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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio Antonio Gilberto Ramos Nogueira e Vagner Silva Ramos Filho Afinal, o que é patrimônio? conceitos e suas trajetórias para Patrimônio Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br Copyright © 2020 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Design Educacional Thifane Braga Secretária Escolar CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO Raymundo Netto Coordenação Geral, Editorial e Revisão Cristina Holanda Coordenação de Conteúdo Amaurício Cortez Edição de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Diagramação Daniel Dias Ilustração Thaís de Paula Produção Este fascículo é parte integrante do projeto Formação de Mediadores de Educação Patrimonial, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza, sob o nº 02/2019. C977 Curso Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio / vários autores; organizado por Raymundo Netto; coordenação de Cristina Rodrigues Holanda; ilustrado por Daniel Dias. - Fortaleza, CE : Fundação Demócrito Rocha, 2020. 192 p. ; 25cm x 29,5cm. - (Curso Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio ; 12v.). Inclui anexo. ISBN 978-85-7529-951-7 (Coleção) ISBN 978-85-7529-952-4 (Fascículo 1) 1. Educação para Patrimônio. 2. Patrimônio Cultural. 3. Direitos dos adolescentes. I. Netto, Raymundo. II. Holanda, Cristina Rodrigues. III. Dias, Daniel. IV. Título. V. Série. CDD 341.48 2020-128 CDU 342.7 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 3 SUMÁRIO 1. Apresentação ......................................................................................................... 4 2. Os sentidos do patrimônio .................................................................................... 6 3. Itinerários ............................................................................................................... 7 4. Novos patrimônios, valores e inventários .......................................................... 10 5. Mediações ............................................................................................................. 12 6. Patrimônio para quem? ....................................................................................... 14 Referências bibliográfi cas ....................................................................................... 15 1. APRESENTAÇÃO arece ser consenso dizer hoje que memória, identidade e patrimônio são palavras- -chave da consciência histó- rica contemporânea. Na cena pública, o patrimônio tem sido cada vez mais convo- cado, acionado e usado, por diferentes sujeitos, grupos e instituições. A melhor forma de construir qualquer tipo de mediação em torno dos diversos bens culturais que ga- nham valor de patrimônio representati- vo de alguma coletividade é, sem dúvidas, conhecendo a trajetória dos seus sentidos. Os contextos sociais e históricos res- ponsáveis pelo alargamento do conceito de patrimônio cultural serão aos poucos abordados neste curso. De início, a in- formação mais pertinente é notar que os adjetivos que recebeu ao longo do tempo (histórico, artístico, móvel, imóvel, tangível, intangível, material, imaterial, paisagístico, genético, tesouro vivo etc.) indicam como a ressemantização do conceito de patri- mônio é sinalizadora das concepções de tempo, lugar social de produção, perspec- tiva teórica e metodológica, além dos sen- tidos políticos, criados entre lembranças e esquecimentos pelos indivíduos. Conhecer as várias noções de patrimô- nio é fundamental para quem já atua ou pretende atuar em processos educativos formais e não formais que têm como foco o patrimônio cultural. ressemantização A grosso modo, ressignificação, interpretação ou outra compreensão. 4 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SAIBA MAIS PARA REFLETIR Processos educativos formais (ocorrem no interior dos sistemas de ensino convencionais, como a escola) e não formais (ocorrem fora de estabelecimentos de ensino, como na família, entre grupos de amigos, em museus etc). Neste módulo, discutiremos os sentidos básicos de patrimônio: seus principais iti- nerários no âmbito das políticas culturais; as práticas para sua preservação, como o tombamento, o registro e os inventários de referências culturais; as arenas em que suas atribuições de valor encontram-se em dis- puta; as propostas de educação para o pa- trimônio, com seus desafios e possibilida- des para um efetivo exercício de cidadania. Lembramos a você: mesmo que eviden- temente parcial, o conteúdo apresentado contribui para abrir o debate de modo que cada um construa novos sentidos de patri- mônio. O texto destina-se a professores do ensino básico das redes pública e privada, estudantes, profissionais dos campos da memória e do patrimônio (museus, arqui- vos, bibliotecas, centros de memória etc.), integrantes de movimentos sociais e inte- ressados em geral. Assim, a ideia é fomentar a expansão das redes de colaboração, atua- ção e intervenção que circundam o tema do patrimônio cultural. Você está curioso? Pode ter a certeza de que nós oferecemos o melhor. Inscreva-se no curso, convide seus amigos, compartilhe essa ideia. Vamos começar? cursos.fdr.org.br Antes de continuar a leitura do fascículo, pense: se um turista perguntasse hoje para você quais os importantes patrimônios culturais do seu estado, de sua cidade ou de seu bairro, o que você responderia? Anote suas respostas. Guarde- as até o final do módulo. Depois, continue seus estudos. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 5 Em sentido etimológico, patrimônio advém de patrimonium, uma junção de “patri”, termo designador de “pai”, com “monium”, que exprime “recebido”, para referir-se à “herança”. Desde a noção mais antiga que manifesta o desejo de transmitir os bens da família, até a noção mais contemporânea, que desenvolve a ideia de um patrimônio a ser transmitido para as gerações futuras, nota-se como o conceito é uma construção social. O patrimônio pode ser, então, tudo o que alguém diz e faz a respeito dele, expan- dindo o sentido de herança reivindicado e/ou apropriado. Daí o termo patrimo- nialização ser empregado para designar todo o processo de constituição de patri- mônios na sociedade. As políticas de patrimonialização nos mais longínquos lugares do mundo têm propiciado novas compreensões da histó- ria. Por isso, Dominique Poulot considera que a história do patrimônio tem sido a história da maneira como uma sociedade constrói esse patrimônio, que se mantém vivo graças às práticas de memória que os revestem em nome de um “investimento de identidade” a ser transmitido. Vários são os horizontes a serem explorados em dife- rentes escalas – internacionais, nacionais e locais – que atravessam os bens culturais. Particularmente, um esforço importan- te tem sido problematizar a construção do patrimônio cultural como prática social formadora de um campo de conflito ma- terial e simbólico no processo de institu- cionalização da memória-histórica de di- ferentes países e grupos sociais. Porque, a partir do conceito de patrimônio cultural e das políticas de preservação a ele rela- cionadas, é possível compreender os múl- tiplos sentidos e valores que nortearam a seleção dos bens culturais,de natureza material ou imaterial, nas sociedades. Memória Faculdade psíquica presente em cada pessoa. Também pode ser entendida socialmente como um suporte (que armazena informações, como um livro, fotografia e música); uma prática (ato que evoca a lembrança, como a comemoração de algo ou alguém); e uma representação (imagem construída com esse ato). Identidade É a imagem de si, que construímos para si e para os outros nas interações sociais, geralmente associada ao sentimento de pertença de um indivíduo a um determinado grupo social ou nação. 2. SENTIDOS DO PATRIMÔNIO (...) “Por “lugar” não designam um ponto no espaço, mas um ponto no tempo. Não é nostalgia, é quase saudade. Um olhar para trás de banda de olho. (Cidadão Instigado, relise do álbum Fortaleza, 2015). s palavras em torno do álbum Fortaleza, produ- zido pela banda Cidadão Instigado, bem podem ser uma partida para pensar os sentidos presentes no âmbito dos patrimônios que nos cercam, marcam e demarcam. Não somente como um ponto no espaço a ser preserva- do da perda, mas como um ponto no tem- po que ao ser valorado como patrimônio indica múltiplas vivências. O olhar carrega- do de suspeitas que é lançado, para além da simples nostalgia, significa interrogá- -los em prol de um passado e um futuro sempre em construção, de modo justo, democrático e ético. 6 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 3. ITINERÁRIOS s movimentos no campo patrimonial têm longa his- toricidade. Regina Abreu distingue três grandes momentos da trajetória dos processos de patrimo- nialização como um movi- mento próprio do Ocidente moderno, com (1) a criação de agências nacionais e in- ternacionais, (2) a formação de agentes e (3) a definição de políticas públicas. É uma referência de síntese pertinente, embora tenha generalizações como qual- quer outra, pois possibilita construir obser- vação acerca de distintas escalas, relações de poder e disputas de um campo em cons- tante mutação. Internacionalmente, no primeiro mo- mento, que vai do século X IX à primeira metade do século XX , os processos de pa- trimonialização fundamentavam-se na re- construção do passado ou na busca e va- lorização de uma arte nacional. No segundo, cujo marco fundamental foi a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nos anos 1940, uma nova e importante variável é absorvida nos processos: o conceito antro- pológico de cultura, por ressaltar sua dinâ- mica particular de ser inerente a cada contexto em contraponto a supostas hierarquias. Por fim, o terceiro momento, no início dos anos 1980, quando se instaurou a patrimonializa- ção das diferenças, devido às recomenda- ções emitidas, sobretudo, pela Unesco, no que diz respeito à preservação das singularidades locais em frente ao movimento de homogenei- zação em curso no mundo ocidental. SE LIGA! Conceito antropológico de cultura A cultura é vista como um sistema complexo que inclui conhecimentos, crenças, costumes ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pela pessoa enquanto membro de uma sociedade. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 7 No Brasil, durante o período conhecido como Estado Novo (1937-1945), com a cria- ção do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, re- gulamentado pelo Decreto-Lei nº 25/1937, vemos a reconstrução de um passado na- cional com a finalidade de angariar prestí- gio de modernidade para a identidade da nação. As ações desse órgão, depois cha- mado de Patrimônio Histórico e Artís- tico Nacional (Iphan), fizeram com que o tombamento fosse transformado em sinô- nimo de preservação. Esse instrumento, cujo principal efeito incide na conservação dos bens materiais, consolidou-se como a forma mais antiga de preservação na polí- tica brasileira de patrimônio. Por muito tempo, as suas ações privile- giaram dois fatores: de um lado, o patrimô- nio em “pedra e cal”, tombando igrejas, fortes, chafarizes, prédios e conjuntos urba- nos representativos de uma determinada escola, como fora a arte do barroco colo- nial, o que deixou de lado manifestações e expressões que não tinham essa natureza material; do outro, expressões culturais de determinadas classes e grupos so- ciais, como as de tradição europeia de he- rança luso-colonial, o que relegou ao esque- cimento memórias manifestas em senzalas, quilombos, terreiros, as primeiras fábricas, cortiços, vilas operárias. No contexto da Ditadura Civil-Militar (1964- 1985), em que as metas de políticas para o de- senvolvimento social usavam a cultura como um dos motores de expansão, destaca-se a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), em 1975, por operar mais baseado na concepção antropológica da cul- tura. Experiência responsável pela introdução do conceito de “bem cultural”, que alargou a compreensão de patrimônio com a adoção da noção de “referência cultural”. O diferencial deste conceito foi ser capaz de identificar toda a dinâmica cultural como patrimônio, propiciando reconhe- cimento em potencial da diversidade do país, sobretudo com o registro da cultura popular, que culminou na luta pela frag- mentação de identidades nacionais vistas como homogêneas. Apesar da repressão cultural vivenciada na época, gestou-se o entendimento de que o patrimônio cultural brasileiro não devia se restringir aos gran- des monumentos, devendo incluir também as manifestações culturais representativas para outros grupos que compõem a socie- dade brasileira – os índios, os negros, os imi- grantes, as classes populares em geral. Em meio à redemocratização política brasileira, com o fortalecimento do direito à memória como elemento de cidadania, a inclusão do artigo 216 da Constituição de 1988 foi significativa para uma patri- Tombamento Ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, através da aplicação da lei, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. 8 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE PARA OS CURIOSOS A Constituição de 1988 define o Patrimônio Cultural brasileiro da seguinte forma: “(...) bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Acesse toda a Legislação sobre Patrimônio Cultural do Brasil: http://bd.camara.leg.br/bd/ handle/bdcamara/4844. monialização das diferenças. O texto da Carta Magna potencializou a defesa da di- versidade cultural de distintos grupos étni- co-culturais, legitimando a emergência de novos sujeitos de direito coletivo, como os povos indígenas, quilombolas e de cultu- ras tradicionais. Foi apropriado igualmente para a legitimação de iniciativas em torno de grupos sociais variados, oriundos de mo- bilizações de partidos políticos, sindicatos, associações de bairros etc. Posteriormente, a aprovação do Decreto nº 3.551/2000 instituiu o Registro e o Pro- grama Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI). A ampliação da preservação com o instrumento do registro, destinado à salvaguarda de bens de caráter processual e dinâmico, passou a proteger as formas de expressão e os modos de vida, criar e fazer, bem como os objetos, artefatos e lugares que lhes são associados. Na esteira dessas mudanças, importan- te atentar como os agentes anteriormente silenciados se tornaram, para além de um objeto de apreciação, os próprios agentes das políticas patrimoniais que resultam em inúmeras revisitações críticas das iden- tidades nacionais. Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial é o instrumento criado por meio do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, dirigido à salvaguarda de bens de caráter processual e dinâmico que foram e são fundamentais noprocesso de formação da nação brasileira. (Maria Cecília Londres Fonseca, Dicionário Iphan de Patrimônio Cultural) Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 9 Edifício São Pedro, em Fortaleza-CE. As formas de circulação do patrimônio acionadas pelo surgimento de novos agen- tes de patrimônios, organismos, sobretudo movimentos sociais, organizações não-go- vernamentais, coletivos oriundos de cama- das populares e vários outros sujeitos cole- tivos favorecidos pelas novas tecnologias, como a internet, forjaram a “necessidade de repensar os silêncios e os ocultamentos, as- sim como o que deve ser protegido, valori- zado, repertoriado” (NOGUEIRA, 2014, p. 52). Na política brasileira, uma das grandes novidades da Constituição de 1988 para o tema foi, justamente, deslocar do Estado para a sociedade e seus segmentos, quer di- zer, seus cidadãos, a responsabilidade pela atribuição do valor cultural. Ulpiano Meneses é quem, sem repro- duzir a inconveniência da polaridade en- tre material e imaterial, ou entre o valor técnico e social, destaca como o valor não é algo natural, quer dizer, intrínse- co às coisas. Vale sempre perguntar: se o valor é uma atribuição, quem o atribui? Quem cria valor? Que tipo de valor é esse? Meneses convida a pensar em alguns componentes principais do valor cultu- ral – valores cognitivos, formais, afetivos, pragmáticos e éticos – “notando que eles não existem isolados, agrupam-se de for- ma variada, produzindo combinações, re- combinações, superposições, hierarquias diversas, transformações e conflitos” (ME- NESES, 2009, p. 35). 4. NOVOS PATRIMÔNIOS, VALORES E INVENTÁRIOS expressão “novos patri- mônios”, muito recorrente nos debates contempo- râneos do assunto, tem designado patrimônios emergentes na sociedade. Tratam-se de patrimônios que advêm da “profusão de esforços públicos/priva- dos em favor de múltiplas comunidades e estão longe da definição ca- nônica de herança cultural”, bem como de- correm dos usos inerentes à sociedade de consumo, pois são instrumentalizados para o desenvolvimento econômico em prol do turismo e de práticas mercantis do saber e lazer” (POULOT, 2011, p. 199; 228). Essa expressão é pertinente pois tan- to pode “designar os patrimônios que não eram tradicionalmente herdados pelas es- feras institucionais que privilegiavam bens materiais, como os marcados pela dimensão etnológica, viva e imaterial”, quanto também pode referir-se à “renovação do olhar em tor- no de todos os patrimônios, quer sejam os genéticos, arqueológicos, antropológicos, naturais, paisagísticos, materiais, imateriais, digitais etc” (TARDY; DODEBEI, 2009, p. 10). FO N TE: ARQ U IVO N IREZ 10 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Para exemplificar esses valores, obser- ve um dos bens culturais que a banda Ci- dadão Instigado, citada no início do fascí- culo, se reporta em suas músicas. Trata-se do Edifício São Pedro, localizado na orla da Praia de Iracema, na cidade de Fortale- za, cuja situação foi escolhida pela capaci- dade de sintetizar uma série de problemas com uma sensibilidade própria da força criativa dos artistas. a. O valor cognitivo costuma tomar o bem como um documento, ao possi- bilitar uma fruição intelectual e técni- ca, que pode apontar para o padrão estilístico que orientou o pedido de tombamento deste prédio, um dos primeiros construídos no local. b. O valor formal ou estético é perpas- sado por um tipo de apreço sensorial, como aquele que desponta em torno de seu formato metaforizado de na- vio, ao ser contemplado por um habi- tante ou visitante da cidade, num dos pontos mais badalados à beira-mar. c. O valor afetivo, muito relacionado à memória, deriva de vinculações sub- jetivas de identificação com o bem, como os dos antigos moradores e su- jeitos que frequentam o seu entorno. d. O valor pragmático é mais um valor de uso percebido como qualidade, como os dos projetistas que tentam requalificá-lo diante da especulação imobiliária característica da área onde está localizado. e. O valor ético seria aquele associado não somente ao bem, mas às intera- ções sociais nas quais ele é apropria- do, tendo como referência o lugar do outro, a exemplo dos artistas que o tomam como símbolo da cidade SAIBA MAIS O Edifício São Pedro, construído na década de 1950, é um importante referencial da cidade de Fortaleza-CE. Integra um quadro da Secretaria de Cultura de Fortaleza (SecultFOR) em que muitos outros bens culturais estão inseridos, seja os que já são preservados oficialmente ou que estão em processo de reconhecimento. PARA OS CURIOSOS A cidade de Fortaleza, integrante da “Rede de Cidades Criativas” da Unesco, tem concedido lugar estratégico para o patrimônio no seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Você pode acessar e conferir o documento Fortaleza 2040: fortaleza2040.fortaleza.ce.gov.br/site/ Você pode aprofundar o estudo sobre definições importantes, como as de tombamento, registro e inventário, através do Dicionário do Patrimônio Cultural do IPHAN. ACESSE: portal.iphan.gov.br/ dicionarioPatrimonioCultural. para pensar os desafios e possibili- dades do convívio entre o antigo e contemporâneo na trama urbana. Note que a “patrimonialização de bens culturais é elaborada nas interações sociais que exibem categorias de tempo e espaço, como memória, história, identidade, passa- do, cultura, cidade, em nome de uma deter- minada coletividade na urbe” (REIS, 2015, p. 16). Paralelo ao instrumento do tomba- mento, vinculado ao patrimônio material, e do registro, relacionado ao patrimônio imaterial, temos as propostas de inventá- rios que visam superar a falsa dicotomia entre material e imaterial através da lógi- ca das referências culturais. A cartografia dos sentidos que pode ser realizada a partir dessas práticas, facultaria acesso tanto à di- mensão tangível do espaço, dada a ver pela sua materialidade, quanto à dimensão do intangível, aquela associada ao universo do simbólico e da percepção (NOGUEIRA, 2015). SAIBA MAIS Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 11 5. MEDIAÇÕES aber o que fazer diante dos muitos usos e abusos do patri- mônio é fundamental. A mediação é uma im- portante ação por permitir o avanço na abordagem comu- nicacional da memória e do patrimônio, bem como das condições de circulação de sa- beres. Convém ressaltar que a proposta de “educação patrimonial” do próprio Iphan pressupõe um conhecimento de várias noções de patrimônio. Essa mediação não é somente realizada por agentes do serviço público entre os “so- licitantes” e os “atingidos” pelas políticas de preservação. Pode ser feita por qualquer um que se envolva em processos educa- cionais, nos espaços formais ou infor- mais, como escolas, museus, pontos turís- ticos da cidade e associações comunitárias, que tenham foco no patrimônio cultural. A partir da leitura de vários textos pro- duzidos com recomendações de ações educativas acerca do patrimônio cultural, em âmbito nacional e internacional, Jani- ce Gonçalves detectou duas concepções fundamentais. Uma que “vincula as ações educativas à necessidade de proteção ou defesa do patrimônio cultural e que bus- ca alcançar, por parte do público-alvo, respeito, interesse e apreço pelos bens patrimoniais”. A outra concepção “articula tais ações educativas à valorização ou ao empoderamento de determinados gru- pos sociais por meio do reconhecimento do patrimônio cultural a eles associado”, pressupondo a participação ativa desses grupos na definição do que cabe preservar (GONGALVES, 2014, p. 84). A constatação da autora é importante por ajudar a enfatizar que a mediação não é apenas uma facilitação, mas uma ati- tude de protagonismo, que pode e deve culminar em ações de preservação ampara- das pelas políticas públicas. Não custa dizer que, contemporaneamente, esse passou a ser um direito de todo cidadão. A autora sinalizaalgumas proposições relevantes para nortear ações que merecem destaque. A seguir, 4 proposições: a. desnaturalizar o patrimônio cultu- ral, refletindo sobre o campo que o produz: significa problematizar sua construção social em detrimento de uma visão que o toma como um dado natural, enfatizando as ações dos sujeitos envolvidos na patrimo- nialização de um bem. 5. MEDIAÇÕES aber o que fazer diante dos muitos usos e abusos do patri- mônio é fundamental. A mediação é uma im- portante ação por permitir o avanço na abordagem comu- nicacional da memória e do patrimônio, bem como das condições de circulação de sa- beres. Convém ressaltar que a proposta de “educação patrimonial” do próprio Iphan pressupõe um conhecimento de várias noções de patrimônio. Essa mediação não é somente realizada por agentes do serviço público entre os “so- licitantes” e os “atingidos” pelas políticas de preservação. Pode ser feita por qualquer um que se envolva em processos educa- cionais, nos espaços formais ou infor- mais, como escolas, museus, pontos turís- ticos da cidade e associações comunitárias, que tenham foco no patrimônio cultural. A partir da leitura de vários textos pro- duzidos com recomendações de ações educativas acerca do patrimônio cultural, em âmbito nacional e internacional, Jani- ce Gonçalves detectou duas concepções fundamentais. Uma que “vincula as ações educativas à necessidade de proteção ou defesa do patrimônio cultural e que bus- ca alcançar, por parte do público-alvo, respeito, interesse e apreço pelos bens patrimoniais”. A outra concepção “articula tais ações educativas à valorização ou ao empoderamento de determinados gru- pos sociais por meio do reconhecimento do patrimônio cultural a eles associado”, pressupondo a participação ativa desses grupos na definição do que cabe preservar (GONGALVES, 2014, p. 84). A constatação da autora é importante por ajudar a enfatizar que a mediação não é apenas uma facilitação, mas uma ati- tude de protagonismo, que pode e deve culminar em ações de preservação ampara- das pelas políticas públicas. Não custa dizer que, contemporaneamente, esse passou a ser um direito de todo cidadão. A autora sinaliza algumas proposições relevantes para nortear ações que merecem destaque. A seguir, 4 proposições: a. desnaturalizar o patrimônio cultu- ral, refletindo sobre o campo que o produz: significa problematizar sua construção social em detrimento de uma visão que o toma como um dado natural, enfatizando as ações dos sujeitos envolvidos na patrimo- nialização de um bem. 12 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE PARA OS CURIOSOS A portaria nº 137/2016, que estabelece as diretrizes de Educação Patrimonial, no âmbito do Iphan, pode ser acessado no seguinte link: pnem.museus.gov.br/wp-content/ uploads/2014/01/Educacao- Patrimonial-web2.pdf b. dessacralizar o acervo patrimonial, problematizando os processos so- ciais e históricos que o geraram: bus- ca enfatizar as atribuições de valor acionadas nas operações de patri- monialização como uma forma de desvelar suas experiências. c. pôr sob suspeição uma perspectiva do processo educativo que oponha educadores e educandos como escla- recidos e não esclarecidos: importa para desestabilizar certezas, através de indagações de valores atribuídos e/ou atribuíveis ao acervo patrimo- nial, a fim de que a prática de uma leitura crítica e autônoma prevaleça. d. valorizar as diversas instâncias que lidam com o patrimônio cultural como produtoras e disseminado- ras de saberes e visões sobre ele e buscar compreender suas especifi- cidades: incentiva a finalidade de re- conhecer singularidades do campo patrimonial que é marcado por ser multidisciplinar, reconhecendo as variadas contribuições dos profissio- nais que neles atuam. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 13 6. PATRIMÔNIO PARA QUEM? Essa pergunta carrega consigo paradoxos em torno das movi- mentações patrimoniais na con- temporaneidade. Por um lado, abre-se uma comporta para um excesso de patrimonialização impulsionado pela “política da patrimonialização das diferenças como forma de combate à homo- geneização neoliberal”, mas, por outro lado, fortalece o movimento inverso, estimulando ações de distinção patrimo- nial, materializadas por meio dos selos de “patrimônio mundial” ou de “obra-prima do patrimônio oral e imaterial da humanida- de” (ABREU, 2015, p. 7). Como vimos, o patrimônio, enquanto faceta do direito à memória, é fundamental no exercício da cidadania. Por esse caminho, não se deve esquecer que a interpretação do patrimônio cultural dever ser feita, antes de tudo, “com” e “para” a população local. Logo, as distinções patrimoniais que diferentes lu- gares e/ou práticas angariam de organismos internacionais e nacionais poderiam con- figurar-se em oportunidades interessantes para incentivar o que Marilena Chauí (2006) denominou de “cidadania cultural”, consi- derando tanto as perdas, quanto as conquis- tas nas perspectivas dos seus habitantes, para a elaboração de políticas públicas que garantam amplos direitos aos cidadãos. Para tanto, as mediações em proces- sos educacionais para o patrimônio são basilares, se realizadas de forma que exista crítica permanente sobre certas ideias que orientam o trabalho no campo do patrimônio cultural. Importante tomá-lo como uma arena de acordos e conflitos de valores, avaliações e proposições, que explicita como o patri- mônio é, além de uma construção social, uma prática eminente- mente política. Afinal, pensar para quem é o patrimônio, em meio às lembranças e aos esquecimentos que o atravessam, é uma forma de continuar apostan- do na democracia que visamos construir. PARA OS CURIOSOS As considerações desse fascículo modificaram as respostas que você anotou no início do fascículo e que daria para um turista se indagado sobre quais seriam os importantes patrimônios culturais do seu estado, cidade ou bairro? Por quê? 14 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Regina. Patrimonialização das diferenças e os novos sujeitos de direito coletivo no Brasil. In: TARDY, Cécile & DODEBEI, Vera. Memória e Novos Patrimônios. Marseille: OpenEdition Press, 2015, p. 67-93. CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural: o direito à cultura. São Paulo: Perseu Abramo, 2006. CHUVA, Márcia; NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos. (Org.) Patrimônio Cultural: Políticas e perspectivas de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X / Faperj, 2012. CIDADÃO Instigado. Álbum “Fortaleza”. Relise. 2015. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ\IPHAN, 1997. GONÇALVES, Janice. Da educação do público à participação cidadã: sobre ações educativas e patrimônio cultural. Mouseion, Canoas, N. 18, dezembro 2014. NOGUEIRA, Antonio Gilberto Ramos. O campo do patrimônio cultural e a história: itinerários conceituais e práticas de preservação. Antíteses, v.7, n.14, Londrina, 2014, p. 45-67. _______. Iinventários, espaço, memória e sensibilidades urbanas. Educar em Revista, n. 58, Curitiba, 2015, p. 37-53. POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação liberdade, 2009. REIS, Daniel. Cidade (i)material: museografias do patrimônio cultural no espaço urbano. Rio de Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2015. SÃO PAULO (cidade). O Direito à Memória: Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo: DPH, 1992. TARDY, Cécile & DODEBEI, Vera (et. al.) Memória e Novos Patrimônios. Marseille: OpenEdition Press, 2015. MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas”. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Ouro Preto/MG, 2009. AUTORES Antonio Gilberto Ramos Nogueira é doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pós- doutorno Instituto de Estudos Brasileiros (Ieb/Universidade de São Paulo) e no Centro em Rede de Investigação em Antropologia (Cria/ Universidade Nova de Lisboa). Professor do Departamento de História e do Programa de Pós- Graduação em Históri a da Uni versidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio e Memória (GEPPM/UFC/ CNPq) e do GT História e Patrimônio Cultural (ANPUH/Brasil). Vagner Silva Ramos Filho é doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Possui graduação e mestrado em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É pesquisador do “Grupo de Estudo e Pesquisa em Patrimônio e Memória” - GEPPM (UFC), com inserção igualmente nos Grupos de Pesquisa “Cultura Visual, Imagem e História” (Unicamp) e “História Popular do Nordeste” (UFS). Foi professor sub stituto no departamento de História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)/ Campus Assú. Na área de educação para o patrimônio, tem experiência em desenvolvimento de projetos de pesquisa, ensino e extensão nessas diferentes instituições. ILUSTRADOR Daniel Dias é ilustrador e artista gráfico, com extensa produção em projetos editoriais, sendo a maior parte destinada ao público infantil e infantojuvenil. Seu trabalho tem como base a pesquisa de materiais e estilos, envolvendo estudo de técnicas tradicionais de pintura, desenho, fotografia e colorização digital. 15 Realização Apoio
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