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Capítulo 3 15 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. 33 Afecçıes Neurológicas do Sistema Nervoso Central Roberto de Magalhªes Carneiro de Oliveira CAP˝TULOCAP˝TULO INTRODUÇÃO O sistema nervoso central (SNC) pode ser acometido direta ou indiretamente por várias doenças, sejam elas primárias, intrínsecas do SNC, ou secundárias, doenças sistêmicas com comprometimento neurológico. O mecanismo de lesão é tão importante quanto a origem da doença, pois é o responsá- vel pela intensidade e duração do quadro clí- nico, e é sobre ele que procuramos intervir, inibindo a progressão da lesão e tentando mi- nimizar as suas seqüelas. Podemos ter doen- ças primárias ou secundárias causando lesão do SNC por um mesmo mecanismo, como numa lesão traumática em que temos meca- nismos isquêmicos e hemorrágicos de agres- são tecidual. Assim, de acordo com seu mecanismo, podemos dividir as lesões do SNC em: a) neurovasculares; b) traumáticas; c) in- flamatórias — desmielinizantes; d) degenera- tivas; e) infecciosas; f) neoplásicas; g) metabólicas e nutricionais; h) tóxicas e outras. Abordar todas as afecções do SNC, de modo consistente e conciso, em um único ca- pítulo, é impossível. Portanto, procuraremos dar ênfase aos mecanismos de lesão e história natural das afecções de maior interesse no âmbito da reabilitação. LESÕES NEUROVASCULARES As doenças neurovasculares constituem um dos principais grupos dentre as afecções do SNC, pela sua grande prevalência, eleva- das morbidade e mortalidade, e alto custo so- cioeconômico. É a principal causa de incapacitação física nos países desenvolvidos. Classificação As doenças neurovasculares manifestam- se por déficits neurológicos permanentes ou transitórios, decorrentes da interrupção de su- primento sangüíneo com nutrientes, por obs- trução ou rompimento dos vasos. Desta forma, os acidentes vasculares cerebrais (AVC) po- dem ser isquêmicos ou hemorrágicos, por le- são arterial ou venosa. A classificação dos AVC, segundo seu mecanismo de lesão, é fundamental na defini- ção terapêutica e na sua prevenção secundá- ria. A evolução clínica dos déficits também é 16 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Fisiopatologia Em todas as formas de infarto no tecido nervoso ocorre uma mesma seqüência de even- tos, que se inicia pelo desequilíbrio entre o consumo e a produção de energia (no caso, a adenosinatrifosfato ou ATP), limitada pela re- dução na oferta de glicose e oxigênio. Uma das conseqüências deste desequilíbrio é a en- trada maciça de cálcio na célula, através dos canais voltagem-dependentes e canais de ami- noácidos excitatórios, e a persistência da cé- lula despolarizada1. Clinicamente observamos, neste momento, o início dos sintomas. Os ami- noácidos excitatórios liberados pela despola- rização neuronal, principalmente o glutamato e aspartato, vão estimular os receptores pós- sinápticos de outros neurônios (principalmen- te os receptores NMDA, quisqualato, kainato e metabotrópico), dando origem a nova des- polarização. O excesso de estimulação neuro- nal, diante da deficiência de oferta energética, acaba levando à destruição celular, num pro- cesso chamado excitotoxicidade2. As células mantendo-se despolarizadas, pela falência das bombas de sódio e potássio dependentes de ATP, vão promover aumento do sódio e água intracelular, originando o edema citotóxico. Com o desenvolvimento do edema citotóxico, obser- vamos piora gradual dos déficits, mais nítida nos infartos extensos. O cálcio intracelular em excesso, por um lado, vai acumular-se dentro das mitocôndrias com redução da síntese de ATP, e por outro, promover a ativação das en- zimas de membrana proteinoquinase C e fos- folipase A2. Estas enzimas são responsáveis, em condições normais, pela renovação da membrana; contudo, pela sua ativação exces- siva, vão promover destruição da membrana e das organelas celulares. Um dos produtos da destruição dos fosfolípides da membrana é o ácido araquidônico. Este, sob ação da enzima ciclooxigenase, dará origem às prostaciclinas, tromboxano A2 e leucotrienos. Os produtos desta reação serão radicais livres, que ampli- ficam a destruição celular. As alterações vas- culares produzidas pela reação inflamatória local, com aumento da permeabilidade, prin- cipalmente na substância branca, dão origem ao edema vasogênico3. Havendo reperfusão da área isquêmica, seja por desobstrução do vaso ou por vasodilatação da rede colateral, ocor- rerá uma série de eventos lesivos, produto da ação de radicais livres, ação inflamatória de leucócitos polimorfonucleares, edema vaso- gênico e alterações na integridade tecidual (Tabela 3.1). Muitas etapas deste processo ocorrem em lesões do SNC por outros mecanismos, sendo esta a importância da fisiopatologia da lesão cerebral isquêmica. Tão importante quanto o conhecimento das etapas envolvidas na lesão neuronal isquêmi- ca, é a relação destes eventos com o tempo (Fig. 3.1). Quando temos um infarto, suas áre- as circunjacentes apresentam redução do flu- xo sangüíneo cerebral (FSC). Até determinado ponto, a redução do FSC promove, na região afetada, a cessação da atividade elétrica das células (metabolismo ativador)4, mas persiste o metabolismo responsável pela integridade celular (metabolismo residual). Esta região, chamada zona de penumbra isquêmica, encon- tra-se viável, desde que haja aumento do FSC nos próximos minutos ou horas5. Persistindo a diferente nos diversos tipos de AVC. A Tabela 3.1 apresenta divisão dos principais mecanis- mos de lesão vascular do SNC. Tabela 3.1 Principais Mecanismos de Lesªo Vascular no SNC A Infarto Aterotrombótico Cardioembólico Lacunar Hemodinâmico Venoso B Hemorragia Intraparenquimatosa Subaracnóidea C Misto (infarto hemorrÆgico) Cardioembólico Venoso IatrogŒnico Capítulo 3 17 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. redução do FSC, as células vão iniciar a cas- cata de eventos lesivos, que promovem a des- truição celular. Quando o FSC é reduzido a extremos, a célula cessa seu metabolismo residual, por fa- lência dos mecanismos compensatórios, com a morte celular. Assim, a relação do tempo com os processos lesivos neuronais isquêmi- cos nos revela um período em que a interven- ção adequada pode reverter a lesão celular, conhecido como janela terapêutica. A propor- ção entre a área da zona de penumbra e a área infartada vai diminuindo com o passar das horas e dias, pela extensão do infarto. Mesmo após alguns dias do icto, à medida que o ede- ma diminui e as conexões neurais vão se res- tabelecendo, a zona de penumbra isquêmica vai, aos poucos, retomando sua atividade. Por isso, observamos melhora espontânea dos dé- ficits nas semanas que se seguem à lesão. Fig. 3.1 SeqüŒncia de eventos fisiopatológicos no processo isquŒmico. ISQUEMIA Diminui metabolismo aeróbico Aumento do metabolismo anaeróbico Maior liberaçªo de aminoÆcidos excitatórios Diminui produçªo de energia FalŒncia das bombas iônicas Aumento do sódio e queda do potÆssio intracelular Dissociaçªo da fosforilaçªo oxidativa Liberaçªo de fatores quimiotÆticos Aumento do processo inflamatório Edema vasogŒnico LESˆO TECIDUAL Excitotoxicidade Edema citotóxico Ativaçªo de enzima Lise da membrana e das organelas Lise das mitocôndrias Aumento do cÆlcio intracelular Aumento de Æcidos graxos livres Aumento de prostaglandinas e tromboxano A2 Produçªo de radicais livres Aumento de adenosina Aumento de Æcido lÆtico Queda do pH intracelular Vasoespasmo Reperfusªo 18 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. 30 20 10 Infarto Aterotrombótico O infarto aterotrombótico é decorrente da obstrução arterial por placas de ateroma e agre- gadosde plaqueta. Estas placas são o produto de alterações inflamatórias sobre o endotélio vascular, com lesão da íntima, deposição de lí- pides, células inflamatórias e agregados de pla- quetas7. Este processo é sistêmico, não se restringindo ao SNC. A placa de ateroma re- duz a luz arterial e obstrui o fluxo sangüíneo. As artérias mais freqüentemente acometidas são as carótidas internas (próximo do bulbo carotídeo), as artérias cerebrais médias (em sua porção inicial), as artérias vertebrais (logo na sua origem) e a artéria basilar. A oclusão total ou parcial desses vasos vai acarretar o apare- cimento de síndromes neurológicas, que de- pendem do território comprometido, das vias neurais interrompidas e da extensão da lesão (Fig. 3.3). O infarto aterotrombótico pode ocor- rer também por mecanismo embólico, a partir de um trombo depositado sobre uma placa de ateroma, denominada embolia artério-arterial. Neste caso, costuma-se observar isquemias transitórias, com repetição dos sintomas por obstrução dos ramos distais da artéria, de onde se originam os êmbolos. Fig. 3.2 Relaçªo entre fluxo sangüíneo cerebral e duraçªo da isquemia cerebral (modificado de Jones HT6). A Ærea cinza-claro representa funçªo cerebral normal; a Ærea cinza-escuro representa a zona de penumbra isquŒmica; e a Ærea em preto representa a morte celular. Infarto Cardioembólico O infarto cardioembólico ocorre por obs- trução de artérias cerebrais por êmbolo origi- nado nas câmaras cardíacas. Algumas condições favorecem este evento, como: in- farto do miocárdio recente, cardiomiopatia di- latada (como na doença de Chagas), próteses valvares metálicas, aneurisma com trombo em ventrículo esquerdo, ou arritmias como a fi- brilação atrial. O infarto cardioembólico pode ser único ou múltiplo, e de proporções variá- veis. Ocorrem com maior freqüência na tran- sição córtico-subcortical. A transformação hemorrágica da área isquêmica, comum nas primeiras 48 horas do infarto cardioembólico, decorre da reperfusão no leito vascular lesado, manifestando-se por piora abrupta dos déficits. Fig. 3.3 Tomografia computadorizada de crânio, em corte axial, mostrando Ærea hipointensa em regiªo frontoparietal direita, correspondendo à Ærea de infarto 1 2 3 >3 Duraçªo da isquemia (horas) Fl ux o sa ng üí ne o ce re br al ( m l/ 10 0g /m in ) Capítulo 3 19 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Infarto Hemodinâmico O infarto hemodinâmico ocorre quando há diminuição do fluxo sangüíneo cerebral, em geral de forma global, como durante hipoten- são arterial acentuada, choque ou parada car- díaca. O sofrimento isquêmico ocorre, principalmente, nas áreas de confluência dos territórios vasculares (zona divisora das águas). Como são lesadas vias intra-hemisféricas de associação cortical, a recuperação destes pa- cientes fica, muitas vezes, aquém do que se esperaria. Infarto Lacunar Os infartos lacunares ocorrem pela obstru- ção gradativa das artérias lentículo-estriadas, das artérias talamoperfurantes e das artérias paramedianas, ramos da artéria basilar, que sofrem processo de hialinização. O suprimen- to sangüíneo nestes vasos é do tipo terminal. Nas regiões profundas do cérebro, a oclusão arterial leva à destruição de todos os compo- nentes do parênquima cerebral, resultando no infarto lacunar. Este tipo de infarto acomete, principalmente, indivíduos hipertensos, taba- gistas e diabéticos. Clinicamente, manifestam- se por síndromes clássicas: hemiparesia pura, hemiparesia-ataxia, disartria-mão inábil, hipo- estesia pura, e síndromes do tronco cerebral8. Infarto Venoso Os infartos venosos são causados pela oclusão ou suboclusão de veias ou seios veno- sos do SNC, recebendo o nome de trombose venosa cerebral (TVC). O diagnóstico desta condição pode ser em particular difícil, pois sua instalação, diferentemente dos infartos ar- teriais, costuma ser insidiosa e com sintomas gerais, como cefaléia, náuseas e vômitos. Al- gumas condições clínicas favorecem seu apa- recimento, como: traumatismo craniano aberto ou fechado, infecções intracranianas e para- meníngeas, procedimentos neurocirúrgicos, doenças cardíacas congênitas cianóticas, ges- tação e puerpério, pós-operatórios em geral, anemia falciforme, estados de hipercoagula- bilidade sangüínea, doença de Behçet, coagula- ção intravascular disseminada, policitemia e doenças neoplásicas9. Os pacientes com TVC são, freqüentemente, acometidos por crises convulsivas e transformação hemorrágica da área infartada, o que pode facilitar o diagnós- tico. O trombo é constituído por coágulo (trom- bo vermelho), que vai aos poucos sendo substituído por tecido fibroso, às vezes, com recanalização. A obstrução da drenagem ve- nosa promove diminuição da drenagem liquó- rica e conseqüente aumento da pressão intracraniana, que vai se manifestar por cefa- léia, rebaixamento do nível de consciência e episódios de perda visual bilateral transitória. Em alguns casos, há necessidade de se proce- der punções liquóricas repetidas ou drenagem lomboperitoneal, para reduzir-se a hipertensão intracraniana. Hemorragia Intraparenquimatosa Várias são as causas da hemorragia intra- craniana ou intraparenquimatosa, destacando- se a hipertensiva, por coagulopatia ou uso de anticoagulantes, por ruptura de aneurismas ou malformações vasculares, uso de drogas, e, nos idosos, a angiopatia amilóide. A hiper- tensão crônica produz uma vasculopatia nas artérias perfurantes do cérebro e tronco ce- rebral. Como resultado, desenvolvem-se nestes vasos a lipoialinose, necrose fibri- nóide e os aneurismas de Charcot-Bouchard10. A auto-regulação vascular, prejudicada pela hipertensão crônica associada a um pico hi- pertensivo, causa o sangramento11. A apre- sentação clássica é o início súbito de déficits focais, acompanhados por cefaléia, náuseas e vômitos, que progridem em minutos ou horas, com rebaixamento do nível de consci- ência e elevação da pressão arterial12. Os he- matomas, localizados no centro semi-oval (Fig. 3.4), desaparecem com o tempo, dando origem a áreas císticas de necrose, enquanto se observa melhora parcial dos déficits. 20 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Hemorragia Subaracnóidea A hemorragia subaracnóidea é provocada pela ruptura de um aneurisma, principalmente nos vasos da base do crânio, de uma malfor- mação arteriovenosa na superfície do cérebro, ou secundária a traumatismo craniano. A inci- dência varia em algo próximo de 6 a 16 por 100.000 habitantes. Existe um risco de 3% a 4% de ressangramento nas primeiras 24 ho- ras. A manifestação clínica típica é de cefaléia súbita, intensa, acompanhada por náuseas e vômitos, com rigidez de nuca e breve perda de consciência. Muitas vezes, ocorre um pe- queno sangramento com manifestação mais discreta, o chamado “sangramento sentinela”, antes da hemorragia subaracnóidea mais gra- ve13. O vasoespasmo cerebral é uma das con- seqüências freqüentes (próximo de 50%) e graves da hemorragia subaracnóidea. Em 20% dos casos, é fatal ou seguido por infarto com déficits focais. Surge como estreitamento das artérias de grande capacitância na base do crâ- nio ou no local do sangramento. Inicia-se, ha- bitualmente, entre o terceiro e o quinto dia após a hemorragia, com estreitamento máximo do quinto ao 14.° dia, e gradual resolução entre duas e quatro semanas14. Lesões Vasculares Medulares A medula espinhal também é foco de le- sões vasculares isquêmicas ou hemorrágicas. Os infartos medulares são raros, e manifestam- se por paraplegia, com nível sensitivo, arre- flexia tendinosa profunda, choque medular, disfunção vesical e fecal. A paralisia perma- nece flácida na maioria dos casos, pelo com- prometimento das células do corno anterior da medula. Os principais fatores etiológicos dos infartos medulares são:lesões vasculares do diabetes mellitus, hipotensão arterial, vasculi- tes (sifilítica, lúpica) e dissecções ou aneuris- mas aórticos. Os infartos mais freqüentes são toracolombares, por obstrução da artéria de Adamkiewicz, geralmente a partir de aneuris- mas aórticos toracoabdominais, ateroscleróti- cos ou secundários à síndrome de Marfan. As lesões localizam-se, preferencialmente, na porção anterior da medula (no território da ar- téria espinhal anterior), com maior compro- metimento da substância cinzenta central, que, à ressonância magnética, apresenta o aspecto típico de “olhos de coruja”. Geralmente a hematomielia (sangramento na medula espinhal) é de origem traumática ou secundária a malformações vasculares me- dulares. Inicialmente, existe aumento do vo- lume da medula e o sangue abre caminho no sentido longitudinal, estendendo-se ao lon- go de vários segmentos, afetando, principal- mente, a substância cinzenta e a substância branca adjacente. Após a liquefação do coá- gulo e limpeza pela neuróglia, surge uma cavidade alongada (siringomielia). O pacien- te refere dor na região dorsal ou lombar, de características radiculares, acompanhada de paraparesia espástica, hiper-reflexia de mem- bro inferiores e disfunção vesical. Após a rea- bsorção do hematoma, pode haver alguma melhora dos sintomas. Fig. 3.4 Tomografia computadorizada de crânio, em corte axial, mostrando Ærea hiperintensa na regiªo frontoparietal direita, correspondendo a hemorragia intraparenquimatosa. Capítulo 3 21 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Lesões Traumáticas As lesões traumáticas do SNC constituem uma das principais causas de morte e incapa- citação em nações desenvolvidas e subdesen- volvidas. O desenvolvimento da prevenção e da reabilitação são os maiores responsáveis pela redução do elevado impacto socioeco- nômico destas lesões. Uma série de altera- ções sistêmicas agrava o estado do paciente vítima de traumatismo craniano, como alte- rações cardiopulmonares, nutricionais, endó- crinas e coagulatórias. As lesões traumáticas do SNC podem ser classificadas em focais ou difusas, conforme a Tabela 3.2. minências ósseas e mecanismo de contragol- pe15. As contusões podem ser classificadas em: leve (comoção), moderada (contusão cerebral propriamente dita) e grave (laceração). A comoção cerebral é um distúrbio transi- tório da função nervosa, de instalação súbita, por traumatismo craniano, sem que haja le- são estrutural do SNC. Existem lesões celu- lares mínimas. É causada por gradientes pressóricos no interior da caixa craniana16, com distorções mecânicas do tronco cerebral. Cli- nicamente, manifesta-se por perda de funções como consciência, memória e disfunções neurovegetativas de curta duração. Em cri- anças, pode ser particularmente grave ou mesmo fatal, se associada à flacidez e arre- flexia. O paciente volta ao normal entre o terceiro e o sétimo dia. As contusões cerebrais propriamente di- tas são um distúrbio súbito da função cere- bral, associada à alteração estrutural do tecido encefálico, causada por um traumatismo. Na lesão existe extravasamento de células san- güíneas para dentro do parênquima, necro- se, degeneração e edema do tecido cerebral (Fig. 3.5). Pode-se considerar a comoção e a contusão cerebral como uma entidade única com graduações distintas de destruição do te- cido encefálico e evolução mais desfavorável nas contusões. A laceração cerebral é a destruição gros- seira do tecido cerebral, provocada por trau- matismo, com perda da continuidade. Ocorre em ferimentos causados por agentes penetran- tes e quando há afundamento ósseo ou hema- toma intracerebral. As avulsões são mais raras, envolvendo a hipófise, nervos cranianos ou tronco cerebral. Os hematomas intracranianos, intra ou extradurais, ocorrem, comumente, em conse- qüência de traumatismos cranianos graves. Os hematomas intradurais são conseqüentes ao sangramento venoso e incluem os hematomas subdurais, intracerebrais e intracerebelares. Os hematomas intracranianos estão, geralmente, associados a contusões subjacentes. Tabela 3.2 Lesıes TraumÆticas do Sistema Nervoso Central A) Agudas A1) Focais Contusıes Avulsıes Hematomas Hemorragias Infartos A2) Difusas: Lesªo axonal difusa Lesªo hipóxica cerebral Lesªo microvascular Lesªo excitotóxica do nœcleo reticular do tÆlamo Hemorragias puntiformes difusas B) Tardias Hematoma tardio Edema cerebral difuso Hidrocefalia C) Trauma raquimedular Lesões Traumáticas Focais As contusões ocorrem, mais comumente, nos lobos frontais e temporais do cérebro, de- vido à arquitetura interna do crânio; e decor- rem de acelerações e desacelerações angulares do cérebro. A contusão cerebral resulta de, pelo menos, três mecanismos: cisalhamento, efeito de golpe dos tecidos cerebrais sobre as proe- 22 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Os hematomas extradurais são conseqüen- tes a sangramentos arteriais, não associados a alterações intradurais. Situam-se entre a dura- máter e a tábua óssea. A forma clássica de he- matoma extradural ocorre por fratura craniana com laceração da artéria meníngea média. A alteração do nível de consciência é o fator mais importante na avaliação clínica do paciente. Após o trauma há breve período de perda de consciência, seguida de volta à normalidade, o chamado “intervalo lúcido”. Então, o paci- ente passa a apresentar progressivo rebaixa- mento do nível de consciência, alterações neurovegetativas, déficits motores ou sensiti- vos progressivos, chegando ao coma e aniso- coria e, finalmente, à morte. Após traumatismo craniano, pode ocorrer lesão vascular com infarto ou hemorragia in- traparenquimatosa. Estas podem levar a uma hipertensão intracraniana persistente. Lesões Traumáticas Difusas A lesão axonal difusa (LAD) (também chamada lesão do tronco cerebral, trauma cra- niano fechado, ou lesão difusa) é uma das prin- cipais causas de déficit neurológico permanen- te, e caracteriza-se por coma prolongado por dias ou semanas. É um tipo de lesão freqüen- te, ocorrendo em aproximadamente 44% dos traumas seguidos de coma. A mortalidade nes- tes casos é de 33%. A disfunção autonômica produz febre, hipertensão e sudorese. A lesão ocorre, principalmente, na transição córtico- subcortical cerebral, corpo e joelho do corpo caloso, núcleos da base e região dorsolateral do tronco cerebral, com degeneração walleri- ana dos tratos longos, que evoluem até meses após o trauma17. Descrições iniciais micros- cópicas caracterizavam a LAD por retrações axonais, formando bolas de axoplasma. Con- tudo, estudos mais recentes com modelos ani- mais revelaram que, precocemente, ocorre ruptura dos neurofilamentos intra-axonais e de microtúbulos. Em lesões mais intensas, há al- teração da permeabilidade do axolema, com entrada de cálcio e ruptura do citoesqueleto. Estas alterações levam a distúrbios do fluxo axonal, acúmulo de material transportado com balonização do axônio, degeneração walleria- na e de aferentação difusa18,19. A lesão hipóxica cerebral é um achado comum em pacientes que morrem após trau- ma não agudos da cabeça20, e está habitual- mente associada a outros processos lesivos. Predispõe a esta lesão: hipoxemia por in- suficiência respiratória ou desequilíbrio ven- tilação-perfusão, hipertensão intracraniana prolongada ou espasmo arterial cerebral21. O padrão característico da lesão é o acometimento do hipocampo e zonas vasculares limítrofes. As lesões microvasculares difusas são de- correntes da perda da auto-regulação vascu- lar, que se segue ao trauma cerebral22. Isto torna o cérebro mais suscetível às variações da pres- são arterial. Assim, a hipertensão arterial pode aumentar o risco de dilatação vascular com hiperemia e inchaço, ou uma hipotensão pode causar lesões isquêmicas.Além disso, a sensi- bilidade vascular alterada às catecolaminas circulantes pode levar à vasoconstrição e is- quemia focal, ou lesão de reperfusão (fenômeno de “não refluxo”). As lesões microvasculares Fig. 3.5 Tomografia computadorizada de crânio, em corte axial, mostrando Ærea hiperintensa irregular frontal direita e esquerda, e temporal esquerda, correspondendo à Ærea de contusªo cerebral. Capítulo 3 23 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. cerebrais são bifásicas, com alteração precoce e transitória da barreira hematoencefálica e alteração endotelial mais tardia (> 6 horas)23. Existe uma vulnerabilidade seletiva do núcleo reticular do tálamo, que recebe aferên- cias glutamatérgicas do córtex orbitofrontal, após um traumatismo cerebral24, de modo se- melhante à lesão excitotóxica isquêmica. Este mecanismo de lesão tem sido descrito após traumatismos cranianos leves em modelos ani- mais, sugerindo uma possível etiologia para os déficits de atenção e a fadiga da síndrome pós-concussional. Múltiplas hemorragias petequiais são en- contradas em pacientes que morrem algumas horas após sofrerem lesão da cabeça. As he- morragias ocorrem adjacentes a pequenos va- sos do parênquima lesados pela ação de aceleração e desaceleração do cérebro. As lesões traumáticas tardias do SNC são a conseqüência de uma série de eventos agres- sivos sobre o tecido nervoso, como: a forma- ção de prostaglandinas e leucotrienos a partir do ácido araquidônico, a formação de radicais livres do oxigênio, alterações em neuropeptí- deos, nos eletrólitos como cálcio e magnésio, em neurotransmissores excitotóxicos glutama- térgicos e colinérgicos, ácido láctico, várias citoquininas. O edema cerebral difuso pós-traumático tem um componente vasogênico, por quebra da barreira hematoencefálica e aumento do conteúdo hídrico do cérebro, e citotóxico, por acúmulo intracelular de água. Traumatismo da Medula Espinhal A medula espinhal é sede freqüente de le- sões traumáticas. A prevalência de lesão da medula espinhal é estimada em 906 casos para cada um milhão de habitantes25. Os acidentes envolvendo veículos automotores e motocicle- tas são a principal etiologia, seguido pela le- são por queda ou mergulho, e ferimentos por arma branca ou projétil de arma de fogo. Ou- tros mecanismos de lesão, às vezes subagu- dos, são a espondilose cervical e a herniação discal. A região cervical e junção toracolom- bar são as mais freqüentemente afetadas nas lesões traumáticas. Ao se avaliar a lesão, de- vemos considerar o nível acometido, o meca- nismo de trauma envolvido e a estabilidade da lesão vertebral. A lesão da coluna vertebral torna-se grave quando há instabilidade ou com- pressão da medula espinhal, ou de suas raízes. A lesão da medula espinhal pode ser por con- cussão, contusão, compressão, tumefação ou inchaço, dilaceração ou esmagamento. Os sin- tomas e sinais dependem do nível, do tipo e da gravidade do trauma. Os traumatismos da me- dula espinhal resultam em distúrbios multis- sistêmicos, incapacitações múltiplas, e evoluem para uma série de complicações. O prejuízo das respostas fisiológicas não são es- táticos, mas instáveis e lábeis. Muitas vezes, perdas de função localizada provocam com- plicações de maior repercussão26. Três fatores parecem influenciar a evolução neurológica após o trauma de medula espinhal: o grau de dano neurológico no momento do acidente27; a instabilidade biomecânica, que pode levar a futuros danos mecânicos de tecido nervoso; e a instabilidade fisiológica da medula lesada28, que a torna vulnerável a danos não mecânicos por complicações fora do canal espinhal. LESÕES INFLAMATÓRIAS DESMIELINIZANTES Dentre as afecções inflamatórias desmie- linizantes do SNC, destacamos a esclerose múltipla (EM), por sua alta prevalência e im- portante papel da reabilitação29. A EM é uma doença inflamatória e desmie- linizante do SNC, de etiologia desconhecida, mas com mecanismo de lesão por auto-imuni- dade30. Leva à formação de grandes placas desmielinizantes confluentes no SNC. Os axô- nios são relativamente poupados dentro das placas. Em todas as placas, algum grau de lesão axonal está presente. A perda axonal pro- gressiva, em casos crônicos, leva à degenera- ção do trato e atrofia, que parece ter mais correlação com déficits neurológicos perma- nentes do que a extensão total de desmielini- 24 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. zação. Clinicamente, manifesta-se por uma variedade de sintomas, ocorrência de surtos e remissões de duração e intensidade variáveis, e em alguns pacientes por déficits de evolução lentamente progressiva. As diferentes formas de manifestação clí- nica da EM originaram uma classificação de importância prognóstica e terapêutica. Temos as seguintes formas clínicas: • Forma remitente-recorrente: ocorrência de surtos e remissões com recuperação neu- rológica parcial ou completa, evoluindo para melhora. Entre os surtos, não há nova manifestação da doença. • Forma primariamente progressiva: a do- ença evolui desde o início de maneira len- ta e progressiva, com surtos leves e melhoras fugazes. • Forma progressiva com surtos: a doença é progressiva desde o início, porém evolui com surtos bem caracterizados e, no inter- valo destes, há progressão da doença. • Forma secundariamente progressiva: a doença é, inicialmente, remitente-recorren- te, mas após algum tempo começa a pro- gredir, e apresenta remissões leves. A EM é mais comum em mulheres, com início dos sintomas mais freqüentemente ao redor dos 28 anos, apresentando-se em nosso meio com uma incidência de quatro casos/ 100.000 habitantes31. A história natural das diversas formas da EM depende da freqüência e duração dos sur- tos e remissão, e da evolução temporal. A forma mais freqüente da EM é a remitente-recorren- te; cerca de 70% dos pacientes experimentam, inicialmente, uma manifestação de surto com remissão32. As manifestações iniciais mais comuns são inespecíficas e incluem: neurite óptica, oftalmoplegia internuclear, sinal de Lhermitte, déficits cerebelares, piramidais e da coluna dorsal. A forma primariamente pro- gressiva, também bastante freqüente, manifes- ta-se como mielopatia progressiva crônica ou como síndrome cerebelar progressiva. Um sin- toma comum, nas diferentes formas de EM, é a fadiga diurna, exacerbada por calor ou exer- cícios. Uma minoria de exacerbações da EM é dificilmente discriminada de pseudo-exacer- bações. Em geral, um evento neurológico novo ou recorrente, ocorrendo após 30 dias de uma estabilidade prévia ou melhora, durando por mais de 24 horas, e resultando objetivamente em mudança de um ou mais sistemas, é quali- ficado como um surto33. Um evento desmieli- nizante isolado (neurite óptica, síndrome de tronco cerebral ou mielite) pode converter-se em EM clinicamente definida. O melhor fator preditivo deste risco é o número de lesões des- mielinizantes na ressonância magnética cere- bral, ponderada em T234. A remielinização espontânea é comum nas lesões da EM. Isto é especialmente pro- nunciado em pacientes com a duração da do- ença de apenas poucos anos, e reflete-se pela abundância das denominadas “placas som- bras”. Em estágios mais avançados, após mui- tos anos de cronicidade da doença, o achado patológico dominante é de desmielinização persistente, com o aspecto de placas escleróti- cas35. Algumas doenças, que se assemelham à EM por manifestarem déficits neurológicos graves, multifocais, e às vezes recorrentes, são a encefalomielite aguda disseminada, a síndro- me de Devic (neuromielite óptica), e a varian- te da EM de Marburg. LESÕES DEGENERATIVAS Neste grupo de afecções do SNC, encon- tramos afecções degenerativas e hereditárias. Um grande número de doenças neurológicas são classificadas neste grupo, destacando-se a doença de Alzheimer e a doençade Parkinson. A Tabela 3.3 apresenta as principais doenças degenerativas do SNC. O processo de morte celular nestas doen- ças degenerativas possui como características comuns excitotoxicidade neuronal, disfunção de produção energética pelas mitocôndrias, destruição da membrana e das organelas celu- lares, alteração no transporte de neurofilamen- Capítulo 3 25 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Doença de Alzheimer A doença de Alzheimer (DA) caracteriza- se por perda progressiva de memória e de ou- tras funções cognitivas. Estima-se que 5% das pessoas acima de 65 anos tenham a DA, e o risco aumenta com a idade. Aos 85 anos, um em cada três pessoas tem a DA36. É a forma mais comum de demência. A progressão da DA é variável, mas geralmente há um declínio das funções cognitivas por sete a 10 anos. Todas as funções cerebrais, incluindo a lin- guagem, habilidades motoras, julgamento, pensamento abstrato, comportamento e perso- nalidade, assim como a memória vão sendo afetadas. Esta progressão assemelha-se ao de- senvolvimento psicomotor no sentido inver- so. O diagnóstico é eminentemente clínico, uma vez que o único exame que pode confir- má-lo é a biopsia cerebral. Na biopsia cere- bral, ou na necropsia, de pacientes com DA encontramos em grandes quantidades placas senis e degeneração neurofibrilar, mais fre- qüentemente nas áreas frontais, temporoparie- tais e hipocampos. As placas senis são formadas por axônios e terminações neurais em degeneração, acompanhadas por reação glial, envolvendo um núcleo central de subs- tância amilóide. Utilizamos habitualmente o teste minimental, assim como outras escalas para avaliar a progressão da DA. O exame fí- sico não auxilia no diagnóstico. Os exames de imagem usualmente mostram atrofia cerebral nestes pacientes. Doença de Parkinson A doença de Parkinson caracteriza-se, cli- nicamente, por bradicinesia, tremor de repou- so, rigidez em roda denteada e perda dos reflexos posturais. O substrato anatomopato- lógico é a perda de neurônios pigmentados, mais proeminente na pars compacta da subs- tância negra, e as inclusões citoplasmáticas eosinofílicas características (corpos de Lewy). A manifestação inicial mais freqüentemente referida é o tremor. Todavia, muitos pacien- tes mostram alterações posturais e acinesia típicas do Parkinson alguns anos antes de perceberem o tremor, que são atribuídos à idade37. Devido à dificuldade em se estabe- lecer o início preciso da doença de Parkinson, acredita-se que sua taxa de progressão até a incapacitação e morte seja subestimada. Paci- entes com doença de Parkinson são bastante beneficiados por programas de reabilitação motora e fonoaudiológica, minimizando suas deficiências e melhorando sua qualidade de vida. Uma série de afecções podem simular a doença de Parkinson, principalmente em suas fases iniciais, mas tem origem e evolução di- ferente. São chamadas degenerações multis- sistêmicas ou Parkinson plus, e compreendem a paralisia supranuclear progressiva, síndro- me de Shy-Drager, degeneração estriatonigral, complexo esclerose lateral amiotrófica e de- mência de Parkinson, e doença de corpos de Tabela 3.3 Principais Afecçıes Degenerativas do SNC A) DemŒncias Alzheimer e demŒncia senil Doença de Pick DemŒncia vascular DemŒncia por hidrocefalia B) DemŒncias associadas a outras anormalidades neurológicas CorØia de Huntington C) Distœrbios de postura e movimento Doença de Parkinson Degeneraçªo estriatonigral Paralisia supranuclear progressiva D) Afecçıes com fraqueza e atrofia lenta e progressiva Esclerose lateral amiotrófica Paralisia bulbar progressiva Esclerose lateral primÆria tos com acúmulo destes formando inclusões características e, por fim, morte celular. O en- tendimento mais adequado deste processo pode ser a chave para a prevenção e tratamento des- tas doenças. 26 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Lewy. A diferenciação destas moléstias é fun- damental para que não se crie condutas ina- dequadas de tratamento ou prognóstico incorreto. LESÕES INFECCIOSAS Muitas são as afecções infeciosas do SNC. Limitaremos o assunto aos aspectos mais im- portantes das meningites bacterianas e do com- prometimento do SNC na síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids). Meningites Bacterianas As meningites bacterianas são processos inflamatórios infecciosos da pia, aracnóide e do líquido cefalorraquiano, provocados por bactérias. Os três agentes etiológicos mais fre- qüentes em adultos são Haemophilus influen- zae, Neisseria meningitidis e Streptococcus pneumoniae. Dependendo da faixa etária te- remos um perfil de agentes etiológicos dife- rente. Apresentam-se clinicamente pela tríade febre (ou toxemia), irritação meníngea e sín- drome de hipertensão intracraniana (cefaléia, vômitos, fotofobia e edema de papila). As manifestações clínicas são dependentes da res- posta do hospedeiro à presença do agente etio- lógico no líquor. A conseqüência imediata da infecção no espaço subaracnóide é a hiperemia dos vasos meníngeos e a migração de neutrófilos para este espaço. O processo inflamatório se pro- paga rapidamente atingindo a base do crânio, os ventrículos laterais, a bainha de nervos cranianos e espinhais e espaço perivascular cortical. O resultado deste processo depende- rá do agente etiológico, da reação de defesa do hospedeiro e da agilidade no diagnóstico e tratamento. As eventuais seqüelas da menin- gite bacteriana são decorrentes de lesões vas- culares e focos de necrose, que ocorrem de preferência no córtex cerebral e na base do crânio. Clinicamente podemos encontrar des- de estado vegetativo permanente, até crises convulsivas esporádicas. AIDS As manifestações do SNC na Aids consti- tuem um capítulo à parte na Neurologia. Mui- tas doenças, até então raras, tornaram-se mais conhecidas após a disseminação da Aids, prin- cipalmente as infecções oportunísticas. O pró- prio retrovírus mostrou grande tropismo pelo sistema nervoso central e periférico. No SNC temos várias manifestações da Aids, como o complexo demência-Aids, a mielopatia vacuo- lar e as infecções oportunísticas. O complexo demência-Aids (também de- nominado encefalopatia da Aids ou encefalo- patia subaguda) caracteriza-se por apatia progressiva, alterações cognitivas, associadas a fraqueza à marcha, incontinência esfincte- riana, crises convulsivas e mioclonia. O diag- nóstico deste quadro necessita a exclusão de infecções oportunísticas através de exames de imagem e do liquor38. A mielopatia vacuolar acomete aproxima- damente 20% dos portadores da doença, e manifesta-se por dificuldade à marcha, ataxia sensitiva e paraparesia espástica. O nível de acometimento mais freqüente é o torácico. As infecções oportunísticas mais freqüen- tes em pacientes com Aids são: a toxoplasmo- se, criptococose, tuberculose, citomegalovírus, sífilis e a leucoencefalopatia multifocal pro- gressiva. LESÕES NEOPLÁSICAS As lesões neoplásicas do SNC, diferente de outros sistemas, devem ser analisadas sob dois aspectos: a localização do tumor e seu grau de malignidade. Somente com estes dois da- dos poderemos programar seu tratamento e/ ou prognóstico. Mesmo tumores de linhagem histopatológica benigna localizados em áreas vitais do SNC, ou de difícil acesso cirúrgico, podem apresentar péssimo prognóstico. A evo- lução diagnóstica com a técnica de imuno-his- toquímica, o desenvolvimento de técnicas e instrumentos cirúrgicos, da radiocirurgia, bra- quiterapia e de drogas quimioterápicas trou- Capítulo 3 27 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. xeram melhores resultados no tratamento des- tas afecções. Devemos separar as neoplasias primárias do SNC das metastáticas ou infiltrativas. Nem sempre os exames de imagem são suficientes para discriminá-los, e a biopsia estereotáxicaou a convencional são necessárias para retirada de material e análise histopatológica. Cada forma de neoplasia apresenta com- portamento diferente das demais, atingindo preferencialmente determinada faixa etária, lo- calização no SNC, com maior ou menor agres- sividade, e diferente resposta ao tratamento. A Tabela 3.4 apresenta um resumo da clas- sificação das neoplasias primárias do SNC39. Os principais focos de neoplasias secun- dárias ou metastáticas do SNC são pulmão, mama, melanoma e cólon40. As metástases ce- rebrais são geralmente sintomáticas, poden- do ser detectadas ao mesmo tempo que o tumor primário, ou mais comumente o diag- nóstico do tumor primário antecede a descober- ta da metástase. Apresentam-se clinicamente de modo semelhante aos tumores primários do SNC. Cefaléia associada a sintomas focais, aumento da pressão intracraniana com papile- dema, crises convulsivas ou hemorragias no SNC são as manifestações mais comuns das metástases. LESÕES METABÓLICAS E NUTRICIONAIS Dentre as desordens metabólicas e nutri- cionais do SNC, destacamos a encefalopatia de Wernicke, a mielinólise pontina central, a deficiência de vitamina E e de vitamina B12. Encefalopatia de Wernicke A encefalopatia de Wernicke é causada pela deficiência de tiamina. Pode estar relacio- nada ao alcoolismo ou à má nutrição e hiperê- mese, diálise, câncer ou imunodeficiência adquirida41. Como a tiamina leva à lesão cere- bral não está completamente esclarecido. A tiamina é um co-fator para a transcetolase, alfa- cetoglutarato desidrogenase, piruvato desidro- genase e a alfaceto ácido desidrogenase de cadeia ramificada. Ela também age na con- dução axonal e na transmissão sináptica. A deficiência de tiamina produz uma difusa diminuição no uso de glicose pelo cérebro. A excitotoxicidade parece contribuir para a pa- togênese da encefalopatia de Wernicke. As le- sões características desta encefalopatia são a descoloração das estruturas ao redor do III ventrículo, aqueduto e IV ventrículo, com pe- téquias e atrofia dos corpos mamilares42. As estruturas afetadas mostram proliferação en- dotelial, hemorragias microscópicas, desmie- linização e perda dendrítica, mas com preservação dos neurônios. Há perda neuro- Tabela 3.4 Classificaçªo das Neoplasias PrimÆrias do SNC A) Tumores astrocitÆrios: astrocitoma difuso (low grade); astrocitoma difuso anaplÆsico (high grade); gliobastoma multiforme; astrocitoma pilocítico; xantoastrocitoma pleomórfico; astrocitoma subependimÆrio de cØlulas gigantes B) Tumores oligodendrogliais: oligodendrogliomas; oligodendrogliomas anaplÆsicos C) Tumores ependimÆrios: ependimomas; ependimomas anaplÆsicos; expendiam mixopapilar; subependimoma D) Gliomas mistos E) Tumores do plexo coróide: papilomas do plexo; carcionomas do plexo coróide. F) Tumores neuroepiteliais de origem incerta: astroblastoma; espongioblastoma polar; gliomatosis cerebri. G) Tumores neuronais e neuronais-gliais mistos: gangliocitoma; ganglioglioma displÆsico do cerebelo (Lhermitte-Duclos); ganglioglioma desmoplÆsico infantil; tumor neuroepitelial disembrioplÆsico; ganglioglioma; ganglioglioma anaplÆsico; neurocitoma central; paraganglioma do filum terminale; neuroblastoma olfatório (estesioneuroblastoma) H) Tumores do parŒnquima da pineal: pinecitoma; pineoblastoma; tumores mistos ou transicionais da pineal I) Tumores embrionÆrios: meduloepitelioma; neuroblastoma; ependimoblastoma; tumores neuroectodØrmicos primitivos (PNETs) 28 Capítulo 3 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. nal no núcleo medial do tálamo. A tríade clí- nica característica é: encefalopatia, oftalmo- plegia e ataxia; mas apenas um terço dos pacientes apresentam o quadro completo. A ressonância magnética pode mostrar a atrofia dos corpos mamilares43. O quadro, na fase ini- cial, é revertido parcial ou totalmente com a suplementação de tiamina, magnésio (co-fa- tor da tiamina) e outros oligoelementos. Mielinólise Pontina Central A mielinólise pontina central é uma de- sordem rara da substância branca cerebral que afeta pacientes malnutridos, alcoólatras, com doenças hepáticas, anorexia, câncer, doença de Addison, ou distúrbios eletrolíticos graves. A lesão mais comum é a palidez triangular na base da ponte. Podem aparecer lesões no es- triado, tálamo, cerebelo, e substância branca cerebral. Microscopicamente ocorre desmie- linização dos axônios com preservação do cor- po celular, exceto no centro da lesão, onde há cavitação. Em quase todos os casos houve hi- ponatremia corrigida rapidamente. Pode ma- nifestar-se de forma clínica por coma, letargia, confusão, paraparesia ou quadriparesia, disar- tria, disfagia e incapacidade de protrair a lín- gua. Os reflexos podem ou não estar alterados. A ressonância magnética pode mostrar as al- terações na ponte, que regridem parcialmente com a melhora clínica. Deficiência de Vitamina E Consiste de degeneração espinocerebelar que aparece em crianças com síndrome de má absorção ou doença hepatobiliar. Associa-se à polineuropatia periférica e retinopatia pigmen- tar. Manifesta-se clinicamente por ataxia, perda dos reflexos tendinosos, fraqueza mus- cular proximal, oftalmoparesia e diminuição da sensibilidade. Microscopicamente observa- se degeneração dos tratos espinocerebelares, das colunas posteriores e das raízes sensitivas. Existe melhora dos sintomas após reposição da vitamina E por longo prazo. Deficiência de Vitamina B12 A degeneração combinada subaguda refe- re-se a síndrome de comprometimento da me- dula espinhal que ocorre na anemia perniciosa, por deficiência da vitamina B12. Neste quadro encontramos comprometimento da medula es- pinhal, do cérebro, nervos ópticos e nervos periféricos. Deve-se à falta de aproveitamento da vitamina B12 por perda do fator intrínseco produzido no estômago. Clinicamente obser- vamos anemia, parestesias, alteração de mar- cha, ataxia, e em estágios mais avançados, paraplegia atáxica, espasticidade e contratu- ras. A perda da sensibilidade vibratória é um importante sinal ainda na fase inicial. LESÕES TÓXICAS Além da encefalopatia de Wernicke des- crita, o álcool pode provocar outras lesões importantes no SNC, como na intoxicação agu- da, a demência de Korsakoff e a degeneração cerebelar. Intoxicação Etílica Aguda Os efeitos tóxicos do álcool têm estreita correlação com seus níveis séricos, que refle- tem seu teor no cérebro. Níveis de 25mg/dl estão associados clinicamente a alteração de humor, incoordenação e prejuízo no julgamen- to; e são o resultado do envolvimento prefe- rencial das vias polissinápticas da formação reticular do tronco cerebral, cerebelo e córtex cerebral. Com níveis superiores a 100mg/dl sinais de disfunção cerebelar e vestibular como nistagmo, diplopia e disartria aumentam. Aci- ma de 500mg/dl o álcool usualmente leva à morte por depressão respiratória44. Demência de Korsakoff A demência de Korsakoff é uma seqüela da encefalopatia de Wernicke em alcoólatras. Caracteriza-se por déficit de memória anteró- grada e retrógrada, apatia e preservação do sensório e de outras habilidades intelectuais44. Capítulo 3 29 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. Degeneração Cerebelar Pacientes alcoólatras podem desenvolver uma síndrome cerebelar crônica relacionada à degeneração das células de Purkinje no córtex cerebelar. As estruturas cerebelares da linha mediana, como o vérmis anterior e superior estão afetados. A deficiência de tiamina, as- sim como as alterações eletrolíticas parecem estar relacionadas ao seu aparecimento. Tipi- camente ocorre após 10 anos de consumo ex- cessivo de etanol. Instala-se insidiosamente, podendo apresentar piora abrupta. Há ataxia de marcha e disartria, enquanto o nistagmo é raro. Os exames de imagem podem revelar atrofia do córtex cerebelar. Cessando o consu- mo de etanol,e adequando-se a nutrição pode haver regressão do quadro44. BIBLIOGRAFIA 1. Siesjo BK. Pathophysiology and treatment of focal cerebral ischemia. I: Pathophysiology. J Neurosurg 77:169-184. 1992. 2. Rothman SM, Olney JW. Excitotoxicity and the NMDA receptor. Trends Neurosci 10:299-302. 1987. 3. Nordborg C, Sokrab T, Johansson BB. Oedema- related tissue damage after temporary and permanent occlusion of the middle cerebral artery. Neuropathol. Appl. Neurobiol. 20:56-65. 1994. 4. Astrup J. Energy-requiring cell functions in the ischemic brain. Their critical supply and possible inhibition in protective therapy. J Neurosurg 56:482-497. 1992. 5. Heiss WD, Graf R. The ischemic penumbra. Curr Opin Neurol 7:11-19. 1994. 6. 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