Buscar

Daniel-Rops - Que é a Bíblia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 123 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

' ' 
QUE E A BIBLIA? 
DANIEL-ROPS 
da Academia Francesa 
Tradução de 
J. DUPRAT 
SEI E CREIO 
ENCICLOPÉDIA DO CATóLICO NO SÉCULO XX 
SEXTA PARTE 
BíBLIA, LIVRO DE DEUS, LIVRO DOS HOMENS 
FLAMBOYANT 
A CRíTICA E A BíBLIA 
JEAN STEINMANN 
* 
Seria em vão pretender apresentar ao grande 
público o Padre Steinmann. :bsse especialista da his­
tória -e da crítica, tanto no ponto de vista da Escri­
tura como no literário, tornou-se bastante notório 
pelo estilo. Pela paixão impetuosa com que defende 
suas idéias, lança-se contra o adversário sem consi­
deração de pessoas, a demolir preconceitos. :bste 
grande trabalhador que sabe reviver homens e épo­
cas, sublima-se em projetar luz sôbre os problemas, 
conquistando ràpidamente auditório imenso e fiel. 
Prende-se, com deito, o leitor à obra do Padre 
Steinmann, pois que seus livros são sempre vivos e 
frementes, bem como impregnados de profunda cul­
tura, ponderados no arrebatamento e calorosos na 
indignação. 
Para maior proveito e encanto dos leitores da 
- "Enciclopédia do Católico no Século XX", o eterno 
Problema do valor da Bíblia constitui o tema dd 
seu último livro. E terno, dissemos, porquanto, desde_ 
que a Bíblia existe, não houve época que não ti­
vesse conhecido, tanto entre os judeus como entre os 
cristãos, controvérsias bíblicas. A Bíblia - Livro dé 
Deus, e inspirado por Êle, - não é, contudo, escrito 
por Êle, mas por homens. Assim por que não resisti­
ria ela, como todo documento escrito, à tríplice crítica 
textual, literária e histórica, que apenas pode contri­
buir para colocar a Palavra de Deus em mais viva 
e pura claridade? 
Nada tem a cnuca, por si mesma, em face da 
Bíblia, de desrespeitoso nem de destruidor. Bem ao 
contrário! Ê o que claramente explica o Padre Stein­
mann que, após ter breve e claramente definido o 
que ela é, de modo geral, traça curta e viva his­
tória da crítica bíblica,- a fim de levantar afinal, a 
respeito de cada um dos livros do Antigo e do 
Novo Testamento, o balanço dos seus resultados. 
* 
LIVRARIA EDITORA 
FLAMBOYANT 
QUE É A BÍBLIA? 
POR DANIEL-ROPS 
Da Academia Francesa de Letras 
* 
Assim como ao Cristo, é a Bíblia a Palavra de 
Deus. E como ao Cristo também, é ela o alfa e o 
omega do Cristianismo, o começo, fim e a totalidade 
da vida cristã. · 
Normal é, portanto, que a nova coleção "Enci­
clopédia do Católico no Século XX" cuja finalidade 
é ensinar os cristãos a informar os que o não são, 
lhe seja início esta apresentação da Bíblia. E quem 
melhor poderia apresentá-la, de modo mais oportu­
no, do que um homem que, na inquietação do nosso 
mundo, descobriu os vestígios do Verbo de Deus na 
obscuridade de nossa alma, percebendo as cintilações 
.,2a espada de fogo a interceptar o Pa*aíso perdido, 
na angústia das vitórias da Morte e sentindo sôbre 
a própria face o "sôpro suave da brisa", sinal da 
Passagem d' Aquêle que nos fala ao coração? 
Ê assim que Daniel Rops nos vai descrever a 
Bíblia "Livro de Deus, Livro dos Homens". Livw 
de Deus, pois que é Êle o Sujeito e o Objeto. Ê 
Deus que fala de sua própria Natureza, sua Criação, 
Desígnios e do seu Povo. Livro dos homens pois 
que o caniço agitado pelo vento do Espírito, o cá­
lamo do escritor inspirado, transmite-nos, também, os 
costumes, o temperamento, a história e a mentali­
dade dos povos e dos indivíduos envolvidos no 
plano divino. 
Neste apaixonante resumo da História e das 
histórias, do Sentido e dos sentidos da Bíblia, Daniel 
Rops entrega-nos o fruto dos seus trabalhos pacientes 
de exegese e de história, que levaram seu nome atra­
vés do mundo, e também de suas meditações ínti­
mas e cotidiano encontro com o "Livro". 
* 
LIVRARIA EDITORA 
FLAMBOYANT 
NIHIL OBSTAT 
São Paulo, 10 de abril de 1958 
Mons. HBLADIO CoRREIA LAURINI 
IMPRIMA1UR 
São Paulo, 10 de abril de 1958 
Moas. LAPAYETTB 
Ex delegatiooe 
60 
SEXTA PARTE - BlllLIA, LIVRO DE DEUS, LIVRO DOS HOMENS 
QUE É A BíBLIA? 
DANIEL-ROPS, DA ACADEMIA FRANCESA 
Título do original francês: 
QU'EST-CE QUE LA BIBLE? 
JE S AIS - JE CROIS 
I!NCYCLOP�DIE DU CATHOLIQUE AU xxHME SikLB 
IIBRAIRIE ARTHEMI! FAYARD - PARIS 
DO MESMO AUTOR 
EDITADOS PELA FLAMBOYANT 
HISTORJA SAGRADA DAS CRIANÇAS 
OS MILAGRES DO FILHO DE DEUS 
A BC DA CRIANÇA CRISTÃ 
1958 
Dirfttos para a língua portuguésa adquiridos pela 
LIVRARIA EDITORA FLAMBOYANT 
Rua Lavradio, 222 - São Paulo 
que .se reserva a propriedade desta tradução. 
CAPITULO I 
BíBLIA, LIVRO DOS LIVROS 
BASE DE NossA CIVILIZAÇÃO 
Há um l ivro ún ico , inexgotá vel , no qual tu do se encontra a res­
pe ito de Deus e do homem . Deus , em tô da a parte pres ente , n êle 
se re vela sob to dos os aspectos em que nos é perm itido entre ver-lhe 
o m ist ér io , n êle se man ifestan do , falan do e ag in do . E o homem n êle 
também se reconhece em tô das as suas virtual ida des , suas gran dezas e 
falhas , des de as asp irações ma is subl imes at é êsses r ecantos obscuros 
da consciência on de , em ca da qua l, sangra a ferida or iginal do pe ­
ca do . Se , ac ima de tu do , um ens ino rel ig ioso n êle se apresenta , o 
ensino da ver da de re vela da , os co nhecimentos human os e as at ivida­
des do esp ír ito encontram al imento de uma r iqu eza sempre no va . E 
tamb ém vão preten der tirar de seus princíp ios a mo ral e o direito , 
como a soc iolog ia , a econom ia e at é a pol ít ica , se fôr ignora da a 
mensagem de que êste l ivro é porta dor . 
Arte e l iteratura , mais e videntemente a in da , estão -lhe na depen­
dênc ia . Sem êste livro , nem os e scultores de Chartres , os mo sa ístas 
de Ra vena , Miguel Angelo e Re mbran dt e nem os Gregos seriam 
aqu êles que tanto a dm iramos . Ma is a in da mesmo que êste dese nvol­
vimento quant itat ivo das ob ras que lhe de vem os temas , o qu e con ta, 
o que lhe ren de testemunho , é a e xist ênc ia que lhe é de vida, de u ma 
arte , alçan do a estét ica ac ima de si mes ma, até a significação da es· 
p ir itual ida de . 
Assim também a conte ce às obras literárias. Bste llv� glorifi. 
cado ora por Monta ign e e Ra cine , Shakespea re e wthe, o ra por Nie-­
tzsche e Anatole France, mais fêz ainda que fornecer assuntos sem 
8 QUE É A BfBLIA ? 
con ta a dra ma turgos , po is que dêle dimana a torren te de água viva a 
irr igar as raízes das obras -primas . 
Sem êle ter ia m surg ido Dan te e Ra cine , Pas cal e Dos to ie vs ki? 
Paul Val ér y, e m frase pro fun da, de monstrou que a civiliza ção o ci­
den tal repousa sôbre três bases : a in tel igên cia grega , a orde m roman a 
e a esp iritual ida de judeu -cris tã . Es fa cele-se u ma, e to do o e difício ver­
-se -á a mea ça do de ru ína . Ora, a terce ira dess as bases , a mais in dispen ­
sá vel a bem dizer , po is que forne ce ao conjun to sua au tên tica s ign ifi­
ca ção , é o l ivro ún ico e inexgo tá vel que a de fine e al icer ça . Se m êle , 
não ser ia o Ociden te aqu ilo que é. 
:e, a in da , fa lsear-lhe o sentido e l imitar -lhe o al can ce , asso ciar ês te 
l ivro s omente à ex istên cia e ao desen vol vimen to da civil iza ção o ciden­
tal . D ia a dia , à me dida que um es fôr ço se con cre tiza no sentido de 
le var -lhe a mensage m ao plano do un iversal , ver ifica -se que , pelo s 
da dos pro fun dos tanto quan to pelos me ios de expressão que usa , es tá 
êle perfe ita men te de acôrdo com men tal ida des bem diversas das eu ­
ropéias, e que Ãs ia e África mu ito na tural mente a po dem receber , 
es tan do -lhe o gênio , de certo mo do , a corde . Se a human ida de bran ca 
lhe de ve , e m a mpla me dida , ter as su mi do o papel de gu ia que lhe 
reconh ece a h is tória , de ve m-lhe as ra ças de côr o despertar ante o 
esplen dor de u ma no va lu z. 
Tal é a B íbl ia , l ivro do s l ivros , l ivro do ho mem e de Deus . 
Os livRos SAGRADOS : o LIVRO 
O t ítulo pelo qual de signamos êste l ivro , r esume e tra du z tô da s 
as suas e xcep ciona is cara cterísti cas . Esta pala vra , al ém da etimologia 
grega -"b iblos", "bibl ion ", o li vro , - penetra at é aqu êles temp os 
lon gínquos do segun do milená rio antes de Cristo em que o s Fen ício s 
de B yblos haviam feit o de seu pôrto o ma ior entreposto de pap i­
r os da ép oca , imp on do o próprio nome de sua ci da de ao pro dut o 
que ven diam . 
_
Na acepçã o que lhe damos, nã o remonta , contudo , seu empr êgo , 
senao � IV,Q s éculo de no ssa era , no s dia s de Sã o Jerôn im o, qu e 
general izou o emprêgo da e xpres são "os Santos Livros " ou s impl es-
mente " L' " " bíbl' " O L ' d ', d , os tvro s , em gre go, ta t ta • s a ttnos a epo ca e -
ca dente transpuser am a pala vra pa ra o f em ini no de sua l ín gu a, e a 
declinaram "bíblia - biblúe". 
BÍBLIA, LIVRO DOS LIVROS 9 
. 
Assim transformo�-se êsse plural, na linguagem corrente, em um 
Smgular, e essa coleçao de setenta e três obras designada por uma 
palavra que lhe subentende a unidade profunda e a sobrenatural 
�arm�nia . .. O sinônimo que muit? também foi usado para designá-lo, 
Esc:ttura , - o que, com efetto, traduz: ·"As Santas Escrituras", 
exprtme, sob outra forma, a mesma idéia: que todos os elementos 
desconexos que o compõem, coordenam-se em uma síntese superior. 
Escritura, Livros Sagrados, Livro, Bíblia: palavras diversas que 
c?rres�o�dem tôdas a um mesmo objetivo. Trata-se, na verdade, de 
hvro umco e, por excelência, do livro que sôbre todos os demais 
mantém a primazia. f: o absoluto da cousa escrita, porquanto a men­
sagem que contém é o próprio absoluto. 
0 LIVRO MAIS LIDO NO M UNDO 
f: a Bíblia, entre tôdas as obras do espírito, a mais lida do 
mundo. O algarismo de seus exemplares pode, apenas, ser conjec· 
turado: um bilhão ou dois, acrescidos, cada ano, de cêrca de dois 
bilhões. Desde a antigüidade, começou o livro a difundir-se. A his­
tória tradicional de Ptolomeu Philadelpho, pedindo ao Sumo Sacer­
dote Eleazar que lhe enviasse os setenta e dois melhores doutores de 
Israel a fim de dotar a biblioteca de Alexandria de uma tradução 
grega dos livros santos hebreus, tem valor de símbolo, pois que prova 
a celebridade de que já gozava a obra. A expansão da Bíblia tor­
nou-se mais vasta ainda quando os Cristãos, tendo acrescentado à parte 
judaica o que continha a suprema revelação trazida por Jesus, contri­
buiu para aumentá-la! Foi a Bíblia copiada nos conventos; os gran­
des da terra timbraram em possuir-lhe exemplares. Quando Gutem­
berg inventou a imprensa, foi da Escritura Sagrada que retirou o pri­
meiro texto ao qual aplicou a nova técnica. 
Em nossos dias, pode-se ler a Bíblia em quase tôdas as língu� 
por menos importantes que sejam. Quantas traduções já foram enu· 
meradas? Setecentas e trinta; mil cento e quarenta? Segundo os au­
tores, variam os algarismos. Existe tanto em japonês como em árabe, 
em bretão como em flamengo e até em esquimó e em ouolof. Poder­
-se-ia assinalar o ano de 1817 em que apareceu, pela primeira vez, 
em língua africana, - era, então, em malgache, - enquanto Morrison 
produzia a primeira versão chinêsa. A presença dêsse Livro não cessa 
10 QUE É A BÍBLIA? 
-------------------------
de difundir-se. No século da "morte de Deus" êste sucesso vem con­
firmar-se, afirmando a soberania da Palavra, - dessa Palavra da qual 
foi dito que não haveria de passar. 
Os CATóLicos E M FACE DA BíBLIA 
n preciso, contudo, confessar que, nesse campo, durante muito 
tempo, atardaram-se os católicos. Durante cêrca de tr�zen�os anos 
mantiveram-se ante o Livro dos Livros numa atitude de mquteta des­
c onfiança. Tal foi uma das conseqüências da terrível crise que atra­
vessou o mundo cristão no decurso do século XVI e da ruptura que 
assinalou, na marcha dos destinos da Igreja, a revolução protestante. 
Enquanto, contudo, abrigado no castelo de Wartbourg que o ocultava 
dos olhos de seus inimigos, empreendia Lutero sua grande obra, a 
tradução alemã da Bíblia, não é exato dizer-se que todo o catolicismo 
desinteressava-se dos Livros Santos. Entre a invenção da imprensa, 
- 1450, - e êsse ano de 1520, no qual o antigo monge augusti­
niano punha-se ao trabalho, cento e cinqüenta e seis edições latinas 
da Bíblia haviam surgido, e, para não citar senão as do seu país, 
dezessete versões em língua alemã. 
n fora, porém, de dúvida que essas publicações eram dirigidas, 
quase exclusivamente, a especialistas, não tendo o povo a elas acesso. 
O Livro "que deveria encontrar-se, noite e dia, entre as mãos 
dos homens piedosos, jazia, em geral, envolto em poeira". 
A decadência simultânea da Bíblia e da Liturgia, desde os fins 
do século XIII, demasiadamente correspondeu a essa deslocação do 
ideal de Cristandade, do qual o desenvolvimento do nacionalismo em 
política, o nominalismo em teologia e a desagregação dos costumes 
assinalavam outros sintomas. Sem esta decadência, o ataque de Lu­
tero não teria tido maior alcance, e seu sucesso não seria aquêle 
que sabemos. 
Lutero, porém, e, ao lado dêle, os demais "reformadores", ren- . 
d�!ldo ao Livro sua supremacia e repercussão, cometeram o êrro ine:x:­
ptave� d� separá-lo d_a .Tradição que lhe havia garantido o texto e c�tnb�udo pa_r� eluoda-lo. . Tornada. para o homem fonte única de fe e vtda esp1r1tual, oferecia a Bíblta o meio de se prescindir da 
Igreja, de sua organização social, da Tradição e da Hierarquia. 
. A Igreja Católica mediu o perigo dessa quebra na evolução his­
tónca da mensagem cristã e dessa individualização da crença. Reagiu, 
BÍBLIA, LIVRO DOS LIVROS 11 
então, pelas medidas de proteção que tomou o Concílio de Trento 
principalmente pela interdição aos fiéis de lerem a Sagrada Escritur� 
nas tra�uçõ�s em língua vulgar que não tivessem sido aprovadas por 
ela
, 
e
. 
nao fosse__m .acompanhadas ?e comentários conforme à Tradição catoltca. Pru?encta? �alvez exc�sstva, e certa influência do jansenismo 
deram a esta mterdtçao um carater de rigor absoluto que não possuía. 
Tornou-se corrente ouvir-se repetir que "a Bíblia está no Index" e 
que "um católico não deve ler a Bíblia". A crise do Modernismo, 
no início dêste século, em que trabalhos, imprudentemente conduzi­
dos, puseram em causa a autenticidade da Sagrada Escritura, muito 
contribuiu também para desenvolver esta desconfiança. 
Havia nisto, para os católicos, uma grave perda. Como ser ple­
namente cristão, cortando-se as próprias raízes que permitiram à fé 
cristã viver e expandir-se? Foi o grande mérito dos Papas, nestes 
últimos sessenta anos, o terem medido a amplitude desta perda, e 
procurado saná-la. Três grandes encíclicas restabeleceram a verdade 
- e a Bíblia - em seus direitos: "Providentissimus" de Leão XIII, 
em 1893, ·"Spiritus Paraclitus" de Benedito XV, por ocasião do XV.<� 
centenário de São Jerônimo, em 1920, e a radiosa mensagem de Pio 
XII, em 1943, "Divino Afflante Spiritu", que foi ponto de partida 
do renascimento bíblico atual. Ao mesmo tempo, criadas pela Santa Sé 
ou encorajadas em sua fundação, surgiram várias instituições, tais 
como: a "Comissão Bíblica Pontifícia", em 1902, que fixa, em ma­
téria de Escritura Sagrada, o ensinamento comum da Igreja (1); o 
Instituto Bíblico Pontifício (jesuíta) e a Escola Bíblica de Jerusa­
lém (dominicana). 
O mosteiro beneditino de São Jerônimo, em Roma, foi investido 
da tarefa de rever a tradução latina dos Livros Santos, a mais impor-
( 1) A propósito dos decretos da Comissão Biblica, acabam de ser r�di­
tados os decretos (Euchiridion Biblicum 1954). Simultâneamente o secretáno e 
o subsecretário da C. B. publicam uma nota, salientando: 1.0 ·o alcance histó­
rico dos decretos (é necessário compreendê-los segundo as circunstâncias das 
respectivas publicações); 2.q a especificidade (é preciso disti��uir: "Dois tipos 
de decisões são encaradas: Pode dar-se o caso de uma dectsao estar em rela­
ção com a fé e os costumes. Na medida dessa relação, guarda natu�mente 
todo o seu valor e torna-se obrigatória. Muitas vêzes, porém, as dectsões da 
C. B., de acôrdo com a própria, natureza do seu objeto, não têm relação com 
a fé eos costumes. A Comissão é geralmente consultada sõbre questões de 
ordem histórica ou crítica. Em assuntos desta ordem, dados novos podem rea-
brir uma questão que poderia parecer resolvida.; 
.. ) 
. • • 
(Artigo de Dom Jacques Dupont O. S. B., A propósrto do novo Endürt• 
dion Biblicum" na "Revista Biblica .. , julho de 19SS, pág1. 414-41�). 
12 QUE É A BÍBLIA? 
--------------------------
tante, pois que é em latim que os textos sagrados são empregados 
na liturgia. 
"Lêde a Bíblia!" diz, portanto, doravante a seus filhos a Igreja 
Católica. E, em todos os países do mundo em que sua autoridade 
é reconhecida, considerável esfôrço realiza-se sob nossos olhos a 
fim de ser cumprida tal admoestação. Somente na França, seis tra· 
duções, - uma, velha de sessenta anos mas, desde pouco tempo, re­
novada; outra de vinte anos, e ainda quatro bem recentes, - são a 
partilha de um público, dia a dia mais numeroso. Uma delas patro· 
cinada pelo Cardeal Lienart, apenas em quatro anos, ultrapassou tre­
zentos mil exemplares. �. portanto, hoje em dia, bem fácil aos cató· 
licos conformarem-se com a ordem do Cânon 1.391, e de somente 
lerem a Bíblia em edições autorizadas. Quanto ao número de publi­
cações consagradas à Bíblia, é de pasmar: cêrca de duzentas obras 
em língua francesa, só em 1954, e inúmeros artigos. 
�ste esfôrço e tamanho sucesso têm um sentido. Não é mais 
aos caprichos do livre exame que se acha relegado o texto sagrado. • 
Transmitido aos fiéis pela própria "Ecclesia Mater", que o interpreta 
segundo as lições que vinte séculos acumularam ao fio da Tradição, 
a Escritura Sagrada retomou seu papel de laço vivo e fonte inexgo· 
tável. Ler a Bíblia não é mais lançar-se a uma aventura pessoal, em 
revolta contra a autoridade, a Tradição, a Hierarquia e os dogmas 
estabelecidos. � praticar um ato superior de fidelidade e adesão. 
Assim, o livro sagrado surge como elemento determinante na 
opinião fundamental do século XX, entre a fé e a repulsa. Há, do· 
ravante uma humanidade que vive da Escritura, do Livro dos Livros, 
e outra que o repele, porquanto, há uma humanidade que concebe 
a vida sem Deus e outra que faz d�le, como a própria Bíblia, o 
••alfa" e o .. omega" de tudo. 
CAPITULO 11 
DE NOSSAS uBíBLIAS" A PALAVRA 
0 LIVRO FOI A PRINCÍPIO PALAVRA 
Estas obras cujo conjunto constituía a Bíblia, êstes livros, que te­
mos por base de nossa fé, como foram compostos e a nós transmitidos? 
Nossas "Bíblias" modernas dissimulam, sob aparência uniforme, 
não somente a prodigiosa diversidade das partes, mas o mistério de 
suas origens. Quem, folheando as páginas dêsse texto conciso, pen­
sará no tempo em que essas palavras e essas frases se não apresen­
taram sob o aspecto definitivo da impressão, mas sim proclamadas ou 
salmodiadas ao auditório pela voz dos Arautos de Deus? 
Bem antes de ser um texto escrito, a Bfblia, em sua maior parte, 
constituiu ensinamento oral. Sob a forma de narrações, mais ou me­
nos estereotipadas, de poemas ritmados e assonantes, de sentenças e 
ditos vigorosos, seus elementos foram transmitidos, de geração em 
geração, pela palavra, antes que o uso da escrita se ouvesse imposto. 
E esta gênese especial, da qual outros livros orientais oferecem exem­
plo, - tal o Alcorão, - acha-se em íntima relação com as próprias 
formas da cultura, da vida do espírito, da linguagem, no povo em 
que foi elaborada a Bíblia, formas de tipo simples e comunitário, em 
que a criação literária era infinitamente menos individualista e in­
telectual do que entre nós, e mais viva e expontânea. 
Para que bem se compreenda como nasceu a Bíblia, é preciso que 
nos desfaçamos de nossos hábitos de homens modernos, homens da 
civilização do papel. · Escrever e ler para nós são duas operações tão 
automáticas que imaginamos apenas como outras sociedades tenham 
podido dela totalmente prescindir. Tomaram-se nossa memória exan­
gue e estéril e nossas faculdades de improvisação mais verbais e "elo-
14 QUB É A BÍBLIA ? 
qüentes" que poéticas e proféticas. Em Israel dos tempos antigos e 
até os dias de Cristo, procedia-se diversamente. Falar com abundân­
cia, com arte e grande dom das fórmulas era o apanágio daqueles que, 
hoje em dia, seriam "escritores". A memória aperfeiçoada era instru­
mento de escol. "Um bom discípulo, diziam os Doutores judeus, é 
semelhante à cisterna bem cimentada: do ensino do Mestre não deixa 
escapar uma só gôta d'água". 
Esta transmissão pela memória e palavra era extremamente faci­
litada pela própria técnica que lhe era aplicada. 
Existia uma arte de aprender e guardar de cor que se aliava à 
arte de compor. �ste "estilo oral" gravou de modo visível o texto, 
e a passagem para o escrito, em margem grande, respeitou-lhe o molde. 
A modulação do ritmo, a repetição de certas palavras e o jôgo das 
aliterações constituíam auxiliares da memória. Basta ler em voz alta 
muitas passagens do Evangelho para encontrar, sob o texto escrito, 
a expressão oral. 
Tocamos flaut" e não danfasles 
Cantttmos lament11fÕes e não chorastes. 
Bstes dois versículos colocam-nos, evidentemente, em face de um 
trecho cadenciado de um verdadeiro estribilho. 
Conhecemos, por vêzes, com exatidão, a existência do ensinamento 
anterior ao escrito. As profecias de Jeremias foram feitas vinte e 
dois anos antes de serem redigidas. 
Todos os profetas, todos os salmos, tôdas as partes poéticas e, 
em primeiro lugar, o Cântico dos Cânticos, conjunto de cânticos nup· 
ciais, têm, evidentemente, o mesmo caráter. 
E, mesmo nos livros históricos, supõe-se pela linguagem, pela 
forma das frases, que se trata de crônicas faladas, análogas àquelas 
com que os aedos homéricos ou os trovadores da Idade Média sua­
visavam o tédio dos castelões. 
Não quer isto dizer que não existissem elementos escritos. A pró· 
pria Bíblia faz alusão a compilações, quais o "Livro das guerras de 
Javé" e o "Livro do Justo" que deveriam ser conhecidos de todos, 
a julgar pelo modo por que é falado. Como Josué, a fim de ter 
tempo para terminar sua vitória, ordenou ao sol que se detivesse e 
foi obedecido, "não está isto escrito no "Livro do Justo"? 
DE NOSSAS "BÍBLIAS" À PALAVRA 15 
Hoje, depois das inúmeras descobertas da arqueologia, do Sinai 
a Ras-Shamra, ninguém mais contesta que escritos bíblicos muito an­
tigos, anteriores ao X.<.>, e, talvez mesmo, ao XII.<.> século, tenham exis­
tido. Na época em que os hebreus de Moisés estiveram no Egito, 
havia quinze séculos que a escrita estava em uso corrente no país do 
Nilo. �sses elementos escritos, porém, não passaram, durante muito 
tempo, senão de auxiliares da memória, antes de serem inseridos na 
redação que possuímos. 
E, coisa curiosa, o mesmo exatamente aconteceu aos textos bíbli­
cos da tradição cristã, ao menos, aos Evangelhos, porquanto, para o 
que diz respeito aos "Atos dos Apóstolos", às "Epístolas" e ao "Apo­
calipse", trata-se de documentos escritos e que se apresentam como 
tais, escritos ou ainda ditados, como acontece às cartas de São Paulo, 
e nêste último caso encontra-se o "estilo oral". 
Os Evangelhos foram, certamente, a princípio ·"ditos", bem antes 
de terem sido escritos. As primeiras gerações cristãs emprestaram a 
êsse ensino oral enorme importância. Imagine-se uma criança de hoje 
a quem conte a vóvó que sua própria avó, no tempo em que era 
jovem, falava de Napoleão que ela vira passar revista às tropas, jus­
tamente antes de Waterloo. Esta lembrança direta lhe não parece 
infinitamente mais concreta e mais verdadeira que tudo quanto po­
deria ler no manual de história? Durante, pelo menos, quatro ou 
cinco gerações, ouviram os cristãos o Evangelho como história trans­
mitida, de bôca em bôca, por testemunhas irrecusáveis. Pelo ano de 
130, isto é, em época em que os quatro evangelistas tinham, há muito, 
publicado seus livros, - São Papias, bispo de Hierapolis, na Fri� 
declarou que o que a tudo preferia, em matéria de tradição, era a 
"palavra viva e duradoura". 
E, pouco mais tarde, Santo Irineu, em Lião, evocavao tempo em 
que escutava São Policarpo, o grande bispo ·de Smima, relatar o que, 
êle próprio, havia colhido do· apóstolo São João. B dêstes testemu­
nhos vivos que o Evangelho guarda o acento que nos toca o coração. 
A necessidade, contudo, de guiar os transmissores do Evangelho, 
e o desejo de evitar os desvios, erros, exageros e deformações exigi­
ram que se recorresse à escrita. Através do texto definitivo dos qua­
tro pequenos livros, adivinha-se ainda o traço dêsses memoriais de 
que os "porta-evangelhos" a princípio se serviram. 
16 QUE É A BÍBLIA? 
0 TRIUNFO DA ESCRITURA 
Esta passagem da transmissão pela palavra para a escrita, suscita 
inúmeros problemas. O primeiro dêles é saber-lhe a data: em que 
momento tomou o texto a forma escrita? 
No que se refere à tradição judaica a resposta não pode ser dada 
senão com prudência. Sem dúvida, houve três épocas de intensa ati­
vidade literária. No tempo de Ezequias, foram colecionados e redi­
gidos os documentos orais ou escritos do Reino do Sul, confrontan­
do-os com os do Reino do Norte, que letrados de Samaria, refugia­
dos em Jerusalém, depois de 722, haviam trazido (cf. Prov. XXV, 1). 
Na época de Josias realizou-se a famosa "descoberta" do "Deutero­
nômio", e talvez tenha sido escrita uma primeira versão conjunta do 
"Pentateuco". O trabalho completo parece situar-se após o Exílio, 
quando Ciro, em 538 antes de nossa era, autorizou "o resto de Israel", 
os exilados de Babilônia, a regressar à pátria, aí refazendo uma es­
pécie de pequeno Estado sob o protetorado persa. 
Assim como, pelo ano de 445, Nehemias reconstruiu os muros de 
Jerusalém, assim também outro grande homem soergueu a cidade espi­
ritual, a Bíblia. Esdras, sábio escriba, jurista e teólogo, passava por 
ter ditado, milagrosamente, noventa e quatro livros santos, e obrigado 
todo o seu povo a seguir-lhes os preceitos. Seria, portanto, a partir 
do século V.9 que teriam sido coligadas as antigas versões fragmen­
tárias, redigidas as partes ainda oralmente transmitidas e editado o 
conjunto. Um século antes, em Atenas, Pisistrato havia ligado sua 
glória a operação idêntica sôbre os textos de Homero. A esta Bíblia 
primitiva vieram juntar-se, com o tempo, pequeno número de textos 
r�ativos. �os .séculos que se lhe seguiram, exprimindo novas aquisi· 
çoes esptntuaJS. 
Melhor conhecidos são os fatos que se referem à segunda parte 
da Bíblia, a das tradições cristãs. Já assinalamos que os "Atos dos 
Apóstolos", as "Epístolas" e o "Apocalipse" apresentam-se formal­
mente como textos escritos ou ditados. Não se apresenta portanto 
A ) , para estes o 
.problema. Para os quatro evangelhos, a passagem do oral � o escnto efetuou-se em datas diversas, por razões e condições 
d1f�rentes. .
sem entrar nos pormenores de sábias discussõs, pode-se 
�rm r�� a red .. 
ação dos Evangelhos. Disse Papias que ·"Mateus 
fot o prrmeuo a por em ordem os ditos do Senhor, em língua he­
braica". O primeiro dos "evangelistas" teria sido, portanto, o antigo 
DE NOSSAS "BÍBLIAS" À PALAVRA 17 
publicano de Cafarnaum, com um texto redigido, provàvelmente, na 
língua semítica usual, isto é, o aramaico, e, sem dúvida, entre 50 
e 55. Pouco depois, São Pedro, que se achava em Roma, foi visi­
tado por um jovem judeu helenista, Marcos. Escutando as palavras 
do príncipe dos apóstolos, êste diligente rapaz anotou o que ouvia, 
confrontou suas notas com os livretos que, então, circulavam, e de 
tudo isto formulou, entre 55 e 62, o seu evangelho, o qual, em grego 
popular, dirigia-se evidentemente ao pequeno grupo cristão de Roma 
que o cercava. Quase ao mesmo tempo um médico erudito, Lucas, 
que havia sido companheiro de São Paulo em suas viagens, chegou 
a Roma. Recolhera êle do apóstolo dos gentios outras informações 
e, durante s..ra permanência em Jerusalém, documentara-se em primeira 
mão, (talvez junto da própria Virgem Maria). 
Dirigindo-se aos elementos mais cultos que constituíam o círculo 
de Paulo, escreveu por sua vez, em excelente grego, o seu evange· 
lho ( 63) . Foi o sucesso dêsses dois novos ou o seu próprio texto
aramaico que decidiram Mateus a traduzir o seu texto, completando-o? 
Em todo o caso, foi isto feito pouco depois, entre 64 e 68. 
Quanto ao quarto evangelho, o de São João, foi o mesmo redigido 
em :Sfeso, pelo apóstolo preferido, no fim de sua longa existência, 
muito tempo depois dos três primeiros. :e obra, ao mesmo tempo, de
recordações, de documentação e meditação espiritual, à qual se atribui 
ordinàriamente a data dos últimos anos do século, entre 96 e 98. 
:Sste breve resumo acaba de nos indicar quais as línguas em que 
foi escrita a Bíblia. Foram três: O hebraico, língua original e santa
do povo de Deus, foi utilizado na maioria das partes que decorrem da 
tradição judaica. Deveria permanecer até nós a língua litúrgica de 
Israel, e as descobertas do Mar Morto provaram que os Essenianos dela 
ainda se serviam nas proximidades de nossa era. O aramaico, idioma
semítico aparentado, não cessou de ganhar terreno em detrimento do 
hebraico no uso oral, a ponto de ter sido talvez êste fato que impôs 
a Esdras a fixação do texto. No momento da morte de Cristo todos 
o empregavam, mas há na Bíblia poucos textos escritos em aramaico:
o evangelho primitivo, segundo São Mateus, como acabamos de ver;
certas partes de "Esdras", de "Daniel" e de "Jeremias". Quanto ao 
grego, pouco usado antes de Cristo, - há apenas o segundo "Livro 
dos Macabeus" e o da "Sabedoria", que tenham sido redigidos nesta 
língua, - era êle, no momento em que se iniciava a nossa era, de 
uso tão corrente que, pràticamente, todos os textos sagrados dos cris· 
18 QUE É A BÍBLIA ? 
tãos foram redigidos na língua helênica - a qual, tornada popular, 
não era entretanto sempre a de Homero e de Platão. 
Restam duas questões práticas: sôbre 9ue suporte material � .em que escrita foi fixado o texto bíbl�co
.
? Dots el�mentos fora� utdJza­
dos: um mais modesto era constltUJdo pelas fJbras do paptro e do 
caniço do Egito, esmagados e ligados por um endumento, e que foi a 
origem de nosso papel; outro, muito mais caro, era o pergaminho, 
isto é, a pele cortida e polida com esmero. Primitivamente gruda­
vam-se as fôlhas de papiro ou de pergaminho, de ponta a ponta, em 
rôlos. A liturgia judaica conservou-se fiel a êste uso. O hábito de 
unir as fôlhas por grupo de quatro páginas - "quaternion", palavra 
que deu origem a "caderno" - que em seguida eram reunidas em 
volume, data do li.� século antes de nossa era, e foi disseminado pe­
los cristãos. 
Quanto aos escritos, variaram enormemente no decurso dos séculos. 
O hebraico primitivo não conhecia a forma quadrada e maciça que se 
encontra em suas letras atuais. Esta grafia não se fixou senão nos 
séculos que precederam, imediatamente, a Cristo. A forma arcaica 
aproximava-se do alfabeto fenício. Nem uma nem outra contava êstes 
sinais e pontos que, no hebraico atual, indicam as vogais. 
O grego era, pouco mais ou menos, o que nós conhecemos, com 
a ressalva de que os antigos copistas ignoravam separações entre 
as palavras e a pontuação, o que torna a leitura muitas vêzes difícil. 
:e natural que, em uma e outra língua, os tipos de escrita variassem, 
uns caligrafados muito cuidadosamente, como os das "casas editoras", 
outros, cursivos, rápidos, onde as palavras são ligadas umas às outras. 
:este tipo de escrita contribui a tornar escabroso o problema da trans­
missão dos textos no decorrer dos séculos antes da invenção da im­
prensa, isto é, o famoso problema dos manuscritos. 
Os MANUSCRITOS DA BÍBLIA 
.:e apenas necessário dizer que não possuímos texto algum autó­
grafo dos textos bíblicos, assim como também que não o temos de 
Homero ou de Pindaro. :e, portanto, pelas cópias que os conhecemos. 
Existem milhares de manuscritos da Bíblia, estando todos longe de 
serem compilados. Em 1780, um sábio hebraizante, chamado Ken­
nicot, tendo-se vangloriado de haver cotejado diretamente 261 manus­
critos da Bíblia judaica e de ter examinado outros 349,um d os seus 
DE NOSSAS "BÍBLIAS" À PALAVRA 19 --------------------------
êmulos, o italiano Rossi, retrucou, declarando que possuía, somente 
em sua biblioteca, 310 cópias desconhecidas pelo inglês. �stes tão nu· 
merosos manuscritos, que valor terão? Seu interêsse é, evidentemente, 
de muito desigual valor, segundo a data e também aos cuidados em· 
pregados em prová-los. 
Quando se fala ·de um texto antigo, não se deve jamais perder 
de vista o fato elementar de que, até a invenção da imprensa, fazia-se 
a transmissão dos escritos por sucessivas cópias. 
No decurso de cada uma das cópias, corria o texto múltiplos pe­
rigos: podiam ser negligentes os escribas, ou ignorantes, ou ainda, 
tão desejosos de bem agir que "aperfeiçoavam" a seu talente o ori­
ginal. Quanto aos "revisores" que, periodicamente intervinham para 
reconduzir o texto a sua pureza primitiva, acontecia-lhes que a ousa· 
dia ou incompreensão provocava outros enganos. 
Por conseguinte, as probabilidades que temos de pôr em sua exa­
tidão um texto antigo, diminuem com o tempo decorrido. Ignora-se, 
geralmente, que, no tocante aos grandes clássicos, a distância entre a 
redação e o primeiro manuscrito conhecido é quase sempre imensa: 
mil e quatrocentos anos para as tragédias de Sofocles, assim como para 
Esquilo, Aristofanes e Tucidido; mil e seiscentos para Eurípedes e 
Catulo; mil e trezentos para Platão, e mil e duzentos para Demós­
tenes. Qual é essa distância em relação à Bíblia? 
Com relação à parte hebraica, a resposta, até êstes últimos ao� 
era bastante pessimista. Não se conhecia manuscrito algum anterior 
ao século IV.'l. O mais antigo parecia ser o da Sinagoga de Kara­
soubazar, perto de Sioferopol, na Criméia, que foi datado de 830 
depois de Cristo. A Bíblia de Petrogrado, "Codex Petropolitani", 
descoberta também em Criméia, é datada do "ano de 1228 da era dos 
Seleucidas", isto é, que, tendo o grande Antiocus, na Síria, reinado 
de 223 a 187 antes de nossa era, êste manuscrito seria das proocimi­
dades de 900. As diferenças entre as cópias da Bíblia hebraica são 
ainda mínimas, porquanto, desde antes da Alta Idade Média, os rabi­
nos dedicaram-se, cuidadosamente, a fixar o texto santo, assim como 
sua pronuncia por meio dos pontos-vogais. O resultado dêsse trabalho 
denomina-se "Massore". E como tivessem feito desaparecer, quanto 
possível, os manuscritos anteriores a essa revisão massocrética, nenhum 
mais resta, salvo insignificantes fragmentos. 
Foi tal situação modificada pelo fato das recentes e célebres des· 
cobertas, feitas nas cercanias do Mar Morto. Sabe-se que em 1947, 
20 QUB É A BÍBLIA ? 
em uma gruta, foram encontrados, ocultos em jarros, diversos rôlos 
contendo inúmeros textos bíblicos. 
Buscas, em seguida procedidas em cavernas vizinhas, apresentaram 
ainda outros. Admite-se tratar-se da biblioteca de um mosteiro he­
braico da vizinhança, pertencente à seita austera dos Essenianos, que 
lá foi ocultada por ocasião dos terríveis acontecimentos da guerra 
Judaica, no ano 68 de nossa era. 
� natural que os textos sejam anteriores a esta data, e alguns 
parecem muito mais antigos, datando mesmo, talvez, do IIJ.ç século, 
ou até do IV.<? século. Para as partes da Bíblia que figuram nos 
"manuscritos do Mar Morto" - Isaías, integralmente, e em dois exem­
plares, e, em parte, o "Gênesis", o "Deuteronômio" e, principalmente, 
o ".nxodo" - temos, portanto, doravante, cópias muito próximas do 
original. O confronto com os manuscritos já conhecidos permitirá mo­
dificações importantes no texto recebido? Tal não parece, de acôrdo 
com os primeiros estudos. Com relação a Isaías, o texto apresenta-se, 
com pouquíssima diferença, idêntico ao n osso (I). 
No que toca aos textos cristãos da Bíblia, o problema é muito 
mais complexo. Estamos em face de inúmeras cópias de tôdas as épo­
cas, e muitas vêzes bastante variáveis. Dividem-se em três categorias : 
as "minúsculas", as "maiúsculas" e os "papiros". As minúsculas são 
tôdas posteriores ao século IX,Q, Nessa época, o texto havia sido uni­
formizado e, sob reserva de algumas graduações, reproduz o "texto 
recebido". Os mais célebres manuscritos são os que, entre o IV,Q e 
IX. ç séculos foram recopiados nessa nobre caligrafia, denominada 
"oncial". 
Dois, pelo menos, datam do IV.q século: "Vaticanus" (ao Vati­
cano) e o "Sinaiticus" que, encontrados no Convento do Sinai, entre 
velhos pergaminhos desprezados, e levados à Rússia, foram vendidos 
pelos soviéticos ao Museu Britânico. O Codex Bezae que, tomado em 
Lião pelos protestantes, se acha na Universidade de Cambridge, à qual 
Teodoro de Beze, famoso discípulo de Calvino, o entregou em 1 581, 
data do V,Q século. Vê-se, portanto, que entre as cópias dos livros 
cristãos e o original, não há mais de três a quatro séculos. � uma 
situação que, na Antigüidade, sõmente Terêncio e Virgílio tiveram a 
felicidade de possuir. 
(1) Ver "Les Manusc.rits hébreux du Désen de Judá", por A. Vincent 
(Paris, 1954). 
DE NOSSAS "BÍBLIAS" À PALAVRA 21 
Há, porém, fato ainda melhor. As salas do Egito forneceram pa­
piros que muitas vêzes serviram a envolver múmias e que são porta­
dores de escrituras. Entre êstes inestimáveis documentos figuram di­
versos trechos dos evangelhos e das epístolas. Os mais notáveis são 
os papiros Egerton, os papiros Chester Beatty, e os adquiridos pela 
Universidade de Michigan. A parte mais importante restitui-nos as 
cartas de São Paulo em sua quase totalidade. O mais precioso de 
todos é o papiro Rylands que se vê em Manchester, e que contém uma 
passagem do cap. XVIII do evangelho segundo São João, datando de 
cêrca de 130 de nossa era, isto é, mais ou menos contemporâneo do 
original. � êste um caso único em tôda a história dos textos da 
Antigüidade, e que prova quanto foi rápida a expansão do Evangelho . 
.E confrontando todos êsses manuscritos, uns com os outros, que 
se pode chegar a estabelecer um texto que tenha probabilidade de 
total autenticidade. Preciso é acrescentar que outro meio de verifica­
ção indireta nos é oferecido: o que nos proporcionam as versões. 
A BíBLIA NAS ANTIGAS TRADUÇÕES 
Hoje em dia, é em traduções que lemos a Bíblia. Sômente os 
exegetas profissionais se referem ao texto original, o hebraico da grande 
edição de Rudolf Kettel na Bibelanstall de Stuttgart, e mesmo às edi­
ções gregas dos textos cristãos, por Nestle ou pelo R. P. Merck e 
o Instituto Pontifício Bíblico. Desde época muito antiga, foi a Bíblia 
traduzida, e o interêsse dessas velhas traduções é considerável, por 
permitirem reconstituir os textos de que se serviram os tradutores e 
que são muitas vêzes anteriores aos que nos guardaram os manuscritos. 
A primeira em data dessas traduções, e uma das mais célebres, é 
a dos "Setenta" que, conforme vimos, foi feita no Egito, - nos III.<;> 
e Il.'9 séculos antes de nossa era, - a pedido de um faraó esclarecido, 
diz a lenda, e na realidade porque os judeus de Alexandria, conhe­
cendo mal o hebraico, tinham necessidade de uma tradução. Esta ver· 
são grega obteve sucesso imenso. Foi usada pelas primeiras comuni· 
dades cristãs, e por ela, - à exceção de uma ou duas, - foram feitas 
tôdas as outras traduções em outras línguas. Certos Padres da Igreja, 
notadamente Santo Agostinho, julgaram que fôra ela "inspirada". A 
ciência moderna, contudo, criticou essa obra ilustre e, ainda que lhe 
manifestando extremo interêsse, demonstrou que, entre os tradutores, 
haviam alguns cometido erros ou parafraseado o texto. Seja, porém� 
22 QUE É A BÍBLIA? 
como fôr, a celebridade dessa tradução eliminou tôdas as demais ver­
sões gregas, notadamente as de Teodócio e de Aquila, as quais, en­
tretanto, eram reputadas por Orígenes. 
Os textos evangélicos, mal eram publicados, davam origem a ver­
sões, principalmente nas duas línguas mais empreg�d.
as pelas co�lU­
nidades cristãs primitivas, - com o grego, - o strtaco e o lattm. 
As versões latinas têm, evidentemente, capital importância. Em pri­
meiro lugar por figurarem em manuscritos muitoantigos e numero­
sos, e também por ser em latim que a Sagrada Escritura passou à 
seiva e à medula de nossa civilização ocidental. 
Entre tôdas, uma tornou-se célebre, e um nome glorioso a ela 
ligou-se: "A Vulgata de São Jerônimo". Antes, porém, que o grande 
sábio se pusesse ao trabalho, numerosas versões latinas haviam sido 
feitas, notadamente dos evangelhos, muitas vêzes bem diferentes umas 
das outras, apoiando-se sem dúvida, sôbre textos primitivos. Delas, 
apenas resta uma quinzena de manuscritos, dos quais os dois mais cé­
lebres encontram-se na Itália, em Verceil, - pertenceu a Eusébio que 
foi bispo dessa cidade, tendo morrido em 371, - e, em Trento, o 
"Palatinus", igualmente do IV.<� século. O triunfo da Vulgata eclip­
sou as antigas traduções. 
São Jerônimo viveu de 347 a 420, primeiramente em Roma e, em 
seguida, em uma ermida solitária em Belém. A conselho de seu amigo 
o Papa Dâmaso, resolveu dotar a Igreja com uma tradução perfeita 
quanto possível dos Livros Sagrados. Limitando-se, para os textos 
cristãos, a fazer uma revisão minuciosa, empreendeu, para tôda a Bíblia 
hebraica, a obra monumental de uma tradução viva, ardente e, muitas 
vêzes, pitoresca, feita diretamente dos originais. � esta Vulgata de 
São Jerônimo que, até os dias de hoje, marcou profundamente a lei­
tura da Bíblia entre os cristãos. 
Eliminou até, no uso corrente, trabalhos que, entretanto, eram 
de valor, tal a revisão feita por Santo Agostinho. Transcrita de ge­
ração em geração, sofreu a Vulgata, até a invenção da imprensa, a 
sorte comum dos textos reproduzidos. Em seguida ao Concílio de 
Trento foi lançada uma edição especial, por ordem do Papa Cle­
mente :VIII." (1592-1605). :e para uma revisão mais científica que 
se dedicam, doravante, os Beneditinos romanos da Abadia de São 
Jerônimo. 
As recentes traduções da Bt'blia para as línguas modernas têm, 
quase sempre, em consideração, ao mesmo tempo, a Vulgata, os Se-
DE NOSSAS "BÍBLIAS" À PALAVRA 23 
tenta e os originais hebraicos. Imenso trabalho vem se desenvolven­
do, sobretudo nestes cinqüenta anos, para um exame profundo dos 
textos. Possuímos, certamente, uma Bíblia mais "verdadeira" que os 
antigos cristãos. 
A CRÍTICA TEXTUAL 
Ressalta êste trabalho de uma ciência: a crítica textual. Ciência 
minuciosa, disciplina árdua. Através da multiplicidade das variantes 
e das lições algo divergentes, como fixar a verdade? Ter-se-á uma 
idéia da complexidade do problema, sabendo que, apenas para os qua­
tro evangelhos, oscilam as variantes entre cem e cento e cinqüenta mil! 
A maior parte, evidentemente, não se refere senão a causas de pe­
quena monta: por vêzes uma palavra, uma sílaba ou até uma letra. 
Isto, porém, não torna o confronto mais fácil. 
A crítica textual recorreu a métodos que, usados simultâneamente, 
devem chegar a fixar os critérios de autenticidade dos textos. A "crí­
tica externa" estuda os manuscritos e os confronta. Entre duas va­
riantes, qual a boa? A proveniente de cem manuscritos que, talvez, 
sejam todos reproduções de um só, e que poderia conter uma falta, 
ou a que propõe um só manuscrito que parece mais garantido? Será 
preciso, portanto, para cada texto, procurar reconstituir o histórico 
de sua transmissão. 
Será, porém, sempre possível? Bem pouco. Far-se-á, então, in­
tervir a "crítica interna", que afastará os erros evidentes, lançando mão, 
principalmente, do contexto que tratará de discernir se tal lição não 
rompe a seqüência do desenvolvimento, se não foi influenciada por 
outro texto (é bastante freqüente no que diz respeito aos evangelhos), 
se não está em contradição com o gênio e os hábitos de pensar e es­
crever do autor. 
Ciência, como se pode imaginar, infinitamente delicada e, muitas 
vêzes, conjetura! aos respetivos resultados. :e, contudo, graças a seus 
pacientes esforços que se pode esperar um texto tão fiel quanto possí· 
vel. :e necessário, porém, estabelecer que, no conjunto, estas variantes 
não atingem senão pontos mínimos, como pequeninos pormenores, e 
que raro é que as discussões decorrentes possam pôr em jôgo uma ver­
dade de importância. Tal como hoje o possuímos, o texto da Sagrada 
Escritura é, no conjunto, bastante sólido e garantido para servir de 
base à fé. 
C A P I T U L O 111 
O "CÃNON" DOS DOIS TESTAMENTOS 
LIVRO COMPLEXO E DE APARÊNCIA DESCONEXA 
Abramos, portanto, a Bíblia; sigamos-lhe os capítulos. .n preciso 
confessar que a primeira impressão que deverá sentir o leitor será a 
de um grande espanto. Em uma página célebre do "Gênio do Cris­
tianismo", Chateaubriand assim o confessa. Que significa êsse con­
junto de livros desconexos, uns dos outros diferentes, quanto ao gê­
nero, ao tom, às mais evidentes intenções? .n como se tivéssemos pôsto, 
ponta a ponta, a "Canção de Rolando", um código de direito canônico, 
as "Crônicas de Joinville", "Cirano de Bergerac", bons trechos da "His­
tória da França" de Michelet, dois ou três "Contos Filosóficos" de Vol­
taire e compilações poéticas. Ensaie-se estabelecer uma unidade menos 
formal, descobrir estilo comum a todos os textos, ou comum a todos 
os autores? Vã tentativa ! Fulguram uns em cintilações de gênio; 
outros são de tal insipidez e despertam um tédio que se não poderia 
negar. E, êsse pasmo que causa o simples exame das aparências da 
Bíblia é ainda bem pouco, - nós o veremos, - ao lado do que se 
encontra ao se lhe considerar o conteúdo e ao pretender tomar ao 
pé da letra quanto nêle se contém . 
.n preciso ir além dessa decepção, recorrer às introduções e comen· 
tários, - e tantos hoje existem -, que permitem não se perder no 
labirinto. Necessário se torna, sobretudo, esforçar-se por apreender a 
idéia grandiosa que une todos êsses livros desconexos. Considerar a 
Bíblia como um amontoado de textos heteróclitos que vão das receitas 
de cozinha às mais elevadas especulações místicas, é condenar-se a nada 
compreender. 
26 QUE É A BÍBLIA ? 
Tudo se aclara, ao contrário, e tudo se harmoniza e coordena 
<juando se sabe e se crê que, tomado em conjunto, é uma hist?ria, a 
história de um povo. que �ão �r� semel.ha�t� aos outros, mas ,
cuJo des­
tino obedecia a uma mtençao dtvma. Ltterartamente falando, e absurdo 
falar sôbre o "plano da Bíblia". Tudo, p�r�m, - mesmo os escritos 
mais inesperados, - ordena-se ao plano dtvmo. 
LER UMA REFERÊNCIA BÍBLICA 
Quando um texto bíblico é citado, ?rdinàriame?te é seguido de 
uma referência de algumas letras e algansmos e, mats comumente, de 
uma palavra abreviada, um algarismo romano ou árabe ( por vêzes dois 
algarismos árabes o que torna menos claro ) . Ler-se-á assim, por exem­
plo : Jer. VII. 15 (Jer. VII. 15), Mt. IX. 7 ( Mt. IX. 7 ) , o que se 
traduz : livro do profeta Jeremias, capítulo sétimo, décimo quinto ver­
sículo, ou Evangelho segundo São Mateus, capítulo nono, versículo 
sétimo. Estas simples indicações revelam, desde logo, um fato : a 
divisão da Bíblia em livros, capítulos e versículos. 
Divisão cômoda, certamente, pois que a tríplice indicação permite 
localizar desde logo qualquer passagem. Não é certo, porém, que êste 
corte, do qual o artificial salta aos olhos desde que se empreenda 
a sua leitura consecutiva, não quebre bem desagradàvelmente a "se­
<JÜência do pensamento", e mesmo não perturbe, por vêzes, a própria 
compreensão dos fatos. 
A divisão em Livros designados por título ( "Livro dos Reis", 
"Bxodo", "Epístolas aos Romanos", ou "Apocalipse", seja pelo nome 
do aut?r ("Jeremias", "Isaías", "Mateus", "Marcos" ) , seja ainda pelo 
do seu principal ator ("Tobias", "Jó", "Rute" ) , está ligada às pró­
prias condições em que a Bíblia foi formada, isto é, ao problema da 
escolha que iremos abordar. As demais divisões são de menos im­
portância e, além do mais, sua origem é muito mais recente. 
Os capítul� de extensão aproximadamente igual, não datam se­
não do comêço do século XIII. O mérito dêste secionamento cabe a 
Estêvã� Langton,. o qual . foi, primeiramente, professor na Universidade de P� e depolS arcebispo de Canterburye Cardeal. Foi grande o 
sucesso� e os copistas parisienses puseram em moda tal maneira de agir. 
A partlr de 1226, espalhou-se por tôda a parte. Os próprios judeus 
o adotaram, com reserva de algumas mínimas diferenças. A divisão 
atual mantém-se de conformidade com a do erudito cardeal inglês. 
O "cÂNON" DOS DOIS TESTAMENTOS 27 
Quanto à divisão em versículos é esta recente, tendo exatamente 
quatrocentos anos. O célebre editor parisiense Robert Estienne, ao 
publicar a Bíblia em 1551 , nela introduziu os famosos pequenos alga­
rismos que estacam, ou melhor, cortam e deslocam os períodos. O 
método que presidiu a êsses cortes escapa a qualquer análise racional. 
Tal membro de frase é cindido em duas partes e, por vêzes, ao con­
trário, duas proposições, despidas de qualquer relação, são associadas, 
parecendo que, freqüentemente, simples razões tipográficas tenham 
atuado. 
O uso, porém, de tal modo consagrou o processo que é, pràtica­
mente, impossível abandoná-lo. 
Os DOIS "TESTAMENTos" 
A primeira e a mais importante das divisões da Bíblia é a que 
lhe reparte os livros em duas seções de desiguais dimensões, chama­
das "Antigo e Novo Testamento". 
À primeira vista, a palavra "testamento" presta-se a equívoco. Tem 
ela em francês sentido muito definido, que se não vê como aplicar aos 
textos bíblicos. Entretanto, se fôr bem compreendido, coloca imedia­
tamente o leitor em face do mistério que se acha no próprio âmago 
da Sagrada Escritura, o do acôrdo integral entre Deus e o homem, 
por intermédio de um povo, isto é, em face do plano divino. 
Testamento, com efeito, nada mais significa que "aliança", a pa­
lavra hebraica ·"berith" aplicando-se a esta Aliança que, desde o cha­
mado ouvido por Abraão, existia entre o Todo-Poderoso e o Povo 
que havia lHe encarregado de ser seu testemunho e porta-voz. 
"Berith" foi traduzido em grego, nos Setenta, pela palavra "dia­
theke", que insiste sôbre a idéia de tratado, de documento que con­
sagra a aliança ( o têrmo "suntheke" teria sido preferível, tendo sido, 
aliás, empregado por outros tradutores menos ilustres) . Em latim, 
"diatheke" foi traduzido por "testamentum", têrmo que significava 
"documento escrito de caráter oficial", isto é, tanto tratado de aliança 
como testamento. 
No presente sentido, caracteriza, primeiramente, as relações par­
ticulares de Deus com o seu povo; pode designar, porém, a união 
que o próprio Deus, tendo tomado a forma humana, selou com o 
homem pela oblação de Cristo. Há, portanto, uma "antiga aliança .. 
e uma "nova aliança" e o Evangelho o repete muitas vêzes. Assim, 
o segundo sentido não se acha também inclui do ? 
28 QUE É A BÍBLIA ? 
Como diz a ''Epístola aos Hebreus" (IX. 15-22) é pela morte 
do testador que os herdeiros entram na posse de seus bens. � pela 
morte de Cristo que os filhos de Deus têm acesso à herança eterna. 
Na acepção mais trágica do têrmo, testamento exprime os direitos do 
homem à filiação divina, para êle adquiridos pelo sacrifício do Cal­
vário. A nova aliança foi selada com o sangue. 
0 "CJ.NON", REGRA DE FÉ 
Em cada uma das duas grandes partes da Bíblia figura · certo nú­
mero de textos ou Livros. Por que assim foi feito ? Porque a Igreja 
afirma que exprimem, autêntica e regularmente, sob as duas formas, 
a Aliança de Deus com o homem. :B esta idéia que traduz ( e não, 
como muitas vêzes se pensa, a de "lista", simplesmente, ou "catálo-
") A 1 d "CA .. go o termo usua e · anon . 
:B grega esta palavra, mas, provàvelmente, tomada de empréstimo 
a algum idioma semítico. Em hebraico "qaneh" significa a cana para 
medir, aquela de que fala Ezequiel (XL. 3-5 ) . Foi empregada pelos 
gramáticos alexandrinos na coleção das obras clássicas, dignas de ser­
vir de modêlo; por Cícero, no mesmo sentido; por Plínio, a propósito 
do escultor Polideto, a fim de designar os bons métodos a seguir na 
estatuária; por Epíteto, para caracterizar as regras morais de vida reta. 
Os Padres da Igreja, em grande número, de São Clemente de Roma a 
Santo Hipólito, utilizaram a palavra para designar tudo quanto serve 
de fundamento à religião, regra da tradição, da fé e da verdade. Muito 
naturalmente, estendeu-se o sentido ao do "escrito regulador". Um 
texto foi denominado "canônico" quando fixava a regra de ser pre­
ciso crer e fazer. Dai, ainda por extensão, o sentido de "coleção de 
escritos i)Ue fixam a regra". Quando, desde 350, Santo Atanásio dizia 
do "Pastor" de Hermes : "Isto não é do Cânon", era neste sentido que 
êle entendia o têrmo. A partir dessa época, tomou-se corrente, e São 
Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório de Nazianzo o utilizaram . 
. . 
�oi nêste sentido que, no decurso dos séculos, muitos documentos 
of1oa1S da Igreja o tomaram, e, entre os mais importantes, as deci­
sões do Concilio de Trento, em 1 546, e as do Concílio do Vaticano 
e
.
m 1870. O "C�non" das E�.rituras compreende, portanto, todos os 
livros que a IgreJa proclama reguladores da fé", ao mesmo tempo, 
"inspirados", o que depende, como o veremos, de outro critério. Sua 
relação é doravante imutável. Como, porém, foi fixada ? 
O "CÂNON" DOS DOIS TESTAMENTOS 29 
o CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO 
A relação dos livros "canônicos" é, portanto, a que o Concílio de 
Trento estabeleceu em sua quarta sessão. Compreende quarenta e cinco 
livros : "Gênesis", "�xodo", "Levítico", "Números", "Deuteronômio" 
( êstes cinco primeiros conjuntos, designados pelo têrmo de Pentateuco) , 
"Josué", "Juízes", "Rute", dois d e "Samuel", dois dos "Reis", dois 
das "Crônicas", "Esdras", "Neemias", "Tobias", "Judite", "Ester", 
dois dos "Macabeus", "Jó", "Salmos", "Provérbios", "Eclesiástico", 
"Isaías", "Jeremias" (nêste compreendidas as ·"Lamentações" ) , "Ba­
ruque", "Ezequiel", "Daniel", "Oséias", "Joel", "Amós", ·"Abdias", 
"Jonas", "Miquéias", "Na um", "Habacuque", "Sofonias", "Ageu", 
"Zacarias" e "Malaquias". 
Os judeus ( seguidos pelos protestantes) , apenas reconhecem trinta 
e oito. Desde o tempo de Cristo, não estavam êles de acôrdo sôbre 
a canonicidade de todos os livros sagrados : de uns, - os mais nume­
rosos, e também os mais rigorosos - aceitando apenas os textos es­
critos em hebraico, em outros, querendo incluir sete obras, geralmente 
conservadas em grego : "Tobias, "Judite", "A Sabedoria", "O Ecle­
siástico", "Baruque", e Os dois livros dos "Macabeus", sem falar de 
algumas partes do livro de "Ester" que apenas se possui em língua 
helênica. Os católicos, há muito tempo, desde o século XIII, em 
todo caso, dividem o ·Antigo Testamento em quatro grandes partes : 
o Pentateuco (que os judeus denominam a Lei, a Torah) , os Livros 
Históricos (de Josué a Macabeus) , os Livros Poéticos e Sapienciais 
(de J ó ao Eclesiástico) e os Livros Proféticos de Isaías a Malaquias) . 
Como foi constituído êste Cânon do Antigo Testamento ? Isto é, 
como os chefes religiosos de Israel, príncipes dos Sacerdotes e douto· 
res da lei determinaram o que era "canônico" ? � certo o fato, ates­
tado notadamente pelo historiador judeu Flávius Josephe, na época de 
Cristo, - sob a reserva das divergências que acabamos de ver entre 
judeus rigorosos e judeus helenistas mais tolerantes, - de existir uma 
relação devidamente estabelecida das Sagradas Escrituras, um "cânon", 
contendo os trinta e oito livros, número que artificialmente ligava-se, 
por vêzes, ao de vinte e dois, que era o das letras do alfabeto he­
braico. Quanto, porém, a saber segundo que critério, por que méto­
dos e a que datas os rabinos haviam feito tal escolha, são questões 
sem respostas exatas. Afigura-se que o rei Josías (639-609), sob cujo 
reinado o grande sacerdote Helcias "encontrou na casa de Javé o Livro 
30 QUE É A BÍBLIA ? 
da Lei", tenha, em primeiro lugar, estabelecido um �ânon, aind� que 
muito reduzido e rudimentar. Em todo caso, a parttr do V.<:> secu1o, 
uma lista existe dos livros sagrados que eram lidos nas sinagogas. 
Esdras, em cêrca de 444, o havia fixado. O grupo dos Profetas pa­
rece ter sido delimitado posteriormente;talvez pelo III::• século. O 
Livro dos Salmos, cujo prestígio era grande, em virtude de ser atri­
buído ao rei-poeta Davi, e do uso litúrgico imemorial que dêle era feito, 
devia estar no cânon, de longa data e como por direito naturaL As 
demais obras, denominadas "hagiógrafas", foram agrupadas pelos cui­
dados dos escribas e doutores, durante os III.<� e 11.<� séculos, e a lista 
deve ter sido suspensa em seguida à célebre perseguição de Antiochus 
Epiphanio ( 175-163) quando Judas Macabeu mandou que fôssem pro­
curados os rôlos sagrados, salvos da destruição, a fim de reuni-los. Não 
parece, portanto, que tenha havido julgamento oficial comparável a 
uma decisão conciliar, a fim de declarar canônico o conjunto do An­
tigo Testamento. 
Como passou êste Cânon para o uso cristão ? Não foi sem dis· 
cussões e hesitações numerosas. O princípio deve ter sido o de ado­
tar como canônicos os livros que haviam sido citados por Jesus e os 
Apóstolos. Isto, porém, não foi suficiente. Pode-se dizer que os 
Padres da Igreja oriental foram mais favoráveis à lista limitativa he­
braica. Os Padres ocidentais admitem os "deutero•canônicos" que os 
judeus haviam finalmente apartado. No IV. 11 século, a situação era 
ainda flutuante. Santo Hilário recusava aos sete livros discutidos o 
título de canônicos, mas os considerava, entretanto, como fazendo parte 
da Escritura Sagrada. 
Foram, segundo parece, São Jerônimo e Santo Agostinho que, 
filiando-se ao cânon mais amplo, fizeram-nos triunfar na Igreja. 
Os concílios de Hippone (393) e de Cartago (397) , e uma carta 
de Inocêncio J.q, em 405, provam que naquele momento o cânon es· 
tava fixado tal como o possuímos. 
0 CÂNON DO Novo TESTAMENTO 
Para o Novo Testamento, estão os protestantes, pràticamente, de 
acôrdo com os católicos, sob a mínima reserva de não serem tão cate­
góricos em suas atribuições. A "Epístola aos Hebreus", por exemplo, 
que os católicos assinalam sob o nome de Paulo, conserva-se para êles 
O "cÂNON" DOS DOIS TESTAMENTOS 31 
de atribuição problemática. �. porém, o �esmo o número de livros, 
tanto para uns como para os outros : vmte e sete. 
Foram êles divididos em três seções : livros históricos (Evangelhos 
segundo "São Mateus", "São Marcos", "São Lucas", "São João" e os 
"Atos dos Apóstolos" ) ; Livros Didáticos (as quatorze epístolas de 
São Paulo, e sete outras epístolas, cujas assinaturas são de São Pedro, 
São João, São Tíago e São Judas ) ; finalmente, um Livro Profético, 
o Apocalípse. 
Não se deve, de modo algum, acreditar que êste novo Cânon 
fixou-se ràpidamente, por uma decisão ex-cátedra. Trata-se bem mais 
do comum assentimento, no fervor inspirado dessas igrejas primitivas 
que, próximas da Revelação, mantinham ainda a chama do Espírito 
Santo. Nasceu essa decisão da própria vida, dentro de um natural 
plano de serenidade. Houve, certamente, indecisões, reflexões e, tal­
vez mesmo, discussões. Conta Eusébio que Serapião, bispo de Antio­
quia, tendo-se-lhe apresentado certo "Evangelho segundo Pedro", au­
torizou, a princípio, a leitura, mas, em seguida, tendo-o examinado 
mais atentamente e encontrado traços da heresia docete o interditou. 
O "Pastor" de Hermas, livro tão atraente do comêço do segundo sé­
culo, que passou durante algum tempo por inspirado, foi afastado 
do Cânon pelos ocidentais, mas continuou sendo acolhido na Igreja 
do Egito. 
O que é certo é que a Igreja mostrou-se extremamente rigorosa 
nos métodos que presidiram a escolha. Narra Tertuliano, cêrca do 
ano 200, que, uns trinta anos antes, aparecera na Província da Ásia, 
um livro dos "Atos de Paulo", em que se via o Apóstolo converter 
uma jovem pagã, Thekla, tendo esta, em seguida, começado a pregar, 
por conta própria e de modo admirável, o Evangelho. Paret:endo 
suspeita esta narração, foi procurado o seu autor, sacerdote mais cheio 
de boas intenções que de prudência e que, sem tardar, foi castigado. 
B suficiente, ainda, ler os textos chamados "apócrifos", confrontan­
do-os com os textos canônicos, para concluir de que lado se acham 
a prudência, a medida e a sabedoria, e com que tato a Sagrada Escri­
tura fixa e limita os direitos do sobrenatural e do maravilhoso. 
Os dois critérios que preponderaram no julgamento foram essen· 
cialmente a catolicidade e a apostolicidade. Um texto era admitido 
no Cânon quando, no conjunto das comunidades, era reconhecido como 
fiel à verdadeira tradição, à verdadeira mensagem. 
À medida que a liturgia se estabilizava, o hábito de ler, no. de­
curso da Missa, páginas das epístolas e dos evangelhos, submeua o 
QUE É A BÍBLIA ? 32�------------��----------------------
respetivo teor a uma prova p�b
d
li
d
ca. Q
1 
u.�n�o a con
1
sc�ência cristã, 
esclarecida e guiada pela auton a e ec estasttca, cone UJa que certo 
número trazia a marca do Espírito, a escolha estava feita. E como, 
nessas comunidades primitivas, a filiação apostólica era fundamental, 
foram conservados aquêles textos estabelecidos pelos testemunhos vi­
vos, que provinham diretamente dos discípulos de Jesus. 
Em todo caso, no momento em que terminava o segundo século, 
a escolha estava terminada. Possuímos, com efeito, um documento 
extremamente precioso que o prova : o "Cânon de Muratori", assim 
chamado pelo nome de um bibliotecário da Ambrosiana que o desco­
briu e publicou em 1740, segundo um manuscrito do VI.<� ou VII."' 
século. Reproduz êsse documento um simples catálogo, uma tábua 
das matérias da Escritura Sagrada, datada das proximidades do ano 
200 e redigida em Roma, demonstrando que nessa época a Igreja Ro­
mana possuía o mesmo Cânon que a cristã de hoje (com exceção 
das Espístolas de São Tiago e São Pedro) e rejeitando o "Pastor", 
cuja leitura, entretanto, autorizava, e, mais categoricamente, certos 
escritos de tendências gnósticas. 
Cento e cinqüenta a duzentos anos mais tarde, entre 359 e 400, 
os catálogos dos Cânones multiplicaram-se. Foram encontrados na 
África, na Frígia, no Egito e em Roma. O Concílio de Cartago de 
397 estabeleceu a lista definitiva. "O primeiro artigo de nossa fé, 
dirá Tertuliano, é que não há nada que além dela devamos crer". 
O decreto do Concílio de Trento, em sua quarta sessão em 1 546, 
nada mais fêz que confirmar essa relação, à qual os ortodoxos orien­
tais se filiaram em 1672. 
UM MUNDO ESTRANHO: 0 APocALÍPSE 
O Cânon é, portanto, o resultado de uma escolha, querida e 
guiada pelo Espírito Santo. Aparece a Bíblia como o resultado de 
uma produção literária mais ampla, que está longe de nos ser co· 
nhecida na totalidade. As recentes descobertas nos arredores do Mar 
Morto revelam-nos a existência de uma literatura religiosa não bíblica 
de qualidade insigne. Certos fragmentos já publicados, - o "Comen­
tário de Habacuque", os "Salmos de Ações de Graças", o "Manual 
de Disciplina", a "Guerra dos Filhos da Luz e dos Filhos das Tre-
O "CÂNON" DOS DOIS TESTAMENTOS 3 3 
vas", - não seriam indignos de figurar ao lado de muitos textos do 
Antigo Testamento. 
Designa-se pelo têrmo de "apócrifos" o conjunto dos textos que 
não foram acolhidos pelo Cânon. A palavra significa, originalmente, 
"segrêdo esotérico", mas como os heréticos das seitas gnósticas esta­
vam empolgados pelo esoterismo, ao qual o gênio do cristianismo era 
hostil, tudo quanto provinha do pretendido segrêdo tornou-se sus­
peito, e "apócrifo" passou a significar "condenado pela Igreja" ( 1 } . 
Existem apócrifos d o Antigo Testamento elaborados entre os anos 
de 300, antes de nossa era, e 100 após, isto é, em uma época eln que 
a comunidade judaica sofria com amargura a tirania de diversos ven­
cedores pagãos. 
Nascidos em atmosfera de angústia, refletiam um estado de fer­
mentação espiritual intensa. Uns, encarniçavam-se em comentar alu­
cinadamente a Lei; outros constituíram apêlos a uma vida moral mais 
pura, mais elevada e a uma revivescência das almas. Os últimos, en­
fim, e os mais numerosos, propunham aos espíritos a evasão dos "Apo­
calipses", - "apocalyptein" em grego quer dizer: descobrir, -reve­
lando-lhe um futuro de fim do mundo, em que a justiça seria feita 
aos eleitos de Deus : os "Salmos de Salomão", a "Ascensão de Isaías", 
e os "Livros Sibilinos" são os mais notórios. 
Quanto aos Apócrifos do Novo Testamento, constituem um mundo 
estranho, em que se mesclam pedaços de verdade e delírios. Nasce­
ram êstes textos nas comunidades cristãs primitivas, desde os primei­
ros dias até o VI.<� ou VII.'� séculos, e, ao mesmo tempo, determinados 
por uma curiosidade piedosa para com tudo que dizia respeito ao 
Senhor pela função romântica das massas, e, por vêzes, por suspeitas 
intenções heréticas. 
Conhecem-se assim pretensos evangelhos segundo São Tiago, se­
gundo São Mateus e segundo São Pedro, e até segundo Nicodemos, 
evangelhos da infância, cheios de pormenores sôbre os primeiros anos 
de Jesus, narrações da Assunção de Maria, pseudos atos dos Apóstolos 
e apocalipses atribuídos a Pedro e a Paulo. A Idade Média sabo-
( 1 ) Os protestantes não usam a mesma terminologia que os católicos. 
Denominam "apócrifos" os sete livros que a Bíblia c�tólica conserva,_ 
e �e 
os católicos denominam "deuteronômicos", isto é, postenores ao CAnon Judatco. 
Designam êles os apócrifos pelo têrmo "pseudopfgrafos" por, e�pregarem quase 
todos os nomes de vários personagens célebres como pseudôrumos. 
QUE ti A BÍBLIA ? 
reou essas histórias, das quais a "Legende Dorée" de Jacques de Vo­
ragine recolheu bom número e que a arte utilizou. Não teriam elas 
maior interêsse senão histórico, se certos usos atuais não tivessem 
nelas a sua fonte : assim, por exemplo, o de colocar um asno e um 
boi de cada lado do Presépio em que dorme o Menino Jesus (2) . 
(2) Ver os números 7t e 72 da Coleçio. 
C A P I T U L O I V 
O LIVRO EM QUE DEUS FALA 
SOB O SÔPRO DIVINO 
Em todos os livros que compõem a Bíblia, a Igreja Católica 
(e também os protestantes conservadores) reconhece um caráter par­
ticular, que é o da "Inspiração". � êste um dado essencial, um dado 
de fé. A Bíblia inteira é um livro "inspirado". Devemos, escreve o 
Padre Lagrange, sendo filhos da Igreja, crer nêle com uma fé divina. 
Se a Igreja no-la impõe, é que para isto tem o poder, e é sômente 
pela sua autoridade que podemos estar seguros sôbre êste ponto". 
Esta noção está, além do mais, contida nas diversas expressões que 
designam a Bíblia : Livros Santos, Sagrada Escritura, "Literatura Di­
vina", segundo Tertuliano, "Divina Biblioteca", segundo São Jerônimo, 
Santa Bíblia. E as primeiras palavras da mais recente encíclica sôbre 
a questão bíblica, a de S. S. Pio XII, em 1943, não falam de maneira 
diversa : "Divino afflante spiritu", "sob a inspiração do Espírito Sant� 
os escritores sagrados compuseram os Livros que Deus quis dar ao 
gênero humano . . . " 
A Bíblia é, portanto, a Palavra de Deus dirigida aos homens; é 
o Verbo escrito de Deus. Esta certeza, recebeu-a a Igreja de Israel, 
onde existia de tempos imemoriais. Desde que o povo hebreu sabia 
haver sido eleito por Deus, que existia uma Aliança entre o Todo­
Poderoso e êle, que tôda a sua história fazia parte de um plano di­
vino, não seria natural que o livro em que eram descritas, juntamente 
com essa história, as instruções e manifestações de Deus, fôsse tido 
como inspirado? 
36 QUE É A BÍBLIA ? 
0 próprio Deus não revelara a Abraão sua essência única ? . Nã? 
ordenara também a Moisés que escrevesse suas palavras, e asstm ft-
xasse a Lei ? 
E assim também não se dirigiu aos profetas ? A palavra de Javé 
a Jeremias era verdadeira para todos êles. "Ponha em tua bôca mi­
nhas palavras" (Jer. I. 9) . Assim o historiador judeu, Flavius Jose­
phe resume um verdadeiro dogma quando assegura que todos os au­
tor:s do Livro escreveram "sob o sôpro de Deus". 
Não disseram e não dizem outra cousa os cristãos. Nos lábios 
de Jesus e dos Apóstolos são inúmeras as fórmulas .e� que se afirma 
a mesma fé. Foi Deus, em verdade, que falou a Motses (Me. XII. 26; 
]o. IX. 29; Act. VII. 44; Rm. IX. 1 5 ) . Foi êle que s e exprimiu pe­
los profetas (Lc. I. 70; Act. III. 18) . Falou mesmo pela bôca do 
rei-poeta Davi (Act. I. 16; IV. 25 ) . A frase elíptica da epístola aos 
Coríntios é categórica e significativa : "Disse Deus" (li. Cor. VI, 16) . 
"Tôda a Escritura é inspirada por Deus", proclama ainda São Paulo 
a seu amigo Timóteo (UI. 15-16) , e São Pedro ensina que "Foram 
levados pelo Espírito Santo os homens que falaram por parte de 
Deus" (11. Pet. I. 2 1 ) . 
Inútil é citar os Padres e os Doutores da Igreja, tão numerosos 
são os textos que assinalaram e afirmaram essa idéia : o "Enchiridion 
bíblicum", publicado em Roma em 1935, no decurso de perto de dois 
mil anos, os dos Papas e dos Concílios. O que escrevia o Papa São 
Leão IX.9 em 1053, é exatamente igual ao que, em 1943, escrevia Pio 
XIV'; o que o Concílio de Lião, em 1274, proclamou, é, palavra por 
palavra, idêntico aos decretos do Concílio de Trento, em 1546, e do 
Concílio do Vaticano, em 1870. Jamais vacilou o ensino da Igreja 
Católica. 
0 QUE É EXATAMENTE A INSPIRAÇÃO 
1!, contudo, evidente que o têrmo "Inspiração" necessita ser de­
terminado. Nada seria mais falso que o representar-se a Bíblia como 
obra milagrosa, nascida não se sabe onde nem como e surgida no 
meio dos homens de modo mais misterioso ainda. 
Adversários do cristianismo reduziram, por vêzes, a êste esque­
ma, a fim de ridicularizá-la, a doutrina da Inspiração. "A Bíblia, diz 
com sábio humor S. Ex. Mons. W eber, bispo de Strasbourg, é um 
livro divino, mas não é um livro caído pronto do Céu". 
O LIVRO EM QUE DEUS FALA 37 
A definição exata de Inspiração encontra-se em São Tomás de 
Aqui no : "O Espírito Santo é o autor principal das Escrituras; os 
homens foram apenas instrumentos" (Quodl. VII. art. 14), o que 
foi esclarecido ainda na encíclica "Providentissimus Deus" de Leão 
XIII : "A inspiração é um impulso sobrenatural pelo qual o Espírito 
Santo excitou e impulsionou os escritores sagrados e os assistiu en­
quanto escreviam, de maneira que concebiam exatamente, queriam 
transmitir fielmente e exprimiam com uma verdade infalível tudo 
quanto Deus lhes ordenava, e somente o que lhes ordenava que es­
crevessem". Sábia e penetrante definição que, na elaboração dos tex­
tos sagrados, deixa o lugar respetivo ao Poder de Deus, de um lado, 
e, do outro, à inteligência e vontade do homem. 
O Senhor não escreveu a Bíblia, como a sua mão visível traçou 
na parede do palácio de Baltazar as célebres palavras de advertência : 
"Mane, Thekel, Phares". Nem a ditou a espécies de mediuns em 
transe à semelhança, como julgavam os gregos, do que se passava 
com a Pythia de Delfos. 
As próprias pinturas que representam um anjo soprando ao ou­
vido de um evangelista o texto que está em vias de escrever, podem 
ser admitidas em sentido simbólico, mas ameaçam dar uma idéia falsa 
do fenômeno. Para que a Bíblia se concretizasse, serviu-se o Espírito 
Santo de instrumentos que eram homens e que conservavam a respe­
tiva personalidade, o caráter, talento e gênio, os hábitos intelectuais e 
poderes de estilo. Não destruiu nem violentou as faculdades daque­
les que deviam formular a sua menságem. 
E, é necessário assinalar que foi um dos mais importantes resul­
tados do ensino pontifício, desde sessenta anos, do "Providentissimus 
Deus" ao "Divino Afflante", o ter permitido que melhor fôsse con­
siderado o papel mantido pelo homem, instrumento de Deus, no fe­
nômeno da Inspiração. Muitas pretensas dificuldades, asbsurdos ou 
contradições que a crítica "livre" assegura encontrar no estudo da 
Bíblia, resolvem-se, quando se tem em conta esta justa partilha entre 
a obra divina e o encargo humano. Renan, hoje em dia, bastante 
dificuldade teria em enumerar as famosas contra-verdades da Bíblia 
que o separaram da fé. 
SE o SENHOR FALAR, QUEM Rl!SISTIRÁ? 
B preciso considerar os três tempos do fenômeno, como tão bem 
foram assinalados por Leão XIII. Deus "incitou e impulsionou" os 
38 QUE � A BÍBLIA ? 
escritores sagrados a escrever. Nãoé por exclu.siva vontade dêles . que se entregam à essa tarefa, como fazem os escrtto�es profanos ( atnda 
que a inspiração literária, tantas vêzes evocada, seJa de alguma forma 
o reflexo leigo da "inspiração" autêntica o o o " 
O caso é flagrante quando se trata dos profetas e de tudo qu
.
anto 
se liga à inspiração profética. São inúme
.
ros os textos da 
. 
Escrttura 
que mostram a irresistível ação do Espínto sôbre o Insptrado, de 
quem se apossa. "Cai" sôbre êle, diz o livro �e Sam�el, e o "reveste". 
O Inspirado não pode dizer senão o que Jave lhe dtta. n Deus que 
lhe "abre os olhos" ou os ouvidos. Não pode o profeta furtar-se a 
essa missão que lhe é inspirada. "Se o Senhor falar, quem resistirá ?". 
Assim o disseram o velho Amós, Jeremias e muitos outros, tendo disto 
experiência pessoal. E ninguém ignora quanto a Jonas custou o ter 
recusado levar a palavra de Deus a Nínive. Luta entre a vontade de 
Deus e a do homem que redunda em mistério de fé. 
Menos nitidamente, a inspiração escrita é, contudo, também de­
'pendente da vontade divina. Acontece que escritores sagrados citem 
suas fontes exatamente como faria um historiador de nossos dias. 
(I. Reis. XI. 41, XIV. 19, 29 : Pr. XXX. 1 ) , ainda que reconheçam 
ter sido penoso o seu trabalho literário. (Assim no Prólogo do "Ecle­
siástico" ou em li. Mac. li. 24, 32) . A tradição judaica e a fé da 
Igreja, em seguida, afirmam que a ação do Espírito Santo, neste caso, 
foi tão positiva como na inspiração fulgurante aos profetas, ainda que 
diferente tenha sido o método. 
DEUS NÃO PODE ERRAR 
Em segundo lugar, de acôrdo com a Encíclica Deus "esclareceu" 
a i'!teligência daqueles q�e escolheu para porta-vo�es e, de tal forma 
o fez que, embora respettando o pleno exercício das faculdades hu­
manas, conferia à obra um valor divino. Esta luz sobrenatural deve 
entender-se de dois modos. Por um lado, Deus revelou "segredos" 
àqueles que deviam transmitir-lhe a mensagem . 
. Assim está escrito a propósito de Samuel, de Daniel, de Amós e 
muxtos outros. São Paulo, em célebre texto, chegou mesmo a dizer 
que ap�endera cousas "que não é permitido ao homem repetir". Esta 
luz dtvma, po�ém, não faz. senão abrir ao espírito humano os cam· pos d� c?n�ectmento. O Julgamento do autor inspirado permanece 
seu propno Julgamento, enquanto homem; toma-se, porém, julgamento 
O LIVRO E M QUE DEUS FALA 39 
divino pela ação sobrenatural de Deus, indissoluvelmente unida à 
ação do homem. 
:n êste um ponto de doutrina de importância capital, pois que 
a êle se liga o dogma da "inerrância bíblica". Eis como a define o 
Padre Benoit, da Escola Bíblica de Jerusalém : "Deus não pode en­
ganar-se nem nos enganar. Sua palavra é sempre verídica. Se, por­
tanto, lHe impele um homem a escrever em seu nome, não lhe pode 
permitir que ensine o êrro. O carisma da inspiração é, necessària­
mente, acompanhado do privilégio da inerrância. :n dogma de fé que 
sempre professou a Igreja". 
Até que limites estende-se esta inerrânda ? Não é suficiente di­
zer que, tomado em conjunto, o Livro Sagrado contém uma doutrina 
de verdade. A inerrância deve ser entendida como propriedade inte­
grante de tôda a Bíblia, pois que a Bíblia é obra de Deus, e Deus 
é a própria verdade; inerrância ao mesmo tempo de fato e de direito. 
Tôdas as partes do Livro Sagrado dela se beneficiam. A Co­
missão Bíblica, em decisão de 18 de junho de 1915, assim concluiu : 
"O que o autor sagrado afirma, enuncia e insinua deve ser encarado 
como afirmado, enunciado, insinuado pelo Espírito Santo". 
:n, portanto, absolutamente interditado a um católico crer e dizer 
que a Inspiração, e por conseguinte a inerrância, limitam-se a certas 
partes dos Livros Santos, às partes dogmáticas e morais, por exem­
plo, e que, para as demais, o julgamento crítico é livre; assim como 
também crer e dizer que pode haver êrros de fato na perspectiva em 
que se coloca o escritor sagrado, como, por exemplo, que, em um dos 
Livros Bíblicos, que se apresentam como sendo da história, possam 
existir êrros históricos. Tal é, em tôda a nitidez e fôrça, a doutrina 
da Igreja. 
Os ESCRmAs DB DBus 
Contudo, "em face desta doutrina, uma constatação se nos impõe 
com inteira evidência, e a que todos podemos proceder : a Bíblia livro 
divino, é, ao mesmo tempo, livro autênticamente humano" ( Mons. 
Weber) . E esta constatação projeta-se sôbre uma obra escrita por 
homens, homens de carne como nós, vivendo em determinado tempo, 
em contexto histórico bem definido, sofrendo as reações, o modo de 
pensar e mesmo os preconceitos da sociedade em que viviam. Age 
sôbre êles a inspiração de modo total, até nas minúcias do estilo ? 
40 QUE É A BÍBLIA ? 
Se os dados essenciais os conceitos profundos procedem diretamente 
do Espírito Santo, pdder-se-á dizer que tenha também determinado 
a escolha das palavras, das expressões e das frases ? Humana e lite­
ralmente falando, sabe-se quanto é difícil dissociar o pensamento puro 
da respetiva expressão. 
Deus não poderia estar ausente da formulação e da escrituração 
de sua mensagem. .e o que se denomina "inspiração verbal", que era 
admitida, em geral, pelos teólogo_s e �xeg�tas, nã�, . 
porém, de ��do 
universal, e que, em todo caso, 1amats fot dogmatteamente deftntda 
por texto oficial da Igreja. 
O ensino pontifício tem em larga conta as condições humanas em 
que foi feita a redação da mensagem. Evidentemente, "não se deve 
imputar um êrro ao autor sagrado onde copistas, ao executar seu 
trabalho, deixaram escapar alguma inexatidão" (Divino Afflante) ; 
mas também é preciso ter em conta as condições em que viveram os 
escritores sagrados, e seus hábitos pessoais de pensar e exprimir-se. 
Foi por meio de um homem que o Senhor falou; é, portanto, 
legítimo e necessário conhecer êsse homem. � nessa direção que se 
orientou, presentemente, a grande maioria dos estudos bíblicos. Foi 
a intuição genial do Padre Lagrange, ilustre fundador da Escola Bí­
blica de Jerusalém, que pressentiu estar ai a solução de inúmeras 
dificuldades. O conhecimento profundo da Bíblia não se pode mais, 
doravante, separar das épocas e dos lugares em que o livro foi escrito. 
Assim, surge a Inspiração como operação divina, espécie de graça 
que empolga o autor sagrado na totalidade do seu ser, que o escla­
rece e guia, assistindo-o durante todo o trabalho mental, desde o im­
pulso de escrever e a idéia original, até a execução literária e, por 
vêzes, a expressão formal, mas que deixa livre a reação da perso­
nalidade humana do escritor sôbre a obra. "Livro de Deus livro do 
homem", diz Mons. Weber, a respeito da Bíblia. Esta fón�ula, tudo 
resume. 
C A P I T U L O V 
O LIVRO DITADO A HOMENS 
0 PAÍS DA BÍBLIA 
Conhecer as condiçõe em que homens, sob inspiração divina� 
escreveram a Bíblia, parece, portanto, indispensável à compreensão 
do texto sagrado. Em primeiro lugar são de examinar as condições 
geográficas dos países em que se desenrolaram os episódios do An· 
tigo e do Novo Testamento. "Geografia e cronologia são as duas 
muletas da história", assegura velho ditado da Universidade de França. 
Assim também da história sagrada e de tôda a ciência das Escrituras. 
O país bíblico, por excelência, é a Palestina, êsse pequenino pe­
daço de terra, não maior que a Bretanha, que um automóvel atra­
vessa, fàcilmente, de Norte a Sul, em um dia, e em que o :viajante 
moderno admira-se de achar tão curtas as distâncias. 
Estende-se essa faixa de terra ao longo da costa mediterrânea, 
a qual, apesar de tão estreita, a geologia e o relêvo individualizam 
três zonas paralelas muito diversas : a planície marítima, as monta­
nhas (não muito altas, mas ásperas e rudes) e a fossa de aluimento 
- o "Ghor" - em que o Jordão desce para o Mar Morto, a 392 
metros abaixo do nível dos oceanos. :e esta região de clima semi­
-mediterrâneo, semi-deserta, de primaveras deliciosas e breves, de ve­
rões escaldantes em que as chuvas caem, entre outubro e maio, em 
rajadas violentas, ainda que muitas vêzes em quantidade

Outros materiais