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Idade Média II com china

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Prof. Ricardo Feijó
	O largo período que vai da queda do Império Romano, entre os séculos V e VI (o último imperador romano morre em 476), ao final do século XV, época do início das grandes navegações, delimita o que se conhece como Idade Média. 
	É vantajoso estudar-se o período dividindo-o em duas épocas. A primeira preside às mudanças radicais no estilo de vida europeu com o desaparecimento de cidades e a acentuada ruralização. 
	Muitas das práticas romanas são esquecidas e a Europa entra em período de menor fervor cultural. O poder político pulveriza-se ao mesmo tempo em que, lentamente, vão-se consolidando as instituições medievais. Essa etapa vai até o ano de 1200 e corresponde também ao apogeu da civilização islâmica. 
	Enquanto a Europa mergulha na Idade das Trevas, os povos árabes conquistam um grande império, que em 730 incorpora desde a Espanha e o sudoeste da França, passando pelo norte da África e o Oriente Médio, até as longínquas fronteiras da Índia e da China
	O Império Islâmico destaca-se pelo seu refinado padrão de vida e pela sua cultura, onde se valorizavam a literatura, a ciência, a medicina e a filosofia. Sabemos que os árabes travaram contato com diversos povos, conheceram a sabedoria hindu, preservaram e desenvolveram o conhecimento grego em Matemática, Física, Química e Astronomia. 
	É possível que eles tenham tido um papel no desenvolvimento do pensamento econômico, mas pouco se sabe a esse respeito. Há, de fato, uma carência de estudo neste assunto.
	A relevância dos árabes nas idéias econômicas começa com a grande contribuição que foi o sistema de números inventado por eles. Os números arábicos facilitaram as tarefas aritméticas e certamente impulsionaram os processos de contabilização econômica e o desenvolvimento de uma primitiva Econometria. 
	... embora eles soubessem das reflexões de Aristóteles sobre o valor dos bens. 
	O mais importante, para nossos propósitos, foi os árabes terem preservado e traduzido os clássicos remanescentes da filosofia grega. Quando em 1085 os europeus retomam Toledo, na Espanha, e para lá afluem os acadêmicos em busca dos clássicos antigos, a Europa desperta de seu sono e recupera novamente o gosto pela filosofia. O que viria a ter uma importância muito grande no desenvolvimento do pensamento econômico pelos padres escolásticos nos próximos quatro séculos que se seguiram.
	A segunda etapa da Idade Média, tal como estamos caracterizando, vai de 1200 a 1500. O grande divisor de águas foi o renascimento filosófico impulsionado pelo resgate da filosofia grega. Tomás de Aquino (1225-1274) destaca-se então como o pensador mais influente do período.
	É nesse segundo período medieval que a análise econômica terá um significativo avanço.
	Antes de discuti-lo, vejamos algo mais da etapa anterior. 
	No feudalismo constata-se a divisão do poder político. Não há um Estado centralizador forte e sim um imenso conjunto de pequenos feudos cuja base do poder está na propriedade da terra. 
	Os proprietários são os senhores que estão inseridos numa malha de relações políticas com outros senhores. No topo dela está o rei, um antigo chefe da tribo primitiva que invadiu a Europa, e o poder da Igreja. 
	Os senhores possuem direitos e obrigações entre eles e cada qual cuida de seus camponeses, homens ligados a terra e inteiramente submetidos aos desígnios do seu senhor. 
	Os camponeses não podem ser escravizados ou expulsos da terra. 
	Os camponeses cumprem uma série de obrigações, como transferir uma parte da produção agrícola, pagar impostos e trabalhar alguns dias da semana nas terras de uso do seu senhor. 
	Em troca, os senhores dão proteção a eles, resolvem as disputas jurídicas entre eles, oficializam casamentos e garantem alguns benefícios paternalistas. 
	Há, portanto, um sistema de obrigações e serviços mútuos regulado pelos costumes do feudo, já que não existem leis escritas como na época do Império Romano. 
	A produção artesanal regrediu por essa época.
	Predomina então a atividade agrícola, em pequena escala, usando-se técnicas agrícolas primitivas.
	A atividade comercial é, de início, bastante limitada, embora ela venha a crescer a partir do século XI.
	A base da organização não está no contrato, mas nas relações de status. A palavra empenhada, a promessa verbal e a defesa da honra valem mais do que a lei escrita. 
	A sociedade medieval espelhou a hierarquia social de Platão em A República. Na base, uma classe de trabalhadores camponeses, acima delas os senhores seculares, com sua rede de lealdades transferíveis de um senhor para outro, e no topo os senhores eclesiásticos: padres e bispos que deviam lealdade permanente à Igreja de Roma. 
	Como no modelo social platônico, a classe superior era a repositória e guardiã do conhecimento. Seus representantes contemplavam o mundo natural de olho no plano espiritual e desenvolviam idéias teológicas imbricadas em alguma filosofia. 
	A organização da vida social refletia as crenças religiosas e, como o ensino religioso era monopólio da Igreja, existiu de fato uma certa centralização de poder em Roma, mas não nos moldes de um império. 
	Além de canalizar para si o poder e a riqueza, a principal preocupação da Igreja era fazer prevalecer os preceitos éticos cristãos. A ética cristã ditava a organização da vida medieval e ela serviu como cimento ideológico capaz de manter coesa a Europa Medieval e proteger seus governantes contra a insurreição da maioria de camponeses pobres.
	A ética paternalista na medida em que difundia o comportamento altruístico entre os ricos contribuía para acalmar as tensões sociais. 
	A vida econômica na sociedade medieval era sustentada pela atividade agrícola. 
	Os feudos eram auto-suficientes e quase nunca produziam um excedente exportável.
	A partir do século XI, mudanças tecnológicas aumentaram significativamente a produtividade na agricultura e com isso pôde-se gerar crescentemente um excesso de produção destinado ao comércio. 
	A atividade comercial dá origem a uma nova classe de homens enriquecidos sem vínculos fortes com a antiga ordem social. São os portadores do elemento que iria dissolver lentamente as relações feudais: a substituição dos vínculos medievais que existiam entre as pessoas, legitimados pela fé, por relações de mercado. 
	A transição para o capitalismo comercial não foi linear; muitas guerras, revoltas e retrocessos ocorreriam até que o capitalismo comercial substituísse o feudalismo nos países mais adiantados da Europa. 
	O início das transformações sociais ocorre com as inovações tecnológicas que ocorreram no século XI. Verifica-se primeiramente uma mudança no sistema de rodízio das culturas. 
	A repercussão desta prática na produtividade agrícola foi um aumento de 50% no rendimento das lavouras.
	O aumento na produção de aveias e outras forragens permitiu a expansão da pecuária, pois mais animais poderiam ser alimentados.
	Soma-se a isto a utilização do cavalo em substituição ao boi que se generaliza tanto na aragem da terra como no transporte.
	 A maior agilidade do cavalo impulsionou a produtividade agrícola. 
	Outras tecnologias também se desenvolveram. 
	Os arados de osso foram substituídos por equipamentos de madeira e depois se passou a reforçá-los com pontas metálicas pelo desenvolvimento da metalurgia.
	Novos tipos de adubos são inventados aproveitando-se os excrementos e restos orgânicos dos animais.
	A construção decarroças fora melhorando gradualmente até se chegar no século XIII aos modelos de quatro rodas com pivô no eixo dianteiro.
	A Primeira Revolução Agrícola corresponde ao período de intensas inovações tecnológicas na agricultura européia nos séculos XI a XIII.
	Antes a gleba era dividida em duas áreas. 
	Ao longo do ano, cultivava-se apenas a metade da terra enquanto a outra permanecia em repouso para a recuperação de sua fertilidade. 
	No ano seguinte, a terra em pousio era explorada deixando-se a outra, que tinha sido cultivada anteriormente, em descanso. 
	Começa então, por essa época, a plena difusão entre os agricultores da nova técnica de duas culturas por ano. 
	A terra é dividida agora em três campos. 
	No primeiro há uma cultura de outono, com colheita na primavera, em geral plantando-se centeio ou trigo.
	O segundo campo é cultivado na primavera com sementes de aveia, feijão e ervilha, para coleta no próximo outono.
	O terceiro campo permanece em pousio ao longo do ano.
	No ano seguinte utiliza-se a terra que estava parada, uma das terras anteriormente cultivadas fica em repouso e assim por diante, alternando-se os campos. 
	Com isso, apenas um terço do terreno fica incultivado sem perda da qualidade do solo. 
	O excedente de produção permitiu a expansão demográfica na Europa cuja população cresceu cerca de três vezes no período, gerando-se assim um excedente de mão-de-obra.
	O enriquecimento de parte da população possibilitou mercado consumidor para as manufaturas, cuja produção estabeleceu-se em núcleos urbanos em torno dos feudos ou que se formaram nas feiras ao longo de rotas comerciais pelo interior do continente.
	 Tais aglomerações eram os burgos que viviam à mercê dos senhores feudais. 
	Em breve, alguns destes centros transformam-se em cidades que pouco a pouco foram se livrando da tutela dos senhores. 
	O fluxo de manufaturas deu um impulso adicional ao comércio que vinha se desenvolvendo para os produtos agropecuários.
	O aperfeiçoamento das carroças, a melhoria das estradas e a navegação costeira e dos rios permitiram o comércio de longa distância. 
Fonte: Os processos e repercussões da organização da produção e da apropriação da energia na sociedade – Prof Ildo Sauer
	Materiais	Madeira, pedra, ferro. O ferro, principalmente, para uso militar (espadas e armaduras). Após a partida para as cruzadas (1096), estende-se à agricultura (enxadas, picaretas, ancinhos, arados, foices...).
	Energia 	Tração animal. O moinho de vento, conhecido desde as épocas romanas para moagem, agora é usado para cortar a madeira, fornecer energia para o fole do ferreiro... É uma forma de pré-industrialização, testada e propagada pelos mosteiros Cistercianos. Carvão vegetal, usado principalmente para metalurgia, cocção e aquecimento ambiente, desde o século XII. Óleos animais para iluminação.
	Vida e natureza	Sementes naturais e seleção animal, como recomendado pelos primeiros manuais de agronomia dos mosteiros. A agricultura retira apenas o suficiente para alimentar a população e os animais, porém, resulta em desmatamento (clareiras). As safras duram até que a terra seja esgotada (1315).
	Ritmos 	O tempo diário é regulado pelas sete horas canônicas, marcadas pelos sinos dos mosteiros. Os primeiros relógios mecânicos aparecem.
	Espaço e comércio	Constituição de mercados locais e regionais (séc. XI e XII). O leme de popa (1242) facilita o progresso do transporte mercante, notavelmente no Báltico: estabelecimento da Liga Hanseatica (séc. XIII).
	Comunicação e educação	A informação técnica é divulgada em latim, graças ao trabalho de copistas, na rede transnacional dos mosteiros. Escola de Charlemagne. Nascimento da universidade crítica (escolástica).
	Território e organização social 	A terra é a base dos recursos necessários para a família, aldeia, sobrevivência feudal. É portanto o que está em jogo nas guerras. A propiedade, que passa aos descendentes. A hierarquia feudal, uma casta militar, é o protetor da terra, garantidor autarquico da seguridade. As cidades-mercado se criam para desenvolver o comercio, organizado em um modelo "isonomico", primeiro na liga Hanseatica, após, na região mediterrânea (Génova, Veneza)
	No século XI, o fato político das Cruzadas, leva de europeus que se deslocavam a pé até a Terra Santa com o fito de expulsar dela os mulçumanos, também contribuiu para impulsionar o comércio. 
	A ampliação do comércio foi um fator de desintegração da sociedade medieval. 
	Muitas das obrigações mútuas entre o camponês e o senhor ou mesmo entre os senhores, ditadas pela tradição medieval, foram sendo substituídas pelo pagamento em dinheiro de aluguéis e taxas.
	Com o aumento da renda dos camponeses, algumas das obrigações em trabalho são substituídas por pagamentos em dinheiro.
	Outros deveres, como destinar parte da produção ao senhor, também são transformados em pagamentos. 
	Com isso, camponeses viram simples arrendatários e senhores feudais tornam-se meros proprietários de terra. 
	Tal processo, no entanto, só se completa ao final da Idade Média e nos países europeus mais atrasados ele prossegue até o século XIX. 
	A transição de um modelo social a outro conheceu inúmeros sobressaltos. 
	No fim da Idade Média, a ocorrência de catástrofes era acompanhada por tentativas de reintroduzir as antigas obrigações feudais.
	A reação dos camponeses, por vezes, resultava em rebeliões que proliferaram pela Europa. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) e a Peste Negra dizimaram a população, aumentando com isso os salários e reduzindo a renda.
	Isso forçava os senhores a buscarem recuperar os direitos antigos como forma de compensar o prejuízo. O que tendia a agravar o quadro de conflitos sociais. 
	As grandes feiras comerciais até o século XIV permaneceram sob a tutela do senhor feudal. 
	No último século do período medieval, muitas delas tinham se transformado em verdadeiras cidades comer-ciais que conseguiram se libertar do senhor feudal. 
	Na ausência do poder externo, as cidades buscaram criar suas próprias instituições. A mais importante eram as Guildas, corporações que regulamentavam a produção de manufaturas e as atividades financeiras e comerciais. Tal instituição também intervia nas questões sociais e religiosas. 
	A atividade financeira também se desenvolveu no fim da Idade Média. 
	A doutrina cristã era contrária ao empréstimo a juros, mas a posição oficial da Igreja foi se tornando mais flexível.
	Há passagens bíblicas, no “Deuteronômio”, em que se condena o juro e, com base na Bíblia, no século IV o Concílio de Nicea baniu a prática dos juros entre os clérigos.
	No reino de Carlos Magno, a proibição é estendida a todos os cristãos. A alegação é a de que é injusta a prática da usura, onde se recebe mais do que é dado. 
	As leis contra a usura permaneceram por séculos. Nos séculos XII e XIII, o desenvolvimento econômico estimulou a atividade financeira. 
	Aparecem os primeiros banqueiros que recebem depósitos pagando juros por eles.
	A doutrina econômica de cunho moral ia cedendo à prática econômica e a Igreja passava a influenciar os reis para que permitissem os juros, mas regulassem o valor cobrado. 
	Os limites legais variavam de 10% ao ano na Itália a 300% em Provença. Os reis também passaram a receber fundos mediante pagamento de juros. Frederico II pagava aos credores juros de 30 a 40% ao ano, mais do que comerciantes pagavam pelos empréstimos recebidos dos banqueiros, algo entre 10 e 25%, dependendo do tipo de crédito.
	
	À medida que as cidades comerciais foram adquirindo autonomia, seus dirigentes procuravam estabelecer um código legal preciso em substituição ao direito consuetu-dinário e paternalista dofeudalismo. 
	As transações comerciais e financeiras foram então regu-lamentadas por uma legislação comercial específica. Tal legislação permitiu incrementar o comércio, pelas leis de contrato, legalização das representações comerciais e das vendas em leilão, e criar novos instrumentos e operações financeiras, tais como letras de câmbio e outros papéis negociáveis, câmaras de liquidação de dívidas etc.
	É de se esperar que todo esse desenvolvimento da vida econômica tenha de alguma forma contribuído para uma melhor compreensão do processo econô-mico e do funcionamento dos mercados.
	De fato, na etapa final da Idade Média (de 1200 a 1500) um avanço não desprezível da análise econô-mica aparecerá nas reflexões dos padres escolásticos do período.
Na China história da técnica e da tecnologia
	Não teve necessidade de buscar na escravidão de populações vizinhas estoques de energia.
	Dispositivos de elevação de água tais como:
	poços com balancins, 
	século V a. C. (nórias) 
	complexos sistemas de irrigação para grandes áreas
	Rejeitos orgânicos
	Usavam animais e moinhos
	carvão mineral por volta de 1.000 a.C
a China história da técnica e da tecnologia
	Substituíram o arreio de garrote para cavalos, por arreio de peitoral desde 1000 a.C.
	Arreio de quarto dianteiro a partir do século III d.C
	Bom aproveitamento do bronze no século VIII a.C. 
	Grande uso do ferro por forjamento no século VI a.C.
	No século II a.C. fabricam aço e já possuem altos fornos
Lembrar de Marco Polo e suas viagens
	O pensamento econômico na Idade Média, no seu período avançado a partir do século XIII, será de- senvolvido no interior dos mosteiros onde padres cultos irão explorar e estender as reflexões econô- micas preexistentes inspirando-se nas traduções das obras de Aristóteles.
	A mescla da filosofia peripatética com o pensamento bíblico deu origem à escola escolástica que contri- bui significativamente para o avanço da reflexão econômica à época. 
	Embora ainda envoltos com falácias e precon- ceitos antieconômicos, os escolásticos alcan- çam um melhor entendimento dos mercados e dos fenômenos relacionados de preço, valor e juro.
	Nas questões econômicas, como de fato em to-dos os aspectos da cultura e da teologia, so- bressaiu-se o nome de Tomás de Aquino, o mais importante pensador escolástico do século XIII, que marcaria com suas idéias todo o período restante da Idade Média. 
	Aquino pode ser visto como um divisor de águas entre os dois períodos medievais que estamos considerando. 
	A sombra de sua autoridade em filosofia e religião ainda hoje se faz presente.
	Interessa-nos diretamente a geração de grandes mestres escolásticos entre os séculos XIII e XIV que no bojo de seus pensamentos disseram algo sobre a economia. 
	Entre eles destacamos Alberto Magno, Henry de Friemar, John Duns Scotus, Jean Buridan e Geraldo Odonis. 
	
	A estratégia de exposição de idéias dos escolásticos resulta numa construção teórica edificada por um método peculiar.
	Dela faziam parte argumentos estruturados em ca- deia dedutiva de raciocínios que procuravam refu- tar uma posição contrária inicialmente estabelecida, mais pela lógica, pela fé e com base na autoridade do que buscando sustentação na experiência. 
	Os escolásticos preocupavam-se com a questão moral e ao tratarem de Economia irão se interessar pelo aspecto da justiça, mais especificamente pela justiça das trocas ou justiça comutativa. 
	Como vimos, esta era também a preocupação de Aristóteles e assim os padres tomam dele o conceito de reciprocidade nas trocas como ponto de partida a partir do qual irão se aprofundar, esclarecendo certos pontos e corrigindo ambigüidades. 
	O primeiro aspecto a ser ressaltado da reflexão econômica dos padres medievais é a distinção entre “ordem natural” e “ordem econômica”. 
	Isto já se fazia presente séculos antes em Santo Agostinho. 
	Aristóteles não separa a economia da ordem natural.
	Em analogia, Agostinho acredita que moralmente a economia não se distingue da ordem natural.
	 Aceita, entretanto, que por vezes os homens são levados a valorizar as coisas e ordená-las em impor-tância não pelo uso do critério legítimo das neces- sidades naturais, mas pela consideração do prazer gerado pela posse e usufruto delas.
	Na esfera natural, os bens são ordenados pela im- portância que eles possuem no atendimento de ne- cessidades fisiológicas naturais, enquanto que no âmbito das trocas econômicas prevalece o critério da busca do prazer sensual que não tem diretamente uma base natural. 
	Há assim a distinção entre necessidade e prazer em Santo Agostinho, que terá uma importância no desen-volvimento do pensamento econômico no século XIX.
	Santo Agostinho forneceu também uma interpretação subjetivista do valor econômico como sendo gerado a partir das necessidades humanas. 
	É base de toda reflexão medieval sobre o valor e a maneira como determinado pensador concebe esta distinção matiza as posições particulares de cada qual.
	Agostinho separa as duas ordens associando-as res- pectivamente ao atendimento de necessidades naturais ou, como algo distinto, prazer sensual. 
Alberto Magno (1206-1280)
	O grande latinista professor de Tomás de Aquino, também considera que as necessidades humanas diante da escassez dos bens, a que chama de indigentia, sejam a medida do valor na ordem natural.
	Entretanto, reconhecendo a separação do econômico em relação ao natural, ele considera que na ordem econômica as coisas são avaliadas de outra maneira.
	Os bens são vendidos em relação ao trabalho (em latim opus) desprendido na sua obtenção e, sendo assim, o valor de troca deve corresponder ao custo de produção (em trabalho e em outras despesas).
	 Se o preço de mercado de um bem não cobre os seus custos de produção ele cessa de ser produzido e se o preço está abaixo desse custo não haverá mer- cadoria disponível para atender a todos os que a desejam. 
	Com isso, Alberto Magno acrescenta uma idéia de equilíbrio de mercado à noção primitiva de valor em Aristóteles, enfatizando o lado do custo em detri- mento do papel da demanda.
	A partir do século XIII, os preços começam a ser tratados como valores de equilíbrio. 
	Os pensadores identificam uma variável econômi- ca, no caso de Magno os custos, como sendo a fonte reguladora do valor.
	No entanto, muito tempo restaria até uma clara compreensão do processo de determinação dos preços a partir de um modelo sistemático que inte-grasse as considerações de oferta e demanda.
Tomás de Aquino
	Ele rompe com seu mentor ao enfatizar as necessidades ou desejos humanos em face da escassez dos bens, ou seja, o conceito de indigentia em Magno, como sendo o ponto de partida do valor.
	Aquino desconsiderou as diferenças entre necessidade e prazer, enfatizada para separar a ordem natural da econômica, e ao negligenciar essas diferenças ofuscou a análise anterior do fenômeno das trocas. 
	A noção tomista de indigentia como fundamento do valor significa, indiscriminadamente, neces- sidade humana ou prazer. 
	Alguma idéia do papel da escassez dos bens também é importante na determinação do valor.
	Pode-se dizer que em Aquino o valor depende da necessidade ou prazer diante da escassez. 
	A ordem natural dos bens corresponde ao plano do criador e discutir a importância relativa que eles adquirem nessa ordem é prerrogativa da teologia. 
	A Economia discute o modo como os homens avaliam a importância dos bens e Aquino afirma que o fazem comparando as utilidades atendidas por cada bem nos respectivos montantes em que estão disponíveis. 
	Na esfera econômica, e não na natural como em Magno, os preços são determinados pela indigentia. 
	Magno e Aquino posicionam-se, portanto, em dife- rentes linhas interpretativas do legado de AristótelesMas as diferenças entre eles devem ser consideradas apenas uma questão de ênfase.
	Ambos interpretam os preços como um processo de equilibração e encontram uma variável básica regu-ladora do valor, custos em Magno e indigentia em Aquino, mas também consideram o papel, embora secundária, da outra variável em foco.
	Mesmo aceitando as similaridades entre eles, é impor-tante reconhecer que suas nuanças interpretativas da Ética a Nicômaco, ponto de partida de toda análise do valor no ocidente, deram origem a diferentes tradições 
	A introdução do elemento “necessidade” na fórmula dos preços por Aquino foi um primeiro passo para o desenvolvimento de uma análise da demanda. 
	Mas ele ainda estava longe de compreender o meca-nismo de mercado.
	Aquino considerava a economia como estando sub-metida ao fato moral, mas ele já percebia que as for-ças de mercado não poderiam ser analisadas exclu- sivamente pela consideração da noção de justiça. 
	Começa a aparecer por essa época uma consciência crescente da autonomia da esfera econômica. 
	Os padres escolásticos, que sucederam e deram seqüência ao tomismo, irão trabalhar as considerações de Aquino até alcançarem um melhor entendimento da demanda efetiva e do papel dos desejos humanos. 
	Aquino oscila entre uma compreensão da vida econômica como um sistema e uma posição moralis-ta, conservadora e preconceituosa da Economia. 
	Embora tenda a acreditar que o preço de mercado é um resultado objetivo de forças impessoais, ele des-prezava o espírito comercial e acreditava que o Estado deveria controlar a atividade do comércio pela imposição de sanções. 
	A base normativa para o estabelecimento de sanções era o conceito de preço justo.
	Os escolásticos subseqüentes irão interpretar o preço de equilíbrio no modelo tomista como sendo resultan-te de um designo divino e equivalente ao preço justo. 
	O preço justo deve remunerar apenas o suficien-te para reproduzir a condição tradicional e cos-tumeira da vida do comerciante, pagando pelo custo usual de produção, pela distância e tempo de deslocamento do bem, pelo risco de transpor-te, bem como pelo tempo e esforço requeridos na busca do comprador. 
	Toda prática de preços acima ou abaixo do valor justo seria uma iniqüidade, uma prática ilícita que deveria ser combatida a qualquer custo.
	O valor impessoal de mercado, determinado pelo balanço das indigentia, deveria de alguma manei-ra corresponder ao preço justo. 
	Mas a relação entre um conceito e outro não é bem esclarecida por Tomás de Aquino. 
	O preço justo era definido com base nos custos, enquanto que o preço teórico, em Aquino, fun- damentava-se no lado da demanda. 
	Isto não quer dizer que a análise do preço justo seja objetiva, pois tal noção enfatiza os sacrifícios do vendedor pensados também em termos subjeti-vos, como significando os sacrifícios que o produ-tor avalia estar incorrendo. 
	As considerações econômicas tomistas não se limi- tam à questão teórica do valor. Aquino teceu inú- meros comentários éticos sobre a vida em sociedade 
	Todas as relações econômicas e sociais para ele emanam da providência divina.
	A divisão social de trabalho e papéis individuais é necessária e para tanto se tornam indispensáveis as distinções socioeconômicas, que todos os homens devem aceitar.
	Os que são agraciados pela riqueza devem usá-la para prestar serviços à sociedade. 
	A riqueza e a instituição da propriedade privada são justi- ficadas como uma condição para a assistência aos pobres.
	O homem rico que não presta serviços à sociedade deve ser nivelado ao ladrão comum.
	Para inibir a acumulação desenfreada de riquezas, a usura deve ser proibida, pois o juro é o ganho à custa dos seme- lhantes.
	Assim, Aquino mistura uma ética conservadora e antieco- nômica com uma percepção da impessoalidade da esfera econômica, o que gera tensões em seu pensamento e ele- mentos de difícil reconciliação.
	
	Um passo importante no aprimoramento das idéias de Aquino para uma melhor compreensão da demanda de mercado foi dado por Henry de Friemar (1245-1274). 
	Sabemos que a moderna noção econômica de demanda é agregativa, no sentido de que considera o desejo de todos os compradores que participam do mercado. 
	No entanto, o conceito tomista de indigentia refere-se ao indivíduo isolado. Friemar estendeu tal conceito ao concebê-lo como uma medida agregada que engloba a somatória das quantidades desejadas por muitos indivíduos. 
	Indo além na análise, ele diz que o valor depende dessas quantidades em relação ao que está disponível no mercado, ou seja, depende da demanda em face da escassez. 
	Um bem pode apresentar um preço baixo mesmo diante de forte demanda se houver abundância dele.
	Friemar percebe, com clareza, que o preço é um fenômeno que depende também da oferta e de certa forma ele incorpo-ra esse lado quando diz que o valor é determinado pelas “necessidades comuns de algo escasso”. 
	No entanto, ainda está longe de um modelo satisfatório dos mercados, por não possuir as ferramentas desenvolvidas pelos marginalistas do século XIX. 
	A associação entre indigentia e preço justo ensejou numerosas controvérsias na Idade Média que procu- raram reconciliar o modelo teórico tomista de deter- minação do valor pelo balanço das indigentia com a norma moral do preço justo 
Johannes Duns Scotus (1265?-1308)
	Tentativas de revisão do conceito, no sentido de melhor adaptá-lo como preceito moral, apareceram em Johannes Duns Scotus. 
	A crítica de Scotus começa por questionar se o desejo deve sempre ser o determinante fundamental do valor. Diz que algo não é precioso em si mesmo só porque a preferência do comprador é forte. 
	Haveria nesta concepção um elemento de imoralidade, pois, é errado querer tirar vantagem dos desejos intensos do comprador, como quem negocia drogas a preços elevados explorando o desejo intenso do viciado.
	O conceito de preço justo leva em conta os custos e os sacrifícios do vendedor e uma parte desses sacrifí-cios é avaliada subjetivamente por ele. 
	Ora, é justo que quem incorra em maiores sacrifí- cios, ou que assim pensa fazê-lo, possa receber mais pela mercadoria.
	Se o preço justo levasse em conta apenas um nível ordinário de sacrifício, os mais eficientes (menos sa-crifício) não poderiam cobrar um preço abaixo da concorrência; os mais ineficientes teriam que rece- ber abaixo do sacrificío, o que não seria justo. 
	O que dizer de quem produz a sacrifícios acima ou abaixo da média? 
	A noção de preço justo seria determinada caso a caso e uma lei que controlasse os preços com base nesse critério de- veria ser bastante flexível e observar cada contexto, o que de fato não ocorria na época.
	Há ainda uma outra questão, se concordamos com Scotus, que o vendedor não pode repassar aos preços o desejo ar- dente do consumidor por não ser justo, então por que é justo que ele repasse aos preços o seu próprio desejo de ser remunerado pelo sacrifício? 
	As questões levantadas por Scotus levaram Jean Buridan, reitor da Universidade de Paris, a dar um grande passo na evolução da teoria escolástica do valor.
	Pensador escolástico que teceu um grande núme-ro de comentários à obra de Aristóteles, contri- buiu para o avanço da reflexão econômica com algumas revisões de conceitos. 
	Ele percebeu que a solução dos problemas levan- tados por Scotus demandava uma nova interpre- tação da noção de desejo.
	Como Friemar, ele formulou a idéia de desejo agregado como o determinante da demanda efe- tiva e, em última instância, do valor econômico, levando–se em conta também o poder de compra dos consumidores.
	Diferentemente dele, entretanto, o conceito de indigentia em Buridan também se aplica à luxúria e não apenas às necessidades naturais. 
	A somatória dos desejos, qualquer que seja a sua natureza, o poderde compra dos demandantes e a situação de oferta determinam simultaneamente o estabelecimento de um estado de negócios justo ou normal. 
	“O mercado é o melhor juiz do valor” e quando para lá acorremos consideramos a avaliação do mercado sem intervir nele. 
	Buridan aproxima sua análise do modelo moderno do mercado de concorrência e sua visão viria a afetar o pen- samento econômico na Europa continental, mais que na Inglaterra. 
	A pobreza é a condição de quem não tem o que deseja, mas uma vez provido de recursos financeiros o pobre consegue sancionar a sua demanda, que irá depender também da utilidade que atribua ao bem.
	Buridan diz que a utilidade é uma experiência psicológica, mas ele enfatiza também as propriedades que os bens pos-suem e que nos levam a desejá-los. 
	A sua análise conduziu, seis séculos depois, ao moderno conceito de utilidade marginal.
	Há um entendimento crescente ao longo da Idade Média de que o valor é um conceito que depende tanto dos custos de produção, destacadamente do trabalho, quanto de fatores de demanda, tais como necessidades, desejos, indigentia e renda dos consu-midores.
	Friemar e Buridan já caminharam em direção a uma síntese entre os dois lados da oferta e demanda.
	No começo do século XIV, passos importantes em direção à síntese, que só seria completada muito depois, foram dados pelo escritos do monge francês da ordem franciscana Geraldo Odonis (1290-1349). 
	Ele percebeu que o trabalho humano é um compo-nente importante para o valor, mas que essencial- mente o valor dos bens é conferido pela sua rarida-de (em latim raritas). 
	A raritas mede o grau de escassez do bem em face das necessidades. 
	É o inverso do conceito de indigentia que avalia as necessidades diante da escassez e essa inversão tem como conseqüência deslocar a atenção teórica dos desejos humanos para a disponibilidade do bem.
	Para Odonis, a teoria de Alberto Magno, que via o valor na quantidade de trabalho, é unilateral, pois não enfatiza a relação do trabalho com a escassez, este sim o verdadeiro fundamento do valor. 
	Primeiramente, é preciso notar que os trabalhos diferem entre si no que tange à sua qualidade.
	O que determina as nuanças de qualidade no trabalho é o grau de eficiência a depender das diferentes habilidades produtivas dos homens.
	Odonis cria uma teoria também para explicar as diferenças de salários. 
	Munidos de diferentes habilidades, os homens se situam dentro de um espectro de eficácias relativas, adquiridas a um custo diferenciado.
	Como todo tipo de trabalho é escasso, dada a escas-sez de habilidades, os produtos obtidos por ele tam-bém o são. 
	O trabalho escasso, ao restringir a produção de bens, gera a escassez. É por isso que o trabalho re- gula o valor. 
	Tanto a teoria dos custos quanto a da demanda são componentes de um princípio único no modelo de Odonis. 
	Embora falte uma maior articulação analítica de conceitos, a solução de Odonis destaca-se por procu-rar uma síntese de conceitos que incorpora deman-da e custos na questão do valor. 
	Modelos como esse, que integram os dois enfoques, cairão em certo esquecimento no século XVIII pela ênfase unilateral dos economistas ingleses na teoria do valor-trabalho.  
Lado dos custos
Lado da demanda
Aristóteles
Reciprocidade
Alberto Magno
Trabalho e despesas
Tomás de Aquino
Indigentia e preço justo
Henry de Friemar
Demanda agregada e escassez
John Duns Scotus
Crítica à teoria do preço justo
Jean Buridan
Demanda efetiva,
utilidade e mercado
Geraldo Odonis
Raritas e
habilidades do trabalho

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