisoteia, de forma desequilibrada, tudo aquilo que representava desordem e vergonha na cidade, como: o carrinho de mão utilizado para carregar mercadorias pelas ruas; a vaca leiteira que era ordenhada na porta dos fregueses todas as manhãs; o vagabundo descalço que perambulava pelas ruas pedindo esmola; e todasos hábitos populares alvo dos decretos. Desfrutando de plenos poderes, a palmatória empunhada em uma das mãos representa seu poder de fazer cumprir as leis por ele decretadas e de punir, com multas e prisões, aqueles que descumpriam as regras impostas. Nota-se a altivez do prefeito que transita sobre as pessoas sem olhar para ela, não se importando com as conseqüências que seus atos poderiam ocasionar à população, já 18 que muitos perderam suas ocupações e, posteriormente, perderam suas moradias com as demolições. Após promover hábitos civilizados e criar meios legais para realizar as demolições necessárias a Reforma Urbana, Pereira Passos inicia oficialmente, em fevereiro de 1904, o período conhecido como o “bota abaixo”, caracterizado pelas demolições dos prédios, a FIGURA 1 - Os Primeiros Passos do Passos – O Tagarela, 1903 (Fonte: História da Vida Privada no Brasil) 19 grande maioria habitações populares, da região central para a abertura da Avenida Central, tida como símbolo da modernização do Rio de Janeiro, como nota Jaime Benchimol (1992): A Avenida Central, por sua vez, constituiu o eixo de todo o elenco de melhoramentos urbanísticos, projetados com a intenção de transformar a velha, suja e pestilenta cidade colonial portuguesa numa metrópole moderna e cosmopolita, à semelhança dos grandes centros urbanos da Europa e dos Estados Unidos. (BENCHIMOL, 1992, p.227) Era o início das ações ditatoriais do prefeito Pereira Passos, que transformaria não só o Plano Urbano da Cidade mas também os hábitos dos moradores. 2.3 – A grande Reforma Urbana Pereira Passos apresentou um plano de remodelação urbana inspirado na reforma urbana de Paris, realizada pelo barão Georges Eugène Haussmann, durante o governo de Napoleão III, no qual teve a oportunidade de vivenciar, já que residiu em Paris, entre 1857 e 1860, no auge das reformas de Haussmann. A reforma urbana de Haussmann consistiu na abertura de grandes boulevards na região central da cidade, e que para isto extinguiam-se os bairros populares presentes na área, ocasionando a expulsão dos moradores locais para outras áreas da cidade. Os grandes boulevards do barão tinham várias funções como afirma Jaime Benchimol (1992): O plano de Haussmann tinha como uma de suas estratégias principais a neutralização do proletariado revolucionário de Paris, a destruição da estrutura material urbana que servira aos motins populares de rua. Na exposição de motivos de seu plano, manifestava o propósito de ‘isolar os grandes edifícios, palácios e quartéis, de maneira que resultem mais agradáveis à vista, e que permitam acesso mais fácil nos dias de celebração de atos, e simplifiquem a defesa nos momentos de revolta’. As novas avenidas facilitariam o rápido acesso e movimentação das tropas pela cidade. Mas, além de servirem ao exercício da coação política e militar das classes dominantes, os bulevares atendiam a razões de ordem sanitária e às novas exigências de circulação urbana colocadas pelo desenvolvimento da grande indústria. (BENCHIMOL, 1992, p.193) Seguindo o exemplo parisiense, Pereira Passos inicia a grande reforma urbana do Rio de Janeiro almejando transformar o velho centro, livrando-o dos velhos casarões coloniais, “transformados que estavam em pardieiros em que se abarrotava grande parte da população pobre” (SEVCENKO, 1999, p.43), para abrigar grandes avenidas, praças, jardins 20 e palácios de mármore e cristal para o desfrute da elite. Passos transformou a região central num imenso canteiro de obras, onde só se viam pás, picaretas, carroças e entulho, demolindo, ao todo, cerca de 600 prédios e desalojando milhares de famílias com a política do “bota abaixo”. Contudo, “alguns prédios foram poupados de acordo com o gosto do engenheiro chefe” (ROCHA, 1995, p. 63), que para não atingir a Igreja da Conceição e Boa Morte desviou o eixo da avenida forçando o corte de uma das encostas do Morro do Castelo, “berço histórico da cidade e local de residência de muitas famílias imigrantes” (KOK, 2005, p.53), agravando ainda mais o problema habitacional na cidade. Os proprietários dos prédios condenados eram convocados pela Comissão9 para entrarem em acordo quanto à indenização a receber pela prefeitura. Contudo, houve quem não aceitasse deixar a construção de imediato, como descreve Oswaldo Rocha (1995): Por outro lado, houve um proprietário que não queria deixar seu prédio, situado próximo ao largo da Carioca. Não tendo para onde ir, solicitou a comissão um prazo mais dilatado para que pudesse efetivar a sua mudança. O pedido foi negado. Indo à Justiça, esta lhe deu ganho de causa, mas o prefeito Passos não se conformou com a decisão judicial. Armando uma turma de trabalhadores da prefeitura, com escadas e picaretas, foram visitar, de madrugada, a propriedade do comerciante, destelhando-a rapidamente. Pela manhã, ao dar conta do que acontecera com seu imóvel, não lhe restou outra opção senão a mudança. (ROCHA, 1995, p.63) As ações noturnas são registradas na charge a seguir (Figura 2) cuja autoria é de K.lixto. Publicada na Revista o Malho com o título “Um Barracão de menos”, a charge apresenta Pereira Passos, novamente em grandes proporções, golpeando com um dos pés um barracão de madeira. Ao fundo, no canto superior à direita, nota-se um relógio indicando a hora do evento por volta das quatro horas e trinta minutos. Indicação sem importância, pois poderia indicar tanto o período da tarde quanto o período noturno. Contudo, abaixo da imagem o autor registrou os seguintes dizeres: “O Dr. Passos com passos seguros foi à noite ao ex-paço e quando amanheceu o dia... foi um dia um barracão”. Percebe-se um jogo de palavras do autor, que brinca com os significados e sons das mesmas, e, principalmente, a afirmação de que o ato se deu no período noturno e de forma sorrateira, já que foi uma ação praticada madrugada adentro, enquanto todos dormiam, e que no alvorecer o prefeito já havia concretizado a demolição. 9 Comissão Construtora da Avenida Central, criada por Rodrigues Alves, em janeiro de 1903, para arquitetar e realizar o projeto da Avenida Central. Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Paulo de Frontin para a chefia da Comissão. 21 A violência da ação é registrada no impacto de seu pé direito contra um conjunto de madeiras e de telhas, que se inclina para a direita, prestes a tombar no chão. Registra-se também nas feições de Passos, principalmente nas sobrancelhas arqueadas, e nas mãos fechadas da personagem, que indicando a força empregada na demolição. A pressa de Pereira Passos em cumprir o plano de remodelação é tema de outra charge publicada na revista O Malho. Com os dizeres “Depressa! Depressa!”, temos o prefeito ocupando todo o quadro, segurando uma picareta, de proporções exageradas, e, a passos largos, segue apressado sem se importar com a queda de seu chapéu de feltro, que fica para trás. FIGURA 2 - Um Barracão de Menos – O Malho, 1903 (Fonte: História da Vida Privada no Brasil) FIGURA 1 – Depressa! Depressa! – O Malho, s/d (Fonte: Rio de Janeiro na época da Av. Central) 22 A necessidade de uma ação rápida decorria do enorme custo social e político da obra. A avenida (e o elenco de normas e proibições que acompanharam sua construção) desabrigou milhares de pessoas e desorganizou, drasticamente, seu quadro cotidiano de existência; [...] (BENCHIMOL, 1992, p.229-230) Foi preciso uma ação rápida para que os objetivos do Plano de Melhoramentos de Rodrigues Alves fossem concretizados. Com as demolições, milhares de pessoas foram desalojadas sem que houvesse moradias suficientes disponíveis para todos, agravando o problema de moradiana cidade. 2.4 – A questão social Oswaldo Rocha (1995) afirma que 1.681 habitações foram derrubadas ao término da construção da Av. Central. Alvo principal das demolições, as habitações populares eram vistas como focos das doenças que há anos assolavam o Rio de Janeiro, devido à concentração populacional nestes lugares, e, também, eram vistas como locais de desordem social e de criminalidade. A presença da população menos favorecida no centro da cidade, onde se localizava a sede do governo federal, era vista com receio pela classe dominante, que as consideravam como “classes perigosas”10, onde se encontram: [...] ladrões, prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes (a palavra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira, [...] Morando, agindo e trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da época, especialmente as referentes às contravenções do tipo desordem, vadiagem, embriaguez, jogo. (CARVALHO, 1991, p.18) Portanto, o Plano de Melhoramentos não visava apenas embelezar e melhorar a circulação da cidade para atrair capital estrangeiro, visava também controlar essas classes sempre prontas a rebelar-se e afastá-las da área central para garantir a integridade do 10 “A expressão ‘classes perigosas’ parece ter surgido na primeira metade do século XIX. A escritora inglesa Mary Carpenter, por exemplo, em estudo da década de 1840 sobre criminalidade e ‘infância culpada’ – termo do século XIX para os nossos ‘meninos de rua’-, utiliza a expressão claramente no sentido de um grupo social à margem da sociedade civil” (CHALHOUB, 1996, p. 20) Segundo Chalhoub, “classes perigosas” designavam as pessoas que já haviam sido presas ou mantinham algum vicio e que, como o tempo, passou a ser utilizado para designar as populaçoes pobres pela falta de organização da mesma. No Brasil, “as classes perigosas não passaram a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas de organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também perigo de contágio.” (CHALHOUB, 1996, p.29) 23 sistema republicano. Todavia, a construção de habitações populares no subúrbio era insuficiente para abrigar os desalojados pela reforma urbana. O “bota abaixo” desalojou milhares de pessoas sem oferecer-lhes outra moradia. Desesperados diante das demolições da prefeitura, os moradores não eram ouvidos. Completamente desamparados, muitos assistiram à demolição de prédios inteiros, como o Seminário de São José, indicada antes mesmo do prazo estipulado pelas autoridades. (KOK, 2005, p.56) O problema habitacional ocasionado pelo “bota abaixo” é tema da charge a seguir (Figura 4). Na cena é possível identificar, ocupando o primeiro plano, uma cama, onde se encontra um casal, acompanhada de um berço e de um baú usado para guardar objetos pessoais e, ainda, alguns objetos encostados na parede à esquerda. Percebe-se, pelo calçamento, que a cena se passa na rua. Aos pés da cama, ao lado do baú, ocupando um plano secundário, encontra-se um guarda surpreso com o que acaba de encontrar em sua ronda e, buscando entender o que se passa, indaga ao chefe da família que lhe responde prontamente: “que é que o senhor quer. Não há mais casas.” Nota-se a improvisação da família que, ao deparar-se com as demolições dos prédios e a conseqüente supressão de moradias, acomoda-se onde pode por não ter onde se abrigar, já que a especulação imobiliária na região central não lhe permitia pagar por uma moradia. Desalojadas e sem ter um local previamente destinado para residir, a população pobre busca abrigo nos subúrbios e, principalmente, nos morros, “uma vez que estes, no FIGURA 2 - Por Causa da Avenida – 1904 (Fonte: História da Vida Privada no Brasil) 24 centro ou nos bairros mais próximos das zonas norte e sul, não ficavam distantes do mercado de trabalho.” (KOK, 2005, p.57) O Plano de Melhoramentos previa grandes obras como a abertura da Avenida Central, inspirada nos grandes boulevards parisienses, mas não previa a construção de habitações alternativas suficientes para abrigar a população desabrigada pela obra, restando a grande maioria alojar-se nas favelas, que desde as últimas décadas do século XIX formavam-se “nos morros do centro da cidade, sobretudo nos morros de Santo Antônio, Castelo e Providência.” (KOK, 2005, p.27) Aproveitando caixotes descartados no porto e do que sobrou dos prédios demolidos, a multidão de desabrigados construiu toscos barracões de madeira nas encostas dos morros, utilizando como cobertura folhas-de-flandres de latões de querosene desdobrados, disseminado a favela no Rio de Janeiro. Contudo, está não foi a única solução encontrada pelos desabrigados, como Nicolau Sevcenko (1998): Além de se acumular nas favelas, os despejados o fizeram em cortiços e hotéis baratos, os ‘zungas’, em que famílias inteiras alugavam esteiras no chão, alinhadas umas ao lado das outras, em condições subumanas. Como essas alternativas ainda acarretavam riscos de ordem sanitária, a Administração da Saúde se voltou contra elas. (SEVCENKO, 1998, p. 23) A modernização do Rio de Janeiro atendia às necessidades da elite e à especulação imobiliária na região central, deixando a população pobre sem alternativa se não a favela e o subúrbio. Expulsa das habitações coletivas, sem alternativa de moradia e sem indenização alguma, esta população de desabrigados depara-se vivendo em condições subumanas com as soluções imediatas que encontram, agravando o problema sanitário da cidade, e sendo alvo novamente das autoridades, que se volta contra elas para controlar as epidemias e garantir a salubridade da capital. Contudo, esta população não aceitou ser reprimida novamente e rebelou-se contra as autoridades, no que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Cap. 3 – A Revolta da Vacina Após a expulsão de suas moradias na região central e sofrer com as ações ditatoriais do prefeito Passos, a população carioca enfrentou a arbitrariedade dos agentes sanitários, que invadiam seus lares e abrigos com o objetivo de livrar o Rio de Janeiro das doenças endêmicas tão comuns na época. Sendo assim, este capítulo aborda a Campanha Sanitarista de Oswaldo Cruz, que agiu severamente para combater a febre amarela, a peste bubônica e a varíola na Capital Republicana, rendendo-lhe críticas e oposições. Novamente o alvo das ações é a população pobre, uma vez que esta busca abrigar-se da maneira que pode nos subúrbios e nas habitações populares restantes agravando as péssimas condições de salubridade encontradas na Cidade. Cansadas das humilhações e do autoritarismos praticado por Passos e pelos agentes sanitários, a massa popular insurgiu contra as autoridades vigentes na Revolta da Vacina. 3.1 – Oswaldo Cruz, o Sanitarista Incumbido de chefiar a terceira frente do Plano de Melhoramentos do Rio de Janeiro por Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz, um jovem médico sanitarista, exigiu plena liberdade de ação para exercer o cargo e, assim como Pereira Passos, usufruiria de poderes ditatoriais para cumprir a tarefa de sanear a cidade. Oswaldo Cruz estudou no Instituto Pasteur, em Paris, onde se especializou em Bacteriologia. Em 1899, retornou ao Brasil e, juntamente com Adolfo Lutz e Vital Brazil, compôs uma comissão encarregada de investigar casos suspeitos de peste bubônica na cidade portuária de Santos. Confirmado o surto de peste na cidade, o jovem médico iniciou o tratamento da doença com soro antipestoso11,importado da Europa, o que prejudicava a eficácia do tratamento devido a demora no recebimento do material. “O soro contra a peste era fabricado apenas na França, pelo Instituto Pasteur, cuja produção era insuficiente para a demanda mundial.” (ALMANAQUE HISTÓRICO, p.12) Para solucionar o problema, o governo federal decidiu criar o Instituto Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, para produzir o soro utilizado no tratamento da peste bubônica, que também era produzido no 11 Soro preparado com a inoculação de bactérias causadoras da peste em animais, induzindo a fabricação de anticorpos. 26 Estado de São Paulo pelo Instituto Bacteriológico, mais tarde o Instituto Soroterápico do Estado de São Paulo, Instituto Butantan. Oswaldo Cruz trabalhava no Instituto de Manguinhos, Instituto Soroterápico Federal, desenvolvendo estudos na área da microbiologia, quando convidado por Rodrigues Alves para assumir a chefia da Diretoria Geral de Saúde Publica, órgão criado para combater as doenças que assolavam o Rio de Janeiro no início do século XX. Para atingir seu objetivo, a erradicação das endemias do período, o jovem médico estabeleceu algumas condições rigorosas à Rodrigues Alves, como mostra Nicolau Sevcenko (1993) no trecho a seguir: [...] conforme nos relata o repórter do Jornal do Comércio, presente ao encontro decisivo dos dois personagens. Exige o médico: ‘Preciso de recursos e da mais completa independência de ação. O governo me dará tudo de que necessite, deixando-me livre na escolha de meus auxiliares, sem nenhuma interferência política’. (SEVCENKO,1993 p.52) Oswaldo Cruz estava convencido de que para extinguir as epidemias tão comuns na Capital e garantir a salubridade da cidade, era necessário tomar medidas autoritárias, com o apoio do governo federal, e ter plena liberdade na escolha de seus auxiliares, ficando livre de qualquer orientação partidária que prejudicasse o desempenho da equipe sanitária. Tendo suas reivindicações atendidas pelo poder federal e montada sua equipe de auxiliares, o então chefe da Diretoria Geral de Saúde Pública inicia sua campanha sanitária na Capital Federal. Contudo, suas ações são mal interpretadas pela população que se voltou contra o sanitarista e contra a sua campanha por influência dos opositores do governo e da imprensa local, que publicou charges e textos contra Oswaldo Cruz e sua reforma sanitária, visando atingir o governo federal. 3.2 – A Campanha Sanitarista Visando atacar inicialmente a febre amarela, Oswaldo Cruz beneficia-se de uma lei aprovada em março de 1904, que [...] lhe permite invadir, vistoriar, fiscalizar, e demolir casas e construções. Estabelece, ainda, um foro próprio, dotado de um juiz especialmente nomeado para dirimir as questões e dobrar as resistências. Ficam vedados os recursos à justiça comum. (SEVCENKO, 1993, p.52-53) Com estas medidas, o sanitarista inicia seu programa de erradicação das epidemias 27 carioca com plena liberdade para agir. No combate à febre amarela Oswaldo Cruz serviu-se das idéias do médico cubano Carlos Finlay, que identificou o mosquito aedes egypti como vetor responsável pela transmissão da febre amarela em Cuba, em 1881,o que rendeu ao sanitarista brasileiro a charge a seguir (Figura 5). Na charge (Figura 5) assinada por J. Carlos, Oswaldo Cruz possui o corpo de um inseto, uma alusão ao mosquito transmissor da febre amarela, envolto por alguns insetos menores. Montado numa espécie de pulverizador, o médico brasileiro olha atentamente para a ilha cubana, num segundo plano, representada por uma montanha onde encontra-se, em seu cume, uma bandeira cubana e abaixo lê-se “Cuba”. A imagem é limitada por um círculo, remetendo à visão de um monóculo, luneta, numa alusão à distância da ilha e ao total desconhecimento da pequena nação por todos. Cuba era até então uma ilha desconhecida, sem importância para os brasileiros, exceto para o sanitarista. Com as pesquisas realizadas em Cuba por Finlay, o combate à febre amarela se resumia ao combate do mosquito transmissor. Para isso, o médico brasileiro cria o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, cuja principal ação foi formar brigadas de “mata-mosquitos”, que atuavam por toda a cidade combatendo os focos endêmicos. Dividindo a cidade em dez distritos sanitários, chefiado por delegados de saúde auxiliados por médicos, inspetores sanitários e acadêmicos de medicina, as brigadas vistoriavam os domicílios e, quando necessário, interditavam o local e intimavam os proprietários. FIGURA 5 – sem título – O Tagarela, 1903 (Fonte: Revista da Vacina) 28 Concomitante às brigadas sanitárias, funcionários da Limpeza Pública, quase sempre acompanhados de forças policiais, percorriam a cidade, inspecionando domicílios e providenciando a remoção do lixo e a desinfecção de reservatórios d’ água, bueiros, ralos, tanques e valas, como nota Glória Kok (2005): Uma seção encarregava-se de neutralizar as larvas do Aedes aegypti em depósitos de água. Outra lançava enxofre e píretro nas casas para matar os mosquitos. Nos prédios interditados, exigiam que todos os aposentos fossem pavimentados, além de determinarem a instalação de privadas em com partimentos arejados [...] Quanto aos doentes, os mais ricos eram isolados em suas casas e os pobres transferidos para hospitais públicos. (KOK, 2005, p.61-62) Durante a campanha contra a febre amarela, o alvo dos agentes sanitários eram as áreas mais pobres da cidade, onde a população desalojada das áreas centrais vivia em condições precárias nas habitações populares, casas de cômodos e cortiços. As residências eram invadidas pelas brigadas e pelos funcionários da limpeza que buscavam focos da doença, numa ação violenta contra os moradores que tinham suas moradias reviradas e, caso apresentassem sintomas da doença, eram retirados para os hospitais contra a vontade. A escolha das brigadas em vistoriar as áreas mais pobres era tida por muitos como uma orientação de Oswaldo Cruz aos “mata-mosquitos” em direcionar o ataque a fim “de não perturbar os poderosos e concentrar a ação nas residências populares” (LEMOS, 2006, p.41), como mostra a charge a seguir (Figura 6). FIGURA 6 – Na Hygiene Dando Ordens , s/d (fonte: Uma História do Brasil através da caricatura) 29 Assinada por J. Carlos e apresentando como título “Na hygiene Dando ordens”, a charge (Figura 6) apresenta Oswaldo Cruz dando ordens a um de seus agentes da saúde, que ouve atentamente as recomendações de seu chefe. O agente está de frente à Oswaldo Cruz e de costas para o observador, trajando seu uniforme de trabalho. O funcionário segura em uma das mãos uma lata de querosene e na outra uma vassoura, objetos utilizados no combate ao mosquito. Oswaldo Cruz, posicionado de frente para o observador, é retratado como soberbo, maior que o agente, com as sobrancelhas arqueadas, os olhos arregalados olhando fixamente para o agente e o bigode desgrenhado apontando para cima, levando ainda um pulverizador (característica de suas caricaturas) na cintura, como se fosse uma arma. Para completar a imagem e dar maior significação à mensagem, Oswaldo Cruz aponta o dedo indicador, em movimento, ao agente e num gesto prepotente passa as orientações ao funcionário. Oswaldo Cruz é representado pelo autor como um tirânico dando ordens ao seu subalterno. Logo abaixo da imagem, conferindo-lhe maior entendimento, segue os seguintes dizeres: “O Sr. nada tem que fazer em casa dos Srs. Deputados... Só pode atacar as casas dos particulares, e não os poupe; é carregar p’ra frente do povo miúdo.” Com estas palavras a charge passa a mensagem de que Oswaldo Cruz tinha como objetivo atacar a população pobre, esquecida pelas autoridades locais e que já sofriacom a Reforma Urbana empreendida por Pereira Passos. Contudo, o sanitarista almejava acabar com os focos da febre amarela eliminando o vetor da doença, que se concentrava na periferia, nas regiões desvalorizadas, onde a população pobre, desalojada pela Reforma Urbana, buscou abrigar-se em péssimas condições higiênicas, como afirma Nicolau Sevcenko (1993): “Para essa espécie de periferia insalubre é que iriam se transferir as doenças e endemias expulsas, juntamente com os humildes, do centro da cidade, destinado a tornar-se sadio, ordeiro, asseado e exclusivamente burguês.” (SEVCENKO, 1993, p.63) O médico brasileiro tinha por objetivo eliminar as epidemias de febre amarela, de peste bubônica e de varíola que assolavam a Capital da República, tornando-a salubre empreendendo ações repressivas e violentas, julgando estas as formas mais eficazes de alcançar o êxito. Após as ações iniciais de combate à febre amarela, Oswaldo Cruz voltou-se para a 30 peste bubônica, eliminando, agora, os ratos da cidade. O médico brasileiro “criou um esquadrão de cinqüenta homens vacinados” (ALMANAQUE HISTÓRICO, p.24) que percorria a cidade em busca do roedor, vasculhando os becos, os armazéns, as casas e as moradias populares, removendo lixo e espalhando raticidas. Havia ainda a compra de ratos por funcionários da prefeitura, que pagavam por cada rato capturado pela população, levando algumas pessoas a criarem ratos em suas casas para vendê-los à Saúde Pública a fim de obter uma renda extra. Com estas medidas, num curto período de tempo os casos de peste bubônica declinaram consideravelmente no Rio de Janeiro, restando ao sanitarista atacar a varíola. 3.3 – A vacina obrigatória Seguindo os métodos autoritários empreendidos contra a febre amarela, Oswaldo Cruz iniciou sua campanha contra a varíola, na qual já existia há cem anos uma vacina introduzida pelo médico inglês Edward Jenner12 e que desde 1801 era utilizada no Brasil. A vacina era obrigatória no Rio de Janeiro desde 1837, quando uma postura municipal obrigava a vacinação de crianças de até três meses de idade, sendo os responsáveis punidos com multa caso descumprissem a postura. Já em 1884 a obrigatoriedade da vacina estendeu-se a todas as pessoas do Império. Até 1903, “uma série de decretos foi ampliando a exigência da vacinação para os alunos de escolas públicas, civis e militares, para os empregados dos correios, para os detentos e menores recolhidos a asilos públicos.” (CARVALHO, 1991, p.96) Contudo, a lei não era cumprida, levando o governo a criar outra lei para restabelecer a obrigatoriedade da vacina antivariólica. Em 31 de outubro de 1904 a nova lei da vacinação obrigatória foi aprovada, em meio a grande oposição do tenente coronel Lauro Sodré e do major Barbosa Lima, ambos positivistas e florianistas, que chegaram a formar uma Liga contra a Vacinação Obrigatória para insuflar a população contra o governo. Os opositores13 não eram contra a vacinação em si, considerada imprescindível à saúde pública visto aos inúmeros focos endêmicos da varíola na Capital e no Brasil. A oposição era contra os métodos aplicados pelo governo e, 12 Edward Janner teve a idéia da vacina graças a uma camponesa, que “afirmou ao médico que não teria variola porque ordenhava vacas portadoras de uma doença chamada vaccina, a varíola das vacas. As lesões da vaccina eram leves e, de fato, imunizavam contra a varíola. [...] Mesmo sem conhecer as causas da doença, Jenner teve a ideia de extrair o líquido das lesões da vaccina e aplicá-lo em pessoas, imunizando-os. A vacina antivariólica foi o primeiro imunizante a ser utilizado pela saúde pública.” (SCLIAR, 2004, p.87) 13 Os opositores eram positivistas, que eram contra a obrigatoriedade da vacina já que a vacina ia contra o conceito de liberdade indicidual pregado pela doutrina positivista. 31 principalmente, contra o caráter compulsório da lei, como observa Nicolau Sevcenko (1993): Os interlocutores da oposição, enraivecidos, respondiam ao governo que, no caso da lei brasileira, os métodos de aplicação do decreto de vacinação eram truculentos, os soros e sobretudo os aplicadores pouco confiáveis e os funcionários, enfermeiros, fiscais e policiais encarregados da campanha manifestavam instintos brutais e moralidade discutível. Os maus exemplos vinham da campanha anterior, pela extinção da febre amarela, e toda a população já os conhecia. Os opositores diziam ainda mais, que se o governo acreditava plenamente nas qualidades e na necessidade da vacina, então que deixasse a cada consciência a liberdade de decidir pela sua aplicação ou não, podendo, inclusive, escolher as condições que melhor lhe conviessem para recebê-la. (SEVCENKO, 1993, p.14) A população não teve o esclarecimento devido quanto à vacina antivariólica, aos métodos de aplicação e à eficiência da mesma, já que a lei apenas instituía a obrigatoriedade da vacinação e que a regulamentação ficaria a cargo do governo. Como de costume, não houve nenhum esforço por parte do governo em informar a população, já cansada das humilhações e intimidações das autoridades empreendidas na Reforma Urbana e na Campanha contra a febre amarela, restando aos populares a manipulação dos opositores, que se utilizaram da imprensa para atacar a vacinação obrigatória e o governo, num “verdadeiro terrorismo ideológico.” (CARVALHO, 1991, p.98) A oposição recorreu às imagens e textos para incitar a população contra a vacina, destacando a arbitrariedade da ação e valendo-se da falta de informação e temor do popular para com a vacina antivariólica, como demonstra a imagem a seguir (Figura 7). Publicada na Revista A Avenida, a charge (Figura 7) denota à Lei de Vacinação Obrigatória, em que o autor, desconhecido, explora o receio popular, o temor à vacina contra a varíola. FIGURA 7 – O Espeto Obrigatório, A Avenida, 1904 (fonte: Almanaque Histórico) 32 Com o título “o espeto obrigatório”, a imagem (Figura 7) apresenta quatro pessoas, de idades variadas, com os braços levantados e com uma lança transpassando-os de uma só vez, causando sangramentos. Andando compassados, devido à lança em seus braços, as personagens expressam em suas faces um sentimento de horror e de dor, causando uma má impressão à vacina. O autor da charge aborda a vacinação obrigatória exagerando no traço, dramatizando o fato com o intuito de atemorizar o popular sem informação, tornando a vacina algo terrível quando na verdade tratava-se de um procedimento simples, no qual se utilizava uma lanceta para fazer um pequeno corte na pele, sem causar o sangramento exagerado da imagem, aonde era inoculado o vírus da vaccina para a imunização do indivíduo. Todavia, a lei já estava aprovada e para entrar em vigor precisava apenas ser regulamentada pelo governo, que deixou a cargo de Oswaldo Cruz a responsabilidade de elaborar as normas de execução da vacinação. Uma reunião foi convocada no dia 9 de novembro para médicos, juristas e políticos discutirem e examinarem o plano de ação de Oswaldo Cruz, sendo distribuídas cópias do regulamento entre os participantes para uma melhor apreciação do projeto e uma nova data, 13 de novembro, foi marcada para se definir o regulamento final. Contudo, uma cópia das distribuídas na reunião foi publicada no jornal A Noticia no dia 10 de novembro, despertando a fúria da população. O regulamento estabelecia que a vacinação fosse realizada por funcionários da brigada de saúde, que iriam até as casas imunizar as famílias, utilizando-se da força, e que atestado de vacinação fosse exigido em todas as atividades desempenhadas, como na matrícula em escolas, no preenchimento de vagas de trabalho, na hospedagem em casas de cômodos, no casamento, entre outros. O regulamento, que não havia sido aprovado ainda,sendo apenas um projeto, foi o estopim para a população, já cansada das arbitrariedades do governo e amedrontada com a vacinação, se amotinar contra a autoridade vigente no que ficou conhecida como a Revolta da Vacina. 3.4 – A Revolta da Vacina Segundo Nicolau Sevcenko (1993), a Revolta da Vacina foi o último motim urbano no Rio de Janeiro e o que mais resistiu à ofensiva do governo, aonde “a cidade foi literalmente 33 tomada pelos amotinados; durante três dias a população resistiu à ação conjugada da polícia, do Exército e da Marinha por todas as formas.” (SEVCENKO, 1999, p.66) As medidas propostas por Oswaldo Cruz eram tão autoritárias que até mesmo quem era a favor da vacinação se opôs ao projeto por julgarem violentas e inconstitucionais. “Oswaldo Cruz foi tachado pelo jornal [O Paiz] de cientista desligado das realidades do país” (CARVALHO, 1991, p.99) tamanha a repercussão do regulamento. O governo tentou acalmar os ânimos, informando que o projeto não se aplicaria, contudo, a revolta já estava nas ruas mesmo antes da publicação das normas de execução da lei de vacinação obrigatória. Dias antes, na solenidade de fundação da Liga contra a Vacinação Obrigatória, Lauro Sodré, Vicente de Souza e Barbosa Lima haviam discursado na presença de centenas de pessoas, incitando-as a rebelar-se contra o governo, criticando “as medidas arbitrárias e inconstitucionais tomadas por aquele governo que servia a uma oligarquia de fazendeiros, hasteando como bandeira de luta a retomada dos princípios republicanos originais por ele traídos.” (BENCHIMOL, 1990, p.306) A revolta estava armada precisava apenas de um motivo para acontecer. No dia da publicação do projeto de regulamento pelo jornal A Notícia, no período da tarde, um grupo de jovens encontrou-se no largo de São Francisco para discursar contra a vacinação, pregando resistência a mesma. Ao percorrer a rua do Ouvidor, o orador do grupo foi abordado por um delegado de polícia que o intimou a ir à delegacia, ocasionando protestos dos presentes. Seguindo para a Praça Tiradentes os manifestantes se depararam com a cavalaria da polícia, manifestando-se rapidamente com vaias e em gritos de “Morra a polícia! Abaixo a vacina!”, insurgiram contra a autoridade presente num conflito que resultou em quinze presos. Era o início da revolta que, por uma semana, tomaria a cidade do Rio de Janeiro e transformaria o centro da cidade num palco de guerra. O centro da cidade, convulsionado pelas reformas urbanas de Pereira Passos, transformou-se num palco de guerra. Os populares armavam-se de pedras, paus, vidros, ferros e outros instrumentos que encontrassem pelas ruas para enfrentar as tropas de infantaria e cavalaria. ‘O barulho do combate era ensurdecedor, tiros, gritos, tropel de cavalos, vidros estilhaçados, correrias, vaias e gemidos. O número de feridos crescia de ambos os lados, e a cada momento chegavam novos contingentes de policiais e de amotinados ao cenário disperso da escaramuça.’ (KOK, 2005, p.64) A revolta seguiu nos dias seguintes, atingindo seu ápice no dia 13 de novembro quando tomou proporções maiores, tornando-se mais violenta. No dia anterior, através do Correio da Manhã, o governo convocou a população a comparecer na Praça Tiradentes para aguardar o fim da reunião na qual se definiria o regulamento final da lei de vacinação 34 obrigatória. Para por fim ao motim, a comissão reunida descartou o projeto de Oswaldo Cruz e adotou um projeto substitutivo, baseado na lei francesa de 1903, mas de nada adiantava. Antes de findar a reunião, o carro do chefe de policia foi apedrejado ao chegar ao local, levando os policiais a reagir numa ofensiva contra a população presente. A Praça Tiradentes foi novamente tomada pela violência, que, aos poucos, se espalhou pelas ruas adjacentes, atingindo toda a cidade. Iniciaram-se os ataques aos bondes da Companhia Carris Urbanos, tombados e incendiados, e a quebra dos combustores de gás, surgindo as primeiras barricadas, construídas com o entulho das obras de remodelação de Pereira Passos. O governo surpreendeu-se com a dimensão tomada pela revolta popular, levando-o a solicitar reforços ao Exército, à Marinha e à Guarda Nacional. Contudo, a revolta popular não era a única preocupação do governo. Simultaneamente ao motim contra a vacina, alunos e oficiais da Escola Militar da Praia Vermelha insurgiram contra o governo, aproveitando-se do caos na cidade, exigindo a deposição de Rodrigues Alves. As tropas rebeldes marcharam em direção à sede do governo federal, no Palácio do Catete, mas foram sumariamente derrotadas por tropas do Exército e pelos canhões e metralhadoras da Marinha. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, morreram mais de duzentas pessoas. Fracassada a tentativa de se estabelecer uma ‘nova República’, curiosamente financiada pelos monarquistas, o governo declarou estado de sítio pelo prazo de trinta dias. (KOK, 2005, p.65) A sublevação militar foi debelada, mas a revolta popular continuou, sendo o bairro portuário da Saúde, sob o comando do negro Horácio José da Silva, o reduto de maior resistência popular às forças conjugadas do governo. Devido à forte resistência apresentada pelos amotinados, o bairro recebeu a alcunha de “Porto Arthur14” e foi motivo de preocupação das autoridades durante a revolta. Sob o comando do negro Horácio José da Silva, o ‘Prata Preta’, os manifestantes organizaram barricadas ‘de mais de um metro de altura constituída de sacos de areia, trilhos arrancados à linha, postes telefônicos, fios de arame, paralelepípedos, troncos de árvore, madeiras de casas velhas, bondes e carroças’. As táticas dos revoltosos surpreendiam as forças policiais. Armados de carabinas, revólveres e bombas de dinamite, os manifestantes dividiram-se 14 Porto Arthur era uma fortaleza russa que, na Guerra Russo Japonesa então em curso, resistiu bravamente aos ferozes ataques japoneses. 35 em vários grupos. Muitos ocuparam os pontos mais altos do morro, enquanto outros permaneceram na praça por trás das trincheiras e tocaiados entre os muros. (KOK, 2005, p.65) Horácio José da Silva, o Prata Preta, era um estivador sem trabalho fixo, praticante do candomblé e exímio capoeirista, ambas as atividades combatidas pelo governo no Plano de Melhoramentos da Cidade, e que, devido a estas características, conseguiu reunir sob seu comando um grande número de revoltosos, levando as autoridades a ter receio em atacar as barricadas constituídas e restabelecer a ordem no local. Na charge a seguir (Figura 8), ocupando grande parte da imagem, tem-se a figura do Prata Preta caracterizado como espantalho por repelir as forças governamentais do bairro. Em meio às ruínas do bairro da Saúde o capoeirista, hasteado em uma madeira roliça e segurando dois revólveres, um em cada mão, segue liderando os amotinados enquanto as forças governamentais aguardam a melhor hora para atacar. Com o titulo “O Porto Arthur da Saúde”, a charge (Figura 8) mostra a importância do estivador como líder da resistência. Prata Preta representava tudo o que a elite, por intermédio do presidente Rodrigues Alves, queria “apagar” da Capital Republicana, promovendo a modernização da cidade. Expulso das áreas centrais, discriminado por sua pobreza e por não ter trabalho fixo, privado de praticar suas crenças e costumes e abandonado pelo poder público, o estivador atraiu para si um grupo considerável de pessoas que compartilhavam do mesmo sofrimento. FIGURA 8 – O Porto Arthur da Saúde – O Malho, 1904 (Fonte: A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes) 36 Na charge (Figura 8), publicada na Revista O Malho, o capoeirista apresenta-se para as autoridades e para a elite como um passado sempre presente, um passado que persiste,
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