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09/11/2019 Roese
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Online Brazilian Journal of Nursing, v. 5, n. 3 (2006)
Field diary: construction and utilization in scientific researches. Bibliographic analysis 
Diário de campo: construção e utilização em pesquisas científicas. 
Adriana Roese 1; Tatiana Engel Gerhardt 1; Aline Corrêa de Souza 2; Marta Julia Marques
Lopes 1
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil; 2 Centro Universitário Metodista IPA, RS,
Brasil
 Abstract: This article emerged from the author’s necessity of finding bibliography reference which
were related to the construction and utilization of field diary as a complementary instrument in
scientific researches. It had the objective of doing a bibliographic review referring to its utilization and
describing experiences of the use of those methodological instruments. For that, it was developed a
conceptual reference, an item dealing with the construction of a field diary and other a report on the
experiences which the authors had with its use. We believe this study may help other researchers who
search to develop researches with this data collector instrument.
Keywords: Qualitative research, Data Colletion, Methodology. 
Resumo: Este artigo surgiu da necessidade de as autoras encontrarem referenciais bibliográficos que
tratassem da construção e utilização do diário de campo como instrumento complementar em
pesquisas científicas. Objetivou-se realizar uma revisão bibliográfica referente à sua utilização e
descrever experiências do uso desse instrumento metodológico. Para tanto, desenvolveu-se um
referencial conceitual, um item tratando da construção de um diário de campo e outro um relato das
experiências que as autoras acumularam com o seu uso. Pensa-se que este estudo possa auxiliar
pesquisadores que busquem desenvolver estudos com esse instrumento de coleta de dados.
Palavras-chave: Pesquisa qualitativa, Coleta de dados, Metodologia.
 
Introdução 
O presente artigo foi elaborado, considerando a utilidade do diário de campo em pesquisas
científicas, as experiências das autoras e a necessidade de se ter textos que relatem, não somente a
sua construção, mas também as diferentes possibilidades de utilização. Dessa forma, durante o
desenvolvimento da disciplina intitulada Metodologia Qualitativa, do Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Rural, da Faculdade de Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
optou-se por sistematizar alguns estudos existentes e a experiência das autoras na construção e
utilização desse recurso na coleta de dados de pesquisa.
Este texto parte, portanto, de um referencial conceitual que permite discutir a construção de
um diário de campo, e avança no sentido de apresentar exemplos de experiências das autoras,
referentes ao uso desse instrumento metodológico, ressaltando a complementaridade que proporciona
à coleta de dados. Não se pretende esgotar o tema, mas reunir referenciais bibliográficos e
experiências capazes de contribuir para a elaboração e a utilização desse instrumento, por outros
investigadores. 
Fundamentação Bibliográfica 
 O diário de campo é um dos instrumentos mais básicos de registro de dados do pesquisador,
inspirado nos trabalhos dos primeiros antropólogos que, ao estudar sociedades distantes utilizavam
um caderno, no qual registravam as práticas cotidianas, as viagens, os experimentos. Como método
de pesquisa científica, o diário de campo surge com o trabalho clássico de Bronisław Malinowski (1) e é
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amplamente utilizado em pesquisas etnográficas, qualitativas, mas também em pesquisas
quantitativas, experimentais.
 O referencial disponível sobre o tema está presente em abordagens metodológicas observacionais.
Neste tipo de pesquisa, o investigador utiliza a observação como instrumento de coleta de dados e pode
registrá-los em um diário de campo, que tem nessa observação o ponto de partida para a sua utilização.
O diário de campo “é um diário de bordo onde se anotam, dia após dia, com um estilo
telegráfico, os eventos da observação e a progressão da pesquisa” (2:94). Dessa forma, todas as
informações e situações que ocorrem durante a realização dessa pesquisa são anotadas para uma
posterior análise.
O diário de campo (3:179) é, ainda, definido como “o registro diário de eventos e conversas
ocorridas; das anotações em campo que podem incluir um diário, embora tendam a ser mais
abrangentes, analíticas e interpretativas do que uma simples enumeração das ocorrências”. Essas
definições dos autores incluem a dimensão de cunho mais interpretativo das anotações, ou seja,
consideram que, durante a observação de um fato, o pesquisador já poderia registrar algumas
análises sobre o acontecimento.
Essa mesma idéia é citada em um estudo qualitativo (4:150), como “notas de campo: o relato
escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da coleta de dados”.
Esses autores agregam à essa definição, o uso adequado do diário de campo, para estudos
qualitativos.
 Lopes (5) salienta, também, as características do diário de campo como instrumento
complexo, capaz de dar conta de amplos objetivos. A autora refere que “é uma técnica de pesquisa de
campo muito utilizada em estudos antropológicos, mas não só nesse campo, que permite o registro do
detalhamento das informações, observações e reflexões surgidas no decorrer da investigação ou no
momento observado. Trata-se do detalhamento descritivo e pessoal sobre os interlocutores, grupos e
ambientes estudados. Podemos considerá-lo um instrumento de interpretação-interrogação pelas suas
características” (5:132).
As anotações de cunho analítico fazem parte do diário de campo. Acredita-se que essas
definições complementares possibilitam a compreensão desse instrumento como ferramenta de coleta
e, ao mesmo tempo, de análise, o que contribui para o processo de investigação, nos estudos
qualitativos. Nesse sentido, parte-se para discutir alguns tópicos e sugestões de como utilizá-lo, de
forma a explorar suas potencialidades interrogativas e interpretativas (3, 4, 5).
Optou-se por considerar, como sinônimos, os termos utilizados para definir o instrumento;
dessa forma, notas de campo e diário de campo se referem ao mesmo instrumento/técnica. 
A Construção de um Diário de Campo 
Considerando as limitações bibliográficas sobre a construção desse recurso de pesquisa,
adotaram-se os autores Bogdan e Biklen (4), pois se acredita que trazem elementos para uma boa
descrição e análise didática do uso do diário de campo em pesquisas científicas. Referem que o
conteúdo das notas de campo consiste em dois tipos de materiais, sendo eles: o descritivo “em que a
preocupação é a de captar uma imagem por palavras do local, pessoas, ações e conversas
observadas”; e o reflexivo que é “a parte que apreende mais o ponto de vista do observador, as suas
idéias e preocupações” (4:152).
Segundo os referidos autores, as notas descritivas são as mais extensas, devido ao esforço
empregado pelo investigador para registrar detalhadamente os acontecimentos no campo empírico. O
objetivo, embutido nessa fase do registro, é o de “captar uma fatia da vida”, pois se sabe que a
realidade não pode ser totalmente descrita pelo investigador (4:152).
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Considerando esses elementos, parte-se do pressuposto de que o diário de campo é uma
fotografia instantânea que descreve um momento de observação e as percepções do pesquisador, que
se sabe não ser neutro e que, mesmo sem intenção, leva a campo seus pré-conceitos, idéias e
posições e, a partir delas, elabora sua leitura da realidade.
Para a construção do diário de campo citam-se (4) aspectos descritivos considerados
importantes: retratos dos sujeitos (incluindo a descrição completa: aparência física, maneira de vestir,
estilo de falar e deagir, particularidades dos indivíduos); reconstruções do diálogo (anotações das
palavras dos sujeitos, seus gestos, pronúncias e expressões faciais – o uso das aspas auxilia nessa
reconstrução); descrição do espaço físico (desenho do espaço, do arranjo da mobília, descrição dos
componentes presentes, no local); relatos de acontecimentos particulares (inclusão de pessoas
envolvidas, de que forma e qual a natureza de sua ação); descrição de atividades (detalhamento
comportamental); comportamento do observador (aspectos do seu comportamento que possam
interferir na coleta e na análise dos dados).
O conteúdo reflexivo, citado pelos autores, agrega um relato pessoal do observador no material
descritivo. É a fase do registro mais subjetiva que enfatiza “especulações, sentimentos, problemas,
idéias, palpites, impressões e preconceitos” (4:165). É o momento de o pesquisador se colocar no
estudo, mas, ao mesmo tempo, é o momento de esforçar-se para manter um recuo necessário com
certo grau de isenção nas descrições. Esse é um dos limites da utilização do instrumento, para o qual
o pesquisador precisa atentar, pois é recomendável a busca contínua de distanciamento entre
observador e objeto observado.
Quanto aos aspectos citados são reflexivos: sobre a análise (especulação sobre o que está
emergindo, conexão entre pedaços de dados, pensamentos que ocorrem e reflexões); sobre o método
(discussão metodológica sobre o que foi realizado); sobre conflitos e dilemas éticos (registro das
preocupações relacionais que surgem entre os seus valores e responsabilidades e da forma como
foram resolvidos); sobre o ponto de vista do observador (início do estudo com seus pressupostos
acerca dos sujeitos e do meio que está estudando); e, pontos de clarificação (explicação de situações
confusas)” (4).
Para separar a parte descritiva da reflexiva, os autores sugerem que se utilize “CO”
(comentários do observador). Também referem que alguns pesquisadores preferem utilizar dois
diários de campo, um para cada parte, separando-as totalmente (4). Pensa-se que, em ambas as
formas, o diário de campo poderá corresponder ao grau de cientificidade metodológica buscada pelo
investigador. A experiência do grupo de autoras revela a formatação do diário construído, agregando
descrição e reflexão, mostrando uma seqüência temporal dos acontecimentos, tanto da realidade
investigada, quanto do tempo dos investigadores, e sua imersão no processo investigativo.
Como sugestões práticas, recomenda-se (4, 6) que, na primeira página de cada conjunto de
anotações, haja um cabeçalho com título, data, horário e local da observação, o nome do observador
e o número do referido conjunto. Ressalta-se a importância da construção do texto, no decorrer das
notas de campo, com parágrafos e uma margem maior à esquerda. Isso tudo para facilitar a
codificação e posterior análise das anotações.
É proposta (2:95) a sistematização em dois “diários”, o da observação e o da pesquisa, bem
como que seja escolhida uma das páginas do diário de campo para o “diário de observação” - uma
série de anotações que podem ser breves, mas serão sempre imperativamente datadas e localizadas,
além das anotações de impressões e descrições. As indicações práticas são: quem é, onde, como,
quando e o que aconteceu. Referem, ainda, que a outra página poderá ser destinada ao “diário da
pesquisa” – que normalmente contempla uma série de questionamentos levantados a partir da
observação e o desenvolvimento de análises que servirão, não somente para orientar a observação,
mas, sobretudo, para construir os primeiros embriões do plano de redação do relatório de pesquisa.
Comporta a série de questões, hipóteses, dúvidas, leituras, tudo que faz parte da pesquisa.
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Dependendo das situações observadas, da sua diversidade e da complexidade de seus
elementos constitutivos, a observação e a manutenção precisa dos objetivos centrais da pesquisa
tornam-se difíceis. Atenta-se para o fato de que os investigadores necessitam deter-se no que estão
estudando, pois correm o risco de perder o foco do estudo e deixar passar aspectos importantes da
pesquisa (4).
 Sendo, portanto, um instrumento de anotações, o diário de campo pode ser construído de
diferentes formas, entre as quais: um caderno com espaço suficiente para anotações, comentários e
reflexão, para uso individual do investigador, no seu dia-a-dia, onde
se anotam todas as observações de fatos concretos, fenômenos sociais, acontecimentos, relações
verificadas, sua experiências pessoais, reflexões e comentários (7).
 Entretanto, mesmo sendo um excelente instrumento de coleta de dados, o diário de campo
apresenta vantagens e limitações: constituindo-se uma forma de diálogo com o cotidiano do
observador, ele requer agilidade no registro. Em muitos casos, as notas serão escritas após o evento,
pois pode ser uma opção, no momento da observação, não tomar notas; ele requer habilidade do
observador em diferenciar suas interpretações e a descrição dos fatos; não é uma técnica isolada de
coleta de dados em abordagens qualitativas, mas facilita criar o hábito de escrever e observar com
atenção, descrever com precisão e refletir sobre os acontecimentos, sendo complementar a outras
técnicas (7). Portanto, a observação independe do nível de conhecimento ou da capacidade dos
sujeitos; o observador busca a checagem das informações fornecidas por esses; a exploração de
tópicos difíceis de abordar e o “registro do comportamento em seu contexto temporal-espacial”
(8:164).
 Considerando as limitações e vantagens, Bogdan e Biklen (4) afirmam que o processo de
escrita das notas de campo é uma forma de diálogo com o cotidiano do investigador. Portanto, é
preciso certa disciplina por parte deste e, após, uma observação, em uma sala de aula; por exemplo,
na redação, o pesquisador precisa ser ágil no registro dos tópicos e frases-chave dos acontecimentos.
 Nessa mesma perspectiva, Beaud e Weber (2) apresentam dois conselhos úteis: o primeiro, é
reconstituir o desenvolvimento da observação, reencontrando a cronologia dos eventos observados ou
provocados, sendo necessário, para isso, estabelecer essa cronologia de forma resumida,
reconstituindo as relações entre os diferentes momentos. O segundo conselho enfatiza a necessidade
de retomar e recopiar os eventos marcantes, porém sem abandonar a primeira transcrição (anotação),
explicitando tudo que parecia ser “normal” e reavaliar, com recuo, ao mesmo tempo, o evento e a
primeira análise (2).
 Torna-se importante, ao se transcrever uma observação, perguntar se cada detalhe
mencionado é compreensível para alguém que esteve presente na observação e se é indispensável
para a compreensão da situação. Pode-se, assim, evitar, ao mesmo tempo, as insuficiências de
explicações e um número grande de detalhes inúteis. Dessa forma, vê-se que a validade da
observação está na interpretação do observador e não nela mesma. É importante compreender todo o
processo do acontecimento observado, e também atentar para os detalhes mais significativos o que,
segundo eles (2), é o trabalho mais difícil da análise da observação.
 Nesse sentido, esses autores (2), dão algumas sugestões que auxiliam na escrita das notas
de campo, quais sejam: - não adiar a tarefa, pois quanto mais o tempo passa, menos se lembra; -
registrar, antes de falar, para não confundir; - escrever as notas em local sossegado e tranqüilo; -
dar-se tempo para escrever as notas; - esboçar frases-chave e tópicos, antes de começar a escrever;
- escrever de forma cronológica; - deixar as conversas e acontecimentos fluírem ao papel; -
acrescentar o que foi esquecido na primeira escrita; - compreender que esse é um processo muito
trabalhoso e que demanda tempo. Algumas pessoas preferem ditar suas notas para um gravador e
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mais perspicaz que uma pessoa que não participou da observação.
Considerando o que foi tratado até o momento, relativamente à construção do diário de campo,
finaliza-se este item com algumas considerações referentes à organização do material reunido, antes
de sua análise.
É necessário fazer uma triagem e classificação do material, podendo-se utilizar algumas
estratégias como várias pastas das observações, classificadas em séries, temas e cronologia. Pode-se,
também, organizar fichas recapitulativas que resumam a cronologia da observação, com os encontros
significativos, as ausências e as desistências. Os autores lembram, ainda, que, ao se organizar o
material coletado, o mesmo já sofre a influência da interpretação. Aconselham, também, que no final
do “diário da observação” deve-se reconstituir a série de posições que o pesquisador ocupou e o
processo que o fez passar desse diário para o outro (“diário da pesquisa”). Neste último, a finalização,
por sua vez, deve conter a elaboração da “problemática observada” o que o pesquisador está tentando
demonstrar e a série de questões e hipóteses que foram progressivamente surgindo (2).
Expressas algumas contribuições bibliográficas na produção do diário de campo, passa-se ao
relato de experiências pessoais das autoras na sua utilização como instrumento complementar à coleta
de dados, em pesquisas científicas.
Usos do Diário de Campo: relatando experiências 
A seguir descrevem-se algumas experiências pessoais em pesquisas científicas já concluídas,
utilizando-se o diário de campo como uma das ferramentas metodológicas. A pesquisa intitulada “A
mortalidade por homicídios em adolescentes, em Porto Alegre, de 1998 a 2000” foi desenvolvida junto
a famílias de adolescentes mortos por homicídio, nos anos e Município citados. A coleta dos dados
ocorreu no período de julho a outubro de 2001, por meio de entrevistas com instrumento-guia semi-
estruturado que foram realizadas com as famílias das vítimas, em visitas domiciliares, do tipo busca
ativa (9). A entrevista é muito utilizada em pesquisa social e dentre as suas vantagens está a
possibilidade de obtenção de dados referentes aos diferentes aspectos da vida social, além de permitir
um maior contato com o sujeito do estudo (10). Na pesquisa, paralelamente ao instrumento de coleta
de dados da entrevista, desenvolveu-se um diário de campo, por iniciativa de duas das pesquisadoras.
Nesse instrumento, os conteúdos descritivos e reflexivos foram registrados em um mesmo bloco de
anotações e sua diferenciação ocorreu pela utilização de canetas com cores distintas. Este diário de
campo deu origem ao trabalho intitulado “A visita domiciliar como instrumento de coleta de dados de
pesquisa e vigilância em saúde – relato de experiência” (11).
O diário de campo, nesse caso, foi utilizado como forma complementar da primeira pesquisa e,
considerando a riqueza das informações, encontradas em campo, e registradas, estruturou-se um
segundo estudo, que foi desenvolvido a partir da realidade empírica, das situações presenciadas nas
comunidades, dos fatos observados e das falas das famílias investigadas. Dessa forma foi possível
descrever as situações enfrentadas e refletir sobre elas. As situações descritas no diário de campo
permitiram a associação analítica das condutas da comunidade ao fato de que muitos dos crimes
estudados permaneciam impunes ou foram cometidos por pessoas que ainda conviviam no local.
Essas e outras situações proporcionaram, portanto, o adicional de qualidade ao formulário de
entrevista. Esta experiência ilustra a utilização do diário de campo como “diário de observação”, sendo
uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e análise da pesquisa, contribuindo para a
estruturação de núcleos de sentido que possibilitaram a construção de categorias temáticas, para fins
de análise (11).
Outra pesquisa em que se utilizou o diário de campo como instrumento complementar
intitulou-se “Fluxos e acesso dos usuários a serviços de saúde de média complexidade no município de
Camaquã/RS” (12). Trata-se de uma dissertação de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. O trabalho teve como objetivo geral caracterizar a rede de serviços de saúde
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existente no município de Camaquã/RS e a utilização da mesma, por meio da identificação dos fluxos
de utilização, do acesso dos usuários aos serviços de saúde de média complexidade e dos motivos que
os levam ao uso desses serviços. Para tanto, utilizaram-se instrumentos de coleta de dados quanti-
qualitativos. As entrevistas foram realizadas no Hospital Geral e no Pronto Socorro do município de
Camaquã. A caracterização da rede de serviços de saúde foi possível por meio da visita aos mesmos e
de entrevistas com informantes-chave.
A construção e a utilização do diário de campo, neste caso, seguiu a mesma perspectiva da
pesquisa anterior. Serviu para captar os acontecimentos e situações não abordadas nas entrevistas
em relação à receptividade, comportamentos, dificuldades relatadas e descritas em longas conversas
do tipo “desabafo”, que, freqüentemente, faziam referência às dificuldades nas trajetórias e acesso
aos serviços de saúde, além de outras informações trazidas pelos entrevistados. Constatou-se que as
informações livres “em conversa”, muitas vezes, trazem uma riqueza de detalhes que escapam às
perguntas estruturadas, além de expressarem uma construção interpretativa única, própria do sujeito
e seu contexto, incorporando julgamentos de valor e sentimentos relativos às suas experiências, no
caso, com o Sistema de Saúde. Esses aspectos auxiliaram na construção da dissertação, servindo de
complemento aos dados coletados por meio da entrevista. Este tipo de pesquisa ressaltou a relevância
de utilização de mais de um instrumento de coleta de dados, possibilitando uma visão bem
aprofundada e concreta da realidade estudada (12).
Outro exemplo do uso de diário de campo é a pesquisa-desenvolvimento intitulada “Projeto
assistencial: a construção de uma ouvidoria em saúde escolar” (13), que foi desenvolvida em uma
Escola de Ensino Fundamental de Porto Alegre. Nesse local, desenvolveu-se um projeto de Educação
em saúde escolar, realizando oficinas de saúde com alunos, pais e professores, bem como consultas
de enfermagem com os mesmos. Durante a realização das atividades, as observações eram
registradas em diário de campo, de forma similar às pesquisas anteriores, considerando sua
praticidade e agilidade para o registro e futuras análises. O diário de campo, nessa situação, permitiu
o registro das reações, impressões e dúvidas dos pais e professores sobre as temáticas desenvolvidas.
Permitiu, também, o registro e reflexões sobre a confrontação entre Instituição (escola) e família (pais
e mães). Esses momentos de interação foram ricos e oportunizaram a compreensão de problemas que
se introduzem no cotidiano da escola e nas vivências dos escolares, influenciadas pelas famílias e vice-
versa. No caso das práticas em saúde, as interações permitiram a manifestação de dúvidas e
discordâncias de atitudes entre os envolvidos, o que, acredita-se, pode resultar em estratégias
construídas coletivamente para o seu enfrentamento. Nesse sentido os registros mostram a
dinamicidade desses momentos e trazem contribuições, não só para a pesquisa, mas também para a
implementação participativa de práticas educativas. Os registros aconteceram em cada reunião e
buscaram dar visibilidade às interações, no momento em que ocorriam. O diário de campo, neste
caso, ilustra a utilização do “diário de observação” e do “diário de pesquisa”, que orientaram,
sobretudo, a compreensão da problemática observada. A partir das anotações, foi possível
sistematizar os dados observados durante a realização das atividades, bem como analisá-los (13).
Salienta-se a importância da utilização do diáriode campo na modalidade de pesquisa e
desenvolvimento, os quais se caracterizam pelo desdobramento de um programa de ação que embasa
a realização da pesquisa. Nessa modalidade relatada na área de Saúde escolar, o diário de campo foi o
único instrumento utilizado para análise dos acontecimentos, em confronto com a bibliografia.
Com base nessas experiências particulares de utilização de diário de campo como ferramenta
de coleta de dados e reflexões de pesquisa, evidencia-se sua adequação e pertinência em pesquisas
qualitativas e as possibilidades de uso em outros desenhos de estudo. 
Considerações Finais 
 O presente artigo baseou-se em uma revisão bibliográfica sobre a construção do diário de campo
em pesquisas cientificas e sua utilização experienciada pelas autoras. Dessa forma, desenvolveram-se
algumas conceituações e uma discussão sobre a construção desse instrumento e sua pertinência em
pesquisa. A partir das experiências citadas, visualiza-se a utilidade deste instrumento de coleta de dados
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e seu potencial, tanto para pesquisa qualitativa, quanto para quantitativa, servindo de instrumento único
ou complementar. Também ressalta-se a sua contribuição para a compreensão e a análise dos dados
coletados por meio de outros instrumentos.
Espera-se que este artigo, mesmo não se tendo a pretensão de esgotar o tema, possa servir
como incentivo ao uso do diário de campo como instrumento complementar para coleta de dados e
potencialização compreensiva dos elementos implicados em pesquisa cientifica. 
Referências
 1. Malinowski B. Um diário no sentido estrito do termo. Editora Record: Rio de Janeiro-São Paulo;
2001.
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Médicas; 1995.
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Educação – uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, PT: Porto Editora; 1994. p. 150-175. 
 5. Lopes MJM. Les soins: images et realités – le quotidien soignant au Brésil. [tese] Paris (FR):
Université de Paris VII; 1993.
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 7. Falkembach EMF. Diário de campo: um instrumento de reflexão. Contexto e educação 1987;
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 8. Alves-Mazzotti AJ, Gewandsznajder F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa
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10. Silva GRF, Macêdo KNF, Rebouças CBA, Souza AMA. Interview as a technique of qualitative
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2006] Disponível em: http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=522&layout=html
 11. Roese A, Lopes MJM. A visita domiciliar como instrumento de coleta de dados de pesquisa e
vigilância em saúde – relato de experiência. Rev Gaúcha Enf 2004; 25(1):98-111.
 12. Roese A. Fluxos e acesso dos usuários a serviços de saúde de média complexidade no município
de Camaquã, RS. [dissertação] Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul; 2005.
13. Souza AC, Lopes MJM. A construção de uma ouvidoria em saúde escolar: relato de experiência.
Rev Gaúcha Enf 2002; 23(2):123-141.
 Contribuições dos autores:
Adriana Roese; Tatiana Engel Gerhardt; Aline Corrêa de Souza; Marta Julia Marques Lopes: Concepção
e desenho; análise e interpretação; escrita do artigo; revisão crítica do artigo; aprovação final do
artigo e pesquisa bibliográfica.
 Endereço para correspondência: Rua São Manoel, 963 - Santa Cecília - Porto Alegre/RS CEP
90620-110
Recebido: Oct 23rd, 2006
Revisado: Nov 29th, 2006
Aceito: Dec 3rd, 2006
http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=522&layout=html

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