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Manual_de_Direito_Processual_Penal_Renat

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TÍTULO 5
PROVAS
CAPÍTULO I
TEORIA GERAL DAS PROVAS
TERMINOLOGIA DA PROVA.1
Em sentido amplo, provar significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real. Em sentido estrito, a palavra prova tem vários significados. Por isso, inicialmente, é importante firmarmos algumas premissas terminológicas.
Acepções da palavra prova
A palavra prova tem a mesma origem etimológica de probo (do latim, probatio e probus), e traduz as ideias de verificação, inspeção, exame, aprovação ou confirmação. Dela deriva o verbo provar, que significa verificar, examinar, reconhecer por experiência, estando relacionada com o vasto campo de operações do intelecto na busca e comunicação do conhecimento verdadeiro.
Na verdade, há três acepções da palavra prova:
1) Prova como atividade probatória: consiste no conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade dos fatos relevantes para o
julgamento.2 Nesse sentido, identifica-se o conceito de prova com a produção dos meios e atos praticados no processo visando ao convencimento do juiz sobre a veracidade (ou não) de uma alegação sobre um fato que interesse à solução da causa.
Sob esse prisma, pode se dizer que há, para as partes, um direito à prova. Esse direito à prova (right to evidence, em inglês) funciona como desdobramento natural do direito de ação, não se reduzindo ao direito de propor ou ver produzidos os meios de prova, mas, efetivamente, na possibilidade de influir no convencimento do juiz. Com efeito, de nada adianta o Estado assegurar à parte o direito de ação, legitimando a propositura da demanda, sem o correspondente reconhecimento do direito de provar, ou seja, do direito de se utilizar dos meios de prova necessários a comprovar, perante o órgão julgador, as alegações feitas ao longo do processo. Há de se assegurar às partes,
1
1
portanto, todos os recursos para o oferecimento da matéria probatória, sob pena de cerceamento de defesa ou de acusação.
Esse direito à prova, conquanto constitucionalmente assegurado, por estar inserido nas garantias da ação e da defesa e do contraditório, não é absoluto. Em um Estado Democrático de Direito, o processo penal é regido pelo respeito aos direitos fundamentais e plantado sob a égide de princípios éticos que não admitem a produção de provas mediante agressão a regras de proteção. A legitimação do exercício da função jurisdicional está condicionada, portanto, à validade da prova produzida em juízo, em fiel observância ao princípios do devido processo legal e da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LIV e LVI).
Prova como resultado: caracteriza-se pela formação da convicção do órgão julgador no curso do processo quanto à existência (ou não) de determinada situação fática. É a convicção sobre os fatos alegados em juízo pelas partes. Por mais que não seja possível se atingir uma verdade irrefutável acerca dos acontecimentos ocorridos no passado, é possível atingir um conhecimento processualmente verdadeiro acerca dos fatos controversos inseridos no processo sempre que, por meio da atividade probatória desenvolvida, sejam obtidos elementos capazes de autorizar um determinado grau de certeza acerca da ocorrência daqueles mesmos fatos.
Prova como meio: são os instrumentos idôneos à formação da convicção do órgão julgador acerca da existência (ou não) de determinada situação fática, cujo conceito será trabalhado com mais detalhes logo abaixo.
1.2. Distinção entre prova e elementos informativos
Com as alterações produzidas pela Lei nº 11.690/08, passou a constar expressamente do art. 155 do CPP a distinção entre prova e elementos informativos. A palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da atividade instrutória, não lhe caberá a designação de prova.
Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a
2
necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, vez que, nesse momento, ainda não há falar em acusados em geral, na dicção do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Não obstante, tais elementos informativos são de vital importância para a persecução penal, pois podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado, bem como auxiliar na formação da opinio delicti do órgão da acusação.
Se esses elementos de informação são produzidos sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização para fundamentar uma sentença condenatória. Ao longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o entendimento de que, de modo isolado, elementos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art. 5º, inciso LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditório e da ampla defesa, haveria flagrante desrespeito ao preceito do art. 5º, LV, da Carta
Magna.3
No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Como já se pronunciou a 2ª Turma do STF, os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em
juízo.4
A Lei nº 11.690/08, ao inserir o advérbio exclusivamente no corpo do art. 155 do CPP, acaba por confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo. Destarte, pode-se dizer que, isoladamente considerados, elementos informativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão
julgador.5
1.3. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas
O art. 155 do CPP deixa entrever que é possível que o juiz forme sua convicção com base em
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provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, ainda que estas tenham sido produzidas na fase investigatória.
Provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em
razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será diferido.6 Podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica. Tal medida investigatória, que tem no elemento da surpresa verdadeiro pressuposto de sua eficácia, depende de prévia autorização judicial, sendo que o investigado só terá conhecimento de sua realização após a conclusão das diligências. Quando estamos diante de medidas cautelares inaudita altera parte, a parte contrária só poderá contraditá-la depois de sua concretização, o que é denominado pela doutrina de contraditório diferido, postergado ou adiado.
Prova não repetível é aquela que, uma vez produzida, não tem como ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo que, em regra, não dependem de autorização judicial. Exemplificando,suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de natureza leve. O exame pericial levado a efeito imediatamente após a prática do delito dificilmente poderá ser realizado novamente, já que os vestígios deixados pela infração penal irão desaparecer. Ante o perigo de que haja dispersão dos elementos probatórios em relação aos fatos transeuntes, sua produção independe de prévia autorização judicial, podendo ser determinada pela própria autoridade policial imediatamente após tomar conhecimento da prática delituosa. Como dispõe o art. 6º, inciso VII, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá dentre outras diligências, determinar que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias.
Perceba-se que, nos mesmos moldes do que ocorre com as provas cautelares, o contraditório também será diferido em relação às provas não repetíveis. Para que possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade. Bom exemplo disso, aliás, é o quanto previsto no art. 159, § 5º, inciso I, do CPP, que permite às partes, durante o curso do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para esclarecimento da prova ou para responderem a quesitos.
Por outro lado, provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório
4
real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo indispensável prévia autorização judicial.
É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP. Supondo-se que determinada testemunha presencial do delito esteja hospitalizada, em grave estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito com a presença do juiz, e com a participação das partes sob contraditório. Caso ainda não haja uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o magistrado diligenciar para que a defesa técnica seja patrocinada por um advogado dativo. Nesse caso, o depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado no curso da instrução.
Outro exemplo de prova antecipada é aquele constante do art. 366 do CPP, em que, determinada a suspensão do processo e da prescrição em relação ao acusado que, citado por edital, não tenha comparecido nem constituído defensor, poderá ser determinada pelo juiz a produção antecipada de provas urgentes, nos termos do art. 225 do CPP. Nesse caso, para que se imponha a antecipação da prova urgente, deve a acusação justificá-la de maneira satisfatória (v.g., ofendido com idade avançada). Isso porque, na visão dos Tribunais Superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é
suficiente para determinar a medida excepcional.7 Sobre o assunto, dispõe a súmula nº 455 do STJ que “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
O Código de Processo Penal silencia acerca do procedimento a ser adotado no caso de colheita dessa prova antecipada. Não obstante, com fundamento no art. 3º do CPP, queremos crer ser possível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, que trata de maneira expressa da matéria nos arts. 846 a 851 do CPC. O novo CPC trata da produção antecipada da prova nos arts. 381 a 383.
1.4. Destinatários da prova
Destinatários da prova são todos aqueles que devem formar sua convicção. De modo geral, tem-se como destinatário o órgão jurisdicional (juiz ou tribunal) sobre o qual recai a competência para o processo e julgamento do delito.
5
Parte da doutrina sustenta que o Ministério Público também pode ser destinatário da prova. A depender do referencial adotado, sustentam, é possível dizer que o órgão ministerial, detendo a titularidade da ação penal pública, também é destinatário da prova, na medida em que, na fase pré- processual, as provas têm como finalidade o convencimento do órgão ministerial (formação de sua
opinio delicti).8
Com a devida vênia, como visto anteriormente, na fase investigatória, não se pode usar a expressão ‘prova’, salvo no caso de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Objetiva o inquérito policial a produção de elementos de informação. Por isso, preferimos dizer que o órgão do Ministério Público é o destinatário desses elementos, e não da prova, cuja produção se dá, em regra, somente em juízo, quando a decisão acerca da prática de determinado fato delituoso compete única e exclusivamente ao juiz natural.
1.5. Elemento de prova e resultado da prova
Elementos de prova (evidence, em inglês) são todos os dados objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão da causa. Elemento de prova é representado por aquilo que, introduzido no processo, pode ser utilizado pelo juiz como fundamento da sua atividade julgadora. Deve ser empregado no plural – elementos de prova ou elementos probatórios –, pois o convencimento judicial, em princípio, resulta de mais de um, ou seja, de uma pluralidade de informações. Funcionam, assim, como elementos de prova a declaração de uma testemunha sobre determinado fato, a opinião emitida por perito sobre a matéria de sua especialidade, o conteúdo de um documento juntado aos autos, etc. É a partir da análise do conjunto desses elementos de prova que se forma o convencimento do órgão julgador, ou seja, é sobre os elementos de prova que o juiz natural realiza procedimentos inferenciais para que possa chegar a uma conclusão sobre os fatos.
Sob outro prisma, a palavra prova pode ser vista como a conclusão que se extrai da análise dos elementos de prova constantes do processo: é o resultado da prova (proof, em inglês), obtido não apenas pelo somatório dos elementos de prova, como também por meio de uma atividade intelectual do magistrado, que permite estabelecer se a afirmação ou negação do fato é verdadeira, ou não.
Como aponta Gomes Filho, essa distinção entre elemento de prova e resultado de prova é de suma relevância prática no processo penal brasileiro. Na dicção do autor, nos casos em que a lei admite a
6
apelação contra decisões do júri quando “for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos” (art. 593, III, d) ou quando autoriza a revisão criminal diante da contrariedade “à evidência dos autos”, o sentido dessas expressões só pode ser o resultado da prova, não sendo viável entender-se que a existência de um só elemento poderia afastar o conhecimento da
impugnação.9
Finalidade da prova
A finalidade da prova é a formação da convicção do órgão julgador. Na verdade, por meio da atividade probatória desenvolvida ao longo do processo, objetiva-se a reconstrução dos fatos investigados na fase extraprocessual, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica. Verdade seja dita, jamais será possível se atingir com absoluta precisão a verdade histórica dos fatos em questão. Daí se dizer que a busca é da verdade processual, ou seja, daquela verdade que pode ser atingida através da atividade probatória desenvolvida durante o processo. Essa verdade processual pode (ou não) corresponder à realidade histórica, sendo certo que é com base nela que o juiz deve proferir sua decisão.
Sujeitos da prova
Sujeitos da prova são as pessoas ou coisas de quem ou de onde deriva a prova, podendo ser pessoal ou real. A prova pessoal consiste numa afirmação de conhecimento ou na certificação de fato ou fatos do processo. A prova real equivale à atestação que advém da própria coisa constitutiva da prova (o ferimento;o projétil balístico da arma utilizada na prática de um delito).
Como observa Adalberto Camargo Aranha, “todos os fatos deixam vestígios, que podem ser reais, ou morais. Os primeiros ligam-se à realidade inconsciente das coisas, enquanto os segundos resultam de impressões conscientes do espírito. A coisa atesta, inconscientemente e sem influência do espírito humano, vestígios do fato probando; é a prova real que, em última análise, consiste na atestação inconsciente feita por uma coisa na qual ficou impresso um sinal. As perícias, as vistorias e todas as modificações corpóreas constituem prova real. O homem testemunha, mediante uma afirmação pessoal e consciente, um fato por ele conhecido por ciência própria ou por meio de terceiros; é a prova pessoal. É a revelação consciente feita por uma pessoa das impressões mnemônicas de um
fato. A prova real é a atestação inconsciente feita por uma coisa”.10
Forma da prova
7
Quanto à forma da prova, ou seja, a maneira pela qual a prova se apresenta em juízo, a prova pode ser documental, material ou testemunhal.
Documento, do latim documentum, de docere (mostrar, indicar, instruir) é o papel escrito que traz em si a declaração da existência (ou não) de um ato ou de um fato (v.g., escritos públicos ou particulares, cartas, livros comerciais, fiscais, etc.). A prova material é aquela que resulta da verificação existencial de determinado fato, que demonstra a sua materialização, tal como ocorre com o corpo de delito, instrumentos do crime, etc. Por fim, testemunhal é a prova que consiste na manifestação pessoal oral. A prova testemunhal é espécie do gênero prova oral, que é mais abrangente, já que inclui os esclarecimentos de perito e assistente técnico, bem como eventuais declarações da vítima.
1.9. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova
A expressão fonte de prova é utilizada para designar as pessoas ou coisas das quais se consegue a prova, daí resultando a classificação em fontes pessoais (ofendido, peritos, acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo). Cometido o fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fonte de prova. Derivam do fato delituoso em si, independentemente da existência do processo, ou seja, são anteriores ao processo, sendo que sua introdução no processo se dá através dos meios de prova.
Exemplificando, suponha-se que determinado crime tenha sido praticado dentro de uma sala de aula. Todas as pessoas que presenciaram o cometimento do delito serão consideradas fontes de prova. Essas pessoas poderão ser levadas à apreciação do juiz, o que se dará pela sua introdução no processo pelos meios de prova, in casu, pela prova testemunhal.
Por sua vez, meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes de prova são introduzidas no processo. Dizem respeito, portanto, a uma atividade endoprocessual que se desenvolve perante o juiz, com o conhecimento e a participação das partes, cujo objetivo precípuo é a fixação de dados probatórios no processo. Enquanto as fontes de prova são anteriores ao processo e extraprocessuais, os meios de prova somente existem no processo.
Como aduz Badaró, “a testemunha de um fato é a fonte de prova, enquanto suas declarações em juízo são o meio de prova. O documento é uma fonte de prova, a sua incorporação ao processo é o
meio de prova. O livro contábil é a fonte de prova, enquanto a perícia contábil é o meio de prova”.11
8
Os meios de prova podem ser lícitos ou ilícitos. Somente os primeiros podem ser admitidos pelo magistrado, dispondo o art. 157 do CPP que são inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, devendo ser desentranhadas dos autos do
processo.12 Como destaca Nucci, os meios ilícitos abrangem não somente os que forem expressamente proibidos por lei, mas também os imorais, antiéticos, atentatórios à dignidade e à liberdade da pessoa humana e aos bons costumes, bem como os contrários aos princípios gerais de
direito.13
Por fim, os meios de investigação da prova (ou de obtenção da prova) referem-se a certos procedimentos (em regra, extraprocessuais) regulados por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais). No Código de Processo Penal, apesar de inserida entre os meios de prova, a busca pessoal ou domiciliar deve ser compreendida como meio de investigação, haja vista que seu objetivo não é a obtenção de elementos de prova, mas sim de fontes materiais de prova. Exemplificando, se de uma busca domiciliar determinada pelo juiz resultar a apreensão de determinado documento, este sim funcionará como meio de prova, uma vez juntado aos autos do processo. Outros exemplos de meios de investigação são as interceptações telefônicas, reguladas pela Lei nº 9.296/96, bem como a infiltração de agentes, prevista tanto na Lei nº 11.343/06 (art. 53, inciso I), quanto na Lei nº 12.850/13 (arts. 10 a 14).
Importante ressaltar que, em regra, esses meios de investigação devem ser produzidos sem prévia comunicação à parte contrária, funcionando a surpresa como importante traço peculiar, sem a qual seria inviável a obtenção das fontes de prova. Nesse ponto diferenciam-se também dos meios de prova, na medida em que, em relação a estes, é de rigor a observância ao contraditório, que pressupõe tanto o conhecimento acerca da produção de determinada prova, quanto a efetiva participação na sua realização.
Essa distinção entre meios de prova e meios de obtenção de prova também é importante quando se aponta as consequências de eventuais irregularidades ocorridas quando do momento de sua produção. Deveras, eventuais vícios quanto aos meios de prova terá como consequência a nulidade da prova produzida, haja vista referir-se a uma atividade endoprocessual. Lado outro, verificando-se qualquer ilegalidade no tocante à produção de determinado meio de obtenção de prova, a consequência será o reconhecimento de sua inadmissibilidade no processo, diante da violação de
9
regras relacionadas à sua obtenção (CF, art. 5º, LVI), com o consequente desentranhamento dos autos do processo (CPP, art. 157, caput).
Em síntese, podemos trabalhar com o seguinte quadro comparativo entre os meios de obtenção de prova e os meios de prova:
Meios de obtenção de prova	Meios de prova
– Em regra, são executados na fase preliminar de investigações, o que não afasta a possibilidade de execução durante o curso do processo, de modo a permitir a descoberta de fontes de prova diversas das que serviram para a formação da opinio delicti;
– Em regra, são realizados na fase processual da persecução penal; excepcionalmente, na fase investigatória, observado o contraditório, ainda que diferido (ex: provas antecipadas);
– são atividades extraprocessuais;
– são atividades endoprocessuais;
– são executados, em regra, por policiais aos quais seja outorgada a atribuição de investigação de infrações penais, geralmente com prévia autorização e concomitante fiscalização judiciais;
– consistem em atividades desenvolvidas perante o juiz competente, valendo lembrar que o juiz que presidir a instrução deverá, pelo menos em regra, julgar o feito (CPP, art. 399, § 2º);
– são praticados com fundamento na surpresa, com desconhecimento do(s) investigado(s);
– são produzidos sob o crivo do contraditório, com prévio conhecimento e participação das partes;
– se praticados em desconformidade com o modelo típico, há de ser reconhecida sua ilicitude, com o consequente desentranhamento dos autos do processo.
– se praticados em desconformidade com o modelo típico, são sancionados, em regra, com a nulidade absoluta ou relativa.
1.9.1. Meios extraordinários de obtenção de prova (técnicas especiais de investigação)
Com base no grau de restrição aos direitos e garantias do investigado, a doutrina costuma classificar os meios deobtenção de prova em ordinários e extraordinários.
Meios ordinários de obtenção de prova são aqueles previstos não só para investigação de delitos graves, como também para infrações de menor gravidade, cuja forma de execução é diferenciada, por ser escondida sob o manto protetor da inviolabilidade de bens jurídicos
individuais.14
Meios extraordinários de obtenção de prova (ou técnicas especiais de investigação) são as ferramentas sigilosas postas à disposição da Polícia, dos órgãos de inteligência e do Ministério
10
Público para a apuração e a persecução de crimes graves, que exijam o emprego de estratégias investigativas distintas das tradicionais, que se baseiam normalmente em prova documental ou testemunhal. Em sede processual penal, foram utilizadas inicialmente para a persecução penal do tráfico de drogas, sendo que, atualmente, também são usadas para a investigação de crimes praticados por organizações criminosas.
Funcionam como verdadeiros meios de obtenção de prova, sendo identificadas, em regra, pela presença de dois elementos: o sigilo e a dissimulação. Por meio delas, são coletadas informações, indícios ou provas de um crime sem conhecimento do investigado, de modo a proporcionar aos órgãos estatais o fator surpresa. Nesse caso, o contraditório será exercido apenas de maneira diferida. Nesse grupo de técnicas sigilosas estão incluídas a interceptação das comunicações telefônicas, a ação controlada, etc. Dentre as técnicas de dissimulação, a infiltração policial costuma ser utilizada com o objetivo de induzir a erro o investigado, a fim de que seja levado a acreditar que não se relaciona com um policial (Lei nº 11.343/06, art. 2º, V; Lei nº 12.850/13, arts. 10 a 14).
Evidentemente, como algumas técnicas especiais de investigação são intrusivas, no sentido de que exploram as esferas da intimidade e da vida privada, sua utilização somente pode ocorrer se a medida investigativa for legal – algumas dependem, inclusive, de prévia autorização judicial –, se o seu emprego prestar-se a um fim legítimo e se a técnica for necessária para alcançar a prova a que se
destina.15
1.10. Prova direta e prova indireta
Prova direta é aquela que permite conhecer o fato por meio de uma única operação inferencial. Nessa linha, se a testemunha diz que presenciou o exato momento em que o acusado desferiu disparos de arma de fogo contra a vítima, é possível concluir, com um único raciocínio, que o acusado é o autor das lesões produzidas no ofendido.
Por sua vez, a prova é considerada indireta quando, para alcançar uma conclusão acerca do fato a provar, o juiz se vê obrigado a realizar pelo menos duas operações inferenciais. Em um primeiro momento, a partir da prova indireta produzida, chega à conclusão sobre a ocorrência de um fato, que ainda não é o fato a ser provado. Conhecido esse fato, por meio de um segundo procedimento inferencial, chega ao fato a ser provado. Exemplificando, suponha-se que a testemunha diga que não presenciou os disparos de arma de fogo. Esclarece, no entanto, que presenciou a saída do acusado do local em que os disparos foram efetuados, imediatamente após ouvir o estampido dos tiros,
11
escondendo a arma de fogo sob suas vestes, sujas de sangue. A partir dessa prova indireta, será possível ao órgão julgador concluir que o acusado foi (ou não) o autor das lesões produzidas no corpo da vítima.
Outro exemplo de prova indireta diz respeito ao álibi. Etimologicamente, a palavra álibi significa a “defesa que o réu apresenta quando pretende provar que não poderia ter cometido o crime por, p.
ex, encontrar-se em local diverso daquele em que o crime de que o acusam foi praticado”.16 Supondo, então, que o suspeito consiga comprovar que estava em outro local no exato momento em que o crime foi praticado, conclui-se não ter sido ele o executor do crime.
1.11. Indício: prova indireta ou prova semiplena
A palavra indício é usada no Código de Processo Penal em dois sentidos, ora como prova indireta, ora como prova semiplena.
No sentido de prova indireta, a palavra indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. É exatamente nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP. Partindo-se de um fato base comprovado, chega-se, por meio de um raciocínio dedutivo, a um fato consequência que se quer provar. Na dicção de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, “indício é todo rastro, vestígio, sinal e em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um
fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo”.17
Se o indício é o fato provado que permite, mediante inferência, concluir pela ocorrência de outro fato, é certo dizer que, apesar de o CPP dispor sobre o indício como prova indireta entre os meios de prova (art. 239), o indício não é um meio de prova, mas apenas o resultado probatório de um meio de prova. Na verdade, como observa a doutrina, “o que pode ser provado é o fato indicativo (p. ex.: uma testemunha que viu o acusado com uma faca suja de sangue e a vítima esfaqueada aos seus pés). O indício é o fato certo que está na base da inferência da presunção. Em outras palavras, o indício é o ponto de partida da presunção. Ou, visto pelo outro lado, a presunção é um juízo fundado sobre um
indício”.18
Muito se discute acerca da possibilidade de se condenar alguém com base única e exclusivamente
12
em indícios. A nosso juízo, com a incorporação ao processo penal do sistema da persuasão racional do juiz (CPP, art. 155, caput, e CF/88, art. 93, IX), e a consequente exclusão de qualquer regra de prova tarifada, permite-se que tanto a prova direta como a prova indireta sejam em igual medida válidas e eficazes para a formação da convicção do magistrado. Obviamente, não se pode admitir que um indício isolado e frágil possa fundamentar um decreto condenatório. De modo algum. Para tanto, a prova indiciária está sujeita às seguintes condições:
os indícios devem ser plurais (somente excepcionalmente um único indício será suficiente, desde que esteja revestido de um potencial incriminador singular);
devem estar estreitamente relacionados entre si;
devem ser concomitantes, ou seja, univocamente incriminadores – não valem as meras conjecturas ou suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades;
existência de razões dedutivas – entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério humano.
Nessa linha, como o Código de Processo Penal Militar estabelece em seu art. 383, para que indício constitua prova, é necessário que a circunstância ou fato indicante tenha relação de causalidade, próxima ou remota, com a circunstância ou fato indicado, e que a circunstância ou fato coincida com a prova resultante de outro ou outros indícios, ou com as provas diretas colhidas no
processo.19
Apesar de grande parte da doutrina referir-se aos indícios apenas com o significado de prova indireta, nos termos do art. 239 do CPP, a palavra indício também é usada no ordenamento processual penal pátrio com o significado de uma prova semiplena, ou seja, no sentido de um elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. É com esse significado que a palavra indício é utilizada nos arts. 126, 312 e 413, caput, todos do CPP. Nesta acepção, a expressão “indício” refere-se a uma cognição vertical (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição, no plano
vertical, para a prolação de uma sentença condenatória.20
Especificamente em relação aos arts. 312 e 413, caput, do CPP, na medida em que o legislador se
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refere à prova da existência do crime e ao convencimento da materialidadedo fato, respectivamente, percebe-se que, no tocante à materialidade do delito, exige-se um juízo de certeza quando da decretação da prisão preventiva ou da pronúncia. No tocante à autoria, todavia, exige o Código de Processo Penal apenas a presença de indícios suficientes de autoria. Em outras palavras, em relação à autoria ou participação, não se exige que o juiz tenha certeza, bastando que conste dos autos elementos informativos ou de prova que permitam afirmar, no momento da decisão, a existência de indício suficiente, isto é, a probabilidade de autoria. Portanto, para fins de prisão preventiva ou de pronúncia, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova, ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso. Apesar de não se exigir certeza, exige-se certa probabilidade, não se contentando a lei com a mera possibilidade.
1.12. Suspeita
Trabalhado o conceito de indício como prova indireta ou como prova semiplena, deve-se destacar que seu conceito não se confunde com uma simples suspeita. Enquanto o indício é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita o u desconfiança não passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as investigações, mas que de modo algum se apresenta idôneo para fundamentar a convicção da entidade decidente. Nas palavras de Gomes Filho, enquanto o indício é constituído por um fato demonstrado que autoriza a indução sobre outro fato ou, pelo menos, constitui um elemento de menor valor, a suspeita é pura intuição,
que pode gerar desconfiança, dúvida, mas também conduzir a engano.21
A expressão fundada suspeita é encontrada no Código de Processo Penal nos arts. 240, § 2º,e art
244. Interpretando-se os referidos dispositivos, depreende-se que não basta uma simples convicção subjetiva para que se proceda à busca pessoal em alguém. Para além disso, é necessário que haja algum dado objetivo que possa ampará-la.
Nesse prisma, concluiu o Supremo Tribunal Federal que a “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Assim, a ausência de elementos dessa natureza, como no caso, alegação de que trajava, o paciente, um ‘blusão’ suscetível de esconder uma arma, referenda conduta arbitrária ofensiva a direitos e garantias individuais e
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caracteriza abuso de poder.22
1.13. Objeto da prova
Costuma-se dizer que o objeto da prova são os fatos que interessam à solução de uma controvérsia submetida à apreciação judicial. A nosso ver, contudo, o objeto da prova não são os fatos, pois jamais será possível se atingir a reconstrução integral do que efetivamente ocorreu. Na verdade, o objeto da prova é a verdade ou falsidade de uma afirmação sobre um fato que interessa à solução do processo. São as asserções feitas pelas partes que interessam à solução de controvérsia
submetida à apreciação judicial.23
Especificamente no âmbito do processo penal, tem-se que a atividade probatória recai, basicamente, sobre a veracidade (ou não) da narrativa constante da peça acusatória, buscando-se demonstrar que a imputação de um fato delituoso atribuído a determinada pessoa é verdadeira (ou não).
Mas o que deve ser objeto de prova no curso do processo?24 Vejamos:
Imputação constante da peça acusatória – sem dúvida alguma, constitui objeto da prova (thema probandum) a imputação formulada na peça acusatória. Assim, se o órgão ministerial atribui a alguém a prática de determinado fato tipificado pelo Direito Penal, impõe-se a comprovação do
cometimento do referido delito, sob pena de absolvição do agente;25
Costumes – o direito consuetudinário também deve ser provado (ex.: se o Parquet atribui ao acusado a prática de crime de furto durante repouso noturno, deverá comprovar a veracidade de tal assertiva);
Regulamentos e portarias – também deve ser comprovada a existência de regulamentos e portarias, salvo se a portaria em questão funcionar como complemento de norma penal em branco, pois, nesse caso, presume-se que o juiz a conheça. É o que acontece com a Portaria nº 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que dispõe sobre as substâncias entorpecentes, cujo conteúdo não precisa ser comprovado;
Direito estrangeiro, estadual e municipal – presume-se que o juiz conheça o direito estadual e municipal do local onde exerce jurisdição. Destarte, só se apresenta necessária a comprovação do
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direito estadual e municipal referente à localidade diversa daquela do exercício jurisdicional. Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil dispõe que a parte que alegar direito municipal, estadual estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar (art. 376).
5) Fatos não contestados ou incontroversos – também devem ser objeto de prova. Nesse ponto, não se pode confundir o processo penal com o processo civil.
De acordo com o art. 334, incisos II e III, do Código de Processo Civil (art. 374, II e III, do nov CPC), não dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária ou aqueles admitidos, no processo, como incontroversos. Além disso, referindo-se à revelia, dispõe o CPC que, se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319 – art. 344 do novo CPC).
No âmbito processual penal, por força do princípio da presunção de inocência, mesmo que o acusado venha a confessar a prática do delito, subsiste o ônus da acusação de comprovar a imputação constante da peça acusatória. Nessa linha, segundo o art. 197 do CPP, “o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. Ademais, mesmo que seja decretada a revelia do acusado com fundamento no art. 367 do CPP, não há falar em confissão ficta ou presumida no processo penal, com a consequente presunção da veracidade dos fatos narrados na peça acusatória. Mesmo na hipótese de acusado revel, ainda assim deverá o órgão ministerial desincumbir-se a contento de seu ônus probatório, sob pena de o pedido condenatório ser julgado improcedente pelo julgador.
Se, de um lado, devem ser provadas a imputação constante da peça acusatória, os costumes, regulamentos e portarias, o direito internacional, estadual e municipal, e os fatos não contestados ou incontroversos, há afirmações acerca de fatos que independem de prova. Vejamos, então, o que não será objeto da prova:
1) Fatos notórios – são aqueles de conhecimento público geral. São os fatos cujo conhecimento está inserido na cultura normal e própria de determinada esfera social no tempo em que ocorrer a decisão, como as datas históricas, os fatos políticos ou sociais de conhecimento público, ou seja, o fato que pertença ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média numa
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sociedade historicamente determinada. Exemplificando, não é necessário provar que o Aeroporto de Congonhas fica na cidade de São Paulo, nem tampouco que o dia 15 de novembro é feriado nacional no Brasil. No âmbito processual civil, há dispositivo expresso acerca do assunto (CPC, art. 334, I art. 374, I, do novo CPC). Com base no art. 3º do CPP, nada impede a aplicação do princípi notorium non eget probationem no processo penal.
Fatos axiomáticos ou intuitivos – são os fatos evidentes, as verdades axiomáticas do mundo do conhecimento. Exemplificando, não é necessário provar que o fogo queima, nem tampouco que a cocaína causa dependência.
Fatos inúteis ou irrelevantes – são aqueles que não interessam à decisão da causa, sejam eles verdadeirosou falsos.
Presunções legais – presunção é a afirmação feita pela lei de que um fato é existente ou verdadeiro, independentemente de prova. Assim, provado o fato que serve de base à presunção, considera-se provado o fato probando objeto da presunção. Como exemplo, comprovando-se que o acusado é menor de 18 (dezoito) anos, presume-se que seja inimputável. Logo, a inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos não precisa ser provada pela acusação ou pela defesa. A presunção pode ser de duas espécies: absoluta ou relativa.
Presunções absolutas ou iuris et de iure são aquelas que não admitem prova em contrário. É o que acontece com os menores de 18 (dezoito) anos no Brasil, em que, por força do critério biológico adotado pela Constituição Federal (art. 228) e pelo Código Penal (art. 27), presume-se de maneira absoluta sua inimputabilidade.
Presunções relativas ou iuris tantum são aquelas que admitem prova em sentido contrário. Nesse caso, o que ocorre é uma alteração na distribuição do ônus da prova: a presunção dispensa a parte por ela beneficiada do ônus da prova de uma alegação fática que, normalmente, lhe incumbiria (o fato presumido) e atribui à outra parte o encargo de provar o fato contrário. É o que ocorre, por exemplo, com o maior de 18 (dezoito) anos, cuja imputabilidade é presumida, porém pode ser afastada a partir do momento em que laudo de insanidade mental apontar que o acusado não possuía, à época do fato, a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Durante anos, houve fundada controvérsia acerca da natureza da presunção de violência nos
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crimes sexuais em relação ao menor de 14 anos, prevista no revogado art. 224, alínea “a”, do Código Penal.26
Na doutrina, sempre prevaleceu o entendimento de que referida presunção teria natureza
relativa.27 Nessa hipótese, provando o órgão ministerial que o agente havia mantido conjunção carnal com menor de 14 anos, ter-se-ia como presumida a violência, elementar do crime de estupro. No entanto, como essa presunção tinha natureza relativa, abria-se ao acusado a possibilidade de provar que a presunção de violência pensada pelo legislador do Código Penal de 1940 não estava presente no caso concreto, ou seja, que a presumida insciência do menor de 14 anos em relação aos atos sexuais (innocentia consilli) não estava presente, seja por força de grande experiência sexual que a vítima apresentava, seja por aparentar ser maior de 14 anos, tendo tomado a iniciativa quanto à prática do ato sexual.
Na jurisprudência, apesar de um julgado isolado da Suprema Corte em sentido contrário,28 sempre predominou o entendimento de que referida presunção teria natureza absoluta. Assim, tendo o órgão ministerial demonstrado que ocorrera a introdução do pênis na vagina de mulher menor de 14 anos, tinha-se como provado o delito de estupro, sendo presumida a violência. Na visão jurisprudencial, como a presunção absoluta não admite prova em sentido contrário, mesmo que o acusado comprovasse que a menor tinha ampla e irrefutável experiência sexual, que tinha maturidade suficiente para consentir validamente em relação à prática de atos sexuais, ainda assim seria
condenado pela prática do referido delito.29
Com a entrada em vigor da Lei nº 12.015 em 7 de agosto de 2009, a discussão sobre a natureza da presunção perde relevo. Afinal de contas, o art. 224 do Código Penal foi revogado. Não se trata mais de discussão em torno da natureza da presunção – absoluta ou relativa –, já que foi criada figura delituosa autônoma pertinente aos antigos casos de violência presumida: o estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).
Para a caracterização desse crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos; o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. A despeito de parte da doutrina sustentar o entendimento de que ainda se mantém a discussão sobre
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vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa, o tipo penal do art. 217-A do CP não traz como elementar a expressão “vulnerável”. É certo que o nomem iuris que a Lei 12.015/2009 atribui ao citado preceito legal estipula o termo “estupro de vulnerável”. Entretanto, a “vulnerabilidade” não integra o preceito primário do tipo. Na verdade, o legislador estabelece três situações distintas em que a vítima poderá se enquadrar em posição de vulnerabilidade, dentre elas: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. Não cabe, destarte, ao aplicador do direito relativizar esse dado objetivo, com o fim de excluir a tipicidade da conduta. Dessa forma, não se pode qualificar ou etiquetar comportamento de crianças, de modo a desviar a análise da conduta criminosa ou justificá-la. Expressões como “amadurecimento sexual da adolescente”, “experiência sexual pretérita da vítima” ou mesmo a utilização das expressões “criança prostituta” ou “criança sedutora” ainda frequentam o discurso jurisprudencial, como se o reconhecimento de tais circunstâncias, em alguma medida, justificasse os crimes sexuais perpetrados. Esse posicionamento, todavia, implica a impropriedade de se julgar a vítima da ação delitiva para, a partir daí, julgar-se o agente. Refuta-se, ademais, o frágil argumento de que o desenvolvimento da sociedade e dos costumes possa configurar fator que não permita a subsistência de uma presunção que toma como base a innocentia consilli da vítima. Além disso, não há que se falar em aplicação do princípio da adequação social, porquanto no julgamento de caso de estupro de vulnerável deve-se evitar carga de subjetivismo, sob pena de ocorrência de possíveis danos relevantes ao bem jurídico tutelado - o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes – que, recorde-se,
conta com proteção constitucional e infraconstitucional, não sujeito a relativizações.30
De todo modo, como o conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos funciona como elementar do tipo de estupro de vulnerável do art. 217, caput, do Código Penal, caso o agente desconheça esse fato, e seu erro esteja plenamente justificado pelas circunstâncias de fato, caracterizado estará o erro
de tipo, com a consequente exclusão do dolo do agente.31 Como o referido delito não admite a modalidade culposa, sua conduta será considerada atípica, nos termos do art. 20, caput, do Código Penal.
1.14. Prova direta (positiva) e contrária (negativa); a contraprova
Segundo Gomes Filho,32 diz-se positiva (ou direta) a prova que objetiva demonstrar a existência do fato, ou, mais corretamente, confirmar a asserção sobre o fato principal; negativa (ou contrária) será a prova que se destina a negar tal asserção, demonstrando que o fato não ocorreu. Ainda
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segundo o autor, é preciso observar que também há prova negativa na situação em que a demonstração da inexistência do fato se faz pela prova da existência de um fato diverso, incompatível com o fato principal afirmado. Fala-se, então, em prova negativa (ou contrária) indireta. É o caso do álibi, que consiste exatamente na prova de não ocorrência do fato imputado, mediante a demonstração positiva de uma circunstância inconciliável com tal fato, ou seja, a presença do acusado em outro lugar.
Esse conceito de prova contrária, outrossim, não se confunde com o de contraprova. Por contraprova entende-se qualquer prova apresentada por uma das partes, com o objetivo de refutar os elementos apresentados pelo adversário, com o propósito de influir no convencimento do juiz.
Bom exemplo de contraprova da defesa diz respeito à figura do assistente técnico, recentemente introduzida no processo penal. Com a Lei nº 11.690/08, é facultadoàs partes a indicação de assistente técnico, sendo que este poderá apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Ora, a nomeação de assistente técnico, quando vista pelo lado da defesa, tem evidente natureza de contraprova, na medida em que seu objetivo principal será o de refutar os elementos apresentados pelo perito oficial, de modo a auxiliar o acusado.
O direito à contraprova também está assegurado no dispositivo do art. 479 do CPP, que impede a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Perceba-se que a finalidade do dispositivo é dar ciência prévia à parte contrária de eventual juntada de documento aos autos do processo, possibilitando a apresentação de contraprova.
1.15. Prova emprestada
Prova emprestada consiste na utilização em um processo de prova que foi produzida em outro, sendo que esse transporte da prova de um processo para o outro é feito por meio de certidão extraída daquele. Assim, se a testemunha “Mévio” foi ouvida no processo “X”, cópia de seu depoimento será extraída e juntada ao processo “Y”.
Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originalmente produzida. Ou seja, apesar de sempre ter a forma documental, o valor probante da prova emprestada “é o da sua essência, e esta será sempre a originária, consoante
foi produzida no processo primitivo”.33 Assim, no exemplo citado acima, conquanto o depoimento de
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“Mévio” seja trazido ao segundo processo por meio de uma certidão extraída do processo original, seu valor probatório será o de prova testemunhal.
De acordo com a doutrina majoritária, a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida, observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Só se pode considerar como prova emprestada, portanto, aquela que foi produzida, no primeiro processo, perante aquele que terá que se sujeitar a seus efeitos no segundo, com a possibilidade de ter contado, naquele, com todos os
meios possíveis de contrariá-la.34 Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve participação, não há falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental.
Nesse contexto, consoante disposto no art. 372 do novo CPC, admite-se a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. O dispositivo deixa entrever que o contraditório deverá ser observado em ambos os processos em relação à mesma pessoa para que se possa atribuir o título de prova emprestada. Para além disso, como o art. 372 do novo CPC refere-se expressamente à prova produzida emoutro processo, fica evidente que não se admite o empréstimo de elementos de informação produzidos em outro procedimento investigatório, até mesmo porque o contraditório e a ampla defesa não são de observância obrigatória na fase preliminar de investigações.
Não obstante, há posição minoritária na doutrina que sustenta que, além da produção da prova em contraditório, também se impõe o respeito ao princípio do juiz natural (CF, art. 5º, inciso LIII). N dicção de Grinover, “para o transporte puro e simples de uma prova, de um processo para outro, seria necessário que o contraditório no processo originário tivesse sido instituído perante o mesmo juiz, que também seja o juiz da segunda causa (entendendo-se, com o termo ‘juiz’, não a pessoa física
investida na função, mas o órgão jurisdicional constitucionalmente competente)”.35
Como prevalece o entendimento de que o aproveitamento da prova emprestada está condicionado à participação, no primeiro processo, daquele contra quem se pretende fazer valer a prova, não se pode falar em prova emprestada de elementos informativos produzidos no curso do inquérito policial, eis que, como dito acima, tais elementos não são produzidos sob o crivo do contraditório. Porém, no caso de provas não repetíveis, como ocorre na grande maioria dos exames periciais, é perfeitamente possível falar-se em prova emprestada, já que, em relação a elas, o contraditório será respeitado, porém de maneira diferida.
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O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido da validade de prova pericial produzida em inquérito distinto como prova emprestada, in verbis: “Prova emprestada e garantia do contraditório. A garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção das partes. Não é a hipótese dos autos: aqui o que se tomou de empréstimo ao processo a que respondeu corré da recorrente, foi o laudo de materialidade
do tóxico apreendido, que, de regra, não se faz em juízo e à veracidade do qual nada se opõe”.36
Ainda em relação à prova emprestada, discute-se acerca das consequências em relação ao segundo processo no caso de o processo em que a prova emprestada foi produzida originariamente ser declarado nulo.
Segundo a doutrina,37 há duas possibilidades: a) caso tenha sido declarada a nulidade ou reconhecida a ilicitude da prova, não se pode admitir sua utilização, pois irremediavelmente
contaminada pela vício originário;38 b) caso o feito tenha sido anulado por questão não atinente à prova, será admissível a utilização da prova emprestada, desde que não se relacione diretamente com a nulidade. Assim, se anulado o processo por questões relativas às alegações orais apresentadas em audiência, não haverá qualquer contaminação da prova. Todavia, se o processo tiver sido anulado a partir da citação, por força de incompetência constitucional ou não intimação do defensor, diante do princípio da causalidade em sede de nulidades (CPP, art. 573, § 1º), não será possível a utilização da prova emprestada.
Em relação à prova emprestada no âmbito do Tribunal do júri, entende o STJ que a validade da
prova deve ser aferida pelos jurados.39 Em sentido diverso, Guilherme Madeira Dezem sustenta que a admissibilidade ou não das provas é matéria relativa ao juiz togado e não aos jurados. Segundo o autor, “o juiz togado deve remeter ao julgamento em plenário a causa já preparada e sem qualquer mácula probatória ou de nulidade. Não pode o magistrado abdicar de sua tarefa de admissibilidade
da prova – tarefa, aliás, que lhe é irrenunciável”.40
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Quanto ao valor probatório da prova emprestada, já foi dito que ela tem o mesmo valor da prova originalmente produzida. Todavia, a jurisprudência entende que, não obstante seu valor precário, ela é admissível no processo penal, desde que não constitua o único elemento de convicção a respaldar
o convencimento do julgador.41
Uma última e importante questão atinente à prova emprestada deve ser analisada, qual seja, a possibilidade de se utilizar elementos probatórios colhidos em interceptação telefônica em processos administrativos e/ou cíveis. Como se sabe, ao tratar da possibilidade de interceptações telefônicas, preceitua a Constituição Federal que sua decretação somente será possível para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, inciso XII). Logo, à primeira vista, poder-se-ia pensar que jamais seria possível a utilização de elementos probatórios colhidos em uma interceptação telefônica em um processo administrativo e/ou de natureza cível. Não é essa, no entanto, a posição que tem prevalecido nos Tribunais.De acordo com o entendimento pretoriano, desde que a interceptação tenha sido regulamente autorizada pelo juízo criminal para apurar crimes punidos com reclusão, e observado o contraditório em relação àquele perante o qual a prova foi produzida, admite-se que os elementos produzidos
sejam transportados ao processo disciplinar relativo à mesma pessoa a título de prova emprestada.42
Na visão da Suprema Corte, “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita
dessas provas”.43
Com a devida vênia, importante ressalva deve ser feita quanto ao julgado em questão. Apesar de o Supremo ter considerado como prova emprestada o aproveitamento dos dados obtidos em interceptação telefônica contra outros agentes, cujos ilícitos administrativos despontaram em virtude da colheita dessa prova, queremos crer que, em relação a eles, tais elementos não podem ser considerados a título de prova emprestada , haja vista que só se pode considerar como tal a prova produzida em relação àquele que tenha participado em contraditório da admissibilidade e colheita no processo originário, mesmo que o contraditório seja diferido, como ocorre nas interceptações
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telefônicas. Logo, se não foi observado o contraditório em relação aos outros acusados, não há falar em prova emprestada. Isso, no entanto, não impede a utilização desses elementos informativos colhidos na interceptação telefônica como notitia criminis acerca de eventuais ilícitos administrativos praticados pelos demais agentes.
Prova nominada e prova inominada
Tem-se como prova nominada aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem procedimento probatório previsto. Ou seja, existe a previsão do nomen juris desse meio de prova, seja no próprio Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante. É o que acontece com a reconstituição do fato delituoso, prevista expressamente no art. 7º do CPP. Apesar do referido meio de prova estar previsto expressamente no Código de Processo Penal, razão pela qual é considerada espécie de prova nominada, como não há procedimento previsto em lei para sua realização, trata-se de prova atípica.
Como desdobramento do princípio da busca da verdade, além dos meios de prova especificados na lei (nominados), também se admite a utilização de todos aqueles meios de prova que, embora não previstos no ordenamento jurídico (inominados), sejam lícitos e moralmente legítimos.
Prova típica e prova atípica
De acordo com a doutrina, há duas posições acerca do conceito de provas atípicas: a) posição restritiva: a ideia da atipicidade probatória é vista de maneira intimamente ligada à ausência de previsão legal da fonte de prova que se quer utilizada no processo. Assim, a atipicidade probatória guarda estreita ligação com a ausência de previsão legal da fonte de prova, confundindo-se os conceitos de prova atípica e de prova inominada; b) posição ampliativa: uma prova é atípica em duas situações: b.1) quando ela estiver prevista no ordenamento, mas não haja procedimento
probatório; b.2) quando nem ela nem seu procedimento probatório estiverem previstos em lei.44
Conquanto não seja comum, é possível que o ordenamento jurídico preveja apenas o meio de prova, sem disciplinar o respectivo procedimento probatório – é o que acontece, por exemplo, com a reconstituição dos fatos (CPP, art. 7º), hipótese de prova nominada, pois está prevista em lei, mas cujo procedimento probatório não está disciplinado por lei, sendo, por isso, espécie de prova atípica. Outro exemplo diz respeito à interceptação ambiental: trata-se de meio de obtenção de prova nominado, porquanto previsto expressamente no art. 3º, II, da nova Lei das Organizações Criminosas
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No entanto, como a Lei nº 12.850/13 não previu o respectivo procedimento probatório, trata-se de meio de obtenção de prova atípico. Em outros casos, não há a previsão nem do meio de prova, nem do procedimento probatório. Em ambos os casos, tem-se situação de prova atípica, de acordo com a posição ampliativa.
A produção da prova atípica deve se dar de maneira subsidiária, ou seja, somente deve ser admitida a utilização de meio de prova atípico quando não houver meio de prova típico capaz de atingir o resultado que se pretende. Também não se admite o uso da prova atípica quando houver alguma restrição quanto à prova de tal fato pela lei civil (CPP, art. 155, parágrafo único), nem tampouco quando houver alguma limitação quanto às regras de proibição da prova.
O Código de Processo Penal não disciplinou expressamente a admissibilidade das provas atípicas. O fundamento legal para sustentar sua admissibilidade consta do art. 332 do CPC (“todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”) – dispositivo semelhante a este consta do art. 369 do novo CPC, subsidiariamente aplicável ao processo penal (CPP, art. 3º). Assim, em se tratando de prova atípica, deve ser observada, por analogia, a disciplina normativa de uma prova típica. Em síntese, quanto ao procedimento a ser observado quando da produção da prova atípica, tem-se que:
a prova, como regra, deve ser praticada em juízo, sob o crivo do contraditório. Somente se admite sua produção fora dele quando a natureza do meio de prova o exigir;
somente se admite a produção da prova atípica no inquérito policial quando houver cautelaridade a justificar tal medida ou quando a própria lei indicar essa possibilidade;
a vontade pode atuar no meio de prova quando for elemento diretamente a ele ligado. Em outras palavras, se a vontade for integrante do ato a ser praticado, deve ser ela ausente de quaisquer dos vícios do consentimento para que possa ser admitido como válido tal meio de prova;
somente se afasta a parte da produção da prova quando houver cautelaridade a justificar esta medida ou, então, quando a ciência da parte for contrária à medida. Nesta situação, não haverá, naturalmente, a incidência da regra de discussão com as partes do modelo probatório a ser seguido.
1.18. Prova anômala e prova irritual
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Prova anômala é aquela utilizada para fins diversos daqueles que lhe são próprios, com características de outra prova nominada. Em outras palavras, existe meio de prova legalmente previsto para a colheita da prova. Todavia, deixa-se de lado esse meio de prova nominado, valendo- se de outro meio de prova. Exemplificando, suponha-se que, ao invés de o magistrado determinar a expedição de carta precatória para a oitiva de testemunha que mora em outra comarca, determine que o oficial de justiça entre em contato com a mesma por telefone, indagando-lhe acerca dos fatos. Depois, o oficial de justiça certifica a diligência nos autos, descrevendo detalhadamente a conversa, querendo o magistrado considerar a referida certidão com o valor de prova testemunhal.
Ora, se se trata de testemunha, seu conhecimento acerca dos fatos deve vir aos autos por meio de um depoimento prestado em juízo, e não através de outro meio de prova. Referida certidão pode até servir para comprovar que houve uma ligação efetuada para alguém. Mas jamais será possível querer emprestar ao referido ato o mesmo valor da prova testemunhal, sob pena de violação a diversos princípios constitucionais, notadamente os da ampla defesa e do contraditório.
Essa prática, por mais esdrúxula que possa parecer, tem sido muito utilizada no dia-a-dia de fóruns criminais, principalmente no tocante à prova testemunhal da defesa, situação em que magistrados têm solicitado à defesa que substitua a oitiva da testemunha por uma declaração por elafirmada.
Como asseveram Badaró e Gomes Filho, “tal forma de agir viola a própria natureza da prova testemunhal, que é uma prova oral e contraditória por excelência. Diante de uma simples documentação de uma declaração não haverá possibilidade de reperguntas. Em suma, há um total desrespeito ao procedimento típico para a produção da prova testemunhal, pelo que tem se manifestado a doutrina pela nulidade de tal ‘documento’ que substitui a prova testemunhal, havendo
julgados, inclusive, que determinam seu desentranhamento”.45
Por sua vez, tem-se como prova irritual a prova típica colhida sem a observância do modelo previsto em lei. Como essa prova irritual é produzida sem obediência ao modelo legal previsto em lei, trata-se de prova ilegítima, passível de declaração de nulidade.
A prova irritual não se confunde com a prova anômala. Como aponta Dezem, a prova anômala é produzida segundo o modelo legal. Seu problema consiste em que o modelo legal utilizado não é o adequado para o caso, não é o que o caso requer. Já a prova irritual não é produzida segundo o
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modelo legal. Em verdade, utiliza-se o meio adequado, mas sem a observância dos elementos típicos previstos em lei. Ou seja, na prova anômala segue-se o procedimento previsto em lei, mas não o procedimento previsto para aquele meio de prova. Na prova irritual segue-se o procedimento
previsto para o meio de prova, mas sem a observância do modelo previsto em lei.46
Como dito acima, o fato de uma prova ser produzida sem a observância do modelo previsto em lei acarreta o reconhecimento de sua ilegitimidade, a qual, por sua vez, pode produzir a nulidade da prova. Nessa linha, em caso concreto apreciado pelo STJ, relativo a suposto crime sexual praticado contra menor de 14 (quatorze) anos, apesar do depoimento da ofendida não ter sido produzido de forma oral, o que, em tese, contraria o disposto no art. 204 do CPP, não foi reconhecida qualquer nulidade. Na visão daquela Corte, mesmo não se realizando o depoimento oralmente, não houve ofensa do disposto no art. 204 do CPP. Isso porque a vítima lavrou a declaração em audiência diante do magistrado, do representante do MP e da advogada de defesa, não trazendo documento previamente escrito. Ressaltou-se que, não tendo a vítima coragem para narrar os fatos na sala de audiência, a ela se oportunizou a lavratura do texto, na presença das autoridades acima descritas, bem como na presença de sua mãe, que em nada interferiu. Assinalou-se que, em face da sua situação peculiar (menor que sofreu abusos sexuais), justificava-se a eleição de tal meio para tomar suas declarações. De toda sorte, a defesa também não se insurgiu contra a prova apresentada em audiência. Observou-se que o CPP acolheu o princípio pas de nullité sans grief, daí se conclui que somente há de se declarar a nulidade do feito quando resultar prejuízo devidamente demonstrado pela parte interessada e, na espécie, entendeu-se não haver qualquer prejuízo ou constrangimento ao
exercício de defesa do acusado”.47
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ÔNUS DA PROVA
Conceito
Os ônus representam um imperativo do próprio interesse, estando situados no campo da liberdade. Ainda que haja seu descumprimento, não haverá qualquer ilicitude, pois o cumprimento do ônus interessa ao próprio sujeito onerado. A título de exemplo, é exatamente o que acontece com a possibilidade de se recorrer contra uma decisão adversa. Diante de uma situação de sucumbência, a parte não se vê obrigada a recorrer, na medida em que o recurso tem como característica fundamental
a voluntariedade.48 A parte, a despeito de não estar obrigada a recorrer, tem consciência de que, não o fazendo, suportará as consequências desfavoráveis da decisão emergente. Daí se dizer que, quanto à sua interposição, os recursos configuram um ônus processual.
Diferencia-se o ônus, portanto, das obrigações e dos deveres. As obrigações devem ser compreendidas como imperativos do interesse do credor, gerando uma posição jurídica negativa para o devedor, em virtude da qual o credor, titular do direito subjetivo, pode demandar-lhe o adimplemento da obrigação. O indivíduo que não cumpre uma obrigação pratica um ato ilícito, por isso é possível a imposição de uma sanção para o adimplemento da prestação não cumprida, sujeitando-o à execução forçada.
Os deveres, por sua vez, funcionam como um imperativo perante uma coletividade ou perante toda a sociedade. Também se trata de uma posição jurídica passiva, que acarreta uma desvantagem para aquele em relação a quem foi instituído o dever. O dever pressupõe a existência de um sujeito ativo a quem interessa o seu cumprimento pelo sujeito passivo. O descumprimento de um dever gera uma sanção com natureza de coação moral ou de intimidação. A título de exemplo de sanção que deriva do descumprimento de um dever processual, diz o art. 219 do CPP que o juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.
Em síntese, enquanto o inadimplemento de uma obrigação ou de um dever gera uma situação de ilicitude e traz como consequência a possibilidade de uma sanção, o descumprimento de um ônus configura um ato lícito e não é sancionado.
Transportando-se o conceito de ônus para o âmbito da prova, pode-se dizer que ônus da prova é o encargo que as partes têm de provar, pelos meios legal e moralmente admissíveis, a veracidade das
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afirmações por elas formuladas ao longo do processo, resultando de sua inação uma situação de desvantagem perante o direito.
Ônus da prova perfeito e menos perfeito
Tendo como critério a consequência que decorre do não cumprimento do ônus, a doutrina o subdivide em ônus em perfeito e menos perfeito.
O ônus é perfeito quando o prejuízo, que é o resultado de seu descumprimento, ocorre necessária e inevitavelmente. Um ônus é tido como menos perfeito quando os prejuízos que derivam de seu descumprimento se produzem de acordo com a avaliação judicial. Com base nessa classificação, não se pode falar em ônus completamente imperfeito, na medida em que, quando não resultar qualquer prejuízo da inação para o omitente, não haverá ônus algum.
Cândido Rangel Dinamarco apresenta classificação semelhante, diferenciando os ônus em absolutos e relativos. Segundo o autor, ônus absolutos são aqueles cujo descumprimento conduz fatal e invariavelmente à consequência desfavorável, ou priva inexoravelmente o sujeito de uma situação de vantagem. São relativos aqueles que somente tornam improvável a vantagem ou provável o prejuízo. O descumprimento de um ônus relativo fará com que o seu titular corra o risco de ser prejudicado, mas é possível que o risco não se consume, caso a conduta seja praticada por outra
pessoa.49
Ônus da prova objetivo e subjetivo
No aspecto objetivo, o ônus da prova funciona como uma regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz quando permanecer em dúvida no momento do julgamento. Como o juiz não está autorizado a
pronunciar um non liquet,50 se ao final do processo resultar um estado de incerteza acerca de determinada afirmação feita por uma das partes, há necessidade de regras disciplinando em que sentido deverá ser proferida a decisão. Ou seja, é possível que, mesmo após a produção de toda a prova, seja por atividade das partes, seja em virtude da iniciativa probatória do juiz no curso do processo, ainda resulte uma situação de dúvida insuperável no momento decisório. Nesse caso, há necessidade de um critério de julgamento a ser estabelecido pelo próprio legislador – ônus da prova objetivo –, determinando ao juiz como julgar quando estiver em dúvida sobre fato relevante, no momento de proferir sua decisão.
Em suma, funciona o ônus objetivo como uma regra de julgamento destinada ao juiz acerca do
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conteúdo da sentença que deve proferir, caso não tenha sido comprovada a verdade de uma afirmação feita no curso do processo. Trata-se de uma regra prática dirigida ao juiz para a soluçãoda demanda na hipótese de ausência ou insuficiência de prova de algum fato.
Em seu aspecto subjetivo, o ônus da prova deve ser compreendido como o encargo que recai sobre as partes de buscar as fontes de prova capazes de comprovar as afirmações por elas feitas ao longo do processo, introduzindo-as no processo através dos meios de prova legalmente admissíveis. Ao contrário do ônus da prova objetivo, cujo destinatário é o juiz, o ônus subjetivo é voltado para as partes, a fim de que se saiba qual delas deve suportar o risco da prova frustrada. Sob esse aspecto subjetivo, as disposições sobre o ônus da prova funcionam, portanto, como regras de conduta das partes.
Nessa linha, como aponta a doutrina, “o ônus da prova funciona como um estímulo para as partes, visando à produção das provas que possam levar ao conhecimento do juiz a verdade sobre os fatos. Em função dessa distribuição dos riscos sobre a não comprovação de um fato, em que se fundamente a pretensão ou a defesa, é que as regras sobre ônus da prova funcionam como uma pressão psicológica para as partes, tendo o efeito de motivá-las a participar ativamente a fornecer a prova dos fatos que pretende ver reconhecidos no processo. As partes são estimuladas a provar suas
alegações, ante o risco da prova frustrada”.51
No âmbito processual penal, o ônus da prova subjetivo é atenuado por força da regra da comunhão da prova e dos poderes instrutórios do juiz.
Quanto ao princípio da comunhão dos meios de prova (ou regra da aquisição da prova), é sabido que, depois de produzida, a prova não pertence à parte que a introduziu no processo. Ao final do processo, deve o magistrado valorar todo o material probatório constante dos autos, pouco importando quem produziu a prova. Destarte, caso um fato esteja provado, é de todo irrelevante saber quem levou para os autos o meio de prova que formou a convicção do órgão julgador. Caso a testemunha arrolada na denúncia apresente em juízo um depoimento que favoreça a defesa do acusado, nada impede ao defensor valer-se de tal prova como fundamento de seus argumentos.
Por sua vez, é sabido que o magistrado tem certa iniciativa probatória no curso do processo penal. Assim, ainda que a parte deixe de produzir a prova acerca de uma afirmação relevante para a solução da controvérsia, é possível que a demanda seja julgada em seu favor, porque a prova foi
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produzida de ofício pelo magistrado (CPP, art. 156, II).
Em virtude da regra da aquisição da prova e da iniciativa probatória que é dada ao juiz no curso do processo criminal, é certo que o ônus da prova, em seu aspecto subjetivo, perdeu grande importância. De fato, mesmo que uma das partes tenha deixado de produzir prova acerca de uma afirmação de seu interesse, isso não implicará, obrigatoriamente, numa consequência que lhe seja desfavorável. Afinal, o juiz poderá formar seu convencimento a partir de todas as provas constantes do processo, quer tenham sido elas produzidas pela parte que se beneficiou com tal prova, quer por iniciativa da parte contrária, quer pela própria iniciativa probatória do juiz.
Não obstante, daí não se pode concluir que não exista mais um ônus subjetivo da prova no sistema processual penal. Na verdade, tal regra continua existindo, na medida em que as partes já têm consciência de que, caso não produzam as provas do quanto foi por elas afirmado, e desde que tal omissão não tenha sido suprida pela produção de ofício da prova, o juiz, ao julgar o caso concreto, se persistir a dúvida, aplicará as regras de julgamento sobre o ônus da prova. Daí ser possível concluir que o ônus subjetivo da prova é, no máximo, um ônus menos perfeito ou atenuado.
Distribuição do ônus da prova no processo penal
Com base na primeira parte do art. 156 do CPP, cuja redação não foi alterada pela Lei nº 11.690/08, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Diante dessa regra, discute-se qual é o ônus da prova da acusação e da defesa no processo penal. Acerca de tal questionamento, é possível apontarmos a existência de duas correntes: uma primeira (majoritária), que trabalha com uma efetiva distribuição do ônus da prova entre a acusação e a defesa no processo penal, e uma segunda, que aponta que, no processo penal, o ônus da prova é exclusivo da acusação.
Ônus da prova da acusação e da defesa
A partir do critério do Código de Processo Civil, segundo o qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do seu direito (CPC, art. 333, inciso I – art. 373, inciso I, do novo CPC), e diante d quanto disposto no CPP (“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer ...”), uma primeira corrente entende que incumbe à acusação provar:
A existência do fato típico;
A autoria ou participação;
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A relação de causalidade;
O elemento subjetivo do agente: dolo ou culpa.
De acordo com essa primeira corrente, incumbe à acusação tão somente a prova da existência do fato típico, não sendo objeto de prova acusatória a ilicitude e a culpabilidade. O fato típico constitui expressão provisória da ilicitude e o injusto penal (fato típico e ilícito) é indício da culpabilidade respectiva. Comprovada a existência do fato típico, portanto, haveria uma presunção de que o fato também seria ilícito e culpável, cabendo ao acusado infirmar tal presunção.
Em relação ao elemento subjetivo, vale ressaltar que há doutrinadores que sustentam que o dolo é presumido, razão pela qual à acusação incumbiria tão somente o ônus probatório quanto à culpa. Com relação ao dolo, sendo ele presumido a partir da prova dos demais elementos que compõem o tipo penal, incumbiria ao acusado provar que não agira dolosamente. Entre outros, é essa a posição de Mirabete, segundo o qual deve a acusação “comprovar a forma de inobservância da cautela devida no crime culposo: imprudência, negligência ou imperícia; bem como o dolo que, no mais das vezes, é presumido diante da experiência de que os atos praticados pelo homem são conscientes e
voluntários, cabendo ao réu demonstrar o contrário”.52
Com a devida vênia, com tal posição não podemos concordar. Em um Estado que consagra o princípio da presunção de inocência, não se pode admitir que o dolo seja presumido, sob pena de inequívoca violação à regra do in dubio pro reo. De modo algum estamos afirmando que está dispensada a prova do elemento subjetivo, sob pena de se permitir verdadeira espécie de responsabilidade penal objetiva. Na verdade, também recai sobre a acusação o ônus da prova quanto ao dolo, devendo sua comprovação ser feita a partir dos elementos objetivos do caso concreto.
Pensando, assim, em um crime de tentativa de homicídio, em que ao réu seja imputada a conduta de ter efetuado 7 (sete) disparos na direção da cabeça da vítima, sem, contudo, produzir o resultado morte, é óbvio que, havendo confissão do acusado quanto à sua verdadeira intenção – animus necandi –, teríamos prova direta do elemento subjetivo, facilitando sobremaneira o trabalho da acusação. No entanto, dificilmente o acusado irá confessar sua verdadeira intenção. Mesmo assim, não se pode dizer que o dolo será presumido. Na verdade, diante da negativa do acusado em admitir sua real intenção, deverá o dolo ser inferido de dados externos e objetivos, que comprovem a real intenção do agente. No exemplo dado, as circunstâncias objetivas do caso concreto, tais como o local
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de eventual lesão, a natureza da arma, a distância entre agente e vítima e a quantidade de disparos efetuados, funcionarão como indicativos veementes da presença do animus necandi, autorizando conclusão afirmativa quanto à presença do dolo de matar.
De outro lado, valendo-se do quanto disposto no Código de Processo Civil, que dispõe que
incumbe ao réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo,53 modificativo54 ou extintivo55 do direito do autor (CPC, art. 333, inciso II – art. 373, II, do novo CPC), à defesa no processo pena
compete o ônus da prova quanto às excludentes da ilicitude, da culpabilidade,56 ou acerca da
presença

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