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p. 58 os primeiros habitantes das américas. no piauí. p. 48 o futuro, de acordo com stephen hawking. p. 54 a câmera do celular está destruindo nossas lembranças. p. 08 afinal, o que aconteceu com a Venezuela? Ed iç ão 4 00 • m ar ço 2 01 9 a história da EugEnia A busca pela “raça pura” não é só coisa de nazista. Foi um fenômeno global, e seu fantasma segue presente. p. 32 cérebro a r E i n v Enção d o p o r b r u n o g a r a t t o n i E t i a g o c o r d E i r o Ler pensamentos, implantar memórias, aumentar a inteligência. Existem cientistas tentando fazer tudo isso – e conseguindo. Conheça as pesquisas mais surpreendentes. p. 22 SI_400_CAPA_cerebro.indd 1 18/02/19 17:09 Toque nas laterais para mudar de página Toque na parte inferior da página para acessar a barra de navegação Arraste a página para a esquerda com um dedo para navegar pelas matérias biblioteca Veja todas as suas edições de Superinteressante Sumário Todo o conteúdo da revista na lateral esquerda ViSualizar Ative a barra de navegação Voltar Volte para a exibição anterior Biblioteca Navegue horizontalmente pela edição NOME DA SESSÃO Nome da matéria Biblioteca iPad 98%00:00 barra de naVegação Toque uma vez sobre o botão e deslize pelas páginas da edição Clique no ícone de engrenagem na biblioteca remoVer ediçõeS Selecione “Remover Edições do iPad” Escolha as edições que não quer mais manter no device e toque me “Remover” ArrAsteGire o tAblet extrA interatiVidade A j u d A 1 / 1 c o m o n a v e g a r n a s u a e d i ç ã o 1 carta ao leitor e d i t o r i a l Alexandre Versignassi Diretor De reDação AlexAndre.VersignAssi@Abril.com.br Você está com uma reVista histórica nas mãos. Esta é a nossa edição número 400. Comecei a tabalhar aqui na 224, de março de 2006 – há exatos 13 anos. Naquela época a SUPER já era uma publicação tadicional. E fazer parte dela, mais do que a realização de um sonho, era uma responsabilidade difícil de medir: a de manter aceso o fogo da revista mais amada do País. Mesmo assim, era um tabalho mais simples que o de hoje. Éramos só uma revista mensal. Agora não. Produzimos dezenas de reportagens a cada semana para o nosso site, além de atalizar as melhores matérias da história da SUPER – aquelas que não têm data de validade, pois valem cada uma como um pequeno livro de não-fcção. Trata-se de um esforço que dá resultado. Hoje, a SUPER é até mais relevante do que era no tempo em que só havia a edição impressa. Com 13 milhões de visitantes únicos por mês, somos um dos maiores sites de divulgação científca do mundo, bem à frente de publicações estangeiras de primeira linha, como a Scientfc American (3,3 milhões), a Popular Science (2,8 milhões) e a NewScientst (2,8 milhões). Mesmo a (ótma) página da Nasa, com seus 12 milhões de visitantes únicos, tem menos audiência que a nossa. Nunca tvemos tantos leitores. E isso se refete em outos núme- ros. Para ter acesso ilimitado ao nosso site, você precisa de uma assinatra digital. E já contamos com 73 mil assinantes nessa modalidade. Em suma: a SUPER já é uma publica- ção online consolidada. Também temos uma boa presença nas redes sociais, com 3,9 milhões de PUBLICIDADE Daniela Seraf im (Financeiro, Mobil idade , Tecnologia, Telecom, Saúde e Serviços) , Renato Mascarenhas (Beleza, Higiene, Decoração, Moda e Mídia & Entretenimento), Renata Miolli (Alimentos, Bebidas, Imobiliário, Educação, Turismo e Varejo), William Hagopian (Regionais), Yuri Aizemberg (Diretor Relacionamento com Mercado) ASSINATURAS E VAREJO Daniela Vada (Atendimento e Operações), Ícaro Freitas (Varejo), Juliana Fidalgo (Gobox) , Luci Silva (Relacionamento e Gestão Comercial), Patricia Frangiosi (Comunicação), Rodrigo Chinaglia (Produtos) ATENDIMENTO E OPERAÇÕES Daniela Vada CANAIS DE VENDAS Luci Silva MARKETING DE MARCAS, EVENTOS E VÍDEO Andrea Abelleira AUDIÊNCIA DIGITAL Isabela Sperandio MARKETING CORPORATIVOE E PRODUTO Rodrigo Chinaglia PROJETOS ESPECIAIS E ABRIL BRANDED CONTENT Ivan Padilla DEDOC E ABRILPRESS Adriana Kazan PLANEJAMENTO, CONTROLE E OPERAÇÕES Filomena Martins IMPRESSA NA GRÁFICA ABRIL Av. Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, CEP 02909-900, São Paulo, SP Vendas: www.assineabril.com.br Grande SP: 11 3347-2145 Demais localidades: 0800-7752145 De 2ª a 6ª feira das 8h às 22h Vendas Corporativas, projetos especiais e vendas em lote: assinaturacorporativa@abril.com.br Atendimento: www.abrilsac.com.br Grande SP: 11 5087-2112 Demais localidades: 0800-7752112 De 2ª a 6ª feira das 8h às 22h Para baixar sua revista digital: Acesse www.revistasdigitaisabril.com.br Diretor de Redação: Alexandre Versignassi Editora de Arte: Bruna Sanches Editor: Bruno Garattoni Editora assistente: Ana Carolina Leonardi Repórteres: Bruno Vaiano, Guilherme Eler, Luiza Monteiro, Rafael Battaglia Popp Designers: Carol Malavolta, Juliana Caro, Yasmin Ayumi Estagiários: Ingrid Luisa (texto), Juliana Krauss (arte) Produtor Gráfico: Anderson C.S. de Faria Colaboração: Alexandre Carvalho (revisão) Atendimento ao Leitor: Walkiria Giorgino Pool Administrativo: Mara Cristina Piota (coordenadora). www.grupoabril.com.br www.superinteressante.com.br / superleitor@abril.com.br SUPERINTERESSANTE edição nº 400 (ISSN 0104-178-9), ano 33, nº3, é uma publi ca ção da Editora Abril 1987 G+J España S.A. “Muy Interesante” (“Muito In te res san te”), Es pa nha. Edições anteriores: Venda exclusiva em bancas, pelo preço da última edição em banca. Solicite ao seu jornaleiro. Distribuída em todo o país pela Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo. SUPERINTERESSANTE não admi te publi ci da de reda cio nal. Redação e Correspondência: Av. Otaviano Alves de Lima, 4.400, Freguesia do Ó, CEP 02909-900, São Paulo, SP. Tel. (11) 3037-2000. Publicidade São Paulo e informações sobre representantes de publicidade no Brasil e no Exterior: www.publiabril.com.br, tel. 11 3037-2528 / 3037-4740 / 3037-3485. Licenciamento de conteúdo: para adquirir os direitos de reprodução de textos e imagens acesse: licenciamentodeconteudo@abril.com.br Fundada em 1950 VICTOR CIVITA (1907-1990) ROBERTO CIVITA (1936-2013) Conselho Editorial: Victor Civita Neto (Presidente), Thomaz Souto Corrêa (Vice-Presidente) e Giancarlo Civita seguidores no Facebook e outos 3,9 milhões no Twiter. No Instagram, começamos a publicar reportagens “pocket” – com temas complexos resumidos em artgos de alguns parágrafos. Dá uma olhada lá nas nossas séries #MulherCientsta e #ColunINSTA- Cósmico para entender melhor. Esse tpo de iniciatva é fruto de um tabalho diário dos repórte- res Luiza Monteiro e Bruno Vaiano, e da designer Juliana Krauss, nova integrante da nossa equipe de arte. E foi fndamental para que a nossa audiência no Instagram mais do que dobrasse em um ano, de 250 mil para 550 mil seguidores. Agora anota aí. Quando chegarmos a chegar a um milhão, vamos sortear os dez livros mais vendidos da SUPER ente os seguidores. Nosso catálogo, com 43 obras feitas pelos jornalistas aqui da casa, e que vai ganhar mais tês títlos neste ano, já está bem fornido, afnal – e também mosta que somos mais do que uma revista; somos uma insttição voltada a disseminar o conheci- mento humano, em todas as plataformas que existem, e que vierem a existr. Mesmo assim, a edição impres- sa segue sendo o xodó da redação. Ela é o nosso disco de vinil: um produto artesanal, precioso, para colecionar. E que serve de base para todo o nosso ecossistema. Obrigado por prestgiá-lo. SI_400_carta ao leitor.indd 3 18/02/19 17:56 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 1 0 0 54 Viciado em Instagram? Não é só vocÍ: como a obsessão por tirar fotos está destruindo nossa memória. 58 Serra da Capivara Os segredos arqueológicos (e a disputa científca) que se escondem no Piauí. m a r ç o d e 2 0 1 9cardápio essencial oráculo última páginasupernovas 6 uma imagem... A peregrinação de Kumbh Mela, na Índia. 66 combine com os russos Qual é a diferença entre astronauta e cosmonauta? 74 abc ancestral A história das letras do alfabeto – dos canaani- tas até hoje. 71 manual Como organizar um bloco de Carnaval para chamar de seu. 10 tóquio 2020 Criptomoedas prometem nas olimpíadas nipônicas. 8 ... uma opinião Afinal, o que aconteceu com a Venezuela? 14 3 notícias sobre 17 não é bem assim... 12 enquanto isso... 67 pá pum 18 pérolas do mês 70 conexões 70 lost in translation 69 lista 32 Eugenia, ontem e hoje A busca da “raça pura” não foi uma lou- cura isolada de Hitler: foi uma estupidez mundial, que ainda reverbera. 40 A ascensão do caviar Ele já foi ração de gado. Entenda as reviravoltas que lançaram sobre as ovas o maior raio gourmetizador da história. Parece Blade Runner. Mas pode ser você. 48 Stephen Hawking Em livro póstumo, o físico encara pergun- tas difíceis: Deus existe? Dá para prever o futuro? Os robôs vão dominar o mundo? 22 Capa a reinvenção do cérebro Implante de memória, inteligÍncia turbi- nada e telepatia: conheça as pesquisas que vão virar seu cérebro de ponta-cabeça. e se... 72 dois é demais E se a política do flho único existisse no Brasil? Capa I Ilustração Yan Blanco 67 matemágico O Oráculo explica a fta de Moebius.64 mil castrações compulsórias foram reali� zadas nos eua entre 1907 e 1963 graças à eugenia. p. 35 número incrível 12 baiacu farmacêutico O comprimido que entra pequeno pela boca – e fca enorme no estômago. 20 subiu o idç da sala Conheça a TV micro LED: uma mistura de LCD com OLED (e a gente explica a sopa de letrinhas). 18 a fauna de tim burton Na rabeira de Dumbo, relembramos as criaturas fantásticas do diretor. SI_400_Cardapio.indd 4 18/02/19 19:53 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 1 0 0 ESSENCIAL U M A I M A G E M . . . Foto NurPhoto/Getty Images U M A I M A G E M . . . SI_400_Essencial.indd 6 19/02/19 17:23 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 4 0 0 SI_400_Essencial.indd 7 19/02/19 17:23 e s s e n c i a l 2 / 4 0 0 essencial Ela já foi uma das quatro nações mais ricas do mundo, tem mais petróleo que a Arábia Saudita, e está quebrada. Entenda como o chavismo arrebentou o país. Há sete meses no Brasil, tabalhando em um restaurante peru- ano de dono argentno na capital paulista, a venezuelana Eliza é mais uma ente as tantas fguras que dão vida ao sincretsmo da cultra brasileira. Mas Eliza e seu irmão, a quem ajudou a emigrar para o País há tês meses, também representam um fenômeno assustador: o êxodo venezuelano. Desde 2015, 3 milhões de cidadãos abandonaram a Venezuela. Um em cada dez habitantes. Metade imigrou para Colômbia e Peru. O Brasil, que tem seu cento econômico longe da fronteira com a Venezuela e fala outo idioma, recebeu menos gente, mas mesmo assim um contngente considerável: 85 mil pessoas. Boa parte sem nada e disposta a morar na rua em Roraima. De acordo h . . . u m a o p i n i ã o Afnal de contas, o que aconte- ceu com a Venezuela? na página anterior: Poderia ser o Cordão da Bola Preta, mas é algo mais tradicional que o bloco carioca de 101 anos. Esses são os Naga Sadhus, guardiões do hinduísmo que vivem nas montanhas, isolados das tentações da sociedade. Eles descem para a festiva peregrinação de Kumbh Mela, que dura 45 dias. Nela, milhões de féis se banham na foz do rio sagrado Yamuna, no nordeste da Índia, para lavar seus pecados. p o r f e l i p p e h e r m e s SI_400_Essencial.indd 8 18/02/19 17:17 e s s e n c i a l 3 / 4 0 0 com um levantamento da FGV, 30% deles têm curso superior. E a tendência é piorar. A ONU estma que o número de refgiados deve che- gar a 5,3 milhões até o fnal deste ano. Quase 20% da população – um êxodo de proporções bíblicas. Tudo isso num país que detém as maiores reservas de petóleo do planeta (bem à frente da Arábia Saudita, a segunda colocada). Tu- do isso numa nação que, até o início do século 21, tnha o maior PIB per capita da América do Sul, e que, na década de 1950, estava ente as quato mais ricas do mundo. O que houve? República estatsta Claro que as ditaduras de Chaves (1999-2013) e de Maduro (desde 2013) estão no cento do problema. Mas a história é mais longa. Após a descober- ta de petóleo na Venezuela, em 1922, o país viu uma sucessão de golpes e partdos polítcos que buscavam abo- canhar parte dos recursos gerados nos acordos com companhias estangeiras. O que parecia resolvido com a demo- cracia, implementada em 1958, e que se tornaria a mais longeva da América do Sul, durou pouco. Em 1973, após o primeiro choque do petóleo, o país decidiu nacionalizar empresas petolíferas, condensando t- do na gigante PDVSA. Com recursos do petóleo, o Estado adentou na econo- mia. Grandes empresários perceberam que, estando os recursos no governo, deveriam adaptar-se e produzir para o governo, não para os consumidores. E a população foi se tornando cada vez mais dependente do auxílio estatal. Bom, petóleo e derivados respon- dem por 96% das exportações da Ve- nezuela (no Brasil, por exemplo, são só 9%). O boom na cotação do barril, na década passada, sob o governo Chavez, fez ingressar na Venezuela mais de US$ 750 bilhões. Com contole total sobre a maior fonte de riqueza do país e acha- ques a empresários, Chavez aproveitou a bonança para expandir ainda mais a presença do Estado na economia. Comprou da iniciativa privada o contole de siderúrgicas, bancos, in- dústias de alimentos, fábricas de todo tpo. Ente 2008 e 2015, o setor privado recuou de 70% para 20% do total de bens de consumo providos no país. A torra de dinheiro colocou lá em cima o défcit público (ou seja, o tanto que o governo gasta a mais do que arrecada). O Brasil, que precisa de reformas para não quebrar, tem hoje um défcit de 7,5% do PIB. O da Venezuela chegou rapidamente a 16%. Com os recursos públicos quase todos destinados a cobrir o déficit, começou a faltar dinheiro na joia da coroa, a PDVSA. A produção de petó- leo implodiu, saindo de 3,2 milhões para 1,5 milhão de barris diários (me- nos que a Petobras, que tra 2 milhões de barris/dia). Para piorar, a cotação do barril de petóleo saiu de US$ 103 em 2014 para US$ 35,7 em 2017. Com menos dólares entando, o país em- pobreceu severamente: em 2012, eles importavam US$ 62 bilhões. Em 2018, foram só US$ 9,2 bilhões (o Brasil, para dar uma referência, importou US$ 180 bilhões no ano passado, com dólar em alta e tdo o mais). Impressora de dinheiro Para ter como pagar os salários dos fncionários públicos, o governo recor- reu à mais imbecil das soluções: ligar as impressoras de dinheiro. Com mais moeda em circulação do que coisas para comprar, não deu outa: os preços infaram. Em 2019, a infação venezue- lana deve passar dos 10 milhões por cento, segundo o FMI. Em meio a esse caos, a retação do PIB chegou a 13,7% em 2017; mais 15,4% em 2018. Hoje, nove em cada dez venezuelanos estão abaixo da linha da pobreza. Nisso, o governo Maduro entou em colapso. Sua últma eleição foi decla- rada fraudulenta pelo Parlamento ve- nezuelano. Juan Guaidó, o jovem líder da Assembleia, de 35 anos, declarou-se presidente interino da Venezuela em ja- neiro, e foi reconhecido como tal pelos EUA, pelos maiores países da Europa e por boa parte da América Latna (Brasil incluído, obviamente). Milícia Mas falta combinar com os russos. A declaração de Guaidó não vale nada dento da Venezuela, porque Maduro tem costas quentes. Com uma força militar e paramilitar bem armada, o ditador tem instumentos para intmi- dar quem lhe faça oposição. Em 2008, Hugo Chávez distibuiu 100 mil fzis para sua milícia. Em 2017, foi a vez de Maduro armar outos 500 mil. A milí- cia, uma espécie de SS implementada pelo chavismo, tem sido responsável por boa parte da repressão, e segue fel ao líder chavista. Os militares venezuelanos, que dão suporte a Maduro no poder, contolam 14 dos 32 ministérios, além de gerir a PDVSA, responsável por basicamente todas as receitas em dólar do país e, sem surpresa, de onde sai boa parte dos des- vios de recursos públicos – de acordo com uma delação do banqueiro suíço Mathias Krull, só a família de Maduro desviou US$ 1,2 bilhão. Além dos militares, Maduro possui ampla condescendência do Judiciário, o qual tatou de aparelhar ao longo de seu mandato. Ainda que enfrente oposição na Assembleia, como a do presidente da casa, há pouco ou nada que o Legislatvo possa fazer tendo as mãos atadas pelos juízes. Mantdo o poder, Maduro enfrentaria novas eleições apenas em 2025, quando a Revolução Chavista completaria 27 anos. Se ainda estver por lá, não res- tam dúvidas de que a Venezuela terá ensinado lições valiosas sobre como arruinar um país. S Um em cada seis venezuelanos terá deixado seu país até o fm de 2019. Um êxodo de 5,3 milhões de pessoas. E d i ç ã o a l e x a n d r e v e r s i g n a s s i SI_400_Essencial.indd 9 18/02/19 17:17 e s s e n c i a l 4 / 4 0 0 Tóquio: a Olimpíada das criptomoedas e d i ç ã o a n a c a r o l i n a l e o n a r d i supernovas O japãO é analógicO quando o assunto é gra- na: cerca de 65% dos pagamentos por lá são feitos em dinheiro de papel. Dinheiro de plástco, como cartão de crédito e débito, nem é aceito em boa parte dos comércios locais. Com o fuxo enorme de tristas que é esperado para os Jogos Olím- picos de Tóquio, o país quer mudar esse quadro. Um dos caminhos testados? Criptomoedas. Três grandes bancos japoneses estão desenvolvendo as suas – e ao menos uma rede de pagamento baseada em blockchain deve ser lançada a tempo das Olimpíadas. O plano é que o sistema do Mitsubishi UFJ Financial Group processe mais de 1 milhão de tansações por segundo – dez vezes mais do que a capacidade das bandeiras atais de cartão, como Visa e Mastercard. SI_400_Novas.indd 10 18/02/19 19:26 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 6 0 0 sn. f a t o s Foto Alex Silva Ilustração Brunna Mancuso O númerO de vOltas que a Terra deu ao redor do Sol desde que você nasceu é apenas uma das formas de medir a sua idade. O envelheci- mento, afnal, é uma medida de quanto o seu organismo já se desenvolveu – e, depois de uma certa fase, de quanto ele já se deteriorou. Há quem envelheça num ritmo mais rápido que o normal, e quem mantenha um corpi- nho relatvamente jovem, apesar de sua data de nascimento. Para calcular essa idade bioló- gica, a ciência conta com tuques como medir, por exemplo, as pontnhas dos cromossomos, chamados telômeros. Quanto mais curtos, em geral, maior o nível de envelhecimento celular de alguém. Agora, porém, cientstas acreditam que encontaram outa medida importante – no intestno. Usando inteligência artfcial, eles descobriram que a coleção de bactérias que vive no intestno de cada pessoa (o microbioma) sofre variações típicas para cada faixa etária. Desse padrão, emerge também o fato de que algumas pessoas têm a “idade intestnal” incompatível com a data de nascimento – o microbioma pode estar numa fase mais “velha” ou mais “jovem” que o esperado para a idade do indivíduo. Essas descobertas são essenciais para cien- tstas que estdam a longevidade. Ao entender as característcas (inclusive microbiótcas) das pessoas que envelhecem melhor, eles podem in- vestgar como melhorar a velhice de todo mundo. Quantos anos você tem (de acordo com seu intestino)? A coleção de bactérias que vive por lá pode ajudar a defnir a qualidade da sua velhice. Quanto maior a recompensa de um desafo, segundo a neurociência, melhor a nossa performance nele: até a coordena- ção motora costuma melhorar. Mas isso até certo ponto: quando a pressão é alta demais, e há muito a ganhar (e a perder), a maioria das pessoas trava – e a habilidade cogniti- va piora. Cientistas descobriram que essa “travada” está associada à atividade cerebral na região do corpo estriado ventral. Em geral, a área fca mais ativa durante o desafo. Mas, quando o medo de perder fca grande demais, a atividade diminui – e a cone- xão com o controle motor no cérebro também cai. Por que trava- mos sob pressão é O númerO de biliOnáriOs cujo patimônio, somado, equivale a todo o dinheiro que possuem as 3,8 bilhões de pes- soas mais pobres do mundo (ou seja: 51% da população do planeta). disse john amirrezvani, pesquisador que denunciou um“mercado negro de perfs” no Facebook. Empresas de anúncios abordavam usuários oferecendo dinheiro para “alugar” suas contas por algumas horas. O obje- tivo era usá-las para lançar posts patrocinados – por vezes, com cunho político ou recheados de fake news – e esconder de onde eles vieram. Se o perfl acabava banido, os anunciantes partiam para a próxima mula. 26 “São mulas para ‘lavar’ anúncios”, SI_400_Novas.indd 11 18/02/19 19:27 s u p e r n o v a s 2 / 6 0 0 sn. f a t o s Comprimido-baiaCu inCha para tratar estômago o que você pensa quando vê um baiacu? Xuanhe Zhao, engenheiro mecânico do MIT, teve uma epifania. Especialista em hidrogel, ele criou uma cápsula capaz de monitorar a saúde do estômago por longos períodos, sem ser destuída pelos ácidos estomacais nem causar desconforto ao paciente. O que motivou você a desenvolver a cápsula-baiacu? Existe uma demanda na medicina para criar dispositvos ingeríveis melhores. Quando estamos falando em um comprimido que precise passar muito tempo no estômago, liberando remédios ou monitorando temperatra ou acidez, o que você geralmente tem são eletônicos feitos de materiais rígidos como plástco, ou cerâmica, que incomodam ao passar pelo tato gastointestnal, e podem até machucar a mucosa. Eu tabalho com hi- drogel – e sempre achei que seria uma boa alternatva. O problema é que hidrogéis natrais, como a gelatna, são facilmente digeríveis pelo organismo. Como foi que o peixe se tornou inspiração? Vimos, no YouTube, um baiacu expandir muitas vezes o seu tamanho, sem que a sua pele perdesse elastcidade ou resistência. Nos inspiramos nisso para desenvolver um material que suportasse o ambiente gástico cáustico, cheio de movimentos cíclicos e contações, e que também con- seguisse se expandir para permanecer no estômago sem ser expelido. Como vai funcionar o uso do comprimido? Quando chega ao estômago, a interação da cápsula com o ácido estomacal faz com que ele aumente cem vezes de tamanho em 15 minutos. Lá, imaginamos que ele possa li- berar medimentos ou até agir como balão gástico, para passar a sensação de saciedade e promover emagrecimento. Quando não for mais necessário, o comprimido pode ser expelido. O paciente só precisa beber uma solução concentada de cálcio, que não faz mal ao organismo, e o aparelho volta ao tamanho original. Ana Carolina Leonardi Fontes ( Ford Europe ( Quaternary Science Reviews ( A new genomic blueprint of the human gut microbiota. ( Nasa. Por Ingrid Luisa enquanto isso... Um internauta corneteiro fez nascer o herói nacional Macaco Cidadão. Engenheiro do MIT criou cápsula que fca 100 vezes maior dento da barriga. A Ford criou uma tecnologia para colchões de casal que impede que uma pessoa ocupe o espaço da outra na cama (. Cientistas descobriram mais de 2 mil novas bactérias na fora intestinal humana(. Chefe da Nasa declarou que americanos voltarão à Lua “para fcar, não visitar”(. Ilustração Brunna Mancuso Uma possível pegada de neandertal, com cerca de 29 mil anos, foi encontrada em Gibraltar (. SI_400_Novas.indd 12 18/02/19 19:27 s u p e r n o v a s 3 / 6 0 0 Fonte Four Decades of Antarctic Ice Sheet Mass Balance from 1979–2017, Proceedings of the National Academy of Sciences. 14.661 foi o número de pássaros que colidiram com aviões nos EUA em 2018. Só essa fração do total mundial equivale a mais de 40 passarinhos atingidos por dia. Esses acidentes são monitorados desde 1990, e, com o aumento do tráfego aéreo, cresce- ram 692% de lá para cá. O que as fabricantes de aeronaves têm feito é desenvolver turbinas que não entrem em colapso ao colidir com os bichos – o que resolve o risco do avião cair por conta de uma batida dessas. Já para proteger os passarinhos, há ini- ciativas como soltar aves de rapina nas áreas próximas a aeroportos. Alguns pássaros podem até virar jantar, no início – mas, no longo prazo, aprendem a evitar a região. G i G a t o n e l a d a s d e m a s s a p e r d i d a e n t r e 1 9 7 9 e 2 0 1 7 1.500 1.400 1.300 1.200 1.100 1.000 900 800 700 600 500 400 300 200 0 100 G e o r G e I V L a r s e n B * T h w a IT e s C r o s s o n D o T s o n L a r s e n a * P In e I s L a n D T e r r a D e w IL k e s 1979 - 1989 1989 - 1999 1999 - 2009 2009 - 2017 G i G a t o n e l a d a s d e m a s s a p e r d i d a s p o r a n o 300 250 200 150 100 50 0 anTárTIDa (ToTaL) marGem de erro Quanto gelo a Antártda já perdeu Um novo estdo da Universidade da Califórnia revela, em gigatoneladas, quanto de gelo antártco já “escor- reu pelo ralo” desde 1979 – e quais foram as áreas do contnente mais afetadas pelo derretmento. PLaTaforma De GeLo Larsen a Geleiras PLaTaforma GeorGe VI GeLeIra De PIne IsLanD GLaCIer GeLeIra ThwaITes PLaTaformas De Crosson e DoTson T e r r a De w I L k e s PLaTaforma Larsen B a n t á r t i d a m o n t a n h a s t r a n s a n t á r t i c a s SI_400_Novas.indd 13 18/02/19 19:27 s u p e r n o v a s 4 / 6 0 0 sn. f a t o s Beijos 3 notícias sobre 1. 2. 3. Males beioqueiros O vírus da mononucleose – co- nhecida como Doença do Beijo – afeta 90% da população, ainda que boa parte nunca apresente sintomas. Ela tem ligações, porém, com um mal bem mais grave: a esclerose múltipla. Um novo estudo mostra que terapias drásticas para reduzir a presença do vírus no organismo diminuem sintomas entre os pacientes que sofrem com a esclerose(. Diga-me quem tu beias Mais de dez pessoas foram infectadas com salmonela nos EUA, em um onda de contami- nação causada por beijos em porcos-espinhos de estimação. O Centro de Prevenção de Do- enças precisou emitir um aviso nacional por lá, para que as pessoas parassem de acariciar seus bichinhos perto do rosto. No Brasil, afagos desse tipo são ilegais: não é permitido ter bichos exóticos em casa(. ninho do amor Que diferentes espécies de hominídeos transavam entre si, os cientistas já sabiam. A grande novidade são evidências de que uma única caverna na Sibéria foi habitada, ao mesmo tempo, por neandertais, denisovanos e, possivelmente, até Homo sapiens. Os indícios apontam para uma coabitação de até 100 mil anos – a festa univer- sitária mais longa da história(. Beijos ancestrais em uma caverna na Sibéria, beijos espinhosos e ataques ao vírus do beijo. A IBM, especialista em inteligência artifcial, está montando um projeto com a empresa america- na de alimentos McCormick, uma das maiores produtoras de temperos do mundo. O objetivo é criar novas recei- tas e misturas de temperos prontos, sem que eles preci- sem passar por um longo processo de desenvolvimento só com funcio- nários humanos. Por enquanto, os resultados foram ambíguos: o algo- ritmo já sugeriu cominho para um tempero de pizza – uma combinação inusitada que deu certo. Mas tam- bém já errou feio: para uma receita de tempero para arroz, por exem- plo, o computador sugeriu usar sal no lugar do... arroz. Tem- peros inteli- gentes Ilustração ( Fido Nesti Fontes ( Epstein-Barr virus–specific T cell therapy for progressive multiple sclerosis. ( Timing of archaic hominin occupation of Denisova Cave in southern Siberia.( Investigation notice: Outbreak of Salmonella Infections Linked to Pet Hedgehogs. ( GLOBALWEBINDEX (2018), Hootsuite Países ciber- viciados 1 M é d i a d e u s o d e p e s s oa s e n t r e 16 e 64 a n o s , e M 4 0 pa í s e s . 6h42Min média global 40 o ja pão 3h45Min último lugar 1 o f i l i p i na s 2 o b r a s i l 3 o ta i l â n di a 10h2Min De uso De internet por Dia 9h29Min 9h11Min top 3 ( SI_400_Novas.indd 14 18/02/19 19:27 s u p e r n o v a s 5 / 6 0 0 sn. f a t o s A notíciA Governo dos EUA censura pediatra que provou relação entre autismo e vacina o que elA diziA Em 2007, o médico Andrew Zimmerman testemunhou na Justiça contra a ale- gação de que vacinas causariam autismo em crianças. Nos 11 anos seguintes, porém, seus próprios estudos mos- trariam que ele estava errado, mas o governo recusou-se a deixá-lo se retratar. quAl é A verdAde Zimmerman é e sempre foi a favor da vacinação. O boato nasceu de um estudo que ele liderou, no qual uma criança com pro- blemas congênitos nas mitocôndrias mostrou, de surpresa, regressão cognitiva típica do autismo. A conclusão da equipe foi de que o gatilho teria sido uma reação infamatória leve à vacina contra ru- béola. O caso mudou, sim, a vida de Zimmer- man: o neuropediatra, passou a investigar a relação entre autismo e mitocôndrias (e não vacinas, óbvio). Não é bem assim... Notícias que bombaram por aí - mas não são verdade As famosas estátas de pedra da Ilha de Páscoa, chamadas de moais, eram constuí- das em homenagem a pessoas importantes dos clãs que viviam por lá séculos atás. Elas representavam o cento cerimonial de cada vila e nunca fcavam de frente para o mar – sempre olhando para o interior dos povoados, como grandes protetores de pedra. Um novo estdo, recém-publicado no periódico PLOS One, acredita que a posição das estátas, no entanto, tem um signifcado exta. Segundo os pesquisadores, elas marcavam a localização de fontes de água fresca e potável, um recur- so indispensável em um território pequeno, equivalente à metade de Ilhabela, onde gru- pos diferentes competam por mantmentos básicos. Antopólogos da Universidade de Oregon fzeram uma análise espacial de onde fcam as moais – e concluíram que quantdade de estátas concentadas em um só ponto parece indicar o tamanho da fonte e a qua- lidade da água encontada ali. ACL o mapa aquático das Estátuas da ilha dE páscoa Um novo estdo afrma que as moais apontavam para localização de água fresca. Uma proposta de lei recém-apresentada no Havaí quer limitar o acesso ao cigarro ape- nas à população mais velha do arquipélago – e põe mais velha nisso. A proposta é impor um limite progressivo de idade para a compra de cigarros: no ano que vem, apenas pessoas de 30 anos poderiam comprar um maço na banca. No ano seguinte, apenas maiores de 40… E assim por diante, até 2024, quando a idade mínima será de 100 anos. O objetivo, claro, é reduzir pouco a pouco o mercado consumidor de cigarros, e desincentivar o uso especialmente entre a população mais jovem, até tornar o negócio inviável. cigarros no havaí: proibidos para menores de 100 anos SI_400_Novas.indd 17 18/02/19 19:27 s u p e r n o v a s 6 / 6 0 0 O CIRCO DO TIM BURTON O insólito diretor é o responsável pela versão com atores de Dumbo, o elefante com orelhas enormes, que es� eia nos cinemas em 29/3. Aqui, algumas curiosidades sobre ou� os personagens dele. 1 BEETLEJUICE FILME Os Fantasmas se Divertem ANO 1988 No roteiro original, Beetlejuice era bem mais maléfico do que é no filme. Em vez de um fantasma, ele seria um demônio alado, e seu plano para a família Deetzes era estupro e assassinato (não tra- vessuras e casamento). 2 EDWARD MÃOS DE TESOURA FILME Edward Mãos de Tesoura ANO 1990 Tim Burton imaginou o personagem em 1974, quando estava no ensino médio. Para dar vida a esse sonho, Johnny Depp emagreceu 25 quilos e usou um cabelo base- ado em Robert Smith, vocalista do The Cure. 3 JACK SKELLINGTON FILME O Estranho Mundo de Jack ANO 1993 Todo filmado em stop motion, o protagonista Jack teve mais de 400 cabeças diferentes ao longo do filme e eram Fotos Reprodução/Divulgação CANAL Daily dose of internet YouTube A americana que foi presa, algemada e aí roubou o car- ro da polícia. A colmeia que usa ilusão de óptica para se defender. O que acontece se você molhar um sonrisal no espaço – ou estiver a bordo de um avião afundando na água. O melhor dos vídeos virais, em 3 minutos diários. CANAL Engineerguy YouTube Você sabe por que as latas de alumínio têm fundo curvo? Como o celular sabe se está na vertical? Como a cafeteira “puxa” a água sem um motor? Desvende esses e outros mistérios da engenharia neste canal – que está em inglês, mas tem tradução (clique em Configurações e Legendas). PÉROLAS DO STREAMING O CIRCO DO TIM BURTON Aqui, algumas curiosidades sobre ou� os personagens dele. Os Fantasmas mais maléfico do que é no filme. Em vez de um fantasma, ele seria um demônio alado, e seu plano para a família Deetzes era estupro e assassinato (não tra- vessuras e casamento). Edward Mãos Tim Burton imaginou 1974, quando estava sonho, Johnny Depp emagreceu 25 quilos e usou um cabelo base- ado em Robert Smith, vocalista do The Cure. JACK SKELLINGTON Todo filmado em stop motion, o protagonista Jack teve mais de 400 cabeças diferentes ao longo do filme e eram 1 2 3 4 5 P L A Y L I S Tsn. SI_400_Playlist.indd 18 19/02/19 17:26 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 2 0 0 E D I Ç Ã O B R U N O G A R A T T O N I Texto Ingrid Luisa e Rafael Popp Ilustração Leonardo Soares necessários três frames (quadros) para cada vez que ele piscava. Já que cada segundo do filme tinha 24 frames, um minuto levava uma se- mana para ser filmado. 4 GATO QUE RI FILME Alice no País das Maravilhas ANO 2010 O gato sorridente é conhecido por ditos ilógicos e por aparecer em uma árvore. E ela foi inspirada por uma árvore real, que está de pé em um jardim no Christ Church College, em Oxford, atrás da antiga casa de Alice Liddell - que inspirou a personagem principal. 5 SPARKY FILME Frankenweenie ANO 2012 Mais de 200 fantoches e cenários foram criados para o filme, incluindo 12 do cão- zinho Sparkys. Vários bonecos do mesmo personagem permiti- ram que se trabalhasse em mais de uma cena ao mesmo tempo. TRÓPICO é uma espécie de SimCity mais realista: além de construir e gerenciar uma nação, você (no papel de um líder chamado “El Presidente”) também pode pagar propinas, fraudar eleições, mentir para a opinião pública e até matar opositores, entre outras gentilezas. No novo game da série, a grande novidade está no povo, que ficou mais difícil de engambelar – agora, cada habitante virtual tem sua própria personalidade, desejos e esperanças. Tropico 6. Para PC, Mac, PS4 e Xbox One. US$ 50. DESDE A ESTREIA DE AVATAR nos cinemas, há quase dez anos, os filmes em 3D foram perdendo relevância – o público simples- mente se cansou do efeito. Mas este sus- pense chinês, sobre um criminoso que ten- ta acertar as contas com o passado, usa a tecnologia de um jeito novo e interessante. O filme é exibido em 2D, mas a projeção muda para 3D (com óculos especiais) na úl- tima cena: uma reconstrução visualmente incrível, com 50 minutos e nenhum corte de câmera, de um sonho do protagonista. Longa Jornada Noite Aden� o. Estreia dia 21/3 nos cinemas. Ele vive em 2D. Mas sonha em 3D DOCUMENTÁRIO Fyre Fes� val Netflix Um festival de música jamais visto, com mais de 30 bandas, centenas de celebridades e influenciadores digitais e milhares de fãs (que pagaram US$ 4 mil cada um) reunidos numa ilha particular nas Bahamas. A ideia era essa. Mas deu tudo errado. E como. FILME Eu Não Sou Um Homem Fácil Netflix Machista e fanfarrão, Damien bate a cabeça e acorda num mundo diferente. Nele, as mulheres dominam a sociedade e agem como homens, tolhendo e assediando o sexo oposto. Comédia divertida e oportuna. ESCREVE O JORNALIS- TA Chico Felitti em seu livro-reportagem sobre a vida de Ricardo Corrêa da Silva: o maquiador que injetou meio litro de silicone industrial no rosto, ficou de- formado (como uma versão demoníaca do personagem infantil Fofão), virou mendigo e se tornou um dos personagens mais estranhos, e assusta- dores, das ruas de São Paulo. Ricardo e Vânia. R$ 54,90. “Foi então que Ricardo começou a pedir dinheiro. E fi cou conhecido como Fofão da Augusta”, A DITADURA EM AÇÃO SI_400_Playlist.indd 19 19/02/19 17:26 0 0 p l a y l i s t 2 / 2 1 2 3 1 2 3 1 2 sn. t e c h LED-LcD Uma corrente elétrica altera o estado físico do cristal líquido, que se torna opaco ou transpa- rente – acendendo ou apagando cada pixel da tela. O problema é que, como o cristal não emite luz própria, a tecnologia requer um backlight (iluminador) tra- seiro. Trata-se de um LED, que fica sempre ligado. Isso causa vazamento de luz e prejudica o contraste da tela. 1.filtros coloridos 2.cristal líquido 3.iluminador (led) 1.filtros coloridos 2.material orgânico 3.eletrodos 1.micro leds 2.eletrodos oLED A tela é feita de materiais orgâ- nicos, como a polianilina, que emitem luz ao receber corrente elétrica. Por isso, ela não preci- sa de backlight. A vantagem é que a tela apresenta mais con- traste e cores mais profundas. A desvantagem é que os pixels emitem menos luz, e por isso a tela tem menos brilho. Ela também pode ficar manchada por imagens estáticas. micro LED A tela é formada por LEDs microscópicos, cada um do tamanho de um pixel (100 mi- crômetros, a espessura de um fio de cabelo). Eles produzem a própria luz, dispensando o ilu- minador, e por isso a tela tem contraste e cores perfeitas. E também produz muito brilho. Resultado: brilho e durabili- dade das televisões LCD, com contraste e cores de OLED. F o t o s D iv u lg a çã o um passo à frente do oled Samsung promete lançar nos próximos meses a primeira televisão com tecnologia Micro LED – que reúne as qualidades das telas OLED e LCD, como alto brilho, cores intensas e contraste perfeito. Veja como ela funciona. Texto Bruno Garattoni SI_400_Tech.indd 20 15/02/19 18:13 0 0 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 2 Universo na mesa kickstarter.com Projeto DeskSpace O que é Uma luminária que reproduz o Sol. Ela é feita de calcita dourada e iluminada por dentro, produzindo uma luz suave e bem bonita. Será fabrica- da em três tamanhos, para uso na mesa ou como aba- jur, e virá com nove esferas de minérios, tamanhos e cores diferentes – reprodu- zindo os planetas do nosso Sistema Solar. Meta US$ 6 mil Chance de rolar b b b b a Desinfetante eletônico kickstarter.com Projeto UVGLO O que é Um gadget que mata vírus e bactérias. Na hora de usar o aparelho, que parece um pendrive, basta conectá-lo à entrada USB do seu smartphone (é compatível com iPhone e vários modelos Android). Ele usa a bateria do celular para alimentar uma lâmpa- da ultravioleta, que elimina 99,9% dos micro-organis- mos em 10 segundos. Meta US$ 25 mil Chance b b b b a você decide Os projetos mais interessantes (e surpreendentes) do mundo do crowdfunding Ioga sem professor cerveja com bluetooth o fim do talho O iPhOne X apresentou ao mundo o “talho” (no- tch), um corte na parte de cima da tela para abrigar a câmera frontal. Apesar de ser bem feinho, ele foi copiado por todos os outros fabricantes. Mas, agora, há uma solução melhor: o Honor View 20 (US$ 650), da chinesa Huawei, tem apenas uma discre- tíssima abertura para a câmera e o sensor de reconhecimento facial. A cAlçA NAdi X vem com um aplicatvo que ensina as principais poses da ioga. Mas o tuque é que ela tem sensores, embutdos no tecido, que detectam se você está fazendo os movimentos direito – e avisa, por meio de pequenas vibrações, quando é necessário corrigir alguma posição. A calça tem versões para homens e mulheres, é à prova d’água (pode ir à máquina de lavar), e custa US$ 249. visão 360 graus O caPacete crOsshelmet X1 tem uma câmera na parte de trás, que capta o que está acon- tecendo ao redor do motociclista. Essa imagem é projetada no visor frontal do capacete, onde apare- ce como se fosse um retrovisor virtual. Ele aumenta bastante a segurança do motociclista – e também mostra informações de GPS, indicando onde e quando virar (você define a rota no seu smartphone). Pena que o produ- to custe caro: US$ 1.600. Os fabricantes de eletrônicOs têm apostado nas chamadas “party speakers”, caixas de som com alto-falantes que mudam de cor e funções para brincar de DJ. A GTK-PG10, da Sony, radicaliza essa tendência: tem até uma espécie de mesinha retrátil para co- locar copos de cerveja (segundo o fabricante, o produto é à prova de derramamento de líquidos). A caixa tem conexão Bluetooth, bateria com 13 horas de autonomia e pesa 6,7 kg. Já está à venda, por US$ 250, nos Estados Unidos. E d i ç ã o b r u n o g a r a t t o n i SI_400_Tech.indd 21 15/02/19 18:13 0 0 t e c h 2 / 2 c a p a a re in ve nç ão d o SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 22 18/02/19 12:49 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 1 0 0 0 Ler, e contolar, pensamentos. Implantar memórias, aumentar a inteligência, tansmitr informações por telepata. Existem cientstas tentando fazer tdo isso – e, em alguns casos, conseguindo. Conheça as pesquisas que pretendem revolucionar a mente humana. Reportagem Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro Ilustração Milton Nakata Design Yasmin Ayumi SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 23 18/02/19 12:49 c a p a 2 / 1 0 0 0 No romaNce 1984, George Orwell imaginou um futro em que o Estado fiscaliza até os pensamentos dos cida- dãos. Isso é feito vigiando as pessoas enquanto elas assistem à televisão, um método precário e lento (o protagonista do livro, Winston, só é preso após se- te anos de monitoramento). No futro, isso poderá ser feito em tempo real – e diretamente do cérebro. A ciência ainda está longe de enten- der como a mente humana funciona. Mas de uma coisa ela já sabe: tdo o que se passa dento das nossas cabeças pode ser reduzido aos padrões de sinais eléticos que percorrem as sinapses do cérebro. Se você conseguir captrar e decodificar esses sinais, em tese poderá descobrir o que alguém está pensando. Na últma década, várias equipes de pesquisadores tentaram – e, dentro de certos limites, conseguiram – fazer isso. Primeiro, o voluntário é colocado dento de um aparelho de ressonância magnétca, que enxerga os fluxos de sangue dento do cérebro. Ele cria um mapa com 1 milhão de voxels: cubinhos com 100 mil neurônios cada um. Em seguida, os cientstas mostam determi- nados estímulos para a pessoa – fotos, palavras, sons –, enquanto monitoram o cérebro dela. Cada elemento (a imagem de um pássaro, por exemplo) atva de- terminados conjuntos de neurônios – e a máquina de ressonância, observando o fluxo de sangue para cada um dos voxels, enxerga isso. Repita a medição algumas dezenas ou centenas de vezes, e você terá uma biblioteca de padrões. Quando a pessoa imaginar um pássa- ro, por exemplo, você saberá que esse pensamento atva determinados voxels, e poderá identficá-lo. Em 2017, cientstas da Universidade Carnegie Mellon( combinaram essa técnica com um sistema de inteligên- cia artficial e conseguiram adivinhar, com 87% de acerto, o que os voluntários estavam pensando. Ok, o sistema é pri- mitvo: limita-se a indicar a presença ou ausência de 42 elementos (como “ani- mais”, “violência”, “perigo”, “deslocamen- to”, “pessoas” e “grupo de pessoas”) no pensamento. Mas, em outas pesquisas, esse mesmo método foi além: conse- guiu indicar se os voluntários estavam pensando, ou não, numa determinada imagem ou cena. Talvez seja possível decifrar até um dos fenômenos mais misteriosos da mente humana: os sonhos. É o que acreditam pesquisadores da Universi- dade de Kyoto, no Japão. Eles coloca- ram voluntários para dormir( dento de máquinas de ressonância magnétca. Monitorando a atvidade cerebral dessas pessoas, o sistema foi capaz de detectar a presença ou ausência de 20 elementos (como “carro”, “livro”, “prédio”, “mulher”, “homem”, “rua” ou “comida”) nos sonhos das pessoas. Assim que a pessoa termi- nava de sonhar – o que era constatado monitorando suas ondas cerebrais –, ela era acordada e os cientstas pergunta- vam o que ela havia sonhado. A leitra de padrões cerebrais tem usos nobres, como permitr que pessoas paralisadas voltem a se comunicar. Mas também pode tomar caminhos sinistos, permitndo que regimes totalitários leiam à força a cabeça de alguém. O mais provável é que aconteça o que acon- tece com quase todas as tecnologias: um pouco de cada coisa. 1 Ler pensamentos (e até sonhos) situação atual: teste em humanos Fontes ( Predicting the Brain Activation Pattern Associated With the Propositional Content of a Sentence: Modeling Neural Representa- tions of Events and States. Jing Wang e outros, CMU, 2017. ( Neural Decoding of Visual Imagery During Sleep. Y. Kamitani e outros, 2013. SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 24 18/02/19 12:49 c a p a 3 / 1 0 0 0 Aplique umA corrente elétricA minúscula e imperceptível, de apenas 0,001 ampére, no córtex pré-frontal dorsolateral direito de uma pessoa – e ela passará a mentr menos. Essa foi a conclusão de pesquisadores das univer- sidades de Zurique, Chicago e Cambri- dge(, que colocaram 145 pessoas para jogar dados em frente a uma tela. O processo tnha dez rodadas, e era simples: a pessoa jogava os dados, e aí a tela mostava a lista de combinações premiadas (5+2 ou 2+1, por exemplo). O partcipante ganhava US$ 9 a cada acerto. Mas ele é que deveria dizer se havia de fato acertado, e podia mentr para ganhar mais. Os voluntários não sabiam, mas os cientstas estavam filmando tdo – e constataram que 37% das respostas eram mentirosas. Já com a corrente elética, a tapaça caía para menos da metade: apenas 15% das respostas eram mentrosas. O sistema não é perfeito (12 pessoas eram hipermentrosas e sempre tapaceavam, mesmo sob estímulo elé- tico), mas o efeito é notável – tanto que seus criadores acreditam ter encontado a raiz neuronal da mentra. “O córtex pré-frontal dorsolateral direito [que fica logo atás da testa] está diretamente li- gado à honestdade”, diz Michel André Maréchal, um dos autores do estdo. Dois pesquisadores da Estônia fo- ram além e dispensaram os eletodos: usaram ímãs para interferir com a atvi- dade elética do cérebro de 16 voluntá- rios(. Como você talvez se lembre das aulas de física do colégio, toda corrente elética produz um campo magnétco. Isso também vale para a eleticidade que passa pelos nossos neurônios, e também funciona ao contário: se vo- cê interferir no campo magnétco, vai alterar a corrente elética. Os cientstas aproveitaram esse princípio para criar um sistema de indução mental sem fio. Eles colocaram ímãs perto da nuca dos voluntários e mostraram discos coloridos a eles. O voluntário tinha que dizer qual cor estava vendo – e era instuído a tentar mentr. Metade das pessoas recebeu pulsos magnétcos no córtex pré-frontal dorsolateral direito. E, por isso, mentu menos. Curiosamen- te, quando os cientstas estmulavam o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, o efeito era oposto – e os voluntários conseguiam mentr mais vezes. Além de fazer as pessoas mentrem mais, é possível tansformá-las em men- trosas mais convincentes. A chave é aplicar uma corrente elética muito pe- quena no córtex pré-frontal anterior, área ligada à cognição e às emoções. Pesquisadores da Universidade de Tue- bingen, na Alemanha, aplicaram sinais eléticos para reduzir temporariamente a atvidade dessa região – e pessoas an- tes propensas à honestdade passaram a mentr melhor(. A pesquisa reuniu 22 voluntários numa simulação: eles in- terpretavam funcionários que tnham desviado dinheiro de suas empresas e seriam interrogados por um detetve. Caso conseguissem enganá-lo, pode- riam ficar com o valor roubado (20 euros). Quando recebiam o estímulo elético, os partcipantes mentam com mais segurança. Ficavam mais tanqui- los ao negar envolvimento e pareciam mais capazes de escolher em quais si- tações seria melhor distorcer dados, de forma a enganar o interrogador sem deixar a mentra óbvia demais. 2 impedir a mentira. ou torná-la mais convincente Uma técnica que combina ressonância magnética e inteligência artifcial já permite deduzir o que uma pessoa está pensando – com até 87% de acerto. situação atual: teste em humanos ( Increasing Honesty in Humans with Noninvasive Brain Stimulation, Michel André Maréchal e outros, 2017. ( Efect of Prefrontal Trans- cranial Magnetic Stimulation on Spontaneous Truth-Telling, Inga Kartonab e Talis Bachmannc, 2011.( The Truth about Lying: Inhibition of the Anterior Prefrontal Cortex Improves Deceptive Behavior. Ahmed A. Karim e outros, 2010. - SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 25 18/02/19 12:49 c a p a 4 / 1 0 0 0 EscanEar o cérEbro humano E rEcriá-lo Em computador, pre- servando a memória e a consciência das pessoas – que viveriam após a morte como simulações de computador. Esse é um dos cenários mais recorrentes, e menos realistas, da ficção científica. Mas isso não significa que não haja pesquisadores tentando ir nessa dire- ção. A principal iniciatva é o Human Connectome Project, criado em 2009 pelo governo dos EUA em parceria com seis universidades. Seu objetvo é produzir um “conectoma”, ou seja, um mapa com todas as conexões neurais do cérebro humano. Esse mapa pode- ria ser reproduzido e executado num supercomputador, o que representaria a criação de uma inteligência artficial jamais vista – e o primeiro passo para a digitalização da mente humana. Parece megalomaníaco, e é mesmo. Mas tem certo nexo. Em 2005, o projeto Blue Brain, criado pelo governo da Suíça e pela IBM, conseguiu escanear e simular em computador 31 mil neurônios (e 37 milhões de sinapses) do córtex primário somatossensorial de um rato(. É um nada – não dá nem 0,02% dos neurônios do bichinho –, mas mosta que a téc- nica em si funciona. O grande desafio é escanear nossa massa cinzenta, um verdadeiro universo (o cérebro humano tem 250 vezes mais sinapses do que há de estelas na Via Láctea), e criar computadores potentes o bastante para rodar uma simulação dela. Para tentar resolver o primeiro pro- blema, cientstas do Hospital Geral de Massachusetts usaram um novo tpo de ressonância magnétca, que tabalha com campo magnétco de 7 tesla – qua- se cinco vezes mais intenso do que as máquinas comuns. O resultado é uma imagem 3D que mosta, com resolução muito maior, a estutra e as conexões do cérebro. Em 2017, os pesquisadores escanearam o cérebro de 1.200 volun- tários e colocaram os resultados na in- ternet(. Mas ainda estão longe do fim. “Vamos precisar de pelo menos uma década para terminar de mapear o cére- bro, porque é necessário gerar imagens em alta resolução de cada neurônio e cada conexão. E essa nem é a parte mais difícil”, explica o neurocientsta holandês Randal Koene, cofundador da empresa Carbon Copies, que tenta descobrir como reproduzir a mente hu- mana em computador. “Depois vamos precisar jogar esses dados num sistema capaz de rodá-los. É possível que na dé- cada de 2030 sejamos capazes de fazer isso com cérebros menores, como o de moscas”, diz. O Human Brain Project, que é ban- cado pela União Europeia, está tentan- do vencer os obstáculos tecnológicos. E eles são ainda maiores do que o es- caneamento do cérebro. O objetvo do projeto é criar um supercomputador capaz de armazenar, manipular e execu- tar, em tempo real, um banco de dados com 1,1 bilhão de terabytes, o tamanho estmado do conectoma humano. Isso é mil vezes mais do que todos os dados do Google, do Facebook, da Microsoft e da Amazon – somados. Em suma: impossível não é, mas estamos longe. Se um dia conseguir- mos, vai demorar. Por isso uma startp chamada Nectome, criada por dois est- dantes do MIT, propôs uma solução: um serviço de preservação supostamente capaz de manter o cérebro intacto por décadas, até que a ciência seja capaz de reproduzi-lo em computador. A em- presa demonstrou sua técnica num cérebro de porco, que manteve as si- napses intactas. Mas tem sido vista com cetcismo pela comunidade científica, inclusive por um detalhe macabro: seu procedimento, que é letal, precisa ser feito com o cérebro ainda vivo. 3 fazer upload da consciência e de memórias só existe em teoria situação atual: Em tese, é até possível reproduzir o cérebro humano em computador. Mas a máquina teria de lidar com 1,1 bilhão de terabytes. Fontes ( Reconstruction and Simulation of Neocortical Microcircuitry, Henry Markram e outros, 2005. ( https://www.humanconnectome.org/study/hcp-young-adult/document/1200-subjects-data-release SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 26 18/02/19 12:49 c a p a 5 / 1 0 0 0 É possível acelerar o aprendi- zado em 40%. Pelo menos em maca- cos. Em 2017, a Agência de Projetos de Defesa Avançados (Darpa), a divisão de tecnologia do Pentágono, publicou um estdo( relatando essa façanha, alcan- çada em testes com dois animais. Ambos já eram adultos – tnham 4 e 10 anos de idade –, mas mesmo assim os militares conseguiram aumentar drastcamente sua capacidade de aprender. Na experiência, os bichos viam fotos de paisagens numa tela. Podiam obser- var cada uma por 15 segundos. Eles não sabiam, mas havia um pequeno alvo de- senhado em cada foto – se os bichos olhassem para esse ponto, ganhavam suco como recompensa. Normalmen- te, macacos rhesus levam em média 21 tentatvas até entender esse jogo. Mas as duas cobaias da Darpa, que receberam 0,002 ampére de corrente elética no córtex pré-frontal, foram muito me- lhores: dominaram o jogo em apenas 12 rodadas. Os cientstas já esperavam esse resultado, supostamente ligado ao aumento na frequência de disparos dos neurônios. Mas constataram que a ex- plicação não era bem essa. O estímulo elético não interferia com os neurônios em si. Fazia algo maior: melhorava a conexão ente regiões do cérebro. “Essa técnica provoca mudanças na excitabi- lidade dos neurônios de áreas especí- ficas. E, por isso, também uma ampla melhoria na capacidade de processar informação”, diz Donel Martin, psi- quiata e pesquisador da Universidade de New South Wales, na Austália. De- pendendo da corrente elética aplicada, é possível despolarizar ou hiperpolarizar grupos de neurônios, ou seja, torná-los mais ou menos sensíveis aos sinais de outros neurônios. Martin usou essa técnica em humanos. Ele colocou 54 pessoas para resolver problemas de lógica, com dificuldade crescente, en- volvendo formas e cores. Metade dos voluntários recebeu estímulos eléticos –e solucionou as charadas de forma mais rápida e correta(. “O tatamento é eficaz para facilitar o aprendizado de qualquer tpo de conhecimento”, afir- ma ele. Há estdos indicando que essa técnica, chamada tDCS (estmulação tanscraniana por corrente contínua), também pode acelerar o aprendizado de matemática e idiomas(5)(6). Além disso, o benefício parece ser de longo prazo. Na experiência de matemátca, realizada na Universidade de Oxford, o efeito persistu por seis meses após as sessões. Nas experiências com a técnica, menos de 1% das pessoas relata algum tpo de desconforto relacionado à cor- rente elética. A esmagadora maioria nem percebe que está sob efeito dela. Por que, então, não há aparelhos do tpo sendo vendidos para todos os estdantes do planeta? “Os efeitos da tDCS ainda não são totalmente compreendidos”, diz o neurologista Pedro Vieira, pós- doutorando do Insttto Neurológico de Monteal e especialista na técnica. “Ela induz grandes oscilações nas ondas cerebrais de baixa frequência, o que por sua vez amplia a conectvidade ente neurônios próximos e áreas distantes do cérebro de maneiras ainda imprevisíveis, e que poderiam provocar danos”, afirma. Na dúvida, melhor não arriscar. 4 cogniçãoteste em humanos aumentar asituação atual: (Transcranial Direct Current Stimulation Facilitates Associative Learning. Matthew R. Krause e outros, 2017. ( Can Transcranial Direct Current Stimulation Enhance Outcomes from Cognitive Training?, Donel M. Martin e outros, 2013. ( Long-Term Enhancement of Brain Function and Cognition Using Cognitive Training and Brain Stimulation. Albert Snowball e outros, Universidade de Oxford, 2013.( Noninvasive brain stimulation improves language learning. Universidade de Munster, 2008. - SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 27 18/02/19 12:49 c a p a 6 / 1 0 0 0 No coNto Nós Podemos Lembrar Por Você, escrito pelo americano Phi- lip K. Dick em 1966, Marte já foi coloni- zada pelo homem – e o protagonista da história, Douglas, sonha em ir até lá. Só que custa muito caro, e por isso Douglas escolhe a segunda melhor opção: vai até uma empresa especializada e paga para ter memórias de Marte implantadas em seu cérebro. O que ele não sabe é que, na verdade, já havia estado no planeta vermelho – mas suas lembranças dis- so haviam sido apagadas pelo governo. Um delírio e tanto. Mas, na vida real, já existem pes- quisas tentando fazer as duas coisas: apagar e criar memórias. Em 2012 o neurologista Todd Sacktor, da Univer- sidade Columbia, conseguiu eliminar uma lembrança do cérebro de ratos, que haviam sido condicionados a evitar alimentos doces. Ele descobriu que, se uma proteína cerebral chamada PKM- zeta( fosse inibida enquanto o rato se lembrava daquela memória (é melhor não comer doces), ela era destuída – e, posteriormente, o bichinho passava a ingerir açúcar como se não houvesse amanhã. A ideia é criar um procedimen- to que, no futro, possa ser usado para eliminar taumas da mente humana. A indução de memórias também já foi demonstada em camundongos de laboratório. Tudo começou em 2013, quando o MIT usou engenharia gené- tca para criar ratos com uma caracte- rístca insólita: partes do seu cérebro podem ser ativadas, ou desativadas, usando luz(. Primeiro os pesquisa- dores injetaram nos animais um ví- rus capaz de alterar o funcionamento dos neurônios do hipocampo, área relacionada à formação de memórias. Depois inseriram, cirurgicamente, uma fibra óptca nos cérebros dos pobres bichinhos, para iluminar o hipocampo com luz infravermelha. Feito isso, ini- ciaram o experimento. Primeiro, cada rato era colocado num ambiente seguro, enquanto a atvidade do seu hipocampo era gravada. No dia seguinte, a cobaia era levada para um lugar ruim, onde recebia choques eléticos nas patas. Só que, eis o tuque, os cientstas ligavam a fibra óptca – e ela atvava os mesmos grupos de neurônios que o rato tnha acionado na véspera, quando não havia perigo. Resultado: o bichinho associou a memória da primeira gaiola aos choques e passou a ter medo dela, onde jamais sofrera maus-tatos. Pior: os ratos só te- miam esse local – não tnham qualquer receio da gaiola de tortra. Os cientstas tnham plantado uma memória falsa. Uma equipe de cientstas franceses conseguiu algo ainda mais impressio- nante: inserir lembranças positvas no cérebro de 40 camundongos enquan- to eles dormiam(. Os pesquisadores notaram que determinada região do hipocampo era atvada quando os ra- tos entavam em certa gaiola. Então colocaram os bichos várias vezes ali, até que perceberam que aquela região ficava atva mesmo enquanto os ratos dormiam. (Não se sabe o motvo, mas talvez eles estvessem sonhando com a gaiola). Com os ratos adormecidos, os cientistas estimularam uma área cerebral que dispara a produção de dopamina, neurotansmissor relacio- nado ao prazer. Ao acordar, os ratos passaram a adorar aquela gaiola e passar cinco vezes mais tempo dento dela. Não havia motvo objetvo para isso: eles nunca tnham ganho comida, ou qualquer coisa boa, ali. Era uma falsa memória. Experiências em ratos conseguiram apagar lembranças traumáticas. E também fazer o oposto: criar a memória de algo que jamais ocorreu. 5 memóriasExpEriências Em animais implantarsituação atual: Fontes ( The Genetics of PKMZ and Memory Maintenance. T. Sacktor e outros, 2017. ( Creating a False Memory in the Hippocampus, Steve Ramirez e outros, 2013. ( Explicit Memory Creation During Sleep Demonstrates a Causal Role of Place Cells in Navigation, Gaetan de Lavilléon e outros, 2015. SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 28 18/02/19 13:33 c a p a 7 / 1 0 0 0 Como voCê já deve ter perCebido ao usar o contole remoto da sua TV, a luz infravermelha é facilmente bloque- ada por obstáculos. Mas ela atavessa materiais mais porosos, como ossos – inclusive os da caixa craniana. Expe- riências feitas pela empresa americana Neuro-Laser( constataram que a luz infravermelha é capaz de penetar até 30 mm de tecido ósseo. Daria tanqui- lamente para atavessar a caixa craniana humana, cuja espessura média é de 4 a 9 milímetos, dependendo do pon- to. Isso significa que, teoricamente, é possível estmular o cérebro com luz sem precisar abrir a cabeça da cobaia. E isso, em macacos, já foi feito. Como os camundongos do texto anterior [veja página ao lado], eles foram infectados com um vírus que altera o funciona- mento dos neurônios. Essa técnica se chama optogenétca, e consiste em aco- plar um vírus (geralmente um adenoví- rus, que normalmente causa infecções respiratórias) com genes que estmulam a produção de rodopsina, uma proteína fotossensível – ou seja, que converte luminosidade em sinais eléticos. Ela é fabricada natralmente nos olhos, onde nos ajuda a enxergar. Mas, se for inse- rida no cérebro, produz algo anormal: torna os neurônios sensíveis à luz. Numa experiência realizada por cien- tstas da Universidade de Cambridge e do MIT, os cérebros de macacos foram estmulados com luz infravermelha( enquanto eles tnham de tomar deci- sões simples, como escolher ente duas guloseimas. Quando o infravermelho estava ligado, o cérebro aumentava a produção de dopamina – e o animal sempre preferia a guloseima que estava comendo, mesmo se ela fosse idêntca à outa. O efeito era desencadeado por luz, sem a necessidade de um implan- te cerebral. Mas ainda há um grande obstáculo: o vírus tem de ser injetado diretamente no cérebro, o que é exte- mamente invasivo e perigoso. Mikhail Shapiro, professor de enge- nharia química do Insttto de Tecno- logia da Califórnia (Caltech), descobriu um jeito de resolver isso. Injetou bolhas de ar muito pequenas, com nanôme- tos de diâmeto, na corrente sanguínea de ratos(. E encostou um aparelho de ultassom na cabeça deles. Quando o sangue estava chegando ao cérebro, o ultassom agia sobre as bolhinhas, fa- zendo elas vibrarem – e abrindo peque- nas brechas na barreira hematoencefá- lica (uma camada de sangue, também presente em humanos, que envolve o cérebro e bloqueia a entada da maioria das moléculas). Com isso, Shapiro con- seguiu intoduzir vírus optogenétcos sem precisar abrir a cabeça dos animais. Bastou uma reles injeção na veia, com uma ajudinha do ultassom, e os bichos estavam hackeados pelo resto da vida. Se um dia for aplicada em humanos, a optogenétca poderia ser usada pa- ra distorcer totalmente a realidade de uma pessoa. Ela funcionaria como uma hiperdroga, capaz de manipular o indi- víduo a tal ponto que ele faria qualquer coisa em toca de mais dopamina. Não à toa, a Darpa (divisão de tecnologia do Pentágono) tem olhado essa técnica com atenção, e financia pesquisas a respeito em várias universidades. Um dos proje- tos mais ambiciosos é o CortcalSight, que reúne a Universidade Stanford e quatro empresas de biotecnologia. Ele pretende usar a optogenétca para conectar uma microcâmera, sem fios, ao córtex visual humano. Se der certo, isso poderá significar a cura de quase todos os casos de cegueira. E também o princípio de uma era obscura – onde seria possível fazer uma pessoa enxer- gar coisas que, na verdade, não existem. 6 de pensamentosExpEriências Em animais exercer controle externosituação atual: ( Near-infrared photonic energy penetration: can infrared phototherapy efectively reach the human brain? TA Hender- son, 2015.( Dopamine Neuron-Specific Optogenetic Stimulation in Rhesus Macaques. William R. Stauffer, e outros, 2016. ( Acoustically targeted chemogenetics for the non-invasive control of neural circuits. M. Shapiro e outros, 2018. - SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 29 18/02/19 13:34 c a p a 8 / 1 0 0 0 Como voCê viu nesta reporta- gem, a ciência já sabe como captrar e decodificar padrões neuronais – e também induzir respostas cerebrais usando pulsos magnétcos e sinais elé- ticos. Mas, até agosto de 2013, ninguém havia tentado fazer o óbvio: juntar as duas coisas e criar um sistema que per- mitsse comunicação direta, telepátca, ente dois cérebros humanos. Naque- le ano, um grupo da Universidade de Washington conseguiu conectar as mentes de duas pessoas pela internet. As cobaias foram os próprios autores da pesquisa, os neurocientstas Rajesh Rao e Andrea Stocco. O primeiro vestu um capacete de eletoencefalograma, que detecta ondas cerebrais e permi- te identficar sinais básicos – dá para saber, por exemplo, quando a pessoa pensa em mexer o próprio braço. Já o outo colocou uma touca conectada a um aparelho de estmulação magné- tca tanscraniana, que usa ímãs para interferir com a atvidade elética de determinadas regiões do cérebro [leia mais na pág. 25]. Rao tnha à sua frente um joguinho de computador cujo obje- tvo era disparar mísseis conta navios inimigos (sem acertar os aviões aliados que passavam voando). Andrea estava numa sala a 1 km de distância, onde também iria jogar aquele game. Mas com uma enorme diferença: ele ficava de costas para a tela. Seria guiado, apenas, pelas ondas cerebrais do colega. E aí aconteceu. Rao decidiu atrar. Ele não acionou o joystck; simples- mente imaginou o gesto. Isso gerou ondas cerebrais que foram tansmitdas para Stocco – cuja mão, incrivelmen- te, apertou sozinha o botão de disparo. A façanha foi o resultado de mais de dez anos de pesquisas, e o começo de uma série de outas experiências. Em 2018, os pesquisadores da Universidade de Washington conectaram tês pesso- as, que jogaram uma espécie de Tetis colaboratvo: os dois primeiros pensa- vam em quais peças mexer e seus cére- bros enviavam as ordens para o terceiro. Ele ficava de costas para a tela, mas mesmo assim conseguia jogar – pois sua mente executava automatcamente as ordens enviadas pelos outos dois(. Duas empresas, a espanhola Starlab e a francesa Axilum, usaram uma técnica parecida para conectar um voluntário na Índia a outo na França(. Eles se comunicaram usando uma espécie de código Morse, formado por sequências de pulsos (que tveram de aprender an- tes). O indiano usou essa linguagem pa- ra formar duas palavras e pensou nelas. Alguns minutos depois, elas chegaram à mente do francês – que pensou, acer- tadamente, em “hola” e “ciao”. Mas isso não quer dizer muita coisa; ele poderia simplesmente estar chutando. A prova de que é possível tansmitr informa- ções só veio no ano seguinte, quando a Universidade de Washington fez uma experiência parecida com dez pessoas. Eles foram agrupados em pares, se- parados em salas diferentes, e colocados para jogar um jogo de adivinhação(. A primeira pessoa, chamada de “analista”, via objetos numa tela. A outa, batzada de “jogadora”, tnha de adivinhar quais eram. Um teste muito difícil; tanto que os jogadores só acertavam, por puro chute, 18% das respostas. Mas, quando a tansmissão de ondas cerebrais foi ligada, o índice de acerto disparou: 72%. Segundo os cientstas, a técnica tam- bém poderia ser usada para tansmitr sinais ente estdantes. “Imagine um aluno com déficit de atenção (DDA), e outo normal”, declarou a neurocien- tista Chantel Prat, uma das autoras do estdo, ao jornal da universidade. “Quando o estdante normal estvesse prestando atenção, o cérebro do outo seria automatcamente colocado num estado de maior foco”, disse. Mais do que telepata, sincronia de mentes. S 7 por telepatiateste em humanos transmitir informaçõessituação atual: Duas pessoas tomaram decisões – e seus cérebros enviaram as ordens para uma terceira, cuja mente executou as ações. SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 30 18/02/19 12:50 c a p a 9 / 1 0 0 0 Fontes ( BrainNet: A Multi-Person Brain-to-Brain Interface for Direct Collaboration Between Brains, L. Jiang e outros, 2018. ( Conscious Brain-to-Brain Communication in Humans Using Non-Invasive Technologies, C. Grau e outros, 2014. ( Playing 20 Questions with the Mind: Collaborative Problem Solving by Humans Using a Brain-to-Brain Interface. Andrea Stocco e outros, 2015. SI_400_MatCapa_Cerebros.indd 31 18/02/19 12:50 c a p a 1 0 / 1 0 0 0 h i s t ó r i a Uma longa história da Eugenia Francis Galton, pai da eugenia SI_400_Eugenia.indd 32 18/02/19 16:06 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 8 0 0 A busca pela “raça pura” não é só coisa de nazista: foi um fenômeno mundial. E o seu fan- tasma ainda ronda a sociedade. Texto Bruno Vaiano Ilustrações Marcel Lisboa Design Carol Malavolta Edição Alexandre Versignassi Charles Davenport, higienista genético. SI_400_Eugenia.indd 33 18/02/19 15:33 0 0 h i s t ó r i a 2 / 8 a Algo cheirAvA mAl na Inglaterra da rainha Vitó- ria. Após tês surtos de cólera e um episódio de calor intenso no verão de 1858, batzado de Gran- de Fedor (em maiúsculas, mesmo), despejar todo o cocô de Londres no Rio Tâmisa não parecia mais uma boa ideia. Saneamento básico e saúde pública eram tão discutdos no fim do sé- culo 19 quanto a corrup- ção em Brasília é hoje. A Revolução Industial ha- via criado uma pobreza inédita, diferente da do camponês que plantava por subsistência. Ope- rários da indústia têxtl e da constução naval se empilhavam em cortços, sem acesso a água tatada. Frequentavam pubs e bor- déis, eram desnutidos, al- coólatas e tnham filhos – muitos filhos. Francis Galton, rico herdeiro de uma famí- lia tradicional, viu na periferia de Londres um problema darwinista. Ao pé da leta: ele era primo de Charles Darwin, e ha- via lido (ou melhor, devo- rado) a Origem das Espécies logo após o lançamento, em 1859. O que Darwin afirmou, grosso modo, foi o seguinte: filhotes de uma ninhada nascem com diferenças suts. Os que forem mais aptos – graças a dentes afiados, tímpanos aguçados ou músculos de contação mais rápida – conseguem mais água, alimento e sexo. Assim, eles têm mais filhotes, e seus taços hereditários vantajosos prevalecem na população. Evolução por seleção natral. Darwin não mencio- na o ser humano uma única vez no livro; mes- mo assim, acendeu uma lâmpada na cabeça de Galton. Ele não só notou que a sobrevivência dos bem adaptados se aplica- va ao Homo sapiens como concluiu que só havia um jeito de salvar a “raça eu- ropeia”: acelerar artficial- mente, (por decreto, até) a atação da seleção natral. Para Galton, era ne- cessário desestmular o coito ente humanos que a elite econômica via co- mo vira-latas e incentvar os humanos de raça, com pedigree. Empreender um SI_400_Eugenia.indd 34 18/02/19 15:33 0 0 h i s t ó r i a 3 / 8 aperfeiçoamento autodi- rigido, para o bem do pró- prio povo. Em 1883, Gal- ton deu à estatégia um nome: eugenia. Vem do grego: eu significa “bom”, gene significa “linhagem”, “raça”, “parentesco”. “Estamos muito ne- cessitados de uma pala- vra breve para a ciência de melhorar a estirpe”, afirmou Galton. “Para dar às raças ou linhagens de sangue mais adequado uma chance melhor de prevalecer depressa so- bre as menos adequadas.” Para Galton, a tendên- cia à miséria, ao vício e à doença era tão heredi- tária quanto a altra ou a cor dos cabelos. Se os filhos dos inaptos já iam morrer pela mão cruel da seleção natral, era me- lhor que não nascessem: “O que a natreza faz às cegas (...) o homem pode fazer com previdência, rapidez e bondade”. Ele se tornou uma má- quina de coleta de dados. Tirava as medidas corpo- rais de famílias inteiras em busca de uma expli- cação para o fenômeno da hereditariedade (lembre- se: a genétca de Mendel ainda estava escondida na gaveta). Em 1877, nu- ma espécie de Minority Report do século 19, ele esquadrinhou os rostos de condenados tentando atibuir um tpo de crime a cada fisionomia. Galton queria tansformar a hu- manidade em uma imensa planilha de Excel. E dele- tar as colunas incômodas. Essas ideias foram re- cebidas como a vanguarda da ciência. No início do sé- culo 20, Londres sediaria o primeiro congresso internacional de eugenia. A Inglaterra não chegou a colocar em prática as ideias de Galton. Dezenas de outas nações, porém, as abraçaram. A mais de- dicada delas, nas primeiras décadas, não foi a Alema- nha – e sim os EUA. Eugenia ianque Em 1907, o Estado de In- diana adotou a primeira lei de esterilização com- pulsória do mundo. Ente 1907 e a década de 1960, mais de 64 mil america- nos considerados “inap- tos” evolutvamente foram castados com anuência das autoridades. Eram al- coólatas, esquizofrênicos, epiléticos, criminosos, prostitutas... Essa mo- dalidade de eugenia era chamada de negativa. Um relatório sobre o resultado da prática na Califórnia – recordista de esterilização ente os 32 Estados que a adotaram – serviu de inspiração pa- ra os oficiais nazistas que implantaram a prátca do outo lado do Atlântco. Também havia a eu- genia positva: incentvar a reprodução dos aptos. Tornaram-se comuns as Fitter Family Fairs (“feiras de famílias mais aptas”, em português), em que casais com ge- nes supostamente bons eram exibidos em pódios e ganhavam medalhas. Um dos símbolos da eugenia americana foi Charles Davenport, mandachuva do Eugenics Record Office (ERO) – o cento de pesquisa em Cold Spring Harbour, Nova York, que encabe- çou os esforços de hi- gienização genétca. Ele era contra casamentos interraciais (comentare- mos a relação da eugenia com o racismo nos pró- ximos parágrafos) e via a Galton pôs a humani- dade numa planilha de Excel. E queria deletar as colunas incômodas. - Os eugenis- tas mediam fsionomias, crânios e cérebros em busca de “inaptos”. SI_400_Eugenia.indd 35 18/02/19 16:06 0 0 h i s t ó r i a 4 / 8 100 150 200 250 300 350 100 150 200 250 300 100 150 200 250 300 350 100 150 200 250 300 Mulher branca Mulher negra Homem branco mm mm mm mm Homem negro Esplênio J o e l h o Fonte: Some Racial Peculiarities of the Negro Brain, Robert Bennett Bean (1906); On several anatomical characters of the human brain, said to vary according to race and sex, with especial reference to the weight of the frontal lobe, Franklin Paine Mall (1909). Dois gráfcos medindo regiões do cérebro cha- madas joelho e esplênio conforme a etnia: um com viés racista, outro não. As curvAs do preconceito Pesquisador que sabia a etnia de cada cérebro. Pesquisador que refez o estudo sem saber a etnia dos cérebros. entada de imigrantes do sul da Europa e da Ásia como um risco à boa es- trpe americana. Davenport, de bobo, não tnha nada. Aplicando a lógica de tansmissão de característcas hereditá- rias descoberta por Men- del em seus experimentos com ervilhas, identficou corretamente que a do- ença de Huntngton era um taço dominante, e o albinismo, recessivo. O problema é que ele exta- polava a lógica: começou a inventar genes para tdo – até um das famílias de construtores de barcos. Não havia espaço para o óbvio: que um filho tende a seguir o ofício do pai. Tudo era herdado. No porto de Ellis Is- land, também em Nova York, imigrantes recém- chegados da Itália, da Grécia e dos países do bloco comunista eram submetidos a testes de QI. “O propósito de apli- car a escala de medição mental em Ellis Island é peneirar os imigrantes que podem (...) se tornar um fardo para o Estado ou produzir prole que vai requerer vagas em prisões ou asilos”, afirmou em 1915 o médico Howard Knox. Xingamentos como “idiota” e “imbecil” eram termos técnicos, aplicados na classificação de pesso- as em relatórios oficiais. Racismo científico Embora hoje eugenia seja associada a racismo no imaginário popular, Galton e Davenport não tnham nada a ver com os escravocratas retógrados do sul dos EUA, asso- ciados à Ku Klux Klan. Foi um tipo de racismo diferente que pegou o bonde da eugenia. Se era possível isolar (e eliminar) os indesejáveis dente os membros de uma raça, por que não seria possível hierarquizar as próprias raças? Pior: por que não fazer isso à maneira Ex- cel, comparando narizes, testas e o volume de cére- bros e crânios de negros, brancos e índios? No livro A Falsa Me- dida do Homem, publica- do em 1980, o biólogo Stephen Jay Gould, de Harvard, cita o caso de Robert Bean – um mé- dico que em 1906 pu- blicou um longo artgo “Idiota” e “imbecil” não eram xingamen- tos: eram categorias científcas. A pobreza das cidades europeias no século 19 assustava a elite – que inventou uma solução “científca”. SI_400_Eugenia.indd 36 18/02/19 15:33 0 0 h i s t ó r i a 5 / 8 - disfarçado até hoje: “Meu neto é um cara bonito, viu? Branqueamento da raça”, disse o vice-presi- dente Hamilton Mourão em outbro de 2018. Quem concordaria é Renato Kehl – o farma- cêutco que, lá na década de 1920, liderou os esfor- ços de limpeza genétca no Brasil: “A nacionalida- de brasileira só embran- quecerá à custa de muito sabão de coco ariano”. Kehl se tornou o bode expia- tório dos livros didátcos, mas não tabalhou sozi- nho: muito sujeito que hoje é nome de rua partcipou. “Vital Brazil foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo, assim co- mo Arnaldo Vieirade Carvalho – o da Ave- nida Dr. Arnaldo, em São Paulo, fundador da Faculdade de Medicina da USP”, diz a historia- dora Pieta Diwan, autora do livro Raça Pura. Mon- teiro Lobato e Roquette- -Pinto, também. Ou seja: a eugenia foi uma invenção inglesa, aperfeiçoada nos EUA e disseminada por todo o Ocidente no enteguer- ras. O Holocausto foi só sua manifestação mais conhecida, mas todas as atrocidades ordenadas por Hitler (e rechaçadas pelos Aliados após a 2ª Guerra Mundial) tive- ram precursores entre os próprios Aliados. A descoberta dos campos de concentação desen- cadeou um surto de peso na consciência que culmi- nou com a publicação, em 1950, de um documento da Unesco intitulado comparando as medidas de várias partes dos cére- bros de negros e brancos. Uma das áreas analisadas foi o corpo caloso – que conecta o hemisfério direito ao esquerdo. O corpo caloso é divido em dois techos, o joe- lho e o esplênio, e Bean havia percebido algo, em sua opinião, fantástco: o joelho e o esplênio de negros eram muito me- nores que os dos brancos [veja o gráfico à esquerda]. Era racista demais pa- ra ser verdade. Tanto que Franklin Mall, o orienta- dor de Bean na Univer- sidade Johns Hopkins, suspeitou. Ele refez o estdo – dessa vez, me- dindo 106 cérebros sem saber, de antemão, a etnia dos indivíduos a que per- tenciam. Resultado? Seu gráficos saíram neutos. O desejo de comprovar te- ses pré-concebidas era tão grande que pesquisadores manipulavam os próprios dados inconscientemente. No Brasil, eugenia e ra- cismo andaram de mãos dadas – o ranço aparece SI_400_Eugenia.indd 37 18/02/19 16:06 0 0 h i s t ó r i a 6 / 8 A Questão da Raça. A ciên- cia pedia desculpas, e a pa- lavra eugenia virava tabu. O presente A mesma genética que justficou a eugenia ho- je dá armas para com- batê-la. Para começo de conversa, a maioria esma- gadora das nossas carac- terístcas é determinada por dezenas de genes, que interagem ente si e com o ambiente numa com- plicada dança bioquími- ca. Se na década de 1920 parecia óbvio que há um gene para famílias cons- tutoras de barcos, hoje a única certeza é que não há muitas certezas. “Os geneticistas não veem preto e branco, mas tons de cinza”, explica o genetcista Alysson Muo- tri, da Universidade da Califórnia em San Die- go (UCSD). Muoti lida diariamente com esses tons: seu laboratório busca tatamentos para formas graves de auts- mo – enquanto represen- tantes da parte mais leve do especto reivindicam que o autsmo é só parte de sua personalidade, e não uma doença. “Isso acontece em outos ca- sos – como o dos surdos nos EUA”, diz Muotri. “Alguns se recusam a ser rotlados como deficien- tes, e preferem passar a vida sem auxílio médico. Outos surdos optam por tatamentos para voltar a escutar. É preciso respei- tar a opinião de cada um.” A ideia de raça, por sua vez, simplesmente não tem validade biológica. Um estdo da Universi- dade Stanford analisou 1.056 indivíduos de 52 grupos étnicos distantes ente si geograficamente. A ideia era verificar se uma quantidade razo- ável de genes podia ser encontada na população de um lugar, mas não de outo – o que evidencia- ria a existência de raças. Algo ente 93% e 95% da variação genétca foi verificada entre indi- víduos do mesmo gru- po. As diferenças ente grupos foram irrisórias – ente 3% e 5%. 47% dos genes analisados apare- ciam em populações dos cinco contnentes. Moral da história: a diversida- de humana é um degradê sutl; é impossível divi- di-la em caixinhas. A ideia de raça é só uma forma de dar ares cien- tíficos ao preconceito. A diversidade huma- na é um degradê sutl. É impossível dividi-la em caixinhas. SI_400_Eugenia.indd 38 18/02/19 16:06 0 0 h i s t ó r i a 7 / 8 Fontes: Raça Pura, Pietra Diwan (2007); DNA: O Segredo da Vida, James D. Watson e Andrew Berry (2003); O Gene: uma História Íntima, Siddharta Mukherjee (2016); Human Natures: Genes, Cultures and the Human Prospect, Paul R. Ehrlich (2000); Genetic Structure of Human Populations, Noah A. Rosenberg et al., 2012. O futro DNA é algo mais revela- dor que um prontuário médico. Logo, será pos- sível julgar alguém com base nele com a mesma naturalidade com que imigrantes eram julgados por QI em Ellis Island. “No futuro, todos te- remos nosso genoma sequenciado. É inevitá- vel”, diz Muoti. “Por um lado, essa informação vai nos ajudar a prevenir e tatar doenças com mais eficiência [como já se faz com o gene BRCA1, asso- ciado ao câncer de mama]. Por outo, seu uso pelos planos de saúde deve ser controlado. Cobrar mensalidades de acordo com a susceptbilidade a doenças não só é possível como já acontece, quando se cobra mais caro de um idoso que de um jovem.” Empresas como a 23andMe, que oferecem testes de ancestalidade (ainda bastante impreci- sos), armazenam as infor- mações do DNA de seus clientes em bancos de da- dos. Eles passam longe de fazer um sequenciamento completo: leem apenas techos. Mas mesmo es- ses techos são uma arma poderosa. “A 23andMe usa suas bases de dados para conduzir pesquisa numa velocidade que o financiamento governa- mental não permite. Por exemplo: eles descobri- ram um gene associado à doença de Parkinson em seis meses”, diz a ge- netcista Ricki Lewis, do Albany Medical College. Ter o DNA de todo mundo sequenciado abre caminho, é claro, para editá-lo. E é aí que mora o problema: em- bora ninguém discorde que buscar a cura para o Parkinson ou Alzheimer seja algo bom, é preciso ter em mente que isso abre brechas perigosas. Conforme os cientstas elucidarem o quebra-ca- beça da interação ente os genes, aperfeiçoamentos cada vez mais comple- xos se tornarão realida- de. Tudo indica que será possível “ajustar” a altra, a cor dos olhos ou até a in- teligência – mas com um detalhe, claro: para quem puder pagar. A desigual- dade econômica, assim, será também uma desi- gualdade genétca. Uma distopia eugênica, com a criação de uma “casta superior”. É por isso que só há um jeito étco da ci- ência avançar: pensando nas consequências e na democratzação de seus avanços. A genétca tem muito a aprender com seu passado sombrio. S Na biologia, hoje, o con- ceito de raça não existe – e a atuação dos genes é mais compli- cada do que pensaram os eugenistas. SI_400_Eugenia.indd 39 18/02/19 15:33 0 0 h i s t ó r i a 8 / 8 Símbolo máximo do luxo, a ova do estrjão do Mar Cáspio era comida de camponês, até ser adotada pela realeza russa. Entenda como reviravoltas geopolítcas lançaram sobre o caviar o maior raio gourmetzador da história. de ração a frisson Caviar g a s t r o n o m i a SI_400_caviar.indd 40 18/02/19 18:22 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 6 0 0 Texto Marcos Nogueira Foto Alex Silva Design Bruna Sanches Produção Juliana Caro Edição Alexandre Versignassi SI_400_caviar.indd 41 18/02/19 18:22 g a s t r o n o m i a 2 / 6 0 0 O caviar começou a ser consumido como alimento (e ração) na Rússia do século 9. SI_400_caviar.indd 42 18/02/19 18:22 g a s t r o n o m i a 3 / 6 0 0 Esta é uma história que mistra per- sonagens improváveis: Zeca Pagodinho, um neto de Gêngis Khan, Marco Polo, Napoleão Bonaparte, Ivan (o Terrível), Louis Vuitton e os aiatolás do Irã. O fio conector de toda essa gente é um artgo comestível bastante partcular: o caviar, conserva salgada das ovas de um peixe chamado estrjão. Mais do que o caviar em si, o que importa para esta história é aquilo que ele representa: luxo e exclusão social. Caviar não é para o bico de muita gente. É disso que o sambista Zeca Pagodinho está falando quando canta: “Você sabe o que é caviar?/Nunca vi nem comi, eu só ouço falar”. O que define os consumi- dores da iguaria nem sempre é o saldo bancário. O berço é o que conta mais. O caviar também virou adjetvo. Símbolo máximo da dolce vita, ele é empregado pelos militantes de direita no Brasil para descrever uma parce- la de seus antagonistas: a “esquerda caviar”, intelectalidade endinheirada com pendor para o socialismo. A ex- pressão é emprestada da França, onde, nos anos 1980, a oposição de direita já chamava o presidente François Mit- terrand de gauche caviar. A nação francesa, por sinal, desem- penha papel fundamental nesta história. Apesar de russo, foi na alta sociedade pa- risiense que o caviar desabrochou de vez. O fenômeno coincidiu com o nasci- mento do conceito moderno de luxo – surgia um mercado voltado para pessoas de poder aquisitvo muito alto, alimen- tado por bens de consumo produzidos em série. Isso só foi possível depois da Revolução Industial. A indústia do luxo se instalou em Paris, e era lá que também estava o caviar. Deu match. Alguns séculos antes, porém, as ovas de estrjão alimentavam os pobres da Rússia. Sem prestígio nenhum, o caviar vez por outa virava ração para o gado. A ascensão social do caviar só foi pos- sível graças às reviravoltas históricas e acontecimentos fortitos que moldaram o mundo moderno. Agitação essa, aliás, que contasta fortemente com o estlo de vida do produtor original da iguaria. O pacato estrjão vive placidamente no lodo desde o período Jurássico. Presa fácil, o peixe foi quase exterminado para suprir os consumidores de luxo. Com a escassez, o valor do caviar aumentou mais ainda. E, na lógica perversa do mercado de luxo, quanto mais caro o produto, mais cobiçado ele será. O estrjão está numa sinuca de bico. Vamos examinar, a seguir, o caminho que o colocou nessa enrascada. Uma ova O mundo consome as ovas de uma in- finidade de criatras aquátcas: salmão, capelim, bacalhau, tainha, ouriço-do- -mar, peixe-voador. A rigor, nenhuma delas pode ser chamada de “caviar”. Caviar é o nome dado apenas às ovas de algumas espécies de estrjão eura- siátcas e norte-americanas. As mais valiosas são, em ordem decrescente, be- luga, osseta e sevruga – todas natvas dos mares Cáspio, Negro e de Azov. Curiosamente, os russos chamam o caviar de ikra, palavra genérica para denominar ovas. Isso dá uma ideia da banalidade com que a Rússia, histori- camente, tatou o alimento. Segundo o livro Caviar: a Global History (“Caviar: uma História Glo- bal”, sem tadução para o portguês), o estrjão enta nesta história muito mais prestgiado do que suas ovas. “Sua carne, parecida com a de vitela, tnha enorme popularidade nos períodos de abstnência de carne vermelha impos- tos pela autoridade cristã”, escreve a autora Nichola Fletcher. “Diz-se que um bom cozinheiro pode obter [do estrjão] carne de vaca ou de carnei- ro, porco ou frango”, acrescenta, em citação a Frank Buckland, um autor popular na Inglaterra do século 19. Carne tão versátl era muito aprecia- da nos tempos antgos, quando o estr- jão era abundante em todas as águas da Europa. Assim como o salmão, ele é um peixe marinho que migra para cursos de água doce na época da procriação. A região salobra da foz de um rio é o habitat típico dessa criatra. Para azar do esturjão, seu design mudou muito pouco desde o Jurássico, quando não sofria a ameaça de predador algum. O software do bicho permane- ceu o mesmo: ao ser captrado, ele não morde nem foge. O estrjão não reage. Pescá-lo nas águas rasas dos estários é de uma facilidade covarde. Começou ainda na Idade Média o extermínio do bichão – que pode atngir 8 metos de comprimento, pesar uma tonelada e meia e viver por mais de cem anos. “Estdos arqueológicos mostam que, no século 8, o estrjão representava 70% do peixe consumido nos países báltcos; no século 12, a proporção caiu para 10%”, escreve Nichola Fletcher. Na Rússia, o estrjão era o prato fa- vorito da Quaresma e outas datas si- milares da litrgia ortodoxa ao longo do ano. Para os mais pobres, porém, tnha preço proibitvo. As coisas mudaram pa- ra os russos – humanos e estrjões – no século 13, quando a Igreja autorizou o consumo de ovas durante a penitência. Foi o primeiro passo para o caviar se tornar um símbolo russo. Vendidas co- mo subproduto, as ovas entaram para a dieta da classe camponesa. A vastdão do território russo obri- gou os pescadores a desenvolver um método para conservar as ovas e, assim, vendê-las de Moscou às distantes este- pes siberianas. Como um queijo fino ou - SI_400_caviar.indd 43 18/02/19 18:22 g a s t r o n o m i a 4 / 6 0 0 100 gramas de caviar beluga podem custar R$ 5 mil. um bom presunto, o caviar é curado em sal e matrado em câmaras frias. Hoje em dia, as ovas podem passar por pasteu- rização – o que estca a sua validade, mas diminui o valor. No tempo dos mongóis, porém, tdo era bem mais rústco. Mongóis e cossacos A primeira aparição do caviar em um jantar de gala se deu na nobilíssima presença de Bat Khan, neto de Gêngis Khan e imperador dos mongóis ente 1242 e 1255. As forças mongóis haviam implodido o poderio russo. Conquistaram bastões da importância de Moscou e Kiev, e se es- tabeleceram no Cáucaso. A capital Sarai Bat ficava no delta do Rio Volga – uma extensa planície alagadiça na junção com o Mar Cáspio, o maior lago do mundo. Com águas rasas, calmas e salobras, o delta era um gigantesco motel de estr- jões. Em busca de sexo, para lá acorriam multdões de peixes da espécie beluga, que produz o mais valioso dos caviares. Antes dos mongóis, moravam na vizinhança os cazares. Estes, curiosa- mente, deixavam em paz os estrjões. Judeus, os cazares obedeciam à kashrut – conjunto de normas alimentares que proíbe, ente outas coisas, peixes sem escama. É o caso do estrjão (ou era, como veremos em breve). “Os mongóis não tnham essa aver- são”, escreve Nichola Fletcher. Eles encontaram um bufê livre de estr- jões e se serviram. Desenvolveram um sistema de pesca com paliçadas em que o próprio peixe se encalacrava num la- birinto de anzóis flutantes. Passaram a comer e a vender carne de estrjão. Quanto às ovas, elas foram apre- sentadas ao imperador no Mosteiro da Ressureição, em Uglich, no Alto Volga. Conta a lenda que Bat foi lá jantar com Yildiz, sua mulher. Na hora da sobreme- sa, compota de maçãs com ovas salgadas de estrjão, Yildiz ficou revoltada com o cheiro e deixou a sala. Bat Khan, por sua vez, comeu tdinho. Mais ou menos na mesma época, um certo Marco Polo chegou a Veneza com histórias fabulosas de riqueza das terras do Oriente, para onde ele teria viajado com seu pai. Os contos de Marco Po- lo deram aos mercadores venezianos a centelha necessária para se meter em barcos atavés do Bósforo até o Mar Negro e, de lá, cruzar o Esteito de Ker- ch para o Mar de Azov e a Crimeia, no bololô do território mongol. Do Cáucaso, os mongóis contola- vam a Rota da Seda. Compravam dos chineses e vendiam para os mercado- res árabes e persas, que encaminhavam tecidos e especiarias ao consumidor europeu. Os venezianos bagunçaram esse esquema, passando a negociar di- retamente com os mongóis. Os forne- cedores, que não eram bobos nem nada, empurraram aos italianos coisas para as quais não havia demanda alguma na Europa. Ente elas, as ovas salgadas de estrjão, que ficaram conhecidas na Itália como caviale – derivado do trco havyar, que vem do persa antgo mahi- -e-khâveeyâr, “peixe grávido”. Enquanto isso, no Norte, os moscovi- tas retomavam as terras perdidas para os mongóis. Quando reconquistaram o del- ta do Rio Volga, no século 16, os russos confiscaram toda a indústia de caviar implementada pelo antgo inquilino. Mas Ivan, o Terrível, tnha um problema: pre- cisava proteger aquele sertão todo de novos invasores. O czar trou de leta. Delegou a guarda daquelas lonjuras aos cossacos: um grupo heterogêneo, forma- do por dissidentes da Igreja Ortodoxa, camponeses fugitvos do sistema feudal e párias de estrpes sortdas. Natralmente, os cossacos passaram a contolar o comércio de estrjão e de caviar. Ricos e afastados dos olhos da corte moscovita, desenvolveram crescente autonomia. O movimento se tansformou em insurreição. O levante, porém, foi massacrado pelas topas do czar. Em 1671, os cossacos, rendidos, presentearam o czar Aleixo com um prato de caviar, numa demonstação de humildade e submissão. O caviar acabava de estear na alta sociedade, de onde nunca mais sairia. A oferta dos cossacos se tornou obrigação. Como prova de lealdade, eles passaram a enviar o melhor caviar diretamente aos nobres em Moscou. “Em 1868, 1.500 membros da corte tnham esse privilégio”, afirma Nichola Fletcher. Bem antes, quando Napoleão deu com os burros n’água –ou melhor, no gelo–, ao tentar invadir a Rússia, o caviar já era artgo fino. Ao fiasco napoleônico de 1812, sucedeu-se a corrida da aristo- cracia moscovita a Paris. Com ela, foi a reboque o hábito de comer caviar com blinis – pequenas panquecas – e creme azedo. Até hoje a França ocupa o segundo lugar ente os países que mais consomem caviar. Cerca de 15% das ovas de estrjão têm o mercado francês como destno. Paris é uma festa Se você acha que a internet tansformou o mundo, tente imaginar o impacto que a máquina a vapor causou no século 19. Subitamente, a Europa ficou pequena. Ferrovias e barcos rápidos possibilitaram a comunicação e o comércio sem inter- mediários ente regiões distantes. A in- dústia incipiente reduziu de forma subs- tancial o tempo e o custo na produção de artgos como roupas e relógios. O luxo tornou-se – relatvamente – acessível. SI_400_caviar.indd 44 18/02/19 18:22 g a s t r o n o m i a 5 / 6 0 0 Antes da Revolução Industial, qual- quer tpo de bem de consumo chique era exclusividade das realezas e do alto clero. Fazer uma bolsa de couro tomava toda a capacidade de tabalho de uma oficina de artesãos, por exemplo. Só quem era o dono do pedaço podia, por assim dizer, se dar ao luxo. Em 1859, um suburbano parisiense chamado Louis Vuitton abriu uma fabri- queta com 20 funcionários em Asnières- sur-Seine. Constuiu um império sobre bolsas, pastas e malas de viagem vendidas a quem tvesse dinheiro para comprá-las. Alguns quilômetos a Leste, na região de Champagne, vinicultores com olhar marqueteiro vendiam ao mundo sua be- bida borbulhante com preço nas altras. As pequenas pérolas de sabor mari- nho do caviar se encaixaram perfeita- mente no zeitgeist da capital do novíssi- mo luxo. E esse caráter segue impresso no produto. Hoje, qualquer um pode comprar caviar online, no Brasil, sem sair de casa. Desde que pague R$ 5,4 mil por uma latnha de 125 gramas. É o fim? O desmantelamento da URSS, no final do século 20, foi um desaste para as populações de estrjão. O Cáucaso se fragmentou em novos países que viram na exploração do caviar um meio rápido de ganhar dinheiro. Em poucos anos, o estrjão quase desapareceu da margem norte do Mar Cáspio. Na margem sul, via-se alguma espe- rança de recuperação. Lá, afinal, fica o Irã. Aos muçulmanos também é vetado comer peixes sem escamas. Mas os aia- tolás descobriram estdos que mostam que o estrjão tem minúsculas escamas na cauda. Aí, voilà, o caviar virou halal. Outa solução seria a produção de caviar em fazendas aquátcas e de espé- cies natvas da América do Norte. Pena que o mercado de luxo não se comova demais com o que não é the real thing – o beluga selvagem do Cáspio. Talvez o estrjão precise do apoca- lipse humano para sobreviver. Porque, como diz um antgo ditado russo, “o que é bom para o homem não é bom para o peixe” (mentra: eu acabei de in- ventar essa frase. Mas, para o estrjão, que segue em sua placidez jurássica em direção à extnção, tanto faz). S SI_400_caviar.indd 45 18/02/19 18:22 g a s t r o n o m i a 6 / 6 0 0 C i ê n C i a Stephen A s ú l i m A s r s p o s t A s hawking de SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 48 18/02/19 18:32 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 6 0 0 Reportagem Guilherme Eler Ilustrações Estevan Silveira Design Juliana Caro Edição Bruno Garattoni Em Breves Respos- tas para Grandes Questões, livro lan- çado após sua morte, Hawking tenta no- vamente responder a dilemas que colo- cam a hu- manidade para pen- sar. Aqui estão suas conclusões mais insti- gantes. SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 49 18/02/19 18:32 0 0 c i ê n c i a 2 / 6 É possível prever o futuro? Em tese, é sim. Hawking diz que, caso fosse possível saber a posição e a velocidade de todas as partículas do Universo em um determinado momento, daria para calcular onde cada uma estará no instante seguinte. E isso vale para coisas subjetvas, como a roupa que você vai usar amanhã ou o nome de seus filhos que ainda não nasceram. O problema é que, como descobriu o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), essa conta não é precisa. Segundo seu "princípio da incerteza", não conseguimos medir a posição de coisas muito pequenas sem interferir no resultado da conta. Quando prevemos a órbita de Marte, por exemplo, isso não atapalha em nada sua tajetória ou velocidade. Mas não vale para partículas muito pequenas, como elétons. Iluminar um eléton para estdá-lo, por exemplo, já é suficiente para fazê-lo roubar energia da luz e perder estabilidade. Dessa forma, quanto mais exata for a previsão sobre a velocidade do eléton, mais difícil é achar a posição dele no espaço e vice-versa. Na verdade, o buraco é mais embaixo. Hei- senberg descobriu que uma partícula ou tem posição ou tem velocidade. Ou seja: o mundo microscópico é feito de fantasmas inescrutáveis. A chave para diminuir essa imprecisão seria analisar posição e velocidade como se fossem uma coisa só. Isso é possível a partr da "função de onda", fórmula que estma o estado quântco de uma partícula usando probabilidade estatístca. Se pudéssemos achar a função de onda de cada partícula que existe, aí sim, daria para mapear o futro de todas as coisas. o que há dentro de um buraco negro? O grande mistério sobre buracos negros é que não sabemos se eles têm "memória". A teoria mais aceita é a de que não há como conhecer sua história. Por exemplo, se um dia o buraco sugou uma estrela, planeta ou nave espacial, nenhuma tecnologia que exista ou venha a existir será capaz de rastrear o que caiu lá dentro. Hawking, porém, morreu tentando criar uma teoria que dissesse o contrário. Os vestígios daquilo que um buraco negro engoliu escapariam de alguma forma junto da radiaáão que eles emitem – uma forma de energia conhecida como "radiação Hawking", esta sim a maior descoberta científica de Stephen. O que A HumA- nidAde fArÁ nOS PrÓximOS mil AnOS. enviAremOS umA SOndA A AlPHA CentAuri, O SiStemA eStelAr mAiS PrÓximO dO nOSSO. entenderemOS O que ACOnteCeu nO Big BAng, COmO A vidA COmeÇOu nA terrA, e Se elA exiSte em OutrOS lugAreS dO COSmOS. Nesta geração em 50 aNoso futuro segundo hawking SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 50 18/02/19 18:52 0 0 c i ê n c i a 3 / 6 Deus existe? Também não haveria necessidade de um criador, pelo mesmo motvo. Se o tempo não exista antes do Big Bang, então não há um instante no qual o Universo foi produzido, diz Hawking. Quando observamos a vastdão do cosmos, e como a vida humana é insignificante e acidental, explica o físico, parece pouco plau- sível que alguém o tenha criado e contole nosso destno. Para além da vontade de um ser superior, tdo é regido por "leis da natreza" imu- táveis e universais. É até possível entender tais leis como "deus". Só que, pensando assim, ele não seria pessoal e acessível, como pregam as religiões. Caso fosse, no entan- to, Hawking diz que teria algo na ponta da língua para questoná-lo: "Perguntaria o que ele pensa de um negócio bem complicado, tpo a Teoria-M”, que afirma que podem existr não quato, nem cinco, mas 11 dimensões. Assim como não há um antes, não há também um depois. Quando a vida acaba, retornamos ao pó – de estela, é claro. viajaremos para qualquer lugar do sistema solar – com exceÇÃo, talvez, dos "planetas exteriores" urano e netuno. Em 100 anos seremos superados pelas mÁquinas em inteligÊncia. descobriremos como moldar a inteligÊncia e os instintos agressivos humanos. Como tuDo Começou? Para Hawking, tudo veio do nada. No primeiro momento do Big Bang, todo o Universo estava comprimido num único ponto, menor que um próton. Não se sabe o que criou tal ponto. Segundo o físico, ele pode, inclusive, ter surgido do nada, sem demandar qualquer energia. Uma vez que nem tempo, nem espaço existam, não há como haver algo anterior, do qual o ponto tenha se originado. - Não quero ofender a fé de ninguém, mas acho que a ci- ência tem uma explicação mais convincente que a existên- cia de um cria- dor divino." Filmes que hawking cita na obra star trEk Campeão de citações, apa- rece 6 vezes DE volta pa- ra o futuro Cita ao falar de universos paralelos 2001: uma oDissEia no Espaço Como seria se as máquinas saíssem de controle Jurassic park ExtErmina- Dor Do futuro intErEstElar Como seria vi- ver em várias dimensões inDEpEnDEncE Day Retrato fel de uma possível invasão alie- nígena SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 51 18/02/19 18:52 0 0 c i ê n c i a 4 / 6 É possível viajar no tempo? A ciência sabe perfeitamente como viajar ao futro. O problema é de engenharia: para tal, precisaríamos ape- nas constuir uma nave espacial abusivamente veloz. Ela precisaria chegar bem perto de 1,08 bilhão de km/h – a velocidade da luz. Caso ela vá até 99,99999…% da velocidade da luz, por exemplo, seria possível sair do ano 2019 para qualquer data futra. É que, quanto mais rápido a nave vai, mais devagar o tempo passa para quem está lá dento, e mais rápido do lado de fora. Assim, uma viagem de 5 minutos perto da velo- cidade da luz significaria um salto de um século para o futro. O que a ciência não imagina é como voltar no tempo. Hawking achava que essa era mesmo uma impossibilidade física – tanto que, em 2009, fez uma brincadeira: organizou uma festa para viajantes no tempo. Para garantr que só tristas do futro compare- cessem, divulgou o evento só depois que ele aconteceu. Mas ele e outos físicos imaginaram uma gambiarra: levar uma nave hiperveloz até o futro, mas com um buraco de minhoca no porta-malas. O buraco serviria como um portal ente a data de destno da nave (o ano de 2119, por exemplo) e 2019. Nisso, seus bisnetos do século 22 poderiam usar o portal para te visitar aqui no século 21. Uma viagem ao passado. Voltar para antes da invenção dessa primeira máquina do tempo, de qualquer forma, seguiria impossível. Faremos nossas primeiras viagens interestelares. descobriremos uma 'teoria de tudo' , que una a relatividade com a FÍsica quÂntica. Em 500 anos Em 1.000 anos Há vida inteligente fora da terra? Se existe, deve estar muito distante – caso contário, já teria vindo ao nosso planeta. Mas, e se já recebemos visitas intergaláctcas e não nos demos conta disso? Para Hawking, a aparição de OVNIs e aliens deveria ser muito mais evidente do que sugere nossa vã ufologia – e, potencialmente, catastófica. As chances de que formas de vida inteligente apareçam espontaneamen- te é tão baixa que, segundo o cientsta, é provável que a Terra seja o único planeta da galáxia (ou do Universo observável) em que isso aconteceu. Mas nada impede que muitos outos planetas tenham vida. Essa vida não teria necessariamente desenvolvido inteligên- cia – pelo menos não da forma como a conhecemos. Surge aí um problema de conceito, aliás. Como huma- nos, tendemos a tatar inteligência como consequência evolutva: se algo é mais evoluído, é mais inteligente – o que não necessariamente é verdadeiro fora de nossa limitada caixinha. Isso quer dizer que podem existr, em algum canto do Universo, indivíduos biologicamente complexos, mas incapazes de criar uma nave ou, ainda, tavar um contato amistoso. Não que a busca por vizi- nhos inteligentes, por si só, valha muito a pena. No nosso atal estágio, encontar uma civilização extaterreste seria como quando os natvos americanos encontaram Colombo. “Não creio que eles achem que sua sitação melhorou depois disso”, disse Hawking. SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 52 18/02/19 18:53 0 0 c i ê n c i a 5 / 6 um confronto nuclear ou catÁstrofe ambiental pode jÁ ter devastado a humanidade. reformularemos completamente o dna humano. precisaremos estar de malas prontas para abandonar a terra. O ser humanO vai ser extintO? Sim – a menos que a gente dê um jeito de abando- nar a Terra antes. Com o esgotamento dos recur- sos natrais, mudanças climátcas, desmatamento, superpopulação, guerras, fome, escassez de água e extermínio de espécies, "confinar-se no planeta seria viver como náufragos que não tentam escapar de sua ilha deserta", argumenta. Usando os enteveros recentes ente Donald Trump e Kim Jong-un como exemplo, Hawking diz crer, porém, que uma guerra nuclear seja a maior ameaça hoje. a inteligência artificial vai dOminar O mundO? Se a humanidade der brecha, vai. É preciso garantr que nossos objetvos estejam alinhados com os das máqui- nas quando a capacidade intelectal delas superar a do ser humano – Hawking acredita que isso acontecerá dento de um século (veja a linha do tempo abaixo). Para o médio prazo, o físico é estanhamente otmista: o uso de robôs poderia automatzar empregos e tazer prosperidade e igualdade aos Homo sapiens – algo que, convenhamos, parece longe de acontecer. Menosprezar a capacidade e a astúcia de inteligências artficiais, no entanto, pode ser nosso pior erro. O verdadeiro risco nem é criar uma coisa má, que saia do contole e decida assumir um lado perverso. Mas, sim, algo competente demais. O melhor exemplo para entender o risco seria pensar em nossa própria relação com as formigas. Não é como se os humanos as odiassem a ponto de querer riscá-las do mapa. Porém, caso uma colônia esteja em uma área que precisa ser alagada para a constução de uma hidrelética, por exemplo, não pensamos duas vezes antes de afogar milhares delas. “A tecnologia poderia tapear os mercados financeiros, superar a in- ventvidade dos cientstas, aprender a manipular mais que os líderes humanos e nos subjugar com armas que seremos incapazes de compreender", diz Hawking. Teríamos de entegar a Terra de bandeja. Só restaria torcer para que ainda sobrassem robôs submissos para nos ajudar na tarefa de arrumar outo planeta. S SI_400_Mat_Stephen Hawking.indd 53 18/02/19 18:53 0 0 c i ê n c i a 6 / 6 p s i c o l o g i a SI_400_fotos.indd 54 18/02/19 12:59 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 4 0 0 Texto Rafael Battaglia Foto Martin Parr Design Bruna Sanches Edição Alexandre Versignassi Psicólogos aler- tam: a mania de tirar fotos o tempo todo pode estar destruindo as nossas lem- branças, e nos tornando pessoas mais superfciais. memórias editadas SI_400_fotos.indd 55 18/02/19 12:59 p s i c o l o g i a 2 / 4 0 0 formas de expandir a capacidade de guardar informação que tazemos de fábrica. Das pintras rupestes (como as da página 62) aos livros e quadros, quase tdo o que entendemos como “cultra” vem do impulso de tornar a vida um fenômeno menos furtvo. Quando você vive com uma câmera fotográfica de capacidade virtalmente infinita no bolso, no entanto, a tendên- cia é que você se preocupe mais em registar momentos do que em prestar atenção neles. Aí complica. “Prestar atenção é fundamental para codificar informações na memória”, diz a italiana Giuliana Mazzoni, professora de psicologia da Universidade de Hull, no Reino Unido, e especialista no assunto. Giuliana é um de vários psicólogos acadêmicos que amaldiçoam o hábito de trar fotos – ao menos quando ele se torna uma compulsão. “Se você adquire esse hábito, seu cérebro pode começar a processar informações de forma mais 1.100 fotos vão para o Instagram a cada segundo. O Instagram recebe 95 mIlhões de fOtOs pOr dIa. São 1.100 novas ima- gens no sistema a cada segundo. Isso sem falar nos outos bilhões de cliques armazenados na memória dos celulares e que nunca verão a luz do dia. Nunca se fotografou tanto, claro. No início do século 21, ainda estávamos presos à quantdade de fotos que cabiam num rolo de filme – o rolo podia abrigar 12, 24 ou 36 imagens. Logo, o momento de trar uma foto era especial. E poucos se aventravam a estcar o braço e trar uma foto da própria cara. A chance de dar ruim era gigantesca. As câmeras digitais acabaram com a limitação de poses. O celular realizou uma utopia: colocou uma câmera digital em cada bolso – ou quase isso: 60% dos brasileiros têm smartphone; ente os jovens adultos (18 a 34 anos), são 85%. Há quem não tenha onde morar, mas possua o seu aparelhinho, com uma câ- mera digital embutda que, há 20 anos, custaria US$ 5 mil. E tome foto. De tdo. De todos. Só tem um problema: esse hábito pode estar acabando com as nossas vi- das – pelo menos com a forma como nos lembramos das nossas vidas. E pode estar distorcendo nossas personalidades também. Feche a câme- ra do seu celular e vamos entender isso. Lembranças incompletas O celular é um HD externo do nosso cé- rebro. Uma extensão da nossa memória. E isso começou bem antes do celular. Desde sempre, a humanidade buscou SI_400_fotos.indd 56 18/02/19 12:59 p s i c o l o g i a 3 / 4 0 0 Henkel mostou imagens de obras de arte aos partcipantes, perguntando se elas estavam ou não no museu. O grupo que trou fotos teve mais dificuldade em reconhecer quais obras tnha visto. “As pessoas delegam à câmera a tarefa de lembrar as coisas por elas. E isso tem um impacto negatvo na forma como elas recordam suas experiências”, con- clui a psicóloga. Para Giuliana Mazzoni, a era da fo- tografia instantânea também pode ter reverberações em nossa personalidade. “As selfies e poses são planejadas, não têm natralidade”, ela diz. “Se a gente se basear fortemente em fotos ao nos lembrarmos do passado, poderemos criar uma identdade própria distorci- da com base na imagem que desejamos promover para os outos.” Estamos todos fadados a virar zum- bis sem personalidade, então? Claro que não. O fato é que ainda há muito o que pesquisar sobre o assunto. Por via das dúvidas, porém, vale lembrar: sua Fotos Martin Parr/ Latinstock memória talvez agradeça se você parar e dar uma boa olhada no que vai fotografar antes de efetvamente apertar o botão. É como num show. Em vez de assis- t-lo pelo celular, gravando tdo o que está acontecendo, tente aproveitar um pouco mais o momento. No fim, a única memória que importa é aquela gravada nos seus neurônios. Você é feito delas, não da sua tmeline do Instagram. S superficial.” Resultado: memórias mais fracas, mais difíceis de acessar. Ainda há relatvamente poucos es- tdos sobre o tema. Um deles, condu- zido por psicólogos de Yale, Wharton e outras universidades americanas, diz que o hábito de trar fotos tem um detalhe positvo bastante óbvio: nos ajuda a lembrar de detalhes visuais. Mas prejudica outos aspectos da me- mória. No teste, 294 partcipantes foram convidados para ir a um museu. Parte deles pôde trar fotografias ao longo da visita e a outa não. Quem levou uma câmera conseguiu se lembrar melhor de detalhes visuais das obras de arte, mas se saiu pior na hora de recordar informações a respeito do acervo que tnham ouvido durante a visita. Outo estdo, feito pela psicóloga Linda Henkel, da Universidade Fair- field, nos EUA, é até mais pessimista. A conclusão ali é que não, trar fotos não ajuda nem na retenção de memórias puramente visuais. “As pessoas sacam sua câmera prat- camente sem pensar, na esperança de captrar o momento, e acabam deixan- do de perceber o que está acontecendo bem ali, na cara delas”, disse Henkel à revista americana Psychological Science. Henkel também levou um grupo de voluntários a um museu. Uma parte do pessoal estava munida de câmeras. A outra, sem nada. No dia seguinte, 4,2 bilhões é a quantidade de curtidas que as fotos do Instagram recebem a cada dia. SI_400_fotos.indd 57 18/02/19 12:59 p s i c o l o g i a 4 / 4 0 0 A R Q U E O L O G I A A Serra da Capivara, no Piauí, é mais que um wallpaper perfeito: guarda a maior concentração de pinturas ru- pestres do planeta – e ajuda a reconstruir a história perdida dos primeiros habitantes das Américas. PARAÍSO Texto Ingrid Luisa, de São Raimundo Nonato Design Carol Malavolta Edição Ana Carolina Leonardi (QUASE) ESCONDIDO PARAÍSO (QUASE) ESCONDIDO SI_400_SerraCapivara.indd 58 19/02/19 17:27 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 8 0 0 PARAÍSO (QUASE) ESCONDIDO PARAÍSO SI_400_SerraCapivara.indd 59 19/02/19 17:28 a r q u e o l o g i a 2 / 8 0 0 F Falar do contnente ameri- cano é falar de forasteiros: o Novo Mundo foi o pe- núltmo contnente des- bravado pelo Homo sapiens. Só a Antártida passou mais tempo sossegada. Mas como era a América antes dos humanos? E quando eles começaram a aparecer por aqui? Junto às respostas consensuais para essas perguntas, há uma série de contovér- sias científicas que, curio- samente, convergem para um lugar inesperado: o interior do Piauí. Nos paredões do semi- árido brasileiro, homens pré-históricos regista- vam suas vidas para a posteridade. É num pe- daço da caatinga equi- valente à cidade de São Paulo que fica a maior concentação de pintras rupestes do planeta.Há exatos 40 anos, em 1979, essa região foi tansfor- mada no Parque Nacional Serra da Capivara. Conhecer a história da Serra é mergulhar na his- tória da humanidade, e da própria Terra. A melhor forma de iniciar esse mer- gulho, portanto, é viajar no tempo, começando por quando tdo isso aqui era mato… Ou melhor: quan- do o sertão era mar. Do mar aos croquis A região sudeste do Piauí, onde fica a Serra da Capi- vara, ocupa uma zona de fronteira ente duas gran- des formações geológicas: um escudo cristalino do período Pré-Cambriano, e a bacia sedimentar do mar Siluriano-Permiano. Ente 440 e 360 milhões de anos atás, esse mar cobria to- da a região. Os paredões rochosos da Serra, com mais de 100 metros de altra, foram criados em- baixo d’água – prova disso são as dezenas de fósseis de pequenos artópodes marinhos achados por lá. Há 220 milhões de anos, porém, a farra dos animais aquátcos acabou abruptamente: um grande movimento tectônico le- vantou o fundo do mar no Piauí – e jogou toda a água para o Ceará. Os sedimen- tos dessa temedeira estão lá até hoje. Viraram parte dos grandes cânions da Serra da Capivara. Centenas de milhões de anos depois, esses mesmos paredões segui- ram testemunhando fa- tos pitorescos. Um deles aconteceu outo dia, geo- logicamente falando. Foi há 115 mil anos, quando começou a últma Era do Gelo. O Piauí se tornou uma espécie de oásis – a região, próxima da linha do Equador, nunca con- gelou. Vestígios paleon- tológicos mostam que o clima ameno ataiu uma fauna exuberante: tgres- dente-de-sabre, preguiças gigantes, mastodontes (parentes do mamute), pa- leolhamas (mistra de ca- valo, tamanduá e, é claro, lhama). Com o fim da Era do Gelo, porém, a umida- de caiu e as temperatras aumentaram severamente. Ao longo dos 3 mil anos seguintes, os animais da megafauna foram extntos, e a vegetação mudou para se adaptar às novas con- dições: nascia a caatnga. Nessa época, já havia humanos por lá. A abun- dância de sítos arqueo- lógicos na Serra é prova disso. São mais de mil, cheios de artefatos de pedra lascada, esqueletos humanos e, claro, pintras rupestes. A maioria delas foi feita ente 6 mil e 12 mil anos atás. Só como base de comparação, as mais antigas do mundo têm mais de 30 mil anos. A quantdade de dese- nhos na Serra da Capiva- ra, no entanto, é única no mundo: enquanto sítos europeus possuem de 10 a 12 figuras, apenas na Toca do Boqueirão da Pedra Furada, um dos pontos mais famosos da Serra, há 1.200 pintras. Para além da arte ru- peste, também na Serra foi encontado o segundo Foto página anterior Brazil Photos/Getty images SI_400_SerraCapivara.indd 60 15/02/19 18:43 a r q u e o l o g i a 3 / 8 0 0 → ba t er es i na forta l e za nata l j oão p e ssoa r ec i f e P I c e rn Pb Pe ba a l mace i ó Cidade de São Paulo Parque NaCioNal Serra da CaPivara 1.300 km2 1.521 km2 o trabalho de sua vida. Sua obstnação foi o que levou a Capivara a atair interesse arqueológico de cunho internacional. Mas a mesma insistência da pesquisadora em teo- rias contoversas touxe a Serra para o cento de disputas científicas que já duram décadas. O seixo no sapato Em 1978, Niède Guidon começou a escavar o sí- tio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, aquele que guarda 1.200 figuras rupestes. Lá, ela encon- trou dois dos artefatos mais controversos de sua carreira: pedras que aparentavam ter sido las- cadas por Homo sapiens e pedaços de carvão que pareciam vir de foguei- ras feitas por humanos. Niède mandou o carvão para a França, para ser datado em laboratórios de lá. Para sua surpresa, o carbono-14 indicava que a amosta tnha 26 mil anos de idade. Nos anos seguintes, Guidon encontou objetos cada vez mais antigos. Em 1986, ela publicou um artgo na revista cientí- fica Nature, que tornou os vestígios da Serra da Capivara conhecidos mundialmente. No papel, Niède apresenta carvões e pedras que indicariam a presença humana na Amé- rica do Sul há 32 mil anos. Esse é um dado que distorce toda a história das ocupações na Amé- rica: o consenso científico é de que o homem chegou ao Novo Mundo há cerca de 15 mil anos – não mui- to mais, não muito menos. Sabemos que o Homo crânio mais antigo das Américas: Zuzu, que viveu há 9,92 mil anos, só perde em idade para Luzia, a mulher de 11 mil anos cujo crânio foi achado em Minas Gerais. Há quem defenda, po- rém, que a Serra estava ocupada por humanos bem antes de Zuzu, ou mesmo de Luzia. Estamos falando de Niède Guidon. A arqueóloga franco-bra- sileira de 86 anos foi a primeira a desconfiar do potencial científico escondido no meio do Piauí. Guidon fez da Serra A Pedra Furada, que dá nome ao sítio que coleciona 1.200 pinturas rupestres. Foto Brazil Photos/Getty images SI_400_SerraCapivara.indd 61 15/02/19 18:43 a r q u e o l o g i a 4 / 8 0 0 P a l e o z o i c a P E R ÍO D O E R A M A * ORDOviciAnO DEvOniAnO cARbOnÍfERO JuRássicOTRiássicOPERMiAnOsiluRiAnOcAMbRiAnO 485,4 443,8 419,2 358,9 201,3 14251,9298,9541 Trilobitas P r é-Pa ng e i a Pa ng e i a P e r í o d o ta l a s s o c r át ic o Mar Siluriano-Permiano cobria toda a Serra Primeiros movimentos de placa que, no futuro, culminaram na abertura do Atlântico Sul AMéRicA DO sul * Milhões de anos Artrópodes marinhos que habitavam a Serra sapiens surgiu na África ente 200 mil e 300 mil anos atrás. De lá, espa- lhou-se pela Europa e Ásia. Há 60 mil anos, nossa espécie atingia a Austrália. Depois, as Américas – de acordo com as teorias mais acei- tas, via Esteito de Bering, que era terra seca na épo- ca. Aqui, a narratva ofi- cial nos leva aos homens de Clóvis, por muito tem- po considerados o povo americano mais antgo. Nos anos 1920, nas ci- dades americanas de Fol- som e Clóvis, Novo Mé- xico, foram encontadas pontas de lanças ao lado de fósseis de animais de grande porte. Eram armas humanas de 13 mil anos de idade, que comprovavam a presença de homens na América em plena Era Glacial. Daí surge a teo- ria “Clovis First”, segundo a qual todo e qualquer outo grupo humano que habitou o contnente teria, necessariamente, chegado depois deles. Nas últimas décadas, porém, a primazia de Clóvis foi fortemente con- testada. Hoje, há centenas de sítos mais antgos na Venezuela, no Peru, no Brasil, na Argentna e nos próprios EUA. O síto de Monte Verde, no Chile, por exemplo, tem datações de 14,6 mil anos. Mesmo assim, muitos arqueólogos americanos (chamados pe- joratvamente de “polícia de Clóvis”) ainda duvidam dessas descobertas. De- fendem que os achados são só pedras comuns, não ferramentas humanas. Perceba, porém, que mesmo os artefatos pré- Clóvis mais aceitos, datan- do de 15 mil anos, vieram apenas 2 mil anos antes da cultra Clóvis. É uma va- riação bem menos radical do que sugerem os arte- fatos de 20 a 30 mil anos Serra geológica A evolução natural da Capivara (e da América do Sul), do mar ao sertão. SI_400_SerraCapivara.indd 62 15/02/19 18:44 a r q u e o l o g i a 5 / 8 0 0 → M e s o z o i c a c e n o z o i c a NeogeNo QuaterNárioCretáCeo PaleogeNo 66 hoje145 23 2,58 Homo sapiens Megafauna Tigre-dentes- -de-sabre Tatu gigantePaleolhama Preguiça gigante da Serra. Justamente por isso, a maior parte dos es- pecialistas considera que as amostas de carvão de Niède foram criadas por incêndios naturais. Por raios de tempestade, não por pessoas. Guidon, é claro, de- fende sua descoberta. Segundo a pesquisadora, uma queimada produziria restos de carvão para todo lado – os de Niède esta- vam concentados num lugar só, protegidos sob paredões da Pedra Furada. Já a defesa das pedras tem por base o formato delas: as lascas estão presentes apenas de um lado, como se tvessem sido molda- das por impactos con- tínuos e planejados, em uma direção só. O mais antigo dos supostos instrumentos humanos de Niède tem 100 mil anos de idade. Ele foi a peça final na teoria nada convencional que ela defende até hoje: há 100 mil anos, existriam comunidades humanas no Piauí, formadas por ho- mens vindos diretamente da África, sem passar pelo Esteito de Bering. A comunidade cien- tífica recebeu as ideias de Niède com temenda cautela – para não dizer hostlidade. No Brasil, um de seus crítcos mais ferre- nhos foi o bioarqueólogo Walter Neves, conhecido como “pai” de Luzia. “Eu não acreditava em uma vírgula nas descobertas dela na Pedra Furada, e confesso que achava que era uma questão de in- competência. Mas, quan- do ela me convidou para visitar a Serra [em 2005] e eu vi os artefatos, foi um choque”, nos disse Walter sobre as pedras lascadas. “Saí da visita 99% con- vencido de que ali tnha mãos humanas de 30 mil anos atás, a cronologia de Niède na época. Mas 1% de dúvida ainda é algo exte- mamente significatvo.” Se Walter é cauteloso quanto aos 30 mil anos, é abertamente cético quanto a qualquer obje- to de 100 mil anos: “Isso é Guerra nas Estrelas, ficção científica, nem se discute”. A migração di- reta pela África também é amplamente descartada. Segundo o arqueólogo André Strauss, profes- sor da USP que atou na Serra da Capivara, mesmo que haja provas de uma migração mais antga na Serra, esses homens tam- bém teriam chegado pelo Esteito de Bering. Quando se aposentou, Guidon cercou-se de fi- guras conceitadas para dar contnuidade ao seu tabalho na Serra. Convi- dou o arqueólogo francês Eric Boeda para liderar as pesquisas por lá. Boeda é um dos principais nomes do mundo no estdo de ferramentas antgas fei- tas de pedra. Em seus 20 anos no Piauí, ele iden- tficou pedras de 22 mil anos como instumentos humanos – seus artefatos mais extemos chegam à “faixa etária” dos 40 mil. São datações mais conservadoras do que as de Niède – mas ainda vão muito além do que a teoria oficial de ocupa- ção da América é capaz de explicar. “A estatégia dele é inteligente. Passa por números mais palpá- veis primeiro”, diz André No parque, turistas caminham por passarelas (abaixo) para visitar as pintu- ras de 6 a 12 mil anos de idade (à esquerda). Fotos Mauricio Pokemon SI_400_SerraCapivara.indd 63 15/02/19 18:44 a r q u e o l o g i a 6 / 8 0 0 15.000 anos atrás p e d r a s a r c a i c a s Complexo de Buttermilk Creek - Texas/EUA Artefatos pré- Clóvis mais aceitos como ferramentas. 13.500 anos atrás p o n t a s d e l a n ç a Complexos de Clóvis - Novo México/EUA As evidências mais antigas dos homens de Clóvis. Strauss. “Eric, além do prestígio, está aberto ao diálogo, algo difícil com a Niède. Antes de tdo, ele está tentando recuperar a credibilidade dos achados humanos da Serra.” A fundadora teimosa Entre pedras lascadas e farpas, uma coisa ninguém contesta: Niède Guidon é uma exímia administado- ra. O relacionamento ente Guidon e o Piauí já ulta- passa as Bodas de Ouro: começou em 1963. Niède tabalhava bem longe, no Museu do Ipiranga, em São Paulo, onde foi or- ganizada uma exposição sobre figuras rupestes no Brasil – as únicas conhe- cidas até então, feitas em Minas Gerais. “Um senhor veio visitar a exposição e me mostou fotos de ou- tas pintras, dizendo que também havia esses ‘dese- nhos de índios’ perto da cidade dele”, conta Niède. Foi só em 1970 que Guidon teve a chance de encontar pessoalmente os tais “desenhos de ín- dio”. Oito anos de estdo depois, ela instalava por lá uma comissão perma- nente de pesquisa, fruto de uma parceria entre a França e o Brasil. Reuniu biólogos, zoólogos, botâ- nicos e paleontólogos pa- ra promover uma ampla investigação em toda a Serra. “Não tnha estu- tura, estrada, nada. Os moradores locais foram nossos primeiros guias, exploramos tdo a pé.” Criar uma reserva totalmente dedicada a preservação e pesquisa, porém, foi um trabalho árduo. “Conseguimos que o governo criasse o par- que, mas não colocaram um funcionário sequer”, conta Niède. O projeto era tornar o parque um bem público, que ataísse tristas e movimentasse a economia da região. Para isso, Guidon e sua equipe receberam apoio técnico do antgo Banco Interamericano de Desen- volvimento, e receberam doações da Petobras para manter o parque de pé. Não foi suficiente, porém, para fazer des- lanchar o paraíso arque- ológico escondido: ainda hoje, a serra recebe só 20 mil tristas por ano. A situação só piorou quando as verbas públi- cas secaram. Os repasses da Petobras foram a zero com a crise na empresa. A pintura ao lado é símbolo da Serra, mas não mostra capivaras, e sim dois veados. Abaixo, o morador mais ilustre do parque: Zuzu. A chegada do homem às Américas Os indícios por trás da narrativa ofcial da ciência – e da versão paralela de Guidon. Parque Serra da Capivara - Piauí/BR Instrumentos data- dos por Boeda são 60 mil anos mais recentes. 40.000 anos atrás p e d r a s a r c a i c a s Parque Serra da Capivara - Piauí/BR Indícios mais an- tigos de possíveis fogueiras humanas. 32.000 anos atrás c a r v ã o Parque Serra da Capivara - Piauí/BR Seriam as pistas mais antigas de presença humana na Serra. 100.000 anos atrás p e d r a s a r c a i c a s SI_400_SerraCapivara.indd 64 15/02/19 18:44 a r q u e o l o g i a 7 / 8 0 0 12.700 anos atrás a n z i c k Complexo Anzick – Montana/EUA Esqueleto parcial, único fóssil humano da cultura Clóvis. 11.500 anos atrás l u z i a Sítio Lapa Vemelha - MG/BR Crânio mais anti- go já encontrado nas Américas. 9.920 anos atrás z u z u Parque Serra da Capivara - Piauí/BR Segundo crânio mais antigo das Américas, e o mais velho da Serra. V e r s ão de n i è de g u i d on t e or i a c on s e n s ua l hojE Dos 270 funcionários que o parque já teve, só foi possível manter 40. A estutra, hoje, depende de pequenos montantes vindos do Insttto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM- Bio) e do governo do Piauí. Em 2014, começou a constução do últmo so- nho de Niède: o Museu da Natreza (MuNa). Nele, a pesquisadora queria con- tar a história da Serra de forma similar à que você leu nestas páginas: em uma viagem no tempo, por toda a evolução nat- ral da Capivara, da época em que o Piauí era mar até os dias de hoje. O dinhei- ro, pedido ao BNDES em 2001, veio sem correção monetária. Graças à ma- gia da inflação, os R$ 13,7 milhões já compravam tês vezes menos tjolos e massa corrida quando a verba chegou. Mas o Mu- Na insistu em nascer. Foi inaugurado em dezembro de 2018. Final feliz para Guidon e sua Serra. Mas e quanto à origem das pedras lascadas mile- nares? Estaria Niède, afi- nal, totalmente enganada na tese que guiou toda a sua carreira? Apontar pa- ra uma conclusão não é tão simples. “Nem todas as perguntas têm como resposta sim ou não. Há uma terceira opção, que talvez seja a mais frequente de todas: não sei”, diz André Stauss. “No caso da Serra, essa é a conclusão mais ho- nesta. E é uma resposta perfeitamente científica. Existia gente lá há 40 mil anos? Esse é um debate legítimo, e que segue em aberto.” S Fotos Mauricio Pokemon SI_400_SerraCapivara.indd 65 15/02/19 18:44 a r q u e o l o g i a 8 / 8 0 0 oráculo i l u s t r a ç ã o t i a g o l a c e r d a e d i ç ã o b r u n o v a i a n o Na prátca, nenhuma. Os dois termos se referem à mesma profssão. A diferença é geográfca: “cosmonauta” é usado pelos russos; “astonauta”, pela Nasa e as demais agências espaciais (como a Esa, da União Europeia). “Astonauta” é a mais antga: vem do romance Atavés do Zodíaco, de Percy Greg (1880). O termo foi adotado pela Nasa em 1959. Já “cosmonauta” passou a valer ofcialmente em 1961, após Yuri Gagarin se tornar o primeiro homem no espaço. Na corrida espacial da Guerra Fria, o nome alternatvo foi uma opção ideológica, que reafrmou a identdade soviétca. Ele foi criado por Viktor Saparin, autor de fcção científca stalinista – que bebeu da floso- fa do cosmismo, uma mistra de catolicismo ortodoxo, ressurreição dos mortos por meios tecnológicos e colo- nização planetária, que mexeu com o imaginário russo no começo do século 20. ( Qual é a diferença entre cosmonauta e astronauta? Yuri Gagarin, Klushino, Rússia horas, 31 minutos, 26 segundos. É o tempo total que os astronautas de todas as missões Apollo, juntos, passaram exploran- do a superfície da Lua. ( 80 SI_400_Oraculo.indd 66 18/02/19 15:24 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 6 0 0 Posso tentar, caro Luiz. As superfícies convencionais são orientáveis – isto é, têm dois lados. O lado de cima e o lado de baixo de um lençol, por exemplo. Pense numa formiga andando no lençol. Se ela não passar pela borda do lençol, ela não muda de lado. A fta de Moebius, por outro lado, não tem lado. Isso a torna, no jargão matemático, uma superfície “não orientável”, com propriedades diferentes. Ou seja: um carro que está andando de um lado da fta é capaz de chegar ao outro lado sem passar pela borda. Para provar, acompanhe com o dedo a ilustração ao lado. ( Oráculo, você pode me explicar a fita de Moebius? Luiz Fornazari Neto, Irati, PR Qual é a língua mais falada do mundo? Leonardo Kaizer Manuel, Bié, Angola É o chinês, com cerca de 1,29 bilhão de falantes nativos.( pá pum número incrível Reportagem Bruno Vaiano, Guilherme Eler, Ingrid Luisa, Rafael Battaglia. Fontes ( Extravehicular actvity, Nasa, disponível em: https://bit.ly/2IcSS2H ( Science, Religion and Communism in Cold War Europe, org. Stephen A. Smith, 2016. ( Christina Brech, IME, USP. ( Ethnologue.com ( Guinness World Records ( Molecular Biology of the Cell. 4th edition. ( Aline Zoppa, cirurgiã veterinária, Universidade Anhembi Morumbi. ( Dr. Caio Lamunier - Dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e do Hospital das Clínicas de São Paulo. gemas, 31 cm: é o maior ovo de galinha já botado, em 1896.( presidentes brasilei- ros eleitos democrati- camente terminaram o mandato. oUTro DADo relevAnTe Sem nenHUmA liGAÇÃo 5 5 Por que a língua dos cães da raça chow-chow é azul? Marley, Flórida, EUA graças à melanina. Na pele dos seres huma- nos, esse pigmento fornece maior proteção contra os raios ultravioleta (UV) – e é o moti- vo pelo qual existem pessoas de várias cores. No caso dos chow-chows, uma mutação inusitada fez com que a língua produzisse melanina em excesso. Como as células dessa parte do corpo são rosadas, o resultado da mistura é a coloração arroxeada. Além do chow-chow, outras raças de origem chinesa, como o akita e o shar-pei, também possuem língua roxa. Antigamente, os cães que tinham essa característica eram consi- derados mais puros, e suas linhagens foram favorecidas por seleção artifcial. A explicação é mitológica: na China, contava- se que, durante a criação do mundo, o céu foi pintado de azul. No processo, um pouco de tinta caiu na Terra, e os cães que a lamberam tornaram-se sagrados. ( Um ovo de galinha é uma célula só? Marcos Schroeder, cidade não identifcada Um ovo não fecUndado contém uma única célula – o gameta feminino, com metade do DNA do pintinho. Mas é problemático pensar no ovo em si, com casca e tudo, como o gameta. Ele é um invólucro em torno do gameta, que servirá para proteger e alimentar o pintinho. O núcleo e as organelas do gameta (os componentes essenciais da célula eucariótica) fcam em um ponto da gema chamado disco germinativo. A gema em si, com seu estoque de proteínas, lipídios e polissacarídeos, é contínua com o disco germinativo. Por isso, algumas fontes ( mencionam a gema como a célula – o que a tornaria a maior célula que você já viu. porqUe estoUrá-las libera dopamina no cérebro. Dopamina é um neurotransmissor, isto é: uma molécula que os neurônios usam para enviar mensagens eletroquímicas uns aos outros. No caso, mensagens prazerosas: ela é a responsável pelo vício em drogas e em fast-food. Isso leva à próxima pergunta: por que estourar espinhas libera dopamina A resposta está em Darwin. Extrair impurezas da pele evita doenças, de forma que a seleção natural benefciou os antepassados humanos que sentiam prazer em estourar suas espinhas antes que elas se tornassem uma infecção grave – e, na Pré-História, potencialmente letal.( Por que é gostoso estourar espinhas? Matheus de Je- sus, cidade não identifcada SI_400_Oraculo.indd 67 18/02/19 15:25 0 0 o r á c u l o 2 / 6 o r á c u l o Quando uma pessoa morre, o sangue pode ser aproveitado para transfusão ? Eduardo Gloria, Rio Grande, RS Existe a possibilidade de um dia acharem o Hino Nacional muito antigo e resolverem escolher um novo? Isso já aconteceu em algum país? Rodrigo Cesar, via Instagram ExistE – e vira e mexe acontece. Mas não porque o hino seja antigo, e sim porque ele não representa mais a ima- gem que o regime da vez quer transmitir. A França é um bom exemplo: entre 1795 e 1879, a Marselhesa ganhou e perdeu o título de hino nacional três vezes – haja insta- bilidade política. Em 2001, Ruanda criou um novo hino para recomeçar em paz após um genocídio ocorrido em 1984. E a Rússia adotou uma nova canção em 1990, com o fm da URSS – mas Putin, em 2000, retornou à antiga melodia soviética, mudando apenas a letra. A América Latina, nesse aspecto, é um exemplo de estabilidade: seus países praticamente não mudam de hino, mesmo nas mudanças mais radicais de regime. É tEcnicamEntE possívEl, mas nada prático. O pioneiro foi o cirurgião soviético Sergei Yudin, em 1930. Ele salvou um homem que havia tentado suicídio reaprovei- tando 0,5 l de sangue retirado do corpo de um paciente de 60 anos (o líquido pas- sou 6 horas no gelo entre a morte e o procedimento). Se com a tecnologia daquela época era possível, com a de hoje também é. Mas os problemas são vários: um é que a coagulação do sangue de um cadáver começa só 5 minutos após o coração parar de bater, e sangue coagulado é difícil de manipular. Se a morte foi cerebral, dá para manter o sangue circulando artifcialmente – mas isso só se justifca fnan- ceiramente para preservar um coração ou pulmão, que não podem ser tirados dos vivos. Outro é que anêmicos, lactantes, usuários de drogas e tatuados recentes não podem doar, e um morto não pode informar se é uma dessas coisas. Descobrir na marra demandaria exames caros. O mais fácil, mesmo, Eduardo, é os vivos doarem. Este Oráculo, que tudo sabe, promete que a agulha não dói. ( Por que sentmos dor de cabeça quando tomamos algo muito, muito gelado? Tadeu Santos, via Instagram Há várias HipótEsEs, nenhuma defnitiva. Um estudo de 2012 ( – em que 13 adultos beberam água gelada de canudinho monitorados por ultras- sonografa transcraniana – sugere que os nervos que passam atrás do céu da boca, quando detectam uma queda rápida de temperatura, dilatam as artérias que levam ao cérebro para aumentar o fuxo de sangue e manter o órgão quentinho. Isso vem acompanhado de um aumento da pressão no interior do crânio e, é claro, uma dor súbita. Pressionar a língua contra o céu da boca para rea- quecer a região faz a dor passar mais rápido. Dá para espantar mosquitos usando som? Ian Matos, via Instagram É mElHor continuar usando repelente, Ian. Não existem estudos científcos que provem a consistência e efcácia de dispositivos e aplicativos que emitem sons para afastar os insetos (. No entanto, cientistas usam o som para o monitoramento de mosquitos ( e até para atraí-los. Por exemplo: há um dispositivo que imita o som das asas das fêmeas do Aedes aegypti, transmissor da dengue. A vibração é captada pelos machos por meio do órgão de Johnston, que fca na base das antenas. E eles são atraídos aos montes – o que permite fazer um censo demográ- fco da população. ( pergunte ao orÁCuLo Escreva para oraculo@abril.com.br mencionando sua cidade e Estado. SI_400_Oraculo.indd 68 18/02/19 15:25 0 0 o r á c u l o 3 / 6 lista Quais guerras duraram mais? Lee Marvin, Saigon, Vietnã Quais tmes mais tomaram gols de Pelé? Gordon Banks, Shefield, Reino Unido As menores do Brasil: 1° SerrA dA SAudAde (MG) 786 habitantes A campeã de pe- quenez ultrapassou Borá em 2010. 2° BOrá (SP) 836 habitantes É um povoado desde 1909, mas foi elevada a município em 1965. 3° ArAGuAinhA (MG) 956 habitantes Cria do pioneiro garimpeiro Aprígio Lima, since 1947. responda-me, prefeito do cosmos: qual é a cidade mais nova do Brasil? Lavínia Lira de Campos, via Instagram não é uma: são cinco, fundadas em 1º de janeiro de 2013 (embora os processos de eman- cipação de cada uma tenham corrido em ritmos diferentes). Pescaria Brava e Balneário Rincão, em Santa Catarina; Mojuí dos Campos, no Pará; Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul; e Paraíso das Águas, no Mato Grosso do Sul. Todas eram distritos de cidades maiores antes.( Fontes ( Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo e Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor de patologia clínica da USP. ( Electronic mos- quito repellents for preventing mosquito bites and malaria infection (review). ( Using mobile phones as acoustic sensors for high-throughput mosquito surveillance. ( Maria Anice Mureb Sallum, entomóloga, FSP, USP ( Cerebral Vascular Blood Flow Changes During ‘‘Brain Freeze”, 2012. ( IBGE Fontes: Futdados. C O r in t h iA n S P O r t u G u e S A J u v e n t u S ( S P ) G u A r A n i B O t A f O G O ( S P ) P A l M e ir A S S ã O P A u l O n O r O e S t e X v d e P ir A C iC A B A P r u d e n t in A 5 0 G O l S 4 2 G O l S 4 2 G O l S 4 1 G O l S 4 0 G O l S 3 2 G O l S 3 1 G O l S 2 9 G O l S 2 5 G O l S 2 5 G O l S Roma vs. Pérsia 92 a.C. a 627 d.C. Guerras romano-persas 721 anos Índios Mapuche vs. Colonizadores espanhóis 1536 a 1818 Guerra de arauCo 282 anos Ibéricos vs. Mouros 711 a 1492 781 anos Guerra da reConquista SI_400_Oraculo.indd 69 18/02/19 15:25 0 0 o r á c u l o 4 / 6 o r á c u l o Quem é a elma da elma chips? Heverton Campos, cidade não identifcada A elmA não é umA: são duas, as irmãs paranaenses Elfriede Wagner e Maria Unger, de uma família de imigrantes alemães que aportou no sul do país na década de 1950 e se estabeleceu em Curitba. O nome é só um tocadilho com o “El” de Elfriede e o “Ma” de Maria. O primeiro salgadinho foi o Stksy – os palitnhos crocantes cobertos com sal grosso, que vêm na embalagem verde. Eles foram vendidos primeiro de porta em porta, a partr de 1958, para ajudar nas contas da casa. Depois, na confeitaria Elma, fndada em 1962. O Stksy é uma versão industializada e comprida de um bretzel salgado – aquele pão em forma de laço comum na Suíça e na Alemanha, parente do pretzel famoso no Brasil: frito, com canela. ( O avestruz enfa mesmo a cabeça na areia quan- do está com medo? Luís Pereira, Juazeiro, BA Não. Mas a lenda se espalhou por um motivo. Ou melhor: dois. Um é que avestruzes costumam viver em meio a grama alta. Quan- do eles abaixam o longo pescoço para comer plantas e insetos, a cabeça, pequena, some no meio da vegetação. Quem vê de longe pensa que o bicho se enterrou. Outro motivo é que as mamães avestruz põem seus enormes ovos em buracos no solo, e abaixam a cabeça para girá-los durante a incubação. Quando uma fêmea sente um predador se aproximar, ela senta em cima dos ovos e abaixa a cabeça, para que seu corpo seja confundido, a distância, com uma pedra. ( Por que só dá para mode- lar o cabelo quente? Ana Carolina Malavolta, designer da SUPER um fio de cabelo é uma haste fbrosa formada por células mortas recheadas com uma proteína chamada queratina. O calor desnatura essas proteínas (em outras palavras, desmancha a es- trutura delas, que parece um novelo de lã embaraçado). Quando as proteínas desna- turam, a algo entre 150°C e 190°C, os fos amolecem – e aí é só ajeitá-los ao gosto do freguês: chapinha para cabelo liso, ou babyliss, cilíndrico, para cachos. Quando os fos são reidratados (pela lavagem ou suor), a proteína volta ao normal – e o cabelo também. Se a queratina desnaturasse para sempre, o cabelo seria irremediavel- mente danifcado. Frejat Roberto Frejat, guitarrista do Barão Vermelho, pegou o mi- crofone e seguiu carreira solo após 2001. Um de seus maiores sucessos foi a canção “Amor pra Recomeçar”, que foi regra- vada ao vivo no Royal Albert Hall, em Londres, por… Jorge e Matheus Dupla sertaneja de Itumbiara, Goiás, que ultimamente anda tocando covers do John Mayer. Até 2012 foram da gravadora Universal, mas desde então estão com a Som Livre, fundada originalmente para fazer as tri- lhas sonoras de novelas da… conexões De Frejat a Frajola por Bruno Vaiano Imagens ( Teca Lamboglia/Wikimedia Commons ( Bahia Notícias/Wikimedia Commons ( Divulgação/Reprodução Stuisvogelpolitk Encarar os problemas com a velha tática de fngir que eles não existem – como um avestruz em negação, com a cabeça enfada na areia (veja acima). Polítca do avestuz lost in translation Origem Holanda ( ( SI_400_Oraculo.indd 70 18/02/19 15:25 0 0 o r á c u l o 5 / 6 Rede Globo Maior emissora de TV nacional. Antes de construir o Projac, gravou em vários estúdios – inclusive um no bairro carioca da Usina (, que abrigou, até 2010, o estúdio de dublagem Herbert Richers, onde trabalhou... Márcio Simões Veterano da dublagem – talvez não haja um brasileiro que nunca tenha ouvido sua voz. Fez atores como Samuel L. Jackson, Will Smith e Alec Baldwin. Dos Looney Tunes, é res- ponsável por Patolino e… Frajola Gato que caça o pássaro Piu-Piu. A dupla aparece na música “Fico Assim Sem Você” de Claudinho e Buchecha – que tocaram no programa da Globo Por Toda Minha Vida, assim como Cazuza, parceiro do Frejat. manual por Rafael Battaglia Como organizar um bloco de Carnaval? Il u s t r a ç ã o : G il To ki o F o n t e s : E gb er to M o ra es S p ri ci go , u m d o s o rg an iz ad o re s d o “ B lo co d o P eq u en o B u rg u ês ”; B ea tr iz C u n h a, in te gr an te d o “B lo co P ir at a” e “ Fa n fa rr a O b sc ên ic as ” e Ju lia n a C al h ei ro s, u m a d as o rg an iz ad o ra s d o b lo co “ A n o p as sa d o e u m as e ss e an o e u n ão m o rr o” . 1 3 2 4 5 2 Procure aPoio da Prefeitura Algumas ajudam os blocos inscritos ofcialmente: em troca de seguir as regras do edital, eles recebem ajuda com banheiros, segurança e trânsito. Os independentes, sem alvará, podem ser impedidos de desflar se alguém reclamar. 3 Pense na música Uma diária de trio elé- trico sai no mínimo por R$ 5 mil. Já uma bateria exige bons músicos, cla- ro (procure por eles no Facebook ou com indica- ções de outros blocos). A ordem das músicas deve ser confortável e fácil de decorar. 4 arrecade dinheiro Você pode procurar patrocinadores, dentro das regras da prefeitura. Outra fonte de renda é a venda de abadás, snacks e bebida nos ensaios abertos – na hora do bloco, mesmo, só ambulantes registrados podem trabalhar, ven- dendo a cerveja ofcial. 5 divulgue Crie um evento nas redes sociais uns três meses antes e atualize com postagens, vídeos e enquetes. Se o objetivo é fazer um bloco pe- queno, evite a internet: procure ruas fora do eixo, avise a vizinhança e chame os amigos. 1 Junte a galera Montar um bloco exige trabalho em equipe. Reúna um pessoal com dispo- sição para decidir o tema da festa, que pode ser um artista, um meme ou até alguma manifestação ideológica. Crie um estandarte e defna cores e identidade visual. Fontes ( O salgadinho de Curitiba que ganhou o país: impossível comer um só, publicado na Gazeta do Povo. ( American Ostrich Association (Associação Americana de Avestruzes). ( O Livro do Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, 2011. P a r a s a b e r m a i s Mês ideal para procurar a prefeitura em... São Paulo (SP) Rio de Janeiro (RJ) Belo Horizonte (MG) Recife (PE) Florianópolis (SC) Out. (ano anterior) Maio (ano anterior) Out. (ano anterior) Janeiro (mesmo ano) Janeiro (mesmo ano) ( ( ( SI_400_Oraculo.indd 71 18/02/19 15:25 0 0 o r á c u l o 6 / 6 Texto Guilherme Eler r e a l i d a d e s p a r a l e l a s e se... 407 mil reais. Esse é o dinheiro que uma família brasileira precisa desem- bolsar para criar um filho até os 23 anos, segundo uma estmatva do Insttto Nacional de Vendas e Trade Marketng (Invent). O dado é de 2013 – se fosse corrigida pela inflação, a despesa seria ainda maior, de R$ 578 mil. E isso se a família pertencer à classe C (renda ente R$ 2.005 e R$ 8.640). Em casas mais abastadas, a conta pode ultapassar os R$ 2 milhões. Achou caro? Milhares de brasileiros têm certeza disso. Tanto que, segundo o últmo levantamento do IBGE, a porcen- tagem de casais que optaram por não ter crianças foi de 19,4% do total. Ou seja: hoje, para uma em cada cinco famílias do País, ter filho não é prioridade. O número de filhos por casal no Brasil está em declínio e, em 2018, chegou à marca de 1,77 – inferior à média da América Latna (2,0) e do mundo (2,5). Mas nem sempre foi assim. No final da década de 1960, a taxa de natalidade do Brasil era de 6,07 filhos por mulher ... o Brasil adotasse a política do Filho Único? um fardo. O fato de a grande maioria das famílias querer um filho homem fez crescer o número de abortos de meninas, ou de infantcídio. À época, a proporção era de 105 homens para cada 100 mulheres, mas ela disparou ao longo do tempo – e, em 2015, a China tnha 115 meninos para cada 100 me- ninas com idade até 14 anos. Claro, não é razoável supor que o Brasil fosse pratcar infantcídios, como ocorreu na China. Mas, como os homens tendem a ganhar salários maiores, talvez houvesse alguma preferência por filhos meninos. Como dá para saber o sexo da criança com tês meses de gravidez, e os exa- mes de ultassom existem desde a década de 1950, não é improvável que também – equivalente à do Mali hoje. Nas déca- das de 1960 e 1970, aliás, a população do planeta crescia a uma taxa de 20% a cada dez anos – o dobro da taxa atal. O caso era especialmente delicado na Chi- na, que já tnha uma população conside- rável e cada mãe seguia dando à luz 5,75 filhos, em média. No final dos anos 1970, a população do país era de 980 milhões de pessoas – a produção de alimentos da época ameaçava não dar conta. Em 1979, por decisão do então presidente Deng Xiaoping, teve início o maior ex- perimento de engenharia demográfica da história. Segundo estmatvas do governo, a chamada “polítca do filho único” evitou o nascimento de pelo menos 400 milhões de chineses – sim, quase dois Brasis – até ser revogada, há tês anos. Mas e se o nosso país tvesse feito o mesmo? Bom, considerando que a população da China em 1980 era de 980 milhões e que em 2016, ano em que extnguiram a polítca, eram 1,379 bilhão de chineses, tvemos por lá um aumento de 40%. Faz sentdo, então, tansplantar essa taxa para a nossa hipótese. Se o Brasil tvesse adotado a polítca de filho único em 1979, quando ainda contava com 121 milhões de habitantes, hoje seríamos 170 milhões de pessoas – 39 milhões de brasileiros a menos em comparação aos atais 209 milhões. Essa mudança na pirâmide popula- cional, porém, não seria uniforme. E isso vale também no que diz respeito à proporção ente homens e mulheres. Hoje, no Brasil, nascem menos homens do que mulheres (são 97 meninos para cada 100 meninas). Mas, na China, a polítca do filho único gerou um de- sequilíbrio: a quantdade de homens aumentou desproporcionalmente. Em 1980, 80% da população chinesa era rural. Filhos homens eram essen- ciais para o tabalho pesado do campo, enquanto as mulheres eram vistas como SI_400_E se.indd 72 18/02/19 20:01 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 2 0 0 Mais mimos, menos Previdência. tvéssemos mais abortos de meninas. E isso poderia ter consequências sociais espantosas. Um levantamento feito pelo Instituto para Estudos do Trabalho (IZA), na Alemanha, usou dados coletados na China ente 1988 e 2004 para revelar que um incremento de apenas 0,01% na proporção absoluta ente homens e mulheres é suficiente para aumentar a violência e a incidência de crimes em 3%. Outa consequência é que a pirâ- mide etária brasileira seria invertda, ou seja, haveria mais idosos e menos jovens – processo que estamos ata- vessando para valer agora. Em 2017, a porcentagem de chineses com mais de 65 anos era de 10,7% (no Brasil, 8,5% da população está nessa faixa etária, segundo dados do Banco Mundial). Com mais gente acima dos 65 anos, o rombo na Previdência Social se tor- naria um problema ainda maior do que já é. Se a polítca do filho único tvesse acontecido por aqui no mesmo período em que ocorreu na China, te- ríamos 3,8 milhões de idosos a mais. O impacto se estenderia até à saúde pública. A obesidade infantl aumentou na China do filho único. Enquanto pro- blemas do tpo afetavam cerca de 2% das crianças ente 1981 e 1985, o total chegou à casa dos 21% ente 2006 e 2010. O IMC (Índice de Massa Corpo- ral), da mesma forma, costmava ser maior em filhos únicos. Em comparação com quem tnha irmãos, eles mos- taram risco 23% maior de apre- sentar problemas com a balança. Também usavam mais internet e viam mais TV. Até pouco tempo atás, ainda ha- via quem defendesse polítca do filho único no Brasil. O medo era de que uma evental superpopulação nos levasse a um apocalipse. O aumen- to brutal na produtvidade agrícola nas últmas décadas (aqui e lá fora) afastou esse fantasma. E agora a hi- pótese soa como piada. Ainda bem. Uma sociedade mais violenta e uma Previdência ainda mais quebrada até daria para aguentar. Mais crianças mimadas, não. S Foto Getty images SI_400_E se.indd 73 18/02/19 20:01 e s e . . . 2 / 2 0 0 A l f A b e t o A t u A l A l f A b e t o l A t i n o A l f A b e t o g r e g o A r c A i c o A l f A b e t o f e n í c i o A l f A b e t o p r o t o s s i n A í t i c o B AA B C G H I J K L M N O P QQ SS RR T U Z V W Y XX V T P O N M L I H G DD E FF E C Já com todas as letras* *Adotado no Brasil em sua forma completa, com as letras “k”, “y”e “w”, após o Acordo Ortográfco de 1990. 700 a.C. até hoje 800 a.C. até 400 a.C. 1200 a.C. até 150 a.C. 1900 a.C. até 1500 a.C. última página d e s c u l p A q u A l q u e r c o i s A e A t é l o g o Arqueologia do Abc Uma breve história das letas: do alfabeto protossinaítco, de 1900 a.C., até hoje. Infográfco Bruno Vaiano e Juliana Caro SI_400_UltimaPagina.indd 74 18/02/19 19:46 s u p e r i n t e r e s s a n t e 1 / 1 0 0