Buscar

PSICANÁLISE É COMO UMA CIÊNCIA NATURAL SEGUNDO FREUD

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 18 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 18 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 18 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PSICANÁLISE É COMO UMA CIÊNCIA NATURAL SEGUNDO FREUD
 FERREIRA Abraão Rodrigues[footnoteRef:1]. Maria Antonia [footnoteRef:2] [1: Estudante: Abraão Rodrigues Ferreira. Graduação: Bacharel em Teologia, faculdade: UNESMA. Pós-graduado em Psicopedagogia e pós - graduado em Docência do ensino Superior. Email:abraaorodrigues@gmail.com
.² Maria Antonia Rodrigues de Oliveira – Licenciada em Letras Literatura pela UEMA, Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica/ Faculdade Reunida-FAR. Graduanda pela Faculdade Santa Terezinha –FEST, Mestrado em Psicanálise Clínica pela Faculdade de Educação Teológica de São Paulo. 
] [2: ] 
RESUMO Freud era um cientista e um grande apaixonado pela psicanálise com suas bases alicerçadas no conhecimento científico do final do século XVIII e meados do século XIX, e Freud sempre teve dificuldades em relação à psicanálise como ciência, isso, desde 1895 em todos os seus escritos Freud sempre lutou sem medir esforços para que a psicanálise tivesse o reconhecimento de que a psicanálise era uma ciência. Já o psicanalista Jacques Lacan, o qual cria a teoria do discurso e que a partir daí ele afirma que a psicanálise é um novo campo do saber e que mantém conexões com o campo do saber da ciência, mas com ele se confunde. O sujeito da psicanálise é o mesmo sujeito da ciência – o sujeito do desejo – mas Freud subverte o cogito cartesiano ao descobrir o inconsciente. Percebe-se que Lacan diverge de Freud em alguns aspectos, porém a ciência e a psicanálise buscam a mesma coisa, o saber.
Palavras-chave: Ciência. Psicanálise.Saber.
ABSTRACT Freud was a scientist and a great lover of psychoanalysis with its foundations grounded in scientific knowledge from the late eighteenth and mid-nineteenth centuries, and Freud has always had difficulties in relation to psychoanalysis as a science, since 1895 in all his writings Freud Has always struggled without struggling for psychoanalysis to have the recognition that psychoanalysis was a science. The psychoanalyst Jacques Lacan, who creates the theory of discourse and from that point on, affirms that psychoanalysis, is a new field of knowledge and that it maintains connections with the field of the knowledge of science, but with it it is confused. The subject of psychoanalysis is the same subject of science - the subject of desire - but Freud subverts the Cartesian cogito to discover the unconscious. Lacan diverges from Freud in some respects, but science and psychoanalysis seek the same thing, Key wo
 keywords: science. psychoanalysis. know.
 Introdução
 A junção das palavras psicanálise e ciência provocam discussões acaloradas desde que Freud desenvolveu uma nova maneira de explorarmos o psíquico. Freud foi um jovem médico neurologista apaixonado pelas pesquisas de laboratório, onde atuava dissecando o sistema nervoso de peixes e enguias; diz a lenda que começou a atuar na clínica contrariado e apenas devido às suas necessidades financeiras, pois o que o atraía eram as investigações científicas sistemáticas. Sem dúvidas, este caráter investigativo e questionador nunca abandonaram Freud, definindo-o como um pensador inquieto e incansável, que dedicou toda a sua vida a pensar de maneira metódica e muito criativa a problemática psicologia humana.
Veremos neste artigo o posicionamento de Freud em relação à cientificidade da psicanálise, Freud trata da psicanálise no âmbito da ciência, ao contrário de Lacan. Veremos também o posicionamento de Lacan, o qual tem uma visão controversa da psicanálise Freudiana em alguns pontos, se opondo a visão Freudiana.
Freud considera que a grande contribuição da psicanálise para a ciência foi ter tomado “o espírito e a alma como objetos da pesquisa científica. Sobre à (“visão de mundo”), ele também insiste no lugar da psicanálise como ciência, diferenciando-a da filosofia, da ideologia e, principalmente, de seu maior inimigo, a religião. Freud defendeu, do começo ao fim de sua obra, que a psicanálise fosse tomada como uma ciência empírica, uma ciência da natureza, não apenas por razões sociológicas, mas por razões epistemológicas que delimitam a natureza, sua dinâmica, os objetivos e os métodos para a apreensão dos fatos, a formulação de problemas e a procura das soluções que caracterizam essa disciplina.
No discurso freudiano percebe-se que a todo tempo que Freud tenta expor a psicanálise como algo radicalmente diferente do discurso filosófico com o intuito de estabelecer a primeira no campo da ciência. Percebe-se também que em decorrência do primeiro objetivo, podemos encontrar de forma sistemática a desvalorização do pensamento filosófico em relação ao pensamento científico.
Freud apresenta uma concepção de natureza não mais oposta à cultura, mas uma natureza que é processo e que se constitui na história. Freud demarca um novo território de investigações que não se situa nem nos processos físico-corporais, nem nos processos cognitivos conscientes, mas em um ponto de entrecruzamento destes registros, um novo domínio do inconsciente e das pulsões, com funcionamento e regras próprios.
Freud insistia que a psicanálise era uma ciência natural, o que não significava estar preso a um determinismo físico-químico, nem a um domínio restrito de atuação, enveredando-se desde o início em áreas reservadas à antropologia, à política, à cultura e às artes em geral.
2 	Psicanálise e ciência na visão Freudiana
“Nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos dá pode conseguir em outro lugar” (Freud, [1927] 1974, v. XIX). .
 “Enquanto a psicologia da consciência” nunca foi além das sequências rompidas que eram obviamente dependentes de algo mais, a outra visão, que sustenta que o psíquico é inconsciente em si mesmo [isto é, a psicanálise], capacitou a Psicologia a assumir seu lugar entre as ciências naturais como uma ciência. Os processos em que está interessada são, em si próprios tão incognoscíveis quanto aquele de que tratam as outras ciências, a Química ou a Física, por exemplo; mas é possível estabelecer as leis a que obedecem e seguir suas relações mútuas e interdependentes ininterruptas através de longos trechos - em resumo, chegar ao que é descrito como uma “compreensão” do campo dos fenômenos de novas hipóteses e criação dos novos conceitos, e estes não deve ser pormenorizada com indício de embaraço de nossa parte, mas, pelo contrário, merecem ser apreciados como um enriquecimento da Ciência. (FREUD, 1980/1938: 183.
Nosso objetivo, na abordagem sobre a questão da psicanálise e da ciência, é verificar como a psicanálise conquista para a ciência um novo continente - o do psiquismo inconsciente - e como esse inconsciente, erigido como objeto, não era nada de que a ciência do tempo de Freud pudesse dar conta e, muito menos, a ele conferir legitimidade científica.
Partiremos do conceito de “ciência normal”, tal como Thomas S. Kuhn a descreve, o que vem a significar “a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas expostas e relatadas em manuais científicos elementares ou avançados” (1970, p. 101). Esses manuais e livros tornaram-se bastante populares no começo do século XIX. Entre eles, podemos exemplificar: o “Princípio e a óptica”, de Newton, a “Eletricidade”, de Franklin, e a “Química”, de Lavoisier, entre outros, que serviram, por um longo tempo, para definir implicitamente os problemas e os métodos legítimos de um campo de pesquisa para uma geração de praticantes da ciência.
Ainda, para melhor esclarecer seu conceito de “ciência normal”, Thomas Kuhn irá lançar mão de exemplos aceitos na prática científica, que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação, gerando modelos dos quais brotaram as tradições coerentes e específicas ‘da’ pesquisa científica, tais como a “Astronomia Copernicana” e a “Dinâmica Aristotélica” ou “Newtoniana”, entre outros modelos ou paradigmas muitasvezes bem mais especializados.
Apresentaremos, neste estudo, a psicanálise como promotora de uma revolução científica que terá início no momento em que “o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente” (Kuhn, 1970, p. 126).
Ao promover um corte paradigmático através de seus conceitos, a psicanálise gera um complicador, na medida em que seus pressupostos anunciam que essa ciência se ocupa, sobretudo, da subjetividade num tempo em que a exigência era a de se atingir um conhecimento objetivo e generalista.
A experiência do sujeito, sua história, não são dados que poderiam fornecer um critério suficiente de credibilidade e legitimidade científicas, cabendo à psicanálise uma definição muito mais próxima às ciências “semiológicas ou históricas, pois se define muito mais por ser uma ciência exegética, hermenêutica ou interpretativa”, de acordo com Japiassu (1989, p. 28).
A formação intelectual de Freud dar-se-á numa atmosfera positivista e cientificistas típicas do século XIX. O espírito positivo, testemunhado pelo impulso que toma a história natural do homem em detrimento da condição que conferia uma visão teológica do mundo, se afirmava. Além do mais, no século XIX, a crença no conhecimento científico como o supremo poder resolutivo dos males do mundo - “crença que Freud guardou por toda a vida - estava principiando a deslocar as esperanças que se haviam erguido a favor da religião, da ação política e da filosofia, alternativamente. Freud estava altamente imbuído de tudo isto” (Jones, 1961, p. 121).
Ernst Jones nos aponta que o conflito entre entregar-se irrestritamente ao exercício do pensamento e ao jogo da fantasia à necessidade de submeter-se a uma disciplina científica terminou em uma “inequívoca vitória desta última” (ibid., p. 122).
Freud jamais abriu mão de seu projeto de tornar a psicanálise uma ciência. Em uma pequena nota sua, datada de 1920, “Uma nota sobre a pré-história da técnica de análise” (Freud, 1976, v. XVIII), faz uma incisiva réplica às críticas de Havelock Ellis, pesquisador da ciência sexual e crítico da psicanálise, que, em um ensaio de 1919 (“The philosophy of conflict to sex”), inclui um artigo cujo objetivo é demonstrar que os escritos do fundador da análise não devem ser julgados como uma peça de trabalho científico, mas, sim, como uma produção artística. Freud considera a apreciação de H. Ellis como resistência e repúdio à análise, “ainda que se ache disfarçada sob forma amistosa e, na verdade, lisonjeante demais” (Freud, 1976, v. XVII, p. 315).
Freud inicia esse trabalho afirmando sua disposição de enfrentar tais afirmações com a mais decidida oposição e o finaliza apontando a importância da leitura de Ludwig Börne, autor que lhe fora apresentado quando, aos quatorzes anos de idade, foi presenteado com suas obras completas; Freud afirma que Börne foi o primeiro autor cujos escritos o afetaram profundamente e que ficara espantado em se encontrarem expressas, em seu conselho a um escritor original, algumas opiniões que ele próprio sempre prezara.
Uma covardia vergonhosa com relação ao pensar nos retém a todos: a censura do governo é menos opressiva que a censura exercida pela opinião pública sobre nossas produções intelectuais. Não é a falta de intelecto, mas de caráter que impede a maioria dos escritores de serem melhores que são (Börne apud Freud, [1920] 1976, v. XVII, p. 317).
Às críticas de seu tempo em relação a seu anseio de ser homem da ciência, Freud reagiu com vigor. Em seu manuscrito de 1895, «Projeto para uma Psicologia Científica», já no primeiro parágrafo, apresenta sua intenção: «a finalidade deste projeto é estruturar uma psicologia que seja uma ciência natural, isto é, representar os processos psíquicos como processos quantitativamente determinados de partículas materiais específicas» (Freud, [1895] 1976, v. I, p. 403).
A primeira grande Revolução promovida pela psicanálise ocorrerá a partir da descoberta da motivação inconsciente nas ações humanas e da sexualidade infantil. Por essas duas vias, um corte é proposto e lançado através de um conjunto de questões que, além de sustentarem toda a pesquisa psicanalítica, irão fornecer-lhe material e recurso teórico extraídos da escuta clínica.
No ano de 1874, o médico Moritz Benedikt apresentou sua idéia a propósito do que seria a discussão entre a experiência direta e a fundamentação científica no capítulo dirigido ao método sobre o tratamento da histeria.
As ciências clínicas têm peculiaridades vis-à-vis das ciências naturais; elas têm de ocupar-se da prática enquanto base para o entendimento teórico da mesma, a saber, sobretudo a anatomia e a fisiologia ainda acusam lacunas enormes. A essência do clínico precisa ser outra que não o pesquisador das ciências da natureza, mais exatas (apud Lorenzer, 1984, p. 71).
A observação de Benedikt, anos antes de Freud surgir como autor, antecipa uma das grandes questões da psicanálise: a clínica da escuta, que, “rompendo com aquela do olhar, incessantemente invocada por seu empirismo, a modéstia de sua atenção e o cuidado com que permite que as coisas silenciosamente se apresentem ao olhar, sem perturbá-Ia com discurso” (Foucault, 1998, p. 4).
A invenção da escuta do inconsciente proposta pela psicanálise rompe com a Medicina da época, que propunha uma correspondência exata do “corpo” da doença com o corpo do homem doente. Era esse o modelo da Medicina que vigorava no século XIX, aquele que concedia todo privilégio à anatomia patológica.
Michel Foucault nos descreve essa época como aquela que marca a soberania do olhar, em uma experiência que lê, de uma só vez, “as lesões visíveis do organismo e a coerência das formas patológicas; o mal se articula exatamente com o corpo e sua distribuição lógica se faz, desde o começo, por massas anatômicas” (ibid.). “O golpe de vista” precisa apenas exercer a verdade no lugar onde ela se encontra, um poder que, de pleno direito, ele detém (ibid., p. 2).
Ninguém, além do próprio Freud, dará início à grande discussão em torno da inscrição da psicanálise no campo das ciências, a partir, essencialmente, do seu desejo cientificista, do qual jamais irá abrir mão, sem dar conta, pelo menos a princípio, da impossibilidade de sua pretensão ser derivada da especificidade do conhecimento que construiu.
Já no ano de 1895, em Estudos sobre a Histeria, pode-se verificar a busca de Freud por uma inscrição no campo das ciências (Freud, [1893-1895] 1974, v. 11). Na apresentação dessa obra, James Strachey, tradutor da obra freudiana para o inglês, observa que as divergências entre os autores, Freud e Breuer, não são ainda observadas, apesar de já existirem. 
A decisão de publicação conjunta foi resultado de um acordo destinado a mostrar à comunidade científica o trabalho realizado pelos dois autores até 1894, época em que a relação científica já havia acabado, visto que Freud já sustentava a idéia de uma “defesa psíquica” no sintoma histérico e Breuer pensava em uma fisiologia dos “estados hipnóides”. Além do mais, Breuer recusou-se a atribuir à histeria uma etiologia puramente sexual. Logo após a publicação dos Estudos sobre a Histeria, Freud inicia a redação do “Projeto para uma psicologia científica”, artigo escrito em 1895, cuja publicação só se realizará em 1950, onze anos após sua morte.
No texto desse artigo, Freud tentará demonstrar empiricamente, através de um modelo mecanicista da física, a sua ciência, abordando em ótica distinta “muitas das questões que a filosofia que o antecedeu tratava em outro contexto”, comenta Luiz A. Garcia Roza (1996, p. 42) em sua avaliação sobre o “Projeto”, em Freud e o Inconsciente.
Para alguns, a psicanálise tem início com o “Projeto”; para outros, essa obra é uma desesperada tentativa de argumentar através de uma linguagem fisicalista exigida pela época, segundo Garcia Roza. A proposta de Freud é, de acordo com sua própria afirmação, a de elaborar uma “teoria do funcionamento psíquico segundo uma abordagem qualitativa e quantitativa, uma espécie de economia da força nervosa” (Freud, [1895] 1976, v. I, p.403), proposição que manterá durante toda sua obra.
Sem pretendermos nos colocar ao lado daqueles que assinalam ser o “Projeto” a obra que dará início à psicanálise, nem tampouco em seu extremo, entre aqueles que assinalam ser essa obra o último suspiro de um pensador, colocamo-nos, sim, na posição de afirmarmos a importância vinculada à tentativa de inscrição de Sigmund Freud na cena da ciência de sua época.
 Essa obra far-se-á presente em todo o seu trabalho posterior, bem claramente observável no capítulo VII de A Interpretação dos Sonhos e em “Além do Prazer” , de 1900 e 1920 respectivamente, obras vitais para a compreensão do saber que a psicanálise irá inaugurar.
As críticas relativas à cientificidade da psicanálise são radicais e partem especialmente de epistemólogos oriundos do empirismo lógico, preocupados com “a lógica da explicação”. Japiassu discute, em Psicanálise: Ciência ou Contra-ciência? de 1989, que os críticos que sustentam suas abordagens a partir do empirismo lógico e do racionalismo crítico de Karl Popper indagam se a psicanálise constitui uma “teoria” propriamente científica, isto é, se apresenta através de um conjunto de proposições que sistematiza, explica e prevê, em certos fenômenos observáveis, e se deve satisfazer às mesmas regras lógicas de uma teoria científica. 
Afirmam os empiristas: “parece que não podemos deduzir nada de preciso das noções ‘energéticas’ do freudismo, posto que são vagas e metafóricas. São noções sugestivas, mas não susceptíveis de validação empírica” (Japiassu, 1989, p. 26).
A cientificidade da psicanálise discutida ao longo de sua existência terá, na década de sessenta, seu maior defensor teórico no filósofo francês L. Althusser. Em sua formulação, “a psicanálise se constituiria efetivamente como discurso científico, na medida em que produziu um objeto teórico articulado de maneira coerente por um método de investigações e por uma técnica” (ibid., p. 27).
Althusser inscreve-se como epistemólogo da tradição francesa da filosofia da ciência, que se inicia na década de trinta, com Gaston Bachelar, de acordo com o texto de Joel Birman em sua obra Psicanálise, Ciência e Cultura, no qual o autor ainda esclarece que tal discurso epistemológico se fez a partir de uma crítica radical da filosofia positivista da ciência, curiosamente também iniciada na França através de um dos grandes filósofos que tal nação irá produzir, Auguste Comte.
 L. Althusser não só contra-atacou as críticas que visavam a descaracterizar a cientificidade da psicanálise como também denunciou a tentativa de apropriação dos conceitos psicanalíticos pelos discursos filosóficos, subtraindo-lhes a originalidade teórica. A legitimidade dessa ciência é conferida pela via de seu objeto teórico, o inconsciente, que realizou o corte epistemológico com a tradição da Psicologia da consciência e com a psiquiatria do final do século XIX e início do século XX.
Foi no ano de 1900, com a publicação de A Interpretação dos Sonhos, que Freud apresentou o conceito de inconsciente e demarcou o nascimento da psicanálise, apresentando o seu sujeito, radical em sua construção, pois subverte aquele oriundo do cogito cartesiano por ser pulsional por excelência. A razão, coincidindo com a consciência, é colocada em questão, e ninguém, além do próprio Freud, apontou melhor para esse rompimento quando declara ser a psicanálise a terceira grande ferida narcísica sofrida pelo saber ocidental. O saber da ciência psicanalítica construiu um objeto cujo vigor e cuja verdade esta sustentados na subversão dos propósitos de objetividade e controle que toda ciência advoga, e, por isso, exige revisão de cânones, atraindo para si, dentro do campo científico, toda a espécie de resistência.
 Sigmund Freud apresenta uma ciência singular que propõe um sujeito também singular, único, e que exige algo para além da evidência sistemática, a qual explica coisas que o ser humano faz e sente por meio de especulações que podem parecer estranhas à maioria. A psicanálise raciocina para além da ciência dita normal, o que não significa um demérito a uma ou outra. Apontamos, sim, para a diferença, para o lugar que, segundo nossa avaliação, seria o da psicanálise que, apoiada em outros fundamentos, estaria reivindicando outra forma de prova científica diferente daquela proposta pelas ciências do século XIX.
Freud, sabemos, foi pesquisador de laboratório e deixou-nos escrito, em seu artigo “Um estudo autobiográfico”, de 1924, um texto valioso para nosso argumento, revelando-se o entusiasmado pesquisador das ciências naturais que, sem dúvida, foi:
Por fim, no laboratório de fisiologia de Ernst Brücke, encontrei tranqüilidade e satisfação plena - e também os homens que pude respeitar e tornar como meus modelos, o próprio grande Brücke e seus assistentes, Sigmund Exner e Ernst von Marxow. Com Brücke, um homem brilhante, tive o privilégio de manter relações de amizade (Freud, [1925-1926] 1976, v. XX, p. 20).
Nesse mesmo texto, Freud nos revela que os vários ramos da Medicina propriamente dita não exerciam qualquer fascínio sobre ele, o que acaba por fazê-Io negligenciar seus estudos médicos e manter-se no laboratório por mais tempo. Brücke, seu estimado mestre, em 1882, chama-lhe a atenção sobre a precária condição financeira em que se encontrava, aconselhando-o a abandonar rapidamente a carreira teórica desenvolvida no laboratório e ingressar na Medicina.
No verão de 1922, Freud escreveu, para uma enciclopédia, dois verbetes: “Psicanálise” e “Críticas e más interpretações da psicanálise”. Ambos nos interessam, especialmente por apresentarem, didaticamente, os temas como requer uma escrita para tal fim.
Em “Críticas e más interpretações da psicanálise”, Freud discute que a maioria do que é apresentado contra a psicanálise, mesmo em obras científicas, baseia-se em informações insuficientes que parecem “ser determinadas por resistências emocionais” (Freud, [1922] 1974, v. XVIII p. 305). Formaliza, ainda, sua posição de apresentar a psicanálise enquanto ciência, alegando tratar-se de um equívoco acusar sua teoria de “pansexualismo” e afirmando que ela não deriva de todas as ocorrências mentais da sexualidade nem remonta todas àquela. 
Salienta que a psicanálise jamais “sonhou” tentar explicar tudo, e mesmo as neuroses não têm sua origem somente na sexualidade, mas também no “conflito entre os impulsos sexuais e o ego” (Freud, [1922] 1974, v. XVIII, p. 306).
Ao defender a ciência psicanalítica da acusação de unilateralidade, acusação advinda a partir de sua apresentação de ser a “ciência da mente inconsciente” (ibid., p. 305) e que, por isso, tem seu campo de trabalho definido e restrito, replica que tal argumento lhe é “tão injusto quanto seria se houvesse sido feita tal acusação à química” (ibid.).
Em 1915, Freud apresenta uma exposição completa e sistemática de suas teorias psicológicas quinze anos após haver apresentado um relato ampliado desses conceitos no sétimo capítulo de A Interpretação dos Sonhos, que, de certa forma, incorpora o que ele já teria proposto em seu “Projeto para uma Psicologia Científica”.
Os cinco artigos meta-psicológicos, apresentados entre 1915 e 1917, formam uma série interligada, cuja intenção, segundo o editor, é proporcionar um fundamento teórico estável à psicanálise. No primeiro artigo, “Os instintos e suas vicissitudes”, Freud inicia sua argumentação assinalando que, com freqüência, ouvimos a afirmação de que as ciências devem ser estruturadas em conceitos básicos claros e bem definidas. Todavia, nenhuma ciência, nem mesmo a mais exata, começa com tais definições. Ressalta, ainda, que o primeiro objetivo de uma atividade científica, que consiste na descrição do fenômeno, não poderá evitar que nele se apliquem certas idéias abstratas, isto é, como diz textualmente, “idéias vindas daqui e dali” (Freud, [1915] 1974, v. XVI p. 137).
Nesse artigo, Freud nos revela a forma como compreendia o trabalho da ciência, assinalando que o avanço do conhecimento não tolera qualquer rigidez, inclusive em se tratando de definições.Sabia, desde sempre, que contaria com o repúdio e a resistência às suas idéias, pois, afinal, seria esse o destino inexorável da ciência que inventou.
2 Oposição a Psicanálise como ciência segundo Jacques Lacan
“Não há ciência do homem, o que nos convém entender no mesmo tom do ‘não existem pequenas economias’. Não há ciência do homem porque o homem da ciência não existe, mas apenas seu sujeito” (Lacan, 1998, p. 873).
Falar em psicanálise é, também, falar em processo, em interação e em desprendimento ao se tentar alcançar a verdade em realidades fixas e imutáveis. É abrir mão do tempo vigente, cronológico, é propor trabalhar em uma dimensão de tempo em que um sujeito se estrutura, se cria, se inventa, e que, por isso, é um tempo singular, inaplicável a outro, é um tempo que só tem lógica se considerado na dimensão da lógica da estrutura do sujeito em questão na psicanálise, o sujeito do inconsciente.
Lacan, em 1964, em seu Seminário 11, os quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, nos adverte que o Inconsciente é “algo de não nascido, de não realizado, que fica em espera na área... não é nem ser nem não ser” (Lacan, 1964, p. 29).
Verificamos a insistência de Lacan em destacar o que para nós consiste na grande ruptura entre as ciências em geral e a psicanálise, ou seja, a natureza de seu objeto, o inconsciente. Ao afirmar que, para os pensamentos inconscientes, existe uma mera possibilidade de existência, Freud propõe um “conceito” de inconsciente que aponta mais para a desconstrução de uma idéia do que propriamente para um indicativo conceitual, desde os primórdios da psicanálise, exatamente entre os anos de 1893-1895, em seu artigo “Sobre a psicoterapia da histeria”.
Indagamo-nos: como algo que se apresenta como “nem ser, nem não ser”, “não realizado”, para o qual só existe a “mera possibilidade de existência”, que só pode ser verificado e conhecido diretamente pela via da interpretação e que só se manifesta pela via de um sintoma e no sonho, no ato que falha e no chiste pôde vir a se constituir como “algo” que anseia pertencer a uma categoria científica?
Lacan, na sua lição “O objeto da psicanálise”, publicada em seus Escritos sob o título “A ciência e a verdade”, declara que o sujeito sobre o qual operamos em psicanálise só pode ser o sujeito da ciência, perguntando-se se o status de sujeito na psicanálise já fora fundamentado, uma vez que o que se pôde estabelecer foi “uma estrutura que dá conta do estado de fenda, de ‘Spaltung’ em que o psicanalista o situa em sua práxis” (Lacan, [1965-1966] 1998, p. 869). Tal fenda é admitida na base em que o reconhecimento do inconsciente basta para motivá-Ia na medida em que ela é que o faz submergir em sua constante tentativa de manifestar-se.
Lacan refere-se a essa origem indubitável, patente em todo trabalho de Freud com a ciência moderna organizada no século XVIII, que ilumina e é iluminada pelo pensamento de René Descartes.
Freud, ao contrário do que se diz, não teria rompido com o cientificismo de seu tempo, pois lhe foi fiel, e, se quisermos, como nos indica Lacan, vincularemos tal fidelidade aos ideais de um Brücke, aquele grande cientista que tanto o teria impressionado.
Lacan assinala, ainda, a fidelidade de Freud aos princípios de sua época, transmitidos através do pacto com que Helmholtz e Du Bois-Reymond se haviam comprometido, isto é, o de “introduzir a fisiologia e as funções do pensamento, consideradas como incluídas neles, em termos matematicamente determinados da termodinâmica” (ibid., p. 870).
Freud teria, de acordo com Lacan, se conservado nesse ideário, permitindo-se conduzir por esse fio, estando sempre de acordo com ele, tendo-se mantido rigorosamente comprometido com os ideais cientificistas de sua época, pois, como os grandes cientistas de seu tempo, foi um partidário da crença de que a ciência tudo poderia explicar.
Refletimos, por meio dessas verificações possíveis com a leitura de “A ciência e a verdade”, que talvez a publicação de A Interpretação dos Sonhos, em 1900, não tenha sido obra do acaso ou de um atraso: Freud já estava com o livro pronto em meados de 1899 e só autorizou sua publicação na virada do século, marcando para nós a virada que a sua ciência apresenta ao mundo. Nessa obra, propõe o “seu” inconsciente, propositalmente aqui escrito entre aspas, na medida em que é um “seu”, proposto amplamente, visto que se distingue do inconsciente da Filosofia, e também é “seu” por ter-se permitido invadir, expondo-se, revelando ao mundo os seus sonhos, o seu próprio inconsciente.
As conferências e entrevistas que foram proferidas por Lacan, entre os meses de novembro e dezembro de 1975, em universidades norte-americanas, são aqui convocadas por terem oferecido uma medida de como ele próprio considerava o termo ciência aplicado à psicanálise.
Entrevistado por Mme lurkell sobre a forma como ele articularia a idéia de que a psicanálise aspira ao status de ciência com o que ele já se teria referido como epidemia, um fenômeno social, Lacan responde que uma epidemia não é um fenômeno social, pelo menos no caso da ciência, e que uma epidemia científica acontece quando alguma coisa é tomada como uma simples emergência, enquanto é, de fato, uma ruptura radical. É um acontecimento histórico que se propagou e que influenciou muito a concepção daquilo que se chama universo, que, em si mesma, tem uma base muito estreita, salvo no imaginário.
A psicanálise é, então, apresentada por Lacan como uma epidemia científica, visto que se propaga e abre novas concepções sobre aquilo que se chama universo. É uma ciência moderna na medida em que, com a modernidade, esteve sempre comprometida.
Segundo Lacan, a descoberta de Freud inaugura um discurso inédito, uma nova modalidade de laço social, a partir da qual podemos pensar retroativamente as outras modalidades já existentes desde sempre na civilização (Lacan, 1970/1992).
No discurso do analista, o sujeito é o sujeito do desejo dividido pelo recalque e pelo sintoma. É o mesmo sujeito da ciência, movido pelo desejo de saber, porém sua posição discursiva não é a de agente (como pode ser no discurso da ciência).
De acordo com o discurso do analista, o objeto é ativo, é o próprio analista, movido em seu ato pelo saber do inconsciente. Difere pois, radicalmente, do objeto da ciência, que é sempre o objeto da realidade empírica e não da realidade psíquica (fantasia) e que é, além disto, passivo diante do desejo do experimentador. O saber do inconsciente, cada analista obtém às suas próprias custas no divã durante a análise à qual se submete como sujeito. É, portanto, um saber que envolve uma “práxis” e que não se transmite apenas pela via do conhecimento, mas, sobretudo, pela experiência.
Lacan não é tão preciso ao falar do discurso da ciência. Como a maioria dos pensadores, atribui o advento da ciência moderna a Descartes, que promoveu a separação entre o campo da ciência e o da religião. No Seminário XI, Lacan nos diz:
“O que procura Descartes? é a certeza. Tenho, diz ele, extremo desejo de distinguir o verdadeiro do falso - sublinhem desejo para ver claro - no que? - em minhas ações e caminhar com segurança nesta vida” (Lacan, [1964] 1979, p. 210).
Ele chama a atenção para o fato de que Descartes propõe o seu método – a dúvida metódica – como um método próprio, que serve para ele e que ele não impinge aos outros. Seria nesse ponto que Descartes encontraria um novo caminho: ele não visa à refutação dos «saberes incerto» (ibid., p. 211). Ele abre seu caminho pela via do desejo, desejo de certeza. É a partir do desejo que ele chega à dúvida. Segundo Lacan, para Descartes, «a certeza não é [...] um momento que se possa ter como assentado, uma vez que foi atravessado”. É uma “ascese» (ibid., p. 212). Com seu método, ele põe em suspensão radical todos os saberes, mas para colocá-Ios no nível do sujeito suposto saber, Deus.
No entanto, ao evocar Deus nesse lugar de saber, Descartes inaugura, ao mesmo tempo, uma ciência “com a qual Deus nada tem a ver” (ibid., p. 214). A Deus pertencem as verdades eternas,mas cabe ao homem percorrer os caminhos que o levem a sua verdade.
Lacan ora nos diz que o discurso da ciência apaga o sujeito na medida em que não leva em conta o inconsciente e o desejo, o que se aproximaria do discurso do mestre, no qual o sujeito está oculto, ora nos diz que o discurso da ciência se aproxima do discurso da histérica, no qual o agente é o próprio sujeito do desejo.
A questão não é simples, pois, como observa Marco Antonio Coutinho Jorge (2002), Lacan deixou em aberto a possibilidade de formularmos outros discursos para além dos quatro que apresentou. O importante para nossa pesquisa é que, ao separar o campo do saber da psicanálise do campo da ciência, Lacan abriu novas perspectivas para a investigação psicanalítica.
Segundo Colette Soler (1996, p. 73), o correlato do sujeito cartesiano é a elisão do corpo na teoria de Descartes. Por isso, quando Descartes tenta pensar todo o registro do afeto e das paixões, defronta-se com uma dificuldade teórica. O corpo elidido é o corpo da sensibilidade, do sofrimento, do gozo. “Freud, portanto, complementa Descartes na medida em que introduz a idéia de que o pensamento está encarnado” (ibid., p. 73).
Em “A ciência e a verdade”, verifica-se, de acordo com a análise feita por Askafaré, que o objetivo de Lacan é apontar que a psicanálise e determinadas disciplinas têm em comum o fato de que sua submissão às exigências das ciências físicas é simplesmente suicida. Freud, por ter partido da necessidade imperiosa de justificar racionalmente uma prática clínica original, distancia-se de Lacan, uma vez que se teria engajado na construção de um sistema orgânico de conceitos que lhe permitiram fundar a ciência psicanalítica e constituir o seu campo de saber naquilo que tornou possível avaliar o sentido e o alcance de sua descoberta.
“A ciência permanece sendo um ideal e a cientificidade da psicanálise um projeto, o programa freudiano” (Askafaré, 2002). Askafaré concebe o ponto de distanciamento entre Freud e Lacan na medida em que, neste último, pode ser identificada uma destituição do ideal da ciência, ou, melhor dizendo, destituição da ciência como ideal da psicanálise.
Freud, mesmo nos revelando sua consciência sobre a impossibilidade de seu projeto ser autorizado como um saber ideal, ou seja, científico, luta contra o que seria o destino inexorável do conhecimento que propôs ao mundo: provocar resistências, subverter saberes, viver sob o anátema da maioria compacta.
3 Ciências Humanas e Ciências naturais segundo Dilthey
Vemos, portanto, que Dilthey está reforçando a diferenciação entre os dois tipos de ciência e, ao longo de seu livro Introdução às ciências do espírito (1986), busca formular concepções a respeito dessa diferença. Nesse trecho o autor situa John Stuart Mill como uma importante referência quanto à separação entre essas formas de ciência. O termo “espírito”, derivado de Geist em alemão, e praticamente impossível de ser traduzido, nomeia as Geisteswissenschaften (ciências do espírito numa tradução mais literal, mas normalmente traduzido por “ciências humanas”). 
Para Dilthey (1986) a separação é importante, pois as ciências humanas não possuiriam como objeto de estudo as regularidades do mundo natural próprias às ciências naturais (Naturwissenschaften). Nesse contexto de controvérsias metodológicas é creditada ao historiador Johann Gustav Droysen a separação entre compreensão e explicação. Assim, o método explicativo das ciências naturais buscaria a explicação de um fenômeno em termos de causa e efeito, partindo de algo geral (como uma lei da natureza) para se chegar ao particular. 
Já o método de compreensão, próprio às ciências humanas, refere-se a uma busca de Tempo Psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 47.2, p. 115-126, 2015 David Borges Florsheim, Manoel Tosta Berlinck 124 l entendimento considerando a relação entre o todo e suas partes. Portanto, questionar se Freud explica remete à questão: Freud (e a psicanálise) utiliza a explicação como recurso? Dito de outro modo: a psicanálise é uma ciência natural? De acordo com Freud, no texto “Resistências à psicanálise” (1925/1996), a psicanálise é uma ciência natural como qualquer outra.
 Como vemos nos estudos de epistemologia freudiana, Freud sempre buscou embasar seus conceitos em questões físicas e químicas, seguindo principalmente o exemplo de seu professor de anatomia, Ernst Brücke. Como sabemos, o próprio termo “psicanálise” provém da química analítico-orgânica de Liebig (Assoun, 1983). Apesar das concepções freudianas há atualmente muitos entendimentos diferentes a respeito da psicanálise. A visão de senso comum costuma classificá-la como uma ciência humana e o mesmo ocorrem em muitas universidades e agências de fomento à pesquisa. Outros, no entanto, a entendem como uma ciência que está na fronteira entre as ciências humanas e as ciências naturais. Há também aqueles que nem a entendem como ciência. 
Com isso podemos pensar a psicanálise como um objeto de estudo bastante interessante do ponto de vista epistemológico, devido às várias concepções existentes a seu respeito. A questão principal para nós, contudo, é pensar: por que existe uma importância tão grande em considerar a psicanálise como ciência? A resposta talvez seja imediata, visto a própria insistência de Freud em afirmar isso: deve-se à atitude do meio científico em aceitar um saber como válido apenas se for científico. Criam-se questões, entretanto, no sentido de haver diversas concepções diferentes de ciência, mas nem sempre os saberes serem assim considerados.
 No entanto não podemos deixar de perguntar: por que apenas o conhecimento considerado científico deve ser o conhecimento considerado válido? Essa concepção é característica do naturalismo que acompanha as ciências naturais. Segundo ela, há apenas uma Verdade e uma Realidade e apenas os métodos científicos poderiam alcançá-las. 
Por isso muitos psicanalistas comemoram quando as ciências naturais publicam algo sugerindo uma eficácia da psicanálise. Isso se dá atualmente na relação entre psicanálise e neurociência, por exemplo: a esperança é que a neurociência – universalmente reconhecida como ciência – chegue às mesmas conclusões que os psicanalistas acerca do psiquismo. Isso Tempo Psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 47.2, p. 115-126, 2015 Freud explica? A psicanálise entre o senso comum, a ideologia e a ciência l 125 garantiria a “Verdade” da psicanálise.
 Outros autores rejeitam a ideia de que há apenas uma única Realidade, de forma que nossos conhecimentos seriam sempre provisórios e determinados pelos contextos nos quais estão inseridos. Desse modo, não seria necessário tentar enquadrar os conhecimentos como científicos, pois a validade poderia ser determinada segundo outros critérios que não essa forma de objetividade, por exemplo. 
Segundo Smolin (1997): A presunção de que aquilo que é atemporal é de alguma forma melhor, mais real ou mais verdadeira do que aquilo que é limitado ao tempo é essencialmente uma ideia religiosa que, mais cedo ou mais tarde, entra em conflito com o nosso desejo de ter uma compreensão racional do mundo no qual nos encontramos (Smolin, 1997, p. 210 tradução nossa). Na citação inicial deste artigo, Freud previa a possibilidade de no futuro as pessoas lidarem com a ciência de forma semelhante à forma pela qual lidavam com a religião. De certa maneira parece termos chegado a esse ponto há algum tempo.
 A imposição de uma concepção objetivista de conhecimento pensada sob a perspectiva de uma evolução linear do mesmo (levando à Verdade final e à descoberta da Realidade) dificulta o diálogo entre áreas do saber que utilizam metodologias diferentes. No caso da psicanálise e de outros saberes do campo psicopatológico, parece mais coerente realizar uma avaliação qualitativa pelo impacto clínico nos pacientes do que impor reducionismos de quaisquer tipos. 
É crucial atentar para o fato de a epistemologia e a política se interligar freqüentemente, de forma que justificativas teóricas e metodológicas podem servir como disfarce para intolerânciastípicas de massas e seitas. Tendo em vista as considerações acima concluímos que “Freud explica” é uma afirmativa que deve se limitar ao seu uso coloquial. Mesmo não evocando a frase desse modo, podemos cair em armadilhas do senso comum, da ideologia e da própria ciência que nos fazem ter mais certezas do que dúvidas.
 Para quem busca compreender os fenômenos da forma mais aberta possível – ainda que a neutralidade seja impossível – cabe mais: “Freud explica?” (de forma interrogada). Isso também se aplica para quem valoriza um real diálogo com o diferente (ao invés de mera tolerância), bem como para aqueles que não possuem uma resposta definitiva com relação aos estatutos epistemológicos e políticos da psicanálise. Tempo Psicanalítico Rio de Janeiro, v. 47.2, p. 115-126, 2015 David Borges Florsheim, Manoel Tosta Berlinck 126 l Referências Assoun, P.-L. (1983). Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago. Dilthey, W. (1986). Introducción a las ciencias del espíritu: ensayo de una fundamentación del estudio de la sociedad y de la historia. Madrid: Alianza Editorial. Freud, S. (1921/2011). Psicologia das massas e análise do eu.
 In Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras. Freud, S. (1925 [1924]/1996). Las resistencias contra el psicoanálisis. In Obras completas de Sigmund Freud, t. III. Madrid: Biblioteca Nueva. Freud, S. (1914/2011). Psicanálise e telepatia. In Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras. Geertz, C. (2006). O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Rio de Janeiro: Vozes. Geertz, C. (2008). A interpretação das culturas. 
Rio de Janeiro: LTC. Houaiss, A., & Villar, M. S. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. Montaigne, M. (2000). Ensaios. São Paulo: Editora Nova Cultural. Schutz, A. (1954). A formação de conceitos e teorias nas ciências sociais. Trad. José Jeremias de Oliveira Filho. Publicado originalmente com o título: “Concept and theory formation in the social sciences”. Journal of Philosophy, 51(9), 257-273.
4 Conclusão:
 Apesar de todas as críticas sofridas, Freud insiste com a sua teoria e a defende até o fim de sua vida. Segundo Freud algumas críticas lhe fizeram muito mal, ao ponto de Freud considerar a apreciação do crítico Havelock Ellis, o qual dizia que o fundador da analise não deveria ser julgado como uma peça de trabalho científico, mas, sim, como uma produção artística. Freud considera a apreciação de Havelock como resistência e repudio a análise.
Mas o que o afetou profundamente foi à crítica de Borne, ao ponto de dizer que: Nem a censura do governo era tão opressiva quanto à censura da opinião pública sobre suas produções intelectuais e chama a crítica sofrida de covardia vergonhosa. 
É fato que Freud dá muita ênfase em sua argumentação explícita ao fato de que a suposição de uma mente inconsciente é condição para que a psicologia possa se configurar como uma ciência natural – o que podemos chamar de uma justificativa heurística – e também desenvolve o que podemos chamar de uma justificação pragmática para a suposição do inconsciente, quando alega que a partir dela foi possível criar um procedimento clínico de intervenção eficaz.
Sigmund Freud era neurologista e psiquiatra, nascido em Freiberg na Moravia, atualmente República Tcheca, em 6 de maio de 1856. Rapidamente sua família deixaria esta cidade acossada pelo anti-semitismo para se instalar em Leipzig e depois em Viena onde o jovem Sigmund faria brilhantes estudos. Freud morreu de câncer em Londres aos 83 anos. 
De ascendência judaica, Freud deixou Viena em 4 de junho de 1938. Perseguido por ser de origem judaica, os seus livros foram queimados em praça pública em Berlim e a psicanálise foi denunciada aos nazistas como uma “ciência judaica.”
Freud publica o ensaio “Da Interpretação dos Sonhos” em 1900 que havia escrito um ano antes. A primeira vez que o sonho era objeto de uma análise científica sistematizada. Não era considerado como algo absurdo ou gratuito e sim percebido como portador de um sentimento que era necessário saber desvendar. Nessa mesma época, Freud descreve pela primeira vez o conceito de associação livre, que substitui a hipnose para neutralizar a inibição.
 A associação livre consiste em falar livremente, sem qualquer censura, a fim de deixar emergir os elementos reprimidos no inconsciente. Enquanto a análise de Anna O. permite esboçar conceitos e um método, a interpretação dos sonhos é, de qualquer modo, o ato de nascimento da psicanálise. Baseado nesses estudos é que Freud sustenta que a psicanálise é uma ciência natural.
Referências
 ASKAFARÉ. S. Da Ciência à Psicanálise. Trad. Vera Pollo (inédito), 2002.   
 BIRMAN, J. Psicanálise, Ciência e Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.  
FREUD, S. A História do Movimento Psicanalítico. A História do Movimento Psicanalítico, Artigos sobre Metapsicologia e outros Trabalhos. Trad. Themira de Oliveira Brito; Paulo Henrique Britto; Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, v. XIV) (1914)1974, pp. 13-119.        
 A Psicoterapia da Histeria. Estudos sobre a Histeria. Trad. Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, v. 11) (1893-1895)1974, pp.251-295.       
 Psicologia de Grupo e Análise do Ego. Além do Princípio de Prazer, Psicologia de Grupo, Análise do Eu e outros Trabalhos. Trad. Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, v. XVIII) (1921)1987, pp.76-152.
 Um Estudo Autobiográfico. Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedades. A Questão da Análise Leiga e outros Trabalhos. Trad. Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, v. XX) 1976, pp. 13-92.         
JAPIASSU, Hilton. Psicanálise: Ciência ou Contra-ciência? Rio de Janeiro: Imago, 1989.       
JONES, Ernest. Vida e Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1961.         
 JORGE, M. A. C. Discurso e Crime Social. Saber, Verdade e Gozo. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2002.       
 KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1970.         
LACAN. J. A Ciência e a Verdade. Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.    
 ROZA, Luiz Alfredo Garcia. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.         
 SOLER, C. Descartes con Freud. Psicoanalisis y Medicina. Buenos Aires: Actuel, 1996.

Continue navegando