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1 Introdução a Terapia Cognitiva Centro de Estudos em Terapia Cognitiva Rua 16 de Março, 415, Ed. Fênix, sala 605, Centro, Petrópolis Orientador: Carlos Henrique Gonçalves Psicólogo especialista em Terapia Cognitiva Tel: (24) 7835-8987, email: carlos.psi.tc@hotmail.com 2011 2 Sumário: 1. Introdução 2. História da Terapia Cognitiva / 3 3. Quem foi Aaron Beck / 6 4. Características Principais da Terapia Cognitiva / 8 5. PANs e Noções Básicas de Crenças e Esquemas / 11 6. Preconceitos Relacionados à Terapia Cognitiva / 15 7. Modelo Cognitivo de Psicopatologia / 17 8. Teoria Cognitiva da Depressão / 19 9. Intervenção em Terapia Cognitiva / 21 10. Conceituação Cognitiva / 30 11. As Primeiras Sessões / 34 12. Conclusão / 39 Referências Bibliográficas 3 1. Introdução Esta apostila tem por objetivo apresentar de forma introdutória aos profissionais de psicologia, a teoria, a terapia cognitiva, perpassando pelos primeiros estudos sobre depressão de Aaron Beck e a criação dos primeiros conceitos que embasam a terapia cognitiva, as noções de pensamentos automáticos, crenças e esquemas, a conceituação cognitiva e a prática em sessão da terapia cognitiva padrão, com apresentação de algumas estratégias de intervenção. Ao final esperamos ter apresentado ao leitor, de forma bem objetiva, estes conceitos, para que sirvam de referência a estudos mais aprofundados, no aprimoramento da competência profissional na abordagem em terapia cognitiva, ou no enriquecimento da visão clínica em outras abordagens. 2. História da Terapia Cognitiva Precursores da Terapia Cognitiva: Piaget (1950): Epistemologia Genética/Construtivismo Não acredita que o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito, como propõe o apriorismo, nem que o conhecimento venha totalmente das observações do meio que o cerca como propõe o empirismo, mas que seja gerado da interação do sujeito com o seu meio, a partir das estruturas existentes no sujeito. Desta forma a aquisição de conhecimentos depende tanto de suas estruturas cognitivas como de sua relação com os objetos. A relação entre o sujeito e o objeto se daria através de um processo de dupla face, denominado de adaptação por Piaget, subdividido em dois momentos, assimilação e acomodação. Assimilação: ações que o sujeito irá tomar para internalizar o objeto, interpretando-o de forma a poder encaixá-lo em suas estruturas cognitivas. Acomodação: momento em que o sujeito altera suas estruturas cognitivas para melhor entender o objeto. A este processo de desenvolvimento permanente Piaget chamou de construtivismo. George Kelly (1955): Psicologia dos construtos pessoais Moldes, padrões, gabaritos, que o sujeito constrói, ajustando-se a realidade, em uma tentativa de controlar o fluxo de eventos ao qual está imerso, e com isso conseguir dar significado ao universo em que vive. 4 Fatos Históricos Relevantes: • Convergência entre psicanalistas e behavioristas diante da insatisfação com os modelos de depressão pelo conceito de raiva retroflexa da psicanálise e condicionamento operante pelo behaviorismo. • Wolpe (1958) já envolvia variáveis cognitivas em sua dessensibilização sistemática. • Transição generalizada para a perspectiva cognitiva de processamento de informação, com clínicos defendendo uma abordagem mais cognitiva aos transtornos emocionais. • Afastamento entre os anos de 1960 e 1970 de psicanalistas e behavioristas para a vertente cognitiva como: � 1962, Ellis com a Rational Emotive Therapy – RET, sendo a primeira psicoterapia contemporânea com clara ênfase cognitiva (construtos cognitivos como base dos transtornos psicológicos); influência sobre os primeiros trabalhos de Beck com depressão, sendo reduzida com o tempo, pois Beck enfatiza o vínculo terapêutico como fundamental, diferentemente de Ellis. � Bandura: Princípios da modificação do comportamento (1969; e Teoria da Aprendizagem Social (1971), ambos tendo os processos cognitivos como cruciais na aquisição e regulação do comportamento – processo migratório dos behavioristas para a tendência cognitiva. � Michael Mahoney (1974), Cognition Behavior Modification, cognição como construto mediacional. � Donald Meichenbaum (1977), Cognitive Behavior Modification, estratégias cognitivas e comportamentais para variáveis cognitivas. � Seligman (1967/79) com seu Modelo de Desamparo Aprendido, relevante para processos psicológicos na depressão. Experiências com cachorros dentro de uma caixa submetidos a choque, e a permanência dos mesmos dentro da caixa. Após revisão desta tese, pelo fato de não explicar o comportamento dos cachorros que saiam da caixa, surge a Teoria dos Estilos de Atribuição. � 1977: Journal of Cognitive Therapy and Research. 5 � 1985: “Cognição” pode ser incluída em publicações da AABT, Association for Advancement of Behavior Therapy. � 1986: Beck é aceito membro da AABT. � 1987: 69% dos membros da AABT identificaram-se como tendo orientação cognitivo-comportamental. Questiona-se se houve revolução cognitiva, Sim para Mahoney, e Não para Wolpe. O cognitivismo tem como preceito a base fundamental do construtivismo onde o processo de percepção humana é o processo de construção da nossa realidade através das nossas impressões. • Construtivismo: o real objetivo existe, porém só temos acesso ao real construído por cada um. Base do Cognitivismo. • Construtivismo radical: o real objetivo não existe, somente o real construído. 3. Quem foi Aaron Beck Aaron Temkin Beck nasceu em 18 de Julho de 1921, graduou-se em 1942 em Ingles e Ciências Políticas pela Brown University, formou-se também na Escola de Medicina de Yale fazendo sua residência em Neurologia, certificando-se em Psiquiatria em 1953. Em 1954 se torna professor de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade da Pennsylvania na Philadelphia. Em 1960 cria o e dirige o Centro de Terapia Cognitiva da Universidade da Pennsylvania. Em 1995 afasta-se do Centro e funda com sua filha, Judith Beck o Beck Institute em Bala Cynwid, subúrbio da Philadelphia. Em 1996 se torna professor emérito da UPenn. 29 publicações antes dos 50 anos, e mais de 300 depois. 6 As Origens da Terapia Cognitiva As origens da terapia cognitiva datam de 1956 quando da tentativa de Aaron Beck em desenvolver um suporte empírico para certas formulações psicodinâmicas de depressão, que achava serem corretas na época. Encontrou então algumas anomalias e fenômenos inconsistentes com o modelo psicanalítico, especificamente a conceitualização de Freud que afirmava que pacientes deprimidos manifestavam hostilidade retrofletida, expressa como “masoquismo”, ou necessidade de sofrer. Entretanto os pacientes pareciam melhorar frente a experiências de sucesso, graduadas em ambiente controlado, em vez de resistir a tais experiências. O eventual resultado foi a reformulação da depressão como um transtorno do pensamento, e não da emoção, caracterizado por uma profunda tendência negativa. Aaron Beck desenvolve então a terapia cognitiva na Universidade da Pennsylvania no início da década de 60, como sendo uma psicoterapia breve para a depressão, de forma estruturada e orientada para o presente. Tendo como objetivo resolver problemas atuais e modificar pensamentos e comportamentos disfuncionais. O modelo de Beck propõe que o pensamento distorcido ou disfuncional, que influencia o comportamento e humor do paciente, seja comum a todos os distúrbios psicológicos, e que a modificação do pensamento produz uma melhora no humor do paciente. Esta melhora passa a ser duradoura após as modificações das crenças disfuncionais e básicas do paciente. Observações Clínicas de Beck Em suas observações clínicas, Beck constatou que, durante a livreassociação, os pacientes estavam reportando um fluxo de pensamentos automáticos, pré-conscientes, rápidos, específicos, e em um autodiálogo ininterrupto. Ao investigar percebeu que tais pensamentos eram básicos para a conceituação do transtorno do paciente e funcionavam como uma variável mediacional entre a idéia do paciente e a sua resposta emocional e comportamental. Estes pensamentos em pacientes depressivos expressavam negatividade e pessimismo geral do indivíduo contra si, o ambiente e o futuro. Para Beck não existiria então a “associação livre” uma vez que todo discurso é censurado por pensamentos automáticos, que regem o que o paciente vai dizer ao terapeuta, e o que vai conduzir o comportamento do sujeito são esses pensamentos automáticos que se dão em velocidade elevada no estado pré-consciente. 7 A teoria cognitiva de psicopatologia considera então a cognição como a chave para os transtornos psicológicos, entendendo “cognição” como a função que envolve as nossas deduções sobre a ocorrência e o controle de eventos futuros. Comunicação Pessoal a Salkovskis, 1992 “Quando os estudos falharam em comprovar a teoria, voltei aos meus estudos dos sonhos, pensando: talvez haja uma explicação mais simples, de que a pessoa se vê como um perdedor no sonho porque ordinariamente ela se vê como um perdedor! Em terapia, tornou-se claro que os conteúdos dos sonhos eram consistentes com os temas da vigília. Pareceu-me que uma noção mais parcimoniosa era que os sonhos simplesmente incorporavam o autoconceito do indivíduo. Bem, se era simplesmente uma questão de autoconceito, não havia a necessidade de se invocar a noção de que os sonhos eram motivados. Sonhos poderiam ser simplesmente um reflexo do pensar da pessoa. Se você elimina dos sonhos as noções de motivação e satisfação do desejo, isso destrói todo o modelo motivacional da psicanálise. Uma vez eliminado o modelo motivacional e inserido o modelo cognitivo, não vi mais nenhuma necessidade do restante da superestrutura do pensamento psicanalítico” 4. Características Principais da Terapia Cognitiva A teoria cognitiva articula a maneira através da qual os processos cognitivos estão envolvidos na psicopatologia e na psicoterapia efetiva, e seu foco principal situa-se sobre os fatores cognitivos da psicopatologia e da psicoterapia, embora entendendo o valor dos fatores biopsicossocial envolvidos. Também para a teoria da terapia cognitiva, a natureza e a função do processamento de informação constituem a chave para entender o comportamento maladaptativo e os processos terapêuticos positivos. Estas conceitualizações idiossincráticas podem ser consideradas como teorias informais pessoais, portanto a estrutura teórica da terapia cognitiva constitui uma “teoria de teorias”; é uma teoria formal dos efeitos pessoais. Modelo empiricamente validado: A terapia cognitiva é um modelo empiricamente validado, em suporte a tese de que fatores cognitivos estão envolvidos no surgimento e na manutenção das psicopatologias. É uma forma de terapia extensamente testada desde os primeiros estudos controlados de resultado, (Beck, 1997), até os dias de hoje. 8 Sistema de psicoterapia integrado: É um sistema de psicoterapia que integra um modelo cognitivo de personalidade e psicopatologia, mas um modelo aplicado que consiste em um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas fundamentados diretamente em seu modelo cognitivo de personalidade. Respaldado por comprovação através de estudos controlados de eficácia. Especialidades: o Transtornos de personalidade o Transtornos alimentares o Síndrome do pânico o Fobias o Transtorno obsessivo-compulsivo o Esquizofrenia e transtorno bipolar o Terapia de casais e familiar o Terapia com crianças e adolescentes o Terapia em grupo, o Depressão o Transtornos de ansiedade o Dependência química o Dificuldades interpessoais o Transtorno de estresse pós traumático, etc. Processo terapêutico: diretivo, semiestruturado, psicoeducativo, e orientado a solução de problemas. Paciente e terapeuta tem papel ativo. Requer socialização por parte do paciente junto ao modelo cognitivo, e envolve tarefas entre as sessões. Ainda dentro do caráter didático, explica-se o modelo cognitivo, busca-se feedback do paciente assim como o terapeuta expõe seu feedback. A meta básica é a aquisição de novo instrumental cognitivo e comportamental através da prática regular. Colaborativa: terapeuta e paciente estabelecem juntos metas terapêuticas, a agenda de cada sessão e o homework. 9 Tempo curto e limitado: enquadrando-se dentro do contexto sócio-econômico atual. Empatia terapêutica: A empatia terapêutica não é suficiente, entretanto é muito necessária para a mudança terapêutica. Cultiva-se uma relação genuína, onde o terapeuta exerce um papel amigável, caloroso, em sessão e mesmo em encontros sociais casuais. Empiricismo colaborativo: terapeuta e paciente são parceiros no processo de identificação, confirmação e desconfirmação de pensamentos automáticos negativos (PANs) e crenças básicas do paciente. • Realista/empirista: uma pessoa com transtorno psicológico encontra-se em estado puramente construtivista. Entretanto, em um estado mais normal, a pessoa é tanto construtivista quanto empirista/realista. Portanto, quando a pessoa esta reagindo normalmente, a reação/cognição instantânea a qualquer evento (exemplo: dor no peito), pode ser induzida pelo esquema (estou tendo um ataque cardíaco); entretanto, diante de rápida reflexão (metacognição) descarta-se a hipótese. O terapeuta oscila entre dois estados: � Empatia compreensiva: envolve um estado construtivista. � Realista/empirista: leva o paciente a focalizar-se mais no que esta acontecendo, buscando livrar o paciente da dominância dos esquemas, e a buscar novas informações e gerar explicações alternativas para o evento em particular. • Avaliação periódica: conjunta, terapeuta/paciente, a cada 6 ou 8 sessões. • Aplicabilidade: Diferentes populações, independente de cultura e níveis socioeconômico e cultural. 5. PANs e Noções Básicas de Crenças e Esquemas O modelo cognitivo afirma que a interpretação de uma situação, e não a situação em si, frequentemente expressa em pensamentos automáticos, influencia respostas emocionais, comportamentais e fisiológicas subseqüentes. Determinados eventos aflitivos são universais como: ataque pessoal, rejeição ou fracasso. Ocorre que pessoas com transtornos psicológicos tendem a interpretar erroneamente situações neutras e até positivas com frequência, e desse modo seus pensamentos automáticos são tendenciosos. Examinando criticamente e corrigindo erros de seu pensamento, muitas vezes faz o paciente sentir-se melhor. 10 Características dos Pensamentos Automáticos Pensamentos automáticos são um fluxo de pensamento que coexiste com um fluxo de pensamento mais manifesto (Beck, 1964). Não peculiares a pessoas com angústia, são comuns a todos nós. A maior parte do tempo não estamos cientes de tais pensamentos, embora com um pequeno treino podemos trazê-los a consciência. Ao tornarmos cientes dos nossos pensamentos, temos a oportunidade de checar a realidade, exceto quando estamos sofrendo de uma disfunção psicológica. Neste momento agora o leitor desta apostila pode ter pensamentos automáticos do tipo: “isso é difícil demais”, ou “isso é muito simples para dar resultado”, ou “alguma coisa eu já entendo, devo estudar mais um pouco para saber mais”. Com um olhar mais atento poderá perceber que cada um destes pensamentos suscita uma emoção distinta que pode ser de tristeza, ansiedade, raiva, ou até mesmo manter-se equilibrado. Embora pensamentos automáticos pareçam surgir espontaneamente, eles se tornam bastante previsíveis, uma vez que as crenças subjacentes do paciente sejam identificadas. A preocupação do terapeutacognitivo é identificar os pensamentos automáticos que distorcem a realidade, que são emocionalmente aflitivos e que interferem com o paciente em atingir as suas metas. Pensamentos automáticos disfuncionais são quase sempre negativos, a menos que o paciente seja maníaco ou hipomaníaco, tenha um transtorno de personalidade narcisístico, ou seja um dependente químico. Os pensamentos automáticos são usualmente bastante breves, e o paciente esta com freqüência mais ciente da emoção que sente em decorrência do pensamento do que do pensamento em si. A emoção do paciente logicamente está conectada ao conteúdo do pensamento automático, por exemplo: o leitor que pensou: “isso é muito simples para dar resultado” pode experimentar uma emoção de raiva; e o leitor que pensou: “isso é difícil demais” pode experimentar uma emoção de ansiedade. Os pensamentos automáticos estão comumente em uma forma abreviada, mas podem ser soletrados com a ajuda do terapeuta. Eles se apresentam de forma verbal, visual ou em ambas as formas. 11 O que determina que um pensamento pré-consciente passe para o processamento consciente é quando a emoção é ativada e atinge um certo limiar, exemplo: o barulho do ventilador normal é percebido e jogado para o fluxo pré-consciente, quando o barulho se torna diferente, a emoção alterada é percebida e o processo passa para o fluxo consciente. A emoção é ativada então por conteúdos do pré-consciente. Lembrando o pré-suposto básico do construtivismo de que a representação do real é individual, e de acordo com o conteúdo de cada um. O estado emocional vivido pela pessoa no momento influencia no processamento dos eventos, exemplo: daremos menos importância a um jogo de final de copa do mundo se imediatamente antes recebermos a notícia de perda do emprego. O quadro pode ser diferente se esta mesma notícia vier logo após o jogo e estivermos comemorando a vitória do campeonato pelo time do nosso país. O fato não determina a emoção, mas os pensamentos automáticos provenientes do processamento do real. Podemos definir a emoção como uma experiência subjetiva de uma alteração vivenciada. Os pensamentos automáticos negativos, que a partir de agora chamaremos de PANs, são os objetos centrais de intervenção em terapia cognitiva. O terapeuta leva os pacientes a identificar seus pensamentos automáticos que são a porta para os conteúdos do inconsciente. Para que a habilidade do terapeuta seja desenvolvida, se torna necessário que primeiro aprenda a identificar seus próprios PANs. 12 Crenças e Esquemas Ideias e entendimentos, em um nível mais profundo, que o paciente tem de si mesmo e sobre o mundo, é que chamamos de crenças. Geralmente se encontra de forma desarticulada nos pacientes, dando lugar somente aos pensamentos específicos. Estas idéias não são, em geral, expressadas antes da terapia, mas podem ser facilmente extraídas do paciente, ou inferidas e então testadas. As crenças podem ser classificadas em duas categorias: crenças intermediárias, compostas por regras, atitudes e suposições, e crenças centrais, que são idéias absolutistas, rígidas e globais, sobre si próprio, os outros e o mundo. As crenças intermediárias, embora não sejam tão facilmente modificáveis quanto os pensamentos automáticos, são ainda mais maleáveis do que as crenças centrais. As crenças são as representações verbais dos esquemas, que foram e são organizados diante de nossas percepções sensoriais, independente de nossa vontade. Esquemas podem ser definidos como superestruturas cognitivas resultantes da nossa comunicação com o real, que se dá através de nossos sentidos, e dirigem o foco de atenção do sujeito. Estes elementos brutos, sem sentido, se organizam em estruturas no inconsciente, chamadas então de esquemas. Mais adiante aprofundaremos a abordagem das crenças e esquemas. Objetivo Básico da Terapia Cognitiva O objetivo básico da terapia cognitiva é tomar os pensamentos que nos ocorrem frente a situações, sobre nós mesmos, os outros e o mundo, somente como hipóteses, que poderão ser confirmadas ou desconfirmadas através de um processo racional. Flexibilidade Cognitiva A capacidade de procurar interpretações alternativas para explicar eventos, em vez de ficar preso a primeira interpretação que ocorre, que não necessariamente é a mais funcional. Entenda-se como funcional tudo o que concorre para a obtenção das metas do paciente, e não funcional, ou disfuncional como tudo aquilo que concorre para a não obtenção de metas do paciente. 13 Procurando outras formas de entender o objeto, temos a possibilidade de trazer nossa emoção a uma zona confortável novamente. 6. Preconceitos Relacionados a Terapia Cognitiva Apresentaremos abaixo alguns preconceitos levantados com relação a terapia cognitiva, e informações para uma correto entendimento por parte do leitor. • Derivada do behaviorismo (Neo-behaviorista) e divergente da psicanálise O maior impacto para o desenvolvimento do modelo teórico e aplicado de TC foi o treinamento psicanalítico anterior de Beck e da psicologia fenomenológica. No Behaviorismo, as intervenções são cognitivo-comportamentais (inoculação de stress, resolução de problemas, auto-controle), e conceituam cognições como comportamentos encobertos e visam mudanças comportamentais, indo contra a proposição da terapia cognitiva que subordina as emoções e comportamentos aos pensamentos. A abordagem estruturada, a agenda e a preocupação com a eficácia, características do behaviorismo, influenciaram o modelo, mas não a teoria cognitiva de Beck. 14 • Terapia cognitiva é fácil Para se formar um terapeuta cognitivo é necessário treinamento adequado. Estatisticamente, somente 25% dos profissionais se tornam proficientes em seu primeiro ano de treinamento, e este índice é proporcional ao tempo de treinamento. Chris Padesky: � Competência mais que experiência. � Competência mais importante conforme aumenta a severidade e cronicidade do caso. � Supervisão necessária até para terapeuta experiente. � Treinamento e aderência a manuais. � Competência – flexibilidade – ir além da técnica. � Aliança terapêutica. • Tempo curto e intervenção superficial Busca-se a reestruturação cognitiva e a mudança de crenças e esquemas, a substituição de esquemas disfuncionais. Estudos controlados indicam resultados positivos. Psicoeducativa. • Behavioristas são naturalmente terapeutas cognitivos Os modelos de psicopatologia e modelo aplicado são diferentes assim como as posturas teóricas e epistemológicas são distintas. • Instrutores devem ser ligados a universidades Grandes profissionais em treinamento trabalham independentemente como: Chris Padesky, Judith Beck, Frank Dattilo, Bob Leahy, Jack Persons, etc.. A competência é condição necessária para atuar em um sistema integrado de psicoterapia, assim como a comprovação de treinamento adequado. Nem todo acadêmico é competente na área específica em TC 15 • A aliança terapêutica interfere com processos transferenciais Estudos comprovam a necessidade de aliança terapêutica sólida, e atuação colaborativa para o progresso clínico. 7. Modelo cognitivo de psicopatologia O portador de um transtorno emocional tem a tendência aumentada de distorcer eventos no momento de percebê-los e, uma vez tendo atribuído um significado, resistir ao reconhecimento de interpretações alternativas, sendo o que chamamos de rigidez cognitiva. Este conceito sustenta a hipótese básica de Vulnerabilidade Cognitiva. Outra hipótese básica da teoria cognitiva é o da Primazia das Cognições, onde as cognições têm primazia sobre as emoções e os comportamentos, embora não de uma forma rigidamente causal e de ordem temporal. Premissas Básicas: 1. O homem ativamente constrói sua realidade. 2. A cognição mediaemoção e comportamento. 3. Pensamentos automáticos negativos, espontâneos e pré-conscientes, podem ser acessados voluntariamente. A mudança cognitiva, essencial, precede a mudança emocional e comportamental no processo terapêutico. A TC adota o modelo de vulnerabilidade/estressor, onde quanto mais o sujeito é vulnerável, ou seja, não reconhece em habilidades para lidar, menor precisa ser o evento estressor para que o cause desconforto, e vice-versa, como podemos entender através do quadro abaixo Vulnerabilidade Estressor Modelo de vulnerabilidade/estressor 16 8. Teoria Cognitiva da Depressão Segundo Beck, a negatividade não era sintoma, mas desempenhava uma função central na instalação e manutenção da depressão. A depressão resulta de padrões negativos de processamento de informações, onde os pacientes depressivos distorcem a realidade aplicando um viés negativo contra si. Desta forma, a cognição, e não a emoção, é considerada como fator essencial na depressão, conceituando a depressão como um transtorno de pensamento e não emocional. Beck propôs então a hipótese da “vulnerabilidade cognitiva” como pedra fundamental da terapia cognitiva: • Tendência de aplicar viés negativo ao processamento de informações. • Resistir no reconhecimento do viés negativo e a sua desconfirmação. • Negatividade que leva a pessoa a selecionar processos associativos negativos da realidade. Desprezar aspectos que vão de encontro aos seus processos negativos. 17 O tema principal da depressão envolve perda, e o modelo cognitivo da depressão tem como conteúdo a tríade cognitiva representada pela figura abaixo: 9. Intervenção em Terapia Cognitiva Dentro do conceito de semi-estruturação, a terapia cognitiva propõe a estrutura base para a condução do tratamento psicoterápico, que deverá ser seguido com a finalidade de nortear o tratamento, e garantir a eficácia. 18 Questionamento socrático: descoberta guiada; formas aparentemente imparciais a fim de encorajar o paciente a utilizar outras linhas de raciocínio ou perspectivas diante das mesmas classes de eventos e situações. Ao final, após elicitar e avaliar formas alternativas, pede-se que reavalie pensamentos e emoções originais, encorajando a definir planos de ações para lidar com os mesmos eventos no futuro, como pensar, agir e sentir diferente. Desta forma, busca-se desenvolver no paciente a flexibilidade cognitiva, encorajando a tomar seus pensamentos 19 somente como hipóteses, procurando interpretações alternativas em vez de ficar preso a primeira interpretação, talvez não funcional e distorcida. Abordagem de Resolução de Problemas O terapeuta indaga inicialmente sobre os problemas atuais do paciente, criando uma “lista de problemas”, ou traduzindo cada problema em metas. A cada sessão o terapeuta encoraja o paciente a colocar na agenda os problemas que surgiram ao longo da semana, ou que poderiam surgir nas semanas seguintes. Embora o terapeuta possa assumir um papel mais ativo sugerindo soluções, ele encoraja o paciente a fazer uma ativa resolução de problemas por si próprio, a medida que a terapia avança. Portadores de transtornos emocionais geralmente são maus solucionadores de problemas, e frequentemente se beneficiam de uma instrução direta de resolução de problemas em que aprendem a especificar o problema, projetar soluções, escolher uma solução, implementá-la e avaliar o resultado. Muitos pacientes já possuem habilidades para solucionar seus problemas e precisam de ajuda para testar suas crenças disfuncionais que os impedem de solucioná-los. Definir operacionalmente o problema: 1. Definir meta(s) 2. Gerar estratégias alternativas visando a solução 3. Selecionar a estratégia 4. Implementar a estratégia selecionada 5. Monitorar resultados Se a meta for atingida: fim do processo, se a meta não for atingida: voltar ao passo 2. 20 Identificação e Desafio de Pensamentos Automáticos Negativos 1. Identificando PANs • Identificar em termos gerais a natureza do problema ou da situação. Exemplo: um conflito, uma boa/má notícia, uma alteração de humor, etc.. • Especificar, em termos concretos, a natureza do problema ou da situação • Encontrar um exemplo recente (qual a última vez que o problema/situação ocorreu?) • Reencenação mental o Qual foi a situação? Quando, onde? Com quem? O que estava fazendo? o Em que ponto começou a se sentir mal? Quais foram as emoções? Qual a intensidade da emoção? o Exatamente o que estava passando pela sua mente, o que estava pensando quando começou a se sentir mal? (Palavras, imagens) Importante: procure pensamentos ou imagens que justifiquem a intensidade da emoção experimentada. • Resuma o problema/situação relatado, assegurando-se de que você e o paciente entenderam corretamente o que foi dito. • Neste ponto inicie o desafio de cada PAN utilizando o Diário de PANs 21 2. Desafio de PANs • Avaliar a crença no PAN: quanto eu acredito (de 0 a 100)? Avaliar a intensidade da emoção associada (de 0 a 100)? • Desafiar o PAN o Evidência: Quais as evidências a favor do pensamento? Quais as evidências contra o pensamento? o Interpretações alternativas: Quais as alternativas ao PAN? Como outra pessoa reagiria nesta situação? Como eu aconselharia outra pessoa nesta situação? Quais evidências há que apóie alternativas? o Efeito(s) do PAN Qual é minha meta nesta situação? Este pensamento negativo ajuda ou atrapalha na realização de minha(s) meta(s)? Qual o efeito de crer em uma interpretação alternativa? o Erros lógicos Se o pensamento é verdadeiro, o que o faz tão negativo? O que significa o PAN? • Resultado: reavalie os pensamentos e emoções originais (de 0 a 100). • Ações: Plano concreto para lidar com o problema no futuro: o A situação-problema pode ser mudada? Se sim, como? o Se não, como posso: reagir diferente? Pensar diferente? e/ou Sentir e agir diferente 22 Erros Cognitivos Típicos Catastrofizar: o pior vai acontecer e não há nada que possa fazer Pensamento tudo ou nada: Se não consigo fazer com perfeição, não vou nem tentar. Supergeneralização: Eu nunca faço nada certo. Abstração seletiva: Tive somente problemas hoje. Descontando o positivo: Ok, terminei, e daí, era obrigação Pulando a conclusões: Não falou comigo, esta me evitando Julgamentos Globais: Outro erro, sou inútil. Personalização: Por que chove toda vez que vou a praia? Estratégias de Intervenção, métodos para lidar com os PANs Estratégias de distanciamento e enfrentamento • Contar pensamentos • Distração, relaxamento, a técnica do “aqui e agora”, etc. • Afirmativas de enfrentamento de “solução de problemas” • Identificação de distorções cognitivas Teste de realidade • Pesar as evidências pró e contra • Testar uma hipótese durante ou fora da sessão Criar uma nova perspectiva • Buscar alternativas • Reatribuição • Double Standards (dois pesos duas medidas) • Desafiar, método socrático 23 Decatastrofizar: “o que de pior pode acontecer?” Pragmatismo • Vantagens/desvantagens, custo/benefício, positivo/negativo • Consequências do pensamento e comportamento disfuncional Identificando Crenças básicas • Temas que se tornam recorrentes ao longo do tratamento • Tipos e tendências de erros dos PANs • Avaliações globais e genéricas como: estúpido, imaturo, tudo/nada, sempre/nunca, todos/ninguém. • Memórias e ditos familiares: “tal pai tal filho”, “10 não é mais do que obrigação”, “farinha do mesmo saco” • Comentários sobre o comportamento dos outros • Questionamento tipo flecha descendente • Conceituação cognitiva: hipótese do terapeuta sobre o sistema e esquemas disfuncionais do terapeuta. Técnica da flecha descendenteTécnica para elicitar crenças básicas. No caso abaixo utilizamos um exemplo em que o paciente também é um terapeuta. Pc: Foi um sessão horrível, não conseguimos nada. T: Supondo que fosse verdade, o que isso significa para você? Pc: Significa que o paciente não ficará melhor. T: Supondo que isso acontecesse, o que significaria para você? Pc: Significaria que não sei fazer o meu trabalho direito. T: Supondo que fosse verdade, o que isso significaria para você? Pc: Que sou um terapeuta incompetente. T: Supondo que isso fosse verdade, o que isso significaria para você? 24 Pc: Mais cedo ou mais tarde, todos descobririam e eu seria olhado com desprezo. T: O que isso significaria para você? P: Que eu não tenho realmente o que é preciso para ser competente. Como sempre soube, meu sucesso até agora foi pura sorte, eu sou um blefe. Crença: Meu valor ou capacidade depende de ser bem sucedido em todas as coisas que faço. As crenças básicas são criações hipotéticas que representam o esquema traduzido em palavras. São disfuncionais porque predispõem a desordens emocionais e tem como características: • Irracionais • Rígidas • Excessivas: o Supergeneralizadas o Absolutas o Extremas o Primitivas • Disfuncionais: impedem a realização de metas • Associadas com emoções fortes • Tornan-se ativas em situações relacionadas às vulnerabilidades do indivíduo • Muitas são culturalmente reforçadas • Idiossincráticas 25 Exemplos de Crenças Básicas Disfuncionais: • Esquema de incapacidade: “Sou incapaz” ou “meu autoconceito profissional depende do que os outros pensam de mim”, ou ainda “a não ser que eu alcance o mais alto posto e padrões de desempenho, eu provavelmente serei um profissional de segunda classe” • Esquema de não estima: “Não sou gostável”, ou “se alguém não gosta de mim, isso significa que não sou gostável”. • Esquema de inadequação: “sou socialmente inadequado”, ou “sou feio”, ou não atraente, chato, visto-me mal, etc.. • Esquema de vulnerabilidade: “É melhor eu não dizer nada, do que me arriscar e cometer um erro”, ou “é melhor não me aproximar do que ser rejeitado”, ou “se eu for rejeitado (reprovado, dispensado, tiver dor, etc..), não suportarei”. • Esquema de perfeccionismo: “A não ser que as coisas aconteçam com eu quero, minha vida não vale a pena”, ou “tirar 10 não é mais do que obrigação”. • Esquema de inferioridade: “Se uma pessoa tem algo que eu não tenho, isso significa que é melhor do que eu”. Esquemas Cognitivos Disfuncionais Fundamentais Os esquemas podem ser definidos como elementos organizados de reações e experiências passadas que formam um corpo de conhecimento relativamente coeso e persistente, capaz de guiar as percepções e as avaliações subseqüentes. Beck percebeu a importância dos esquemas já em seus primeiros trabalhos de depressão onde o esquema é uma estrutura cognitiva que filtra, codifica e avalia os estímulos captados pelo sujeito. Tendo como base esta matriz de esquemas, o sujeito torna-se capaz de se orientar no tempo e espaço, categorizar e interpretar experiências de maneira que faça sentido. 26 10. Conceituação cognitiva A conceituação cognitiva de um paciente consiste na elaboração dos problemas do paciente em termos cognitivos, fornecendo a estrutura para o entendimento por parte do terapeuta. A conceituação começa a ser construída já no primeiro contato com o paciente, e se refina a cada sessão. Essa formulação dinâmica em evolução ajuda a planejar uma terapia eficiente. Não podemos perder de vista que a conceituação é uma hipótese que deverá estar em continua reformulação a medida que novas evidências são reunidas. O terapeuta poderá compartilhar a conceituação cognitiva com o paciente no momento em que achar adequado, visando reforçar uma mudança ou flexibilidade já adquirida pelo paciente. 27 Para iniciar o processo de formulação de caso, o terapeuta deverá fazer-se as seguintes perguntas: • Qual o diagnóstico do paciente? • Quais os problemas atuais? o Como se instalaram e se desenvolveram? o Como são mantidos? • Quais são os pensamentos e crenças disfuncionais associados com os problemas? • Quais são as reações associadas com o problema? • Quais foram os pensamentos e crenças fundamentais associados com o desenvolvimento do problema? • Quais são os mecanismos que esse paciente desenvolveu (estratégias compensatórias), positivos e negativos, para enfrentar esses problemas? Como vê a si e ao mundo e o futuro? De posse destas informações, o terapeuta tem a oportunidade de levantar hipóteses sobre como o paciente desenvolveu essa desordem psicológica particular, e prosseguir em sua investigação para sua conceituação cognitiva. • Que aprendizagens e experiências antigas (talvez genéticas) contribuem para o problema hoje? • Quais são suas crenças intermediárias, expectativas, regras condicionais, estratégias compensatórias e pensamentos? • Que estressores contribuíram para que seus problemas psicológicos interferissem para resolver seus problemas? O modo como as pessoas sentem esta associado ao modo como elas interpretam e pensam sobre as situações. A situação em si não determina como elas sentem; sua resposta emocional é intermediada por sua percepção da situação. O terapeuta cognitivo esta interessado no nível que opera simultaneamente com o nível mais obvio e superficial do pensamento. Um bom exemplo pode ser observado em você, enquanto lê este texto, e a percepção de alguns níveis de pensamentos que podem estar ocorrendo. Parte de sua mente esta focalizada 28 objetivamente no texto, tentando entende-lo. Em outro nível você pode estar tendo alguns pensamentos avaliativos, rápidos, denominados de pensamentos automáticos, não decorrentes de deliberação ou raciocínio, como por exemplo: “este texto é difícil demais”, e uma vez desatento a este nível de raciocínio, você poderia estar a par somente da emoção que poderia ser ansiedade ou tristeza. Você pode aprender a identificar estes pensamento ficando atento ao suas mudanças de afeto, e ao percebê-las pode perguntar-se: “o que esta passando pela minha cabeça agora?”. Uma vez identificado o pensamento automático, tem-se a oportunidade de avaliar a validade, e ao descobrir que a interpretação é errônea, provavelmente seu humor irá melhorar. Em termos cognitivos, quando pensamentos disfuncionais são sujeitos a reflexão racional, nossas emoções geralmente se modificam. De onde os pensamentos automáticos surgem? O que faz uma pessoa interpretar uma situação diferente de outra? Porque uma mesma pessoa pode interpretar ma mesma situação de forma diferente em momentos distintos? A resposta esta relacionada a fenômenos cognitivos mais duradouros e já abordados nesta apostila: as crenças. Papel das Crenças na Conceituação Cognitiva As pessoas desenvolvem, ainda na infância, determinadas crenças sobre si mesmas, outras pessoas e o mundo. As crenças mais centrais são entendimentos tão profundos e fundamentais que as pessoas frequentemente não as articulam sequer para si mesmas. São consideradas como verdades absolutas e inquestionáveis, e exatamente como as coisas são. Por exemplo: Algum leitor pode ter o seguinte pensamento automático ao ler este texto: “sou burro demais para vir a entender esta técnica e utilizá-la”, podendo naturalmente ter como crença central: “sou incompetente”. Esta crença se ativaria e operaria somente quando estivesse em estado deprimido ou pode estar ativada em grande parte do tempo. Quando a crença central é ativada, diante de um evento a ser interpretado (leitura do texto), a pessoa passa a ver o mundo sob a lente desta crença, e passa a ser seletivo no foco as informações, fixando somente as que confirmam esta crença. Desta forma, mantém a crença, mesmo que imprecisae disfuncional. O leitor em questão não levou em conta o fato de ser o primeiro contato com a matéria, a possibilidade de o texto ter sido mal escrito, de que o conhecimento realmente é complexo e demanda mais investimento, de que já aprendeu outras matérias também difíceis em uma 29 primeira análise, ou seja, não teve a oportunidade de ponderar devido a um estado de rigidez cognitiva. As crenças centrais são o nível mais fundamental de crença, são globais, rígidas e supergeneralizadas. Os pensamentos automáticos, as palavras ou imagens que passam pela cabeça das pessoas, são específicos a situação, sendo considerados o nível mais superficial da cognição. Atitudes, Regras e Suposições As crenças centrais influenciam uma classe intermediária de crenças que consiste em atitudes, regras e suposições, frequentemente não articuladas. Ainda dentro do exemplo do leitor que achou o texto e a técnica difíceis demais, este pode desenvolver as seguintes crenças intermediárias: Atitude: “é horrível ser incompetente” Regras/expectativas: “eu devo estudar o mais arduamente que puder, todo o tempo” Suposição/estratégia compensatória: “se eu estudar o mais arduamente que puder, as pessoas não vão perceber que sou incompetente, que sou um blefe” As crenças intermediárias surgem na medida em que as pessoas tentam extrair sentido do seu ambiente desde os primeiros estágios de desenvolvimento, Este processo se dá na interação com outras pessoas e o mundo em um movimento adaptativo. Estas crenças influenciam a visão da situação, que por sua vez influenciam como a pessoa pensa, e como ela se comporta. O mais importante para o terapeuta cognitivo refere-se identificação das crenças disfuncionais, e as novas crenças mais embasadas na realidade e funcionais, que podem ser aprendidas em terapia. 30 É essencial que o terapeuta aprenda a conceituar as dificuldades do paciente em termos cognitivos, como mencionado no início desta parte, a fim de determinar como proceder na terapia. É também muito importante para o terapeuta colocar-se no lugar do paciente para desenvolver empatia pelo que o paciente esta passando, e entender como se sente. Olhar o mundo através de seus olhos. 11. As Primeiras Sessões Na primeira sessão em terapia cognitiva, uma das metas mais importantes é tornar o processo claro e compreensível, tanto para o paciente quanto para o terapeuta. A estrutura das sessões de terapia cognitiva facilita esses objetivos e a torna mais eficiente possível. A maioria dos pacientes sente-se mais confortáveis diante de algo que podem entender, e que as mostre de forma clara o processo terapêutico e o que pode esperar da terapia, entendendo também de forma clara o seu papel e o do terapeuta. Alguns pensamentos automáticos podem surgir a um terapeuta experiente em outra abordagem, por exemplo: “o paciente não vai gostar desta forma”, “ou isso é superficial demais”, ou “é rígido demais e perderei material importante”, entretanto, ao longo da prática perceberão que o processo estrutural se torna secundário, principalmente quando anotam os resultados. 31 Os elementos básicos de uma sessão de terapia cognitiva são a checagem do humor do paciente aplicando-se as escalas de Beck BAI, BDI E BHS1, a ponte com a sessão anterior, estabelecimento da agenda da sessão, revisão da tarefa de casa, discussão dos tópicos da agenda, indicação de nova tarefa de casa, resumos e feedback do paciente e terapeuta. Avaliação Inicial No primeiro encontro o terapeuta realiza a avaliação inicial que é uma sessão que segue um roteiro para que o terapeuta atinja metas básicas e importantes para as próximas sessões como a socialização do paciente com a terapia cognitiva, e a coleta de informações das diversas áreas da vida do paciente para que já possa estabelecer suas primeiras hipóteses de conceituação cognitiva. Dentro da flexibilidade e do aspecto semiestruturado, característicos do terapeuta e das sessões em terapia cognitiva, segue adiante o roteiro da avaliação inicial: • Estabelecer a agenda implicitamente • Avaliar o humor do paciente com as escalas de Beck • Solicitar um breve relato da queixa principal que o fez procurar um terapeuta. • Instruir o paciente sobre o seu problema • Explorar de forma rápida, as diversas da vida do paciente (social, familiar, afetiva/sexual, profissional, autoconceito, etc..) • Instruir o paciente sobre o modelo cognitivo, utilizando de preferência um exemplo extraído de seu relato de vida. • Dar feedback sobre a terapia cognitiva e a aplicação a seu caso • Elicitar as expectativas do paciente acerca do tratamento • Dar um resumo da sessão e pedir feedback do paciente 1 Beck Anxiety Inventory, Beck Depression Inventory e Beck hopelesness Scale 32 Primeira sessão O terapeuta deve revisar a avaliação inicial visando a primeira sessão, e observando o diagnóstico inicial, que orientará a forma de terapia cognitiva a ser utilizada. Elabora anteriormente suas primeiras hipóteses de conceituação cognitiva e anota os itens de agenda que deseja cobrir em complemento a avaliação inicial. Como meta global, deve-se reforçar o entendimento por parte do paciente sobre a forma funcionamento da terapia cognitiva e a socialização com seus conceitos básicos. As metas para a primeira sessão são: • Estabelecer a agenda de forma explicita, e explicar as razões • Checar o humor (escalar de Beck) • Rever de forma breve a queixa principal, a exemplo da sessão anterior • Instruir o paciente sobre o seu problema e instaurar a esperança • Definir operacionalmente o(s) problema(s) e estabelecer metas • Instruir o paciente sobre o modelo cognitivo (socializá-lo com o método) • Esclarecer as expectativas e corrigi-las se necessário • Reforçar a aliança terapêutica intervindo em algum caso específico, se necessário • Estabelecer a tarefa de casa • Resumir a sessão, dar e pedir o feedback Apesar de este roteiro parecer rígido, o terapeuta deve se utilizar de sua característica flexível caso tenha dificuldades em seguir todos estes itens em sessão. Entretanto a socialização e o estabelecimento de metas são fundamentais para que a terapia possa ter eficiência e resultados satisfatórios. Caso o paciente esteja desprovido de esperança e com tendências suicidas, a meta prioritária passa a ser descobrir o que o deixa tão sem esperança e solapar essa desesperança, diante da gravidade e risco. Intervenção em crise também passa a ser meta prioritária, principalmente se esta em risco ou pode causar risco aos outros. 33 Planejamento de Intervenção O planejamento de intervenção é o estabelecimento de metas terapêuticas por parte do terapeuta, que serão abordadas ao longo das diferentes fases do tratamento. É de suma importância para manter o terapeuta dentro de uma linha consciente e orientada dos rumos que o tratamento esta tomando, e das melhoras que o paciente esta tendo. Assim como também para o monitoramento das metas que possam não estar sendo atingidas, tendo-se então a oportunidade de refazer as estratégias. Um planejamento de intervenção segue as seguintes fases: Fase inicial: 1º As metas mais fáceis que trarão alívio mais rapidamente 2º As metas que, embora não sendo as mais fáceis, são urgentes 3º As metas nem fáceis e nem urgentes, cuja resolução será de longo prazo Fase intermediária: 1º Metas cuja resolução depende da estabilização do humor e/ou da resolução de metas da fase inicial 2º Metas cuja resolução depende da substituição das crenças disfuncionais por crenças funcionais Fase final: 1º Metas finais, cuja resolução depende da atuação clínica intensiva durante a fase intermediária 2º Intervenção enfatizará a manutenção dos ganhos terapêuticos e a prevençãoa recaídas. 34 Estrutura da Segunda Sessão em Diante O formato da segunda sessão em diante segue um padrão que é repetido ao longo do tratamento, a exceção das sessões de avaliação intermediária, onde se avaliam os ganhos, as metas terapêuticas atingidas, e as que, por desejo do paciente devem ser trocadas ou inseridas novas metas. • Breve checagem do humor • Ponte com a sessão anterior • Estabelecer a agenda de forma explicita, com o paciente • Revisar tarefa de casa • Discussão dos tópicos de agenda, nova tarefa de casa e resumos periódicos • Resumo final e feedback Avaliação Periódica A avaliação periódica é conduzida a cada 6 ou 8 sessões, e tem como modificação no roteiro ter como item principal de agenda a avaliação das metas propostas em terapia, avaliando a Lista de Problemas e Metas. Verificam-se as metas já atingidas, atualizam-se as metas obsoletas, incluem-se metas novas e/ou consolidam-se metas em andamento. Gráficos da avaliação do humor podem ser divididos com o paciente. Após uma sessão de avaliação, o terapeuta refaz ou reajusta seu planejamento de intervenção, de acordo com as alteração e evoluções alcançadas. Follow-up O follow-up tem por objetivo monitorar o progresso do paciente, garantindo que possa ter apoio, ou reforço em caso de recaída ou dificuldades, reforçando os ganhos terapêuticos uma vez já obtidos. Recomenda-se um período de follow-up de 1 ano, iniciando-se após a sessão de terminação, com sessões espaçadas inicialmente de 5 em 15 dias, passando a intervalos de 30 dias, 3 meses, etc.. As sessões de follow-up seguem o modelo das sessões de avaliação periódica. 35 12. Conclusão Esperamos esta apostila possa servir como instrumento de interesse aos conceitos de terapia cognitiva, que foram apresentados de forma básica, porém já com certa consistência prática, e acreditamos que após uma leitura atenta e a participação no grupo de estudos, o profissional certamente terá adquirido mais ferramentas clínicas que aprimorem sua prática em consultório. Recomendamos a leitura periódica desta apostila para a sedimentação dos conhecimentos em terapia cognitiva, e que também sirva de condução a estudos mais aprofundados, na vasta bibliografia existente sobre o tema. Referências Bibliográficas Beck, A. T. (1964) Thinking and depression: Theory and therapy. Archives of General Psychiatry, Vol.10, p. 561-71. Beck A. T. (1997b). The Past and Future of Cognitive Therapy. Journal of Psychotherapy Practice and Research, Vol.6, p. 276-284. BECK, Aaron T.; ALFORD, Brad A. O Poder Integrativo da Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. BECK, J.S. Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. Cunha J.A. Manual da Versão das Escalas Beck. Trad. Sandra Costa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001 LEAHY, L.R. Técnicas de Terapia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2006 Material didático e apostilas Curso de Especialização em Terapia Cognitiva – ITC, São Paulo PERSONS, JB; Davidson. A Formulação de Caso Cognitivo Comportamental. Ed: Keith S Dobson. Manual de Terapias Cognitivo-Comportamentais, 2ª edição, Artes Médicas, 2006
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