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1 Émile Durkheim e a Teoria do Fato social Apresentar a teoria do Fato Social de Emile Durkheim e suas contribuições para análise sociológica do direito. David Émile Durkheim (1858-1917) foi um dos três grandes teóricos da sociologia ao lado Max Weber e Karl Marx. Durkheim foi o criador da disciplina da sociologia nas universidades e o primeiro professor de sociologia da França. Além disso, organizou o primeiro plano de ensino da disciplina da Sociologia, organizando temas e selecionando a bibliografia para a formação do sociólogo profissional. A sociologia passou a integrar as disciplinas formativas de diversos cursos superiores como o Direito. Durkheim fundou o primeiro departamento de sociologia da Universidade de Bordeaux, em 1890. Tinha uma preocupação com a coerência da sociedade moderna e via a sociologia como uma ciência capaz de contribuir efetivamente para a entendimento das relações sociais e dos mecanismos que regem a sociedade para fortalecer os laços de solidariedade entre os indivíduos e a realização da ordem social. Durkheim sofreu influência do positivismo de Auguste Comte partia dos mesmos pressupostos do positivismo como a neutralidade, a objetividade, as noções de explicação, previsão e controle e o emprego de dados matemáticos e estatísticos nos estudos sociológicos. Afastou-se da filosofia, em busca de Objetivos desta Aula Semana 08 Introdução: 2 explicações científicas objetivas e não especulativas. Escreveu diversas obras como: - Da Divisão do trabalho social (1893) - As regras do método sociológico (1895) - O Suicídio (1897) Toda a teoria sociológica de Durkheim está centrada no conceito de fatos sociais, definido como “toda maneira de agir ou pensar fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, apresentando uma existência própria independente das manifestações individuais que possa ter”. Os fatos sociais são dados objetivos que podem ser estudados como um físico que estuda o mundo natural, tomando o comportamento humanos como coisas. Os fatos sociais são comportamentos que se manifestam externamente ao indivíduo, são dotados de um poder coercitivo e independe da vontade do indivíduo. Por exemplo, o modo de se vestir, alimentar e se comportar em grupo. O estudo dos fatos sociais é a tarefa exclusiva da sociologia. Eles são definidos a partir de três características fundamentais: a) Generalidade: existem não para um indivíduo específico, mas para toda a coletividade. Ou seja, são tendências de comportamento que se reiteram aos longo do tempo entre os mais diversos grupos pela sociedade. b) Externalidade: os fatos sociais se manifestam através do comportamento exteriorizado pelos indivíduos, ou seja, manifesta-se externamente de forma consciente ou não de modo que pode ser observado e descrito pelo sociólogo como observados. A TEORIA DO FATO SOCIAL 3 c) Coercitividade: possuem força imperativa e coercitiva sobre os indivíduos; são imposições ou modelos de comportamento pré- estabelecidos na sociedade. A coercitividade dos fatos sociais é denominada de “Princípio da socialização” que possui um caráter normativo, como imposição de formas de comportamento. Os fatos sociais são portanto formas de normalização do comportamento dos indivíduos. Para Durkheim, o fato social representa o comportamento coletivo e pode ser identificado por meio dos dados estatísticos em razão da probabilidade de sua ocorrência em diferentes contextos na sociedade como, por exemplo, trabalhar. Fatos com baixíssima incidência ou habitualidade, portanto raros, não devem ser reconhecidos como fatos sociais normais ou habituais. Comportamentos exóticos para Durkheim só poderiam ser explicados pela psicologia através de fatores internos e psíquicos do indivíduo. Desse modo, não são objeto de estudo da sociologia. Durkheim define dois tipos de consciência que imperam na sociedade: a consciência coletiva e individual. A Consciência individual é aquela do próprio indivíduo e faz dele diferente dos demais. Ela possui um caráter psíquico e subjetivo, pois é interna ao indivíduo e reflete suas crenças, valores e moralidades pessoais. Por exemplo, gosto pelas cores, música e preferências pessoais. Para Durkheim, as preferências pessoais que compõem a consciência individual não interessam à sociologia, em razão do seu caráter subjetivo. CONSCIÊNCIA COLETIVA E INDIVIDUAL 4 Por outro lado, Durkheim define a consciência coletiva como a força coletiva exercida sobre o indivíduo. Ela é constituída a partir de atos individuais que se repetem constantemente na sociedade e podem ser traduzidas em um conjunto de crenças e sentimentos comuns, ou seja, valores compartilhados entre os indivíduos que os aproximam e os tornam iguais. A consciência coletiva possui uma vida própria. Existe fora do indivíduo, é externa e está acima dos indivíduos. Por exemplo, o modo de se comportar numa sala de aula. A consciência coletiva interessa diretamente à sociologia e ela é formada pelo conjunto de todos os fatos sociais que regem o comportamento dos indivíduos na sociedade. Na obra “Da Divisão do trabalho social”, publicada em 1893, Durkheim analisa o fenômeno do trabalho na sociedade moderna, capitalista e industrial. A divisão do trabalho entre os indivíduos é o que garante a manutenção da ordem e da coerência na sociedade. Durkheim procura mostrar como na modernidade tal divisão é a principal fonte de coesão das relações sociais ou da solidariedade social. É através do trabalho que o indivíduo se insere na sociedade e colabora com o corpo social. Quando o indivíduo perde seu emprego e permanece desempregado tende a se desconectar da sociedade e se desprender do tecido social. A solidariedade, para Durkheim, é o grau de coesão de uma determinada sociedade. Ele define dois tipos de solidariedade: a orgânica e mecânica. A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO SOLIDARIEDADE MECÂNICA E ORGÂNICA 5 a) Solidariedade mecânica: é a das sociedades primitivas e arcaicas, nos agrupamentos humanos tribais. Os Indivíduos, nessas sociedades, compartilham das mesmas crenças e valores a tal ponto que o indivíduo confunde-se com o corpo coletivo. O trabalho é realizado para a subsistência do grupo e não há propriedade privada. Nessas sociedades há uma maior coesão social e não há espaços de expressão da individualidade. b) Solidariedade orgânica: é a das sociedades modernas que passaram pela processo de Revolução Industrial. Nessas sociedades, há uma grande especialização do trabalho nas fábricas, no comércio e na prestação de serviços. Há um maior espaço de independência dos indivíduos que possuem uma maior autonomia para expressar suas preferências pessoal. Embora haja divisão do trabalho, todos dependem uns do resultado do trabalho dos outros. A crescente divisão do trabalho gera uma crescente interdependência entre os indivíduos. A coesão social está assentada nos códigos e regras de conduta que estabelecem direitos e deveres e se expressam em normas jurídicas. Para Durkheim, o Direito é uma forma de estabelecer a coesão social e fortalecer a solidariedade social entre os indivíduos. A forma do direito expressa, portanto, o tipo de solidariedade na sociedade. O direito serve, portanto, como um termômetro para medir o grau de coesão e solidariedade. Durkheim concebe duas formas de Direito na sociedade: o Direito Restitutivo e o Repressivo: DIREITO REPRESSIVO E RESTITUTIVO 6 a) Direito Repressivo – é formado por um conjunto de normas jurídicas que tem como finalidade punir aquele que as viola através da imposição de dor, humilhação ou privação de liberdade. O criminoso ou o ato ilícito cometido agridem uma regra imposta pela sociedade,portanto, merece um castigo de intensidade equivalente à infração. A ação delitiva atenta contra toda a sociedade. Desse modo, a resposta dos indivíduos e das instituições sociais são extremamente severas. Nessa forma de direito, predominam penas como a de prisão e morte. Se numa sociedade predomina o direito repressivo, uma maior quantidade de normas é mantida pela consciência coletiva. Ou seja, o direito repressivo impera nas sociedades de solidariedade mecânica. b) Direito Restitutivo – ao contrário, tem como objetivo fazer com que as relações perturbadas pela infração ou ato ilícito sejam restabelecidas e retornem ao seu estado original. Ao infrator cabe, simplesmente, reparar o dano causado. O dano causado não afeta a sociedade como um todo, mas apenas uma função específica desempenhada nela ou outro indivíduo. No direito restitutivo, predominam penas de indenização, multa e prestação de serviços à comunidade. São, portanto, de natureza civil e patrimonial. Se numa sociedade predomina o direito restitutivo uma menor quantidade de normas diz respeito à sociedade como um todo. Ou seja, o direito restitutivo impera nas sociedades de solidariedade orgânica. Quanto maior é o direito restitutivo em uma sociedade, menor é a força da consciência coletiva. Durkheim definia que o modelo ideal de sociedade era aquele no qual o indivíduo está em completa integração na sociedade através da cooperação com o trabalho. Entretanto, esse modelo é ideal, pois na prática a sociedade ANOMIA, DISTÚRBIOS E PATOLOGIAS SOCIAIS 7 tem dificuldade em integrar plenamente os indivíduos ao corpo coletivo em razão de diversos fatores, como altos índices de desemprego, preconceitos e exclusão social. Esses processos de exclusão do indivíduo geram distúrbios sociais e anomia. Os distúrbios sociais e a anomia são para Durkheim patologias ou doenças no corpo da sociedade que devem ser tratados e eliminados através das políticas públicas estatais, inclusive com o uso da força. A anomia é condição social na qual os indivíduos não cumprem as normas jurídicas impostas pelo Estado através da lei. Desse modo, as normas jurídicas perdem sua eficácia e efetividade, criando condições para a ocorrência de distúrbios sociais tais como a perda da coesão (dissociação entre indivíduo e coletividade) que geram: - crises industriais ou comerciais: fechamento das fábricas, desemprego. - conflitos entre trabalho e capital: disputa de interesses e conflitos sociais. - greves, interdições, revoltas, insurreições e revoluções. É papel do Estado e do direito, portanto, fazer cumprir as normas para que as patologias, distúrbios e anomia sejam erradicados do seio da sociedade para preservação da coesão social e plena integração dos indivíduos no corpo coletivo para realização da ordem e manutenção da solidariedade. 8 Bibliografia Básica LOWY, Michael. As aventuras de Karl Marx o Barão de Munchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 1998, p. 22-33. OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à sociologia. São Paulo: Ática, 2010. RODRIGUES, José Albertino (org.). Durkheim. 6. Ed. São Paulo: Ática, 1993, p. 47-52; 73-84. Bibliografia Complementar AGULLA, Juan Carlos. Teoria sociológica: sistematización histórica. Buenos Aires: Depalma, 1987, p. 151-166. CHARON, Joel M. Sociologia. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2004. DURKHEIM, Émile. “As regras do método sociológico”. In: Os Pensadores, v. XXXIII, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p 373-463. DURKEHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. DURKHEIM. Émile. “Divisão do trabalho social e direito”. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e direito: leituras básicas de sociologia. São Pulo: Livraria Pioneira, 1980, p. 121-130.