Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O DIREITO DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO NA VISÃO CODIFICADA E CONSTITUCIONALIZADA1 Bolivar da Silva Telles2 RESUMO: Trata a presente monografia da análise do Direito de Família nos Códigos Civil de 1916 e 2002, abordando-se os Princípios Constitucionais envolvidos, e o Princípio da Dignidade Humana como centro referencial da pesquisa. A partir da história do Direito de Família procura-se, de forma crítica e reflexiva, a identificação do conteúdo normativo referentes às relações familiares no Código Civil de 1916, e no Código Civil de 2002, a fim de identificar a adaptação dos Códigos ao modelo da Constituição Federal de 1988. Tal abordagem permite a compreensão dos Princípios Constitucionais em matéria de Família, como a Igualdade jurídica dos cônjuges, dos filhos, o Princípio da Liberdade, da Afetividade, sobretudo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como ponto central da presente pesquisa. Utiliza-se também jurisprudências anteriores e posteriores a Carta Magna de 1988, a fim de abordar a matéria doutrinária de todo o trabalho na perspectiva prática exemplificativa, focando as decisões nos aspectos históricos e principiológicos da matéria. Palavras-chave: Direito de Família. Código Civil. Constituição Federal. Constitucionalização. Princípios. Dignidade da Pessoa Humana. INTRODUÇÃO Tem-se por objetivo da presente pesquisa o estudo do Direito de Família a partir dos Códigos (CC/1916 e CC/2002), e dos Princípios Constitucionais, com o enfoque ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, destacando-se a relevância que tais princípios, sobretudo a matéria focada na Dignidade, trouxeram à família no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pela Profa. Dra. Orientadora Marise Soares Corrêa, Profa. Me. Marilise Kostelnaki Bau e Profa. Me. Telma Sirlei da S. F. Favaretto, em 09 de junho de 2011. 2 Acadêmico do curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS. Contato: bolivart@gmail.com. 2 Destaca-se a proposta do trabalho, ao elencar dois segmentos como a Constituição Federal de 1988 e o Direito de Família. Ao conferir importância constitucional às relações familiares, todo o ordenamento jurídico infraconstitucional deve adaptar-se aos Princípios Constitucionais, em especial à Dignidade da Pessoa Humana, gerando a Constitucionalização do Direito Civil e do Direito de Família. Dificulta-se a adaptação do conteúdo à luz constitucional, face ao aspecto alinear que o Código Civil anterior abordava a matéria, gerando descompassos com a Lei Maior, até mesmo porque o Código Civil em questão é anterior a Constituição, ocasionando incongruências jurídicas nas relações familiares. No primeiro Capítulo, abordam-se aspectos históricos do Direito de Família, sob três pilares: O Direito Romano, o Direito Canônico, e o movimento da Codificação, em especial, quanto ao Código Civil Napoleônico. A abordagem histórica do tema foca-se no Direito Romano, na figura do Pater famílias, um chefe familiar, a quem a família subordinava seus interesses, na figura de um único sujeito - gerando a família patriarcal. Surge o Direito Canônico, onde existe a figura da família como um Sacramento, através do casamento, como paradigma das relações familiares - a gênese da família cristã. E por fim, a Era da Codificação, representada pelo Código Civil de Napoleão, que teve profundas influências das compreensões anteriores. Após as concepções históricas, faz-se a abordagem do Código Civil de 1916, influenciado principalmente sobre os lineamentos históricos abordados na pesquisa. O Código em questão apresenta um modelo de família peculiar àquela época: recebe inspiração dos sistemas jurídicos referidos, tais como o Código Civil Napoleônico, o Direito Romano e o Direito Canônico. Objetiva-se também abordar o Código Civil de 2002, cujas idéias centrais balizam-se nas concepções constitucionais, prestando coerência legal aos princípios elencados na Carta Magna. No segundo Capítulo, com o advento da Constituição Federal de 1988, realiza-se a nova concepção de modelo familiar. Finalmente, houve a lenta alteração legislativa, com as quais a sociedade ansiava e demonstrava – ao menos em um cunho legislativo. Com a Carta Política, a normatização do Direito de Família advinda no Código Civil de 1916 subleva-se em princípios constitucionalizados, elencados na primeira, adquirindo força normativa nunca antes mensurada. A Constitucionalização do 3 Direito Civil é assim, o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios do Direito de Família. Trata-se na presente pesquisa o enfoque principal do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Todavia, faz-se necessário que alguns princípios, como a Igualdade e Liberdade também sejam elencadas, sobretudo para focar as transformações da família, desde o Código Civil de 1916, e suas transformações com o novo modelo constitucional. O processo de adaptação da legislação infraconstitucional segue o modelo para o qual a Constituição se propôs a realizar, e que será abordado no trabalho. Para tanto, a Constituição Federal elegeu como um dos seus princípios mais importantes, o da Dignidade da Pessoa Humana. Pretende-se, assim, estruturar todas as relações familiares sob o prisma da Dignidade da Pessoa Humana, como elemento estruturante, como princípio base para a família. Ao certo, não há hierarquia entre os princípios, ressaltando-se que não há família, no modelo constitucional vigente, sem a dignidade dos seus membros. Age o preceito como oxigenador, tanto dos demais princípios, como das relações no seio familiar. Verifica-se, no terceiro capítulo, a relevância da matéria, ao elencar jurisprudências e analisar decisões relativas a períodos anteriores a Constituição Federal, caracterizando-se o modelo do Código Civil de 1916, e sua diferenciação com Constituição Federal de 1988, no que tange ao Direito de Família e a seus Princípios. Busca-se também identificar através de decisões judiciais o modelo histórico e jurídico das estruturas familiares comparando com o momento contemporâneo. Tal estudo torna-se relevante para a compreensão dessas estruturas, dando idéia de conhecimento da família além dos Códigos citados e sua repercussão das normas, interpretando-se o Ordenamento Jurídico através de Princípios constitucionalizados. 1 DIREITO DE FAMÍLIA: CÓDIGO CIVIL DE 1916 E DE 2002 Para a compreensão do tema, primeiramente, faz-se um olhar conceitual, abordando, em princípio, a família e a sua ligação com o sistema jurídico. Para tal, neste capítulo, o enfoque necessário se faz explicitando as transformações que a família sofreu durante algumas etapas históricas, a julgar mais relevantes, com a 4 finalidade de interligar o instituto com o Direito. Seria, de fato, pretensão demasiada (além de impossível) abordar todas as passagens históricas, e todos os modelos conceituais, pois o conteúdo é vasto e ricamente detalhado, contudo é importante salientar algumas passagens no tempo, via exemplificativa, para o entendimento do atual modelo que a família se faz presente. 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO DE FAMÍLIA A fim de aprofundar a pesquisa, necessário compreender o tema de maneira interdisciplinar, para tanto, de acordo com Marise Corrêa3, a reflexão a respeito da família pressupõe um olhar a partir da História das Idéias, a fim de se compreender as mudanças culturais que surgem na instituição. Isso significa resgatar outras áreas do conhecimento para buscar outros entendimentos desse conceito, através dos enfoques históricoe antropológico, psicanalítico e jurídico, na expectativa de se apreender a natureza das sociedades. Como conseqüência, pretende-se que sejam construídas normas mais adequadas e pertinentes ao sistema jurídico, uma vez que grande parte das normas está em descompasso com a sociedade. No Direito Romano, a família era organizada sob o Princípio da Autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos o direito de vida e de morte. Afirma Carlos Roberto Gonçalves4: “podia, desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido”. No período pós-romano, a visão da família recebe a contribuição do Direito Germânico, em especial, a espiritualidade cristã, ao centrar o núcleo da família entre os pais e os filhos, tendo o casamento um caráter de Sacramento — passa-se, pois, daquele enfoque autocrático para um enfoque mais democrático e afetivo5. Durante a Idade Média, segundo Gonçalves6, as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito Canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido. Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante 3 CORRÊA, Marise Soares. A história e o discurso da lei: o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCRS, 2009. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. p. 16. 4 GONÇALVES, Carlos Alberto, Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. (Direito de Família, v. 6). p. 31. 5 CORRÊA, op. cit., p. 54. 6 GONÇALVES, 2005, p. 32. 5 influência no tocante ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a crescente importância de diversas regras de origem germânica. Durante a vigência do Estado liberal Clássico, o contexto histórico que se apresenta é o da Revolução Francesa do século XIX. Este espaço de tempo é identificado, de acordo com Donadel7: “como ‘a era das codificações’ ou a ‘era dos Códigos’”. Seguindo a concepção da mesma autora8, os produtos mais importantes desse momento histórico são o Código de Napoleão, de 1804, e o BGB alemão (Bürgerliches Gesetzbuch), de 1896 - também designado de segunda codificação. A compreensão da família no momento referido é retratada a partir da visão de Napoleão, ou seja, assim como o chefe de família está sujeito de forma absoluta ao governo, do mesmo modo a família está sujeita de forma absoluta a seu chefe; acrescenta Donadel9: “por conseqüência, é através dessa lei que o papel da mulher no casamento é tratado de forma desigual no universo jurídico”. Ainda sobre o fenômeno da codificação, aborda Cortiano10: “traduz, assim, um processo cultural e histórico que realizou a idéia da época descrita, de um corpo de leis ordenado e sistematizado”. O Código Civil Napoleônico é tido, assim, como a primeira grande codificação, tendo influenciado todo o direito ocidental. Segundo o mesmo autor11: “sua principal influência é a percepção do direito como sistema, na medida em que ele simplifica a ordem jurídica, facilitando seu conhecimento e sua aplicação”. Destaca-se ainda Cortiano12 que, por meio deste e sendo influenciado por tal fenômeno, fora a gênese da criação da codificação e do estilo de direito positivo moderno fazendo o legislador brasileiro sua opção com advento do Código Civil brasileiro de 1916. Sobre a influência histórica da família, e em decorrência, do direito, Marise 7 DONADEL, Adriane, Efeitos da Constitucionalização de Direito Civil no Direito de Família. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 10. 8 Ibid., p. 10. 9 Ibid., p. 10. 10 CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O Direito de Família no Projeto do Código Civil, In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; LEITE, Eduardo de Oliveira (Coords.). Repertório de Doutrina sobre Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 227. 11 Ibid., p. 227. 12 Ibid, p. 226. 6 Soares Corrêa13 destaca: Assim, deve-se comentar também que a família brasileira guardou as marcas de suas origens: da família romana, a autoridade do chefe de família; e da medieval, o caráter sacramental do casamento. Desta maneira, a submissão da esposa e dos filhos ao marido, ao tornar o homem o chefe de família — que, fincada na tradição, vem resistindo, na prática, a recente igualdade legal que nem a força da Constituição conseguiu sepultar — encontra a sua origem no poder despótico do pater familias romano. Ainda, o caráter sacramental do casamento advém do Concílio de Trento, do século XVI. Na ótica do direito, de acordo com Venosa14: “O Direito de Família, ramo do direito Civil com características peculiares, é integrado pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares”. A acrescentar Barbosa15: “o Direito de Família seria o ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil de 2002”. Quanto às novas observações poderíamos, a título de exemplo, acrescentar que, segundo Rollin16 que “as separações e os divórcios, por exemplo, são cada vez mais comuns, e a entidade familiar, necessariamente, sofre alterações”. Segundo Wald17, o Direito de Família se preocupa com o status ocupado pela pessoa dentro do quadro familiar, defendendo os interesses não apenas do indivíduo, mas também do grupo. Como dependem do status da pessoa, pode tal estado na família ser modificado, ou adquirido, seja por um fato jurídico (nascimento), seja por ato jurídico (adoção, casamento). Segundo Maria Berenice Dias18 o Direito de Família - por estar voltado à tutela da pessoa – é personalíssimo, adere à personalidade em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria é composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. Esta seção teve por objetivo principal conceituar o Instituto através de passagens históricas, a fim de demonstrar algumas transformações ocorridas através do tempo. Na próxima seção, tem-se por objetivo compreender o conceito 13 CORRÊA, 2009, p. 81. 14 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. (Direito de Família, v. 6). p. 23. 15 BARBOSA, Camilo de Lelis Colani. Direito de Família. São Paulo: Suprema Cultura, 2002 apud VENOSA, op. cit., p. 23. 16 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da criança. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 36. 17 WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15. ed. Saraiva: Rio de Janeiro, 2004, p. 6. 18 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 33. Neste sentido, também: WALD, op. cit. 7 de Família através do Código Civil de 1916 e no Código Civil em vigor. 1.2 A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916 O sistema codificado de 1916 tratou o Direito de Família em três grandes temas, na concepção de Leite19: “o casamento, o parentesco e os institutos de direito protetivo (tutela, curatela, ausência)”. De acordo com Gustavo Tepedino20: O Código Civil de 1916 é fruto de uma doutrina individualista e voluntarista que, consagrada pelo Código de Napoleão e incorporada pelas codificações posteriores, inspiraram o legislador brasileiro, quando na virada do século, redigiu o nosso primeiro Código Civil. Não podemos deixar de mencionar que o Código Civil desse período, diferenciava filhos legítimos, ilegítimos,filhos naturais e adotivos, modificando as formas de sucessão de cada um. De acordo com Leite21: “aspecto esse modificado por força da igualdade entre os filhos, como preceitua a Norma Constitucional de 1988”, e as mudanças sociais, que serão expostas detalhadamente no próximo capítulo. O sistema codificado de 1916 foi marco relevante, porque o sistema brasileiro, em especial nessa área de família, passa a ter as suas próprias regras, excluindo assim as regras do período colonial, embora, com suas influências, e toda uma tradição romana e canônica22. A família do período histórico em estudo possuía perfil peculiar daquela época, que mantinha - se conservadora, sendo o casamento indissolúvel. Não existia o instituto da União Estável, mas existiam pessoas convivendo como marido e mulher sem terem casado, que eram contempladas pelas decisões judiciais, como no caso do concubinato. 23 Assim, diversas mudanças, em especial jurisprudenciais, foram sedimentando 19 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 5. p. 23. 20 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2. 21 LEITE, 2005, p. 23. 22 BARZOTTO apud CORRÊA, Marise Soares. O Princípio Constitucional da Igualdade entre os Cônjuges e os reflexos no Direito de Família. Porto Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. p. 108. 23 CORRÊA.1998, p. 108. 8 um novo conceito, para além da legislação estacionada do antigo Código Civil, até chegarmos ao advento da Constituição de 1988 – “este um marco que finalmente atualiza a norma, o direito, frente a todas as manifestações que a própria sociedade já demonstrava”. 24 A Constituição de 1988 foi o fator culminante da lenta evolução legal das relações familiares e de parentesco. Antes dela devem ser destacados os diplomas legais que reduziram as desigualdades de direitos entre filhos legítimos e ilegítimos, o Estatuto da Mulher Casada e a Lei do Divórcio. Seguindo a ordem de Lôbo25: “Até 1988, tem-se a história do contínuo desmonte da família patriarcal, deslegalizando- se e deslegitimando-se as desigualdades jurídicas”. Salienta Lôbo26: Impunha-se a reforma, tendo em vista o significativo aumento entre nós, de normas dispersas, margeantes, e até mesmo conflitantes, que foram se acumulando na tentativa de adaptar, ou de afeiçoar, o direito legislado às gigantescas transformações operadas na estrutura da sociedade brasileira. Nem sempre, contudo, este método de revisão e adaptação legislativa foi seguro e prosperou eficientemente, tendo em vista, especialmente, o fato que o Código Civil de 1916 houvera sido, dentre outras razões citadas, elaborado para um país diferente, para um povo de costumes distintos, em diversa época, e em face de outros anseios e de outros valores. O constituinte de 1988 não realçou que a entidade familiar seja, por exemplo, necessariamente composta pelo casamento. Mostra Tepedino27 que, pelo contrário, foram expressamente admitidas como entidades familiares a união estável (art.226 §3 da CF) e a comunhão formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art.226 §4 da CF). A seguir, serão demonstradas as mudanças ocorridas com o advento do Código Civil de 2002 – este recebendo a influência histórica do Código anterior, e também absorvendo a noção das idéias Constitucionais – que serão vistas amplamente no próximo capítulo. 24 CORRÊA, op. cit., p. 109. 25 LÔBO, Paulo Luiz Netto. O Ensino do Direito da Família no Brasil In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; LEITE, Eduardo de Oliveira (Coords.). Repertório de Doutrina sobre Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 307. 26 LÔBO, op. cit., p. 308. 27 TEPEDINO, 2004, p. 434. 9 1.3 O CÓDIGO CIVIL DE 2002 COMO MODELO AMPLIADOR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O Código Civil brasileiro, Lei Nº. 10.416, de 10 de janeiro de 2002, teve sua gênese traçada pelo Projeto de Código Civil – elaborado pela Comissão presidida pelo professor Miguel Reale28. Gonçalves destaca que29: Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do Século passado e o advento da Constituição Federal de 1988 levaram a aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma paternidade responsável, e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas e aos estudos do DNA. Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva, a não-discriminação do filho, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar. Quanto às mudanças, refere Gonçalves30 que o diploma ainda amplia o conceito de família: com a regulamentação da união estável como entidade familiar; da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se a jurisprudência dominante; reafirma a igualdade entre os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal; confere nova disciplina a matéria de invalidade do casamento, que corresponde melhor à natureza das coisas; introduz nova disciplina do instituto da adoção, compreendendo tanto a de crianças e adolescentes como de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos; disciplina a prestação de alimentos segundo nova visão, abandonando o rígido critério da mera garantia dos meios de subsistência; mantém a instituição do bem de família e procedem a uma revisão nas normas concernentes a tutela e a curatela, acrescentando a hipótese de curatela do enfermo ou portador de deficiência física; dentre outras alterações. O presente Capítulo propôs a conceituação árdua da família, pelo menos ao seu ínfimo alcance - com enfoque ao Direito. Tratou-se por conceituar a família através de períodos históricos, e enfatizando o modelo do Código Civil de 1916 e o 28 DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 1. 29 GONÇALVES, 2005, p. 33-34. 30 Ibid, p. 35. 10 Código Civil de 2002. No próximo Capítulo, será apresentado com mais rigor o Direito de Família, inserida na Constituição Federal, abordando o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil (por conseguinte do Direito de Família), e também com alguns princípios elencados na Carta Magna a respeito das Relações Familiares. 2 ATUAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM MATÉRIA DE DIREITO DE FAMÍLIA Tal etapa da pesquisa baseia-se na idéia da visão constitucionalizada do Direito de Família; e para tanto se estuda o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil, dotada de importância emblemática para o novo modelo familiar. Após adentrar no fenômeno, mostra-se a atuação que os princípios constitucionais nascidos pelo primeiro geraram; sobretudo as relações familiares, inclusive abordando de maneira especial, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2.1 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL – DIREITO DE FAMÍLIA Para entender a noção de Constitucionalização, é forçosa uma distinção entre o Direito Público e o Direito Privado, ainda que esses preceitos, como verão, não careçam de importância significativa, de acordo com os doutrinadores. Todavia, sua análise faz com que a abordagem seja mais esclarecedora. De acordo com Perlingieri31: O estudo do Direito – e, portanto do direito tradicionalmente dito como privado – não pode prescindir da análise da sociedade na sua historicidade local e universal, de maneira a permitir a individualização do papel e do significado da juridicidadena unidade e na complexidade do fenômeno social. Essa problemática é antiga, na ótica do mesmo autor32 no Direito Público, se punha prevalente o interesse público, a atuar como fator de subordinação do interesse privado do indivíduo ao interesse maior da sociedade, a determinar a prevalência das regras daquele, reputando-se as cogentes ou imperativas; enquanto 31 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 1. 32 Ibid., 1999, p. 2. 11 isso no Direito Privado encontrava-se seu princípio máximo regedor no princípio da coordenação, a significar a igualdade dos indivíduos entre si e o conseqüente tratamento igualitário entre eles, enquanto concretizadores de relações jurídicas de natureza privada, considerando suas normas como sendo dispositivas e supletivas. A tendência em afirmar que o Direito de Família pende mais ao Direito Público do que ao Direito Privado decorre da existência de normas de Ordem Pública que buscam tutelar as entidades familiares mais do que seus integrantes. Porém o fato de os princípios dos mesmos permearem todas as relações familiares não significa ter o Direito de Família migrado para o Direito Público. Imperioso, portanto, reconhecer que o direito concernente à família, ainda que tenha características peculiares e alguma proximidade com o último, tal não lhe retira o caráter privado33. Antes do prosseguimento acerca do tema, vale ressaltar que a Constituição em breve seria: “a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias”34. Superado a velha concepção entre publico e privado, e adentrando no tema da constitucionalização que “é caminho inevitável que leva à obrigatória releitura do Código Civil, das leis especiais e de todo ordenamento à luz dos preceitos da Constituição”35. Constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional. Por isso, “todo o direito infraconstitucional é direito constitucionalizado, não se podendo, da mesma forma, ter um Direito Civil, em decorrência, Direito de Família, autônomo em relação ao Direito Constitucional”. 36 Daí a sustentação de que as normas do Código Civil, ou de modo mais específico, do Direito Privado e de Família, deveriam merecer uma interpretação e análise a partir de paradigmas estabelecidos pela Constituição Federal, isso por ser ela estruturante e norteadora axiológica da sociedade brasileira, na sua dimensão 33 DIAS, 2005, p. 32. 34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37-38. 35 DONADEL, 2003, p. 13. 36 Ibid, 2003, p. 16. 12 política, social, cultural e econômica. 37 A Carta Política de 1988, centro reunificador do Direito Privado, disperso diante da proliferação da legislação especial e da perda da centralidade do Código Civil, consagrou, em definitivo, um novo elenco de valores no ordenamento brasileiro. O pano de fundo dos polêmicos dispositivos em matéria de família pode ser identificado, como por exemplo, na alteração do papel atribuído as entidades familiares e, sobretudo, na transformação do conceito da unidade familiar que sempre esteve na base do sistema. 38 Tepedino39 destaca ainda que: De outra forma, não se consegue explicar a proteção constitucional às entidades familiares não fundadas no casamento (art.226, §3) e as famílias monoparentais (art.226,§4); a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (art.226, §5); a garantia da possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, independente de culpa (art.226,§6), o planejamento familiar, voltado para os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art.226, §7) e a previsão de ostensiva intervenção estatal no núcleo familiar no sentido de proteger seus integrantes e coibir a violência doméstica (art.226, §8). Todos esses exemplos são conseqüências da Constitucionalização do Direito Privado, que desencadeou o fenômeno da repersonalização das relações familiares40. Ademais, em um quadro exemplificativo, podem-se abordar esses artigos e a base principiológica na qual se sustentam como se verá na seguinte seção. No que se refere à família, Oliveira41 analisa que: A Constituição Federal, reconheceu uma evolução que já estava latente na sociedade brasileira. Não foi a partir dela que toda a mudança da família ocorreu. Constitucionalizaram valores que estavam impregnados e disseminados no seio da sociedade. O texto constitucional de 1988 contemplou e abrigou uma evolução fática anterior de família e do direito de família que estava represado na doutrina e na jurisprudência. A atual Carta Política Brasileira atribuiu à família responsabilidades vinculadas à promoção da dignidade humana, enquanto princípio, merecendo por parte do 37 ANDIERS, Moacir. Constitucionalização do Direito Civil: um antigo tema novo. In: TEIXEIRA, Anderson; LONGO, Luiz Antonio (Coord.). A Constitucionalização do Direito Civil. Porto Alegre: S.A Fabris, 2008, p. 57. 38 TEPEDINO, 2004, p. 396. 39 Ibid., p. 397. 40 DONADEL, 2003, p. 18. 41 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 91. 13 poder público, especial atenção. A interpretação dos dispositivos confere ao instituto importância tridimensional, na medida em que a família é entendida como base da sociedade (aspecto social), merece especial atenção do Estado (aspecto relacionado ao interesse público) e o seu regramento é disciplinado por normas de Direito (aspecto jurídico). 42 É no Direito de Família que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princípios que regem o Direito de Família não podem se distanciar da atual concepção da família dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas. A Constituição Federal consagra alguns princípios, transformando-os em direito positivo43. Por conseguinte, tais princípios, principalmente no que tange ao Direito de Família, serão abordados no próximo capítulo. 2.2 BREVE EXAME DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NAS RELAÇÕES FAMILIARES Anteriormente, foi demonstrada a Constitucionalização do Direito Civil, em especial, ao Direito de Família. Todavia, de certo para o compromisso árduo de abordar princípios (e ainda, no âmbito familiar), tanto a noção de direitos fundamentais, como princípios, em modo restrito, renderiam outros dois trabalhos de pesquisa. Faz-se presente uma elucidação programática dos temas, a fim de abordar os Princípios envolvidos nas relações familiares. A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificultam definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta-se essa dificuldade definir-lhes várias expressões para designá-los, tais como: direitos humanos, direitos fundamentais do homem ou direitos naturais44. Acerca disso J.C Vieira de Andrade45: Tem-se que os direitos fundamentais, a partir da constituição, como elementos do ordenamento objetivo, isto é, normas jurídicas objetivas que 42 GERMANO, Luiz Paulo Rosek. Deveres Constitucionais da Família frente ao Estado. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 156. 43 DIAS, 2005, p. 54. 44 SILVA, 2005, p. 175. 45SILVA apud ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. p. 32. 14 forma parte de um sistema axiológico que aspira ter validade como uma decisão jurídico-fundamental para todos os setores do direito. E onde, resulta que, os direitos fundamentais na qualidade de princípios constitucionais, e por força do postulado da unidade do ordenamento jurídico, aplicam-se relativamente a toda a ordem jurídica, inclusive privada. Não se pode dizer que direitos humanos e direitos fundamentais não constituem dois institutos jurídicos distintos, já que os últimos são os primeiros constitucionalizados. E assim devem ser vistos, no âmbito em que se situam, qual seja, nos casos concretos46. No plano interno, assumiram o caráter concreto de normas positivas constitucionais. São assim, direitos constitucionais, na medida em que se inserem no texto de uma constituição ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte47. Acerca dos princípios: “são enunciados que se reputam verdadeiros e constituem a causa primeira, a filosofia, os fundamentos de uma cultura ou de fenômenos naturais”. 48 Ainda sobre Princípios, Juarez Freitas destaca49: Por princípios entendem-se que, os critérios ou diretrizes basilares do Ordenamento Jurídico, que se traduzem como disposições hierarquicamente superiores, do ponto de vista axiológico, às normas estritas (regras) e aos próprios valores (genéricos). Diferenciam-se das regras não propriamente por generalidade, mas por qualidade argumentativa superior – e na colisão das duas, um princípio tem de ser erigido como preponderante. Quanto à noção de axiologia contida nos preceitos do trabalho, diz respeito à teoria dos valores. O juízo axiológico equivale ao juízo de justiça. Axiologia jurídica é, portanto, a teoria da justiça, pois este é o máximo valor jurídico. A teoria da justiça estuda a valoração das garantias constitucionais. Destaca-se o modelo axiológico através da seguinte aferição, de Canaris 50: Sendo o ordenamento, de acordo com a sua derivação a partir da regra da justiça, de natureza valorativa, assim também o sistema a ela correspondente só pode ser uma ordenação axiológica, no sentido mais lato 46 SILVA, 2006, p. 25. 47 Ibid., p. 96. 48 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. (Parte Geral, v. 1). p. 92. 49 FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 56. 50 CANARIS, Claus–Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkia, 2002. p. 65. 15 de cada realização de escopos e valores. A doutrina exposta tem reconhecido inúmeros princípios constitucionais, inclusive implícitos. Destacando-se que inexiste hierarquia entre os princípios (explícitos ou implícitos), é difícil quantificar ou nominar todos os princípios que norteiam o Direito de Família, assim, cada autor traz um numero diferenciado de princípios não se conseguindo determinar ou encontrar uma identidade em que se haja consenso51·. Tão verdadeiro é que encontraremos denominações distintas a cada princípio, todavia, com a mesma significação, como veremos subseqüentemente. O Princípio da Igualdade relaciona-se à paridade de direitos entre os cônjuges e companheiros e entre os filhos. 52 Não bastou a Constituição Federal proclamar o Princípio da Igualdade em seu preâmbulo. Reafirmou o direito a igualdade no Art.5 da CF – “todos são iguais perante a lei”; indo além, art.5, I, da CF – “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”; e definitivamente demonstrando mais uma vez a igualdade em direitos e deveres de ambos no referente à sociedade conjugal53 (CF art.226, §5º). De acordo com Marise Corrêa54, essas alterações sofridas constitucionalmente fazem entender que somente com a igualdade material, para além da formal, dar-se-á uma efetiva igualdade para que sejam devidamente afastadas as desigualdades atribuídas pelas legislações anteriores, fazendo-se necessária uma nova leitura e profunda reflexão no tocante as mudanças referentes ao CCB, as quais devem assegurar os princípios e valores pertinentes com a norma constitucional: Em suma, a isonomia entre os cônjuges em matéria de direitos e obrigações, em nenhum momento prejudica a família, pois somente com pessoas em processo de crescimento, vale dizer, em igualdade material e formal, podem ter um relacionamento solidário, competitivo no sentido ideal da palavra. E uma relação mais abrangente, madura e verdadeira55. Tais regulamentações constitucionais desencadeiam uma série de 51 DIAS, 2005, p. 54-55. 52 LÔBO, 1999, p. 315. 53 DIAS, 2005, p. 60. 54 CORRÊA, Marise Soares. O Princípio Constitucional da Igualdade entre os Cônjuges e os reflexos no Direito de Família. Porto Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. 55 Ibid, 1998. 16 denominações, em sentido estrito, como, por exemplo: Princípio da Igualdade jurídica dos Cônjuges e dos Companheiros e o Princípio da Igualdade Jurídica de todos os filhos como destaca Carlos Roberto Gonçalves56, em sua obra: Com a regulamentação instituída no aludido dispositivo (CF art. 226, §5), o patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados à função da mulher na família e referendam a evolução moderna. O Princípio da Liberdade diz respeito: ao livre poder de escolha da autonomia da constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; respeitadas à integridade física mental e moral57. A liberdade e a igualdade se correlacionam. Os Princípios da Liberdade e da Igualdade no âmbito familiar são consagrados em sede constitucional. A liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos58. Em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal ou união estável (art.226, § 3, da CF), bem como há a liberdade de extinguir ou dissolver o casamento e a união estável e o direito de recompor novas estruturas de convívio59. Como no Princípio da Igualdade, destaco que também desencadeia uma nova ordem de nomenclaturas, correlacionadas a liberdade – o que demonstra uma decomposição estrutural, contudo sem perder o vínculo primordial com o significado Como no caso de Roberto Senise Lisboa, que determina como Princípio do Reconhecimento de entidades familiares – “O casamento deixa de se tornar a única instituição protegida pelo Direito de Família, assegurando-se o reconhecimento de outras cuja tutela não pode deixar mais de ser concedida”60. 56 GONÇALVES, 2005, p. 23. 57 LÔBO, 1999, p. 314. 58 DIAS, 2005, p. 58-59. 59 Ibid., p. 59. 60 LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 42. 17 Na mesma concepção, Gonçalves privilegia o tema abordando o Princípio da Liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar e o Princípio da Paternidade Responsável e Planejamento Familiar61. Em sua concepção, o Estado apenas interviria para propiciar recursos educacionais e científicosao exercício desse direito (CF art. 226, §7). Enquanto no segundo elencado acima, seria um instituto de livre decisão do casal, fundados no principio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável62. Enfim, foram demonstrados alguns preceitos básicos, contidos em alguns artigos da Constituição. Contudo, nota-se com a exposição de alguns dos Princípios Constitucionais em Direito de Família, a dificuldade em anunciá-los, visto que cada doutrinador prefere a abordagem de uma maneira, dando enfoque em algum aspecto. No que cabe buscar uma singela pretensão de correlacioná-los, interligando também ao enunciado da Constitucionalização (onde alguns princípios constitucionais foram positivados na Carta Magna, dando aspecto jurídico normativo, de acordo com o que vimos) com o enfoque doutrinário de alguns princípios, positivados nos artigos. Por ora, na próxima seção será abordado o Princípio da Dignidade Humana, até então não relacionado, mas como se pode concluir, ao final, se relaciona a todos os princípios elencados até então. 2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, III, elevou a dignidade da pessoa humana à condição de Princípio fundante do Estado Democrático de Direito. E como tal, projeta-se sobre o conjunto das normas constitucionais e infraconstitucionais, tornando-se elemento de interpretação nos casos concretos63. A preocupação com os direitos humanos e da justiça social levou o constituinte consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se pode se elencar de antemão. Talvez 61 GONÇALVES, 2005, p. 24-25. 62 Ibid, p. 25-24. 63 SILVA, 2006, p. 70. 18 possa ser identificado como sendo o principio de manifestação primeira de valores constitucionais carregado de sentimentos e emoções. E impossível uma compreensão exclusivamente intelectual e como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano do afeto64. Sobre a dificuldade de conceituar o que é a dignidade humana, acrescenta Ingo Wolfgang Sarlet, que decorre da circunstância de que se cuida de conceitos de contornos vagos e imprecisos, “caracterizando por sua ambigüidade e porosidade, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica, muito embora tais atributos não possam ser exclusivamente atribuídos à dignidade da pessoa65”. Na tentativa de conceituação, destaca Sarlet:66 Temos por Dignidade da Pessoa Humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co- responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. O Direito de Família está ligado aos direitos humanos, que tem por base o principio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da pessoa humana. Mesmo principio significa, em ultima análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado a várias formas de filiação, ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro deste principio, que tem contornos cada vez mais amplos. 67 Nesse sentido, Maria Berenice68 expõe que: A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional da especial atenção a família, independente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada participe, com base em idéias pluralistas, solidaristas democráticos e humanistas. 64 DIAS, 2005, p. 57. 65 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 40. 66 SARLET, 2004, p. 59-60. 67 DIAS, 2005, p. 58. 68 Ibid., p. 58. 19 Vale mencionar que a dignidade humana entre os membros das entidades familiares passaram a ser consideradas e observadas após a Constituição Federal de 1988, principalmente no que se refere ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Pode-se dizer que tal princípio é a base para a boa convivência entre os membros; pois a partir dele advieram os demais princípios do Direito de Família, ressaltando que o respeito à dignidade humana é foco legislativo. Dizer que vivemos dignamente é primar que cada um está obedecendo a seus limites a fim de proporcionar uma boa relação familiar. 3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NOS PERÍODOS DA HISTÓRIA: CCB/1916 e CF/1988 Neste capítulo, serão tratadas pesquisas jurisprudenciais acerca do Direito de Família, com o intuito de exemplificar as questões postas nos capítulos anteriores, a fim de, além de dar margem àquilo que foi posto, demonstrar a evolução que o Direito de Família e sua relação com as questões constitucionais focadas. Cabe sempre ressaltar que tais jurisprudências servem, para tanto, identificar alguns pontos ao longo da história, no que cabe ao exame do Direito de Família, e não meramente um exame técnico processual sobre o conteúdo dos recursos, que conforme a pesquisa, fora no relevo do Superior Tribunal Federal, (muitas vezes as questões a serem debatidas são questões a cerca do processo e não da matéria). Por questões da técnica jurídica, muitos acórdãos encontrados não continham preceitos que teriam por objetivo um cunho mais exemplificativo. 3.1 ABORDAGEM JURISPRUDENCIAL ADOTADA NO PERÍODO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 Buscam-se na presente pesquisa duas decisões em última instância, do Superior Tribunal de Justiça (STF), uma anterior a Constituição de 1988, e outra no período da Carta Magna de 1988. Os conteúdos da matéria de processos de outros períodos históricos nesta seção abordam uma ação de Investigação de Paternidade de filho ilegítimo69. 69 RE Nº 92.059/ Mato Grosso do Sul. 20 Trata-se de uma investigação de paternidade, cuja autora da ação em primeiro grau foi ganhadora, o recorrente inconformado com a decisão pleiteia reforma. Alega o recorrente que na concepção do menor, ela já estava vivendo em outra relação, com base na com base na impossibilidade do adultério “a matre” pleitear o reconhecimento de paternidade. Sustenta a impossibilidade de o filho adulterino “a matre” investigar a sua paternidade, independentemente da contestação da legitimidade da filiação por parte do marido, ou presumido pai. O que no caso a jurisprudência da época já firmava o contrário. Alem do exposto, alega que a Lei70 883, de 21 de outubro de 1949 não distingue os adulterinos “a patre71” dos adulterinos “a matre72”. Por outro lado sustenta a impossibilidade de reconhecimento da paternidade do adulterino “a matre”, com base na presunção estabelecida no art.337 do antigo Código Civil, segundo a qual são legítimos os filhos nascidos na constância do casamento. Todavia, o Relator proclama que as normas enfocadas devem ser interpretadas e aplicadas em benefício da família. Desta forma, somente, há de prevalecer o princípio de que pai é o marido da mulher, quando o interesse da família e da paz social recomendar. Não se poderiaprevalecer à presunção “pater is est” quando o casal já se encontra separado de fato há anos e a mulher “amasiada” pública e notoriamente com outro homem. No caso, quando nasceu a criança a mulher já estava “amasiada” (trecho do acórdão), ou seja, vivendo em concubinato, que posteriormente fora chamado de união estável. Já havia, conforme os autos, nascido a menor na constância dessa união, não havendo motivos para o suposto pai, conforme a alegação dos ministros, impedir a investigação. A verdade é que não provou recorrente que a mãe da autora houvesse mantido relações sexuais no período da concepção, apesar de viver em concubinato com outro. Não provada, permanece a presunção da paternidade 70 Dispunha sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos, revogado pela Lei. 12004, de 2009. 71 Seria a condição de filho ilegítimo resultante de adultério cometido pelo pai (A PATRE. In: CONSTANZE ADVOGADOS. Dicionário de termos jurídicos. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/>. Acesso em: 9 maio 2011). 72 Seria a condição de filho ilegítimo resultante de adultério cometido pela mãe (A MATRE. In: CONSTANZE ADVOGADOS. Dicionário de termos jurídicos. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/>. Acesso em: 9 maio 2011). 21 O recorrente, réu na ação, pretende renovar uma tese vencida pela jurisprudência uniforme e pacífica do STF, invocando os Arts. 337 e 334 do antigo Código Civil, c/c art.6ª da lei 883, de 21/10/49. Existindo, na época, a concepção com o concubinato, surge uma presunção de paternidade, que no caso, não fora excluída. Na defesa, alegou também o réu que a mãe da investigante manteve relações sexuais com outros homens no período da concepção, cabendo a prova a quem alega (não fora realizada). Os ministros, portanto, conheceram o recurso, porem, negaram provimento ao mesmo, pela jurisprudência já da época em destaque, que admitia a investigação. Quanto à negatória de paternidade, assinala Tepedino73: A presunção legal de paternidade do marido, embora relativa, revesti-se de teor impositivo, quase inquebrantável. A negatória de paternidade era atribuída somente ao marido, para desconstituir a presunção de paternidade que lhe era imputada, na hipótese de filiação adulterina “a matre”. O Código de 1916, informado pela preocupação quase obsessiva de manter a unidade matrimonial, criava três ordens de obstáculos, para a quebra da presunção, tornando-a assim quase absoluta. Impunha o legislador, com efeito, restrições: quanto à legitimidade para a propositura da ação; quanto ao prazo para propô-la, e quanto a causa de pedir, taxativamente enumerada em números cláusulos. Gonçalves74 exemplifica: os filhos que não procediam de justas núpcias, mas de relações extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais (nascido entre homem e mulher que não havia impedimentos matrimoniais) ou espúrios (nascidos de pais impedidos de se casar em decorrência – no caso em questão, de casamento). De acordo com Coltro75: “Caíram por terra, as discriminações às uniões fora do casamento, contidas no ordenamento Civil, com destaque para o vexatório tratamento dispensado aos filhos tidos como ilegítimos”. Quanto ao tratamento legislativo e jurisprudencial das relações concubinatórias, vale destacar a noção de Tepedino76, que trata a matéria sobre três fases distintas. A primeira refere a rejeição pura e simples do concubinato, culminando com sua assimilação pela jurisprudência no âmbito do direito obrigacional; em seguida delineia-se nitidamente a relevância atribuída pelo 73 TEPEDINO, 2004, p. 455. 74 GONÇALVES, op. cit., p. 13. 75 COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. São Paulo: C. Bastos; Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000. p. 42. 76 TEPEDINO, 2004, p. 373. 22 legislador especial ao concubinato (desde que não adulterino), não mais como mera relação de direito obrigacional, mas como vida lícita em comum, podendo-se considerar a entrada do concubinato no Direito de Família, e a terceira e última fase compreende a tutela constitucional das entidades familiares não fundadas no matrimônio, admitindo o art.226,§3º, formas familiares não fundadas no casamento. Realizando uma comparação, destaca Gonçalves77: O Art. 358 do Código Civil de 1916 proibia, expressamente, o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos. O Constituinte de 1988 proibiu, no art.227, § 6º, qualquer designação discriminatória relativa a filiação, proclamando igualdade de direitos e qualificações entre os filhos, havidos ou não da relação de casamento. A seguir, será abordada uma jurisprudência no advento da Constituição Federal vigente. 3.2 ABORDAGEM JURISPRUDENCIAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Será tratada agora, uma decisão jurisprudencial, também do STF, mas na vigência da presente Carta Magna. Trata-se de um Agravo Regimental em Recurso Extraordinário78 de Nº 218.461-3, São Paulo, em 04/08/1998. O presente dispõe acerca do Princípio da Igualdade entre os Cônjuges, art.226, §5 da Norma Constitucional79. Interessante destacar o fato de que o agravante é que pleiteia a reforma de alimentos no qual deve para a agravada, em decorrência do exame do preceito Constitucional acima citado. Cabe ressaltar que foi o primeiro caso regulado em preceito constitucional, como segue o trecho abaixo: A igualdade entre o homem e a mulher, regulada em preceito constitucional inserido na Carta Magna de 1988, certamente, não foi, ainda, objeto de análise perante este E. Supremo Tribunal Federal. A questão, sem dúvida, é nova, polêmica e, sobretudo, vibrante. 77 GONÇALVES, 2005, p. 14. 78 Agravo Regimental em Recurso Extraordinário Nº218.461-3/São Paulo. 79 CORRÊA, 1998. 23 O agravante dispõe que foi violado o Princípio da Igualdade, porém a decisão manteve a prestação de alimentos. Em instância inferior, o agravante também alega que houvera interpretação equivocada do preceito constitucional80, e pede que na última instância ressurja tal questão. O certo é que, o agravante alega que não caberia mais a prestação de alimentos, pelo Princípio da Igualdade, mas foca veementemente que a agravada não mais necessitaria dos alimentos, visto que trabalhava e conseguia se estabelecer sozinha. Teria, pelas razões alegadas, que o acórdão não afastara a aptidão da mulher para o trabalho, tratando-se de mulher culta, dinâmica e sensível, podendo, assim, prover seu próprio sustento. Quanto aos votos dos ministros, não concederam ao agravante o direito de exonerar-se de sua obrigação81, porque, além da não violação do preceito constitucional, ficou entendido que a agravada está em situação de necessidade de alimentos, e o agravante pode prestá-los. Quanto às provas aludidas pelo agravante, não seria questão a ser submetida pelo Supremo, uma vez que não ficou comprovado provas que fundamentaram sua tese nas instancias inferiores. Ou seja, independentemente da alegação do princípio, não ficara demonstrado que a agravada não poderia sustentar-se. Assim, a igualdade de direitos também pressupõe igualdade de situações. Cumpre ressaltar quanto à Igualdade Jurídica dos cônjuges e de acordo com Coltro82 o tratamento diferente a pessoas que estejam em situação essencialmente iguais. Esta isonomia de tratamento jurídico é aquela que, em abstrato, permite que se considerem iguais, marido e mulher, em relação ao papel que desempenham na 80 Retirado do acórdão: “Aliás, tanto assim é que, da simples leitura do V. acórdão, exsurge inconteste a conclusão de que aquele decisum, ao apreciar a novadisposição constitucional, contrariou os artigos 5º, I e 226,§5º, sob a alegação de que: talvez sejam necessárias algumas gerações para que passem as mulheres a desfrutar integralmente dos direitos decorrentes dessa igualdade agora inserida na Constituição, bem como também provavelmente algumas gerações serão necessárias para que tenham elas presente, sempre, que referida igualdade de direitos implica também em igualdade de obrigações”. 81 Trecho retirado dos votos: “Não procede a alegação de ofensa ao §5º do art.226 da CF. Tal normal constitucional não implicou revogação das do Código Civil, pelas quais os cônjuges têm o dever de assistência recíproca e aquele que necessitar de alimentos pode exigi-los do outro, desde que possa prestar”. 82 COLTRO, 2000, p. 42. 24 chefia da sociedade conjugal. Ressalto aqui a idéia das jurisprudências, de acordo com o mesmo autor83 (e atentando-se para a idéia de que o ano da obra fora o mesmo da jurisprudência em destaque): Atendendo essas circunstâncias, a jurisprudência tem sido cautelosa em afastar certos direitos da mulher, como na hipótese de redução ou exoneração de alimentos. Ressaltou-se, em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que a equiparação homem-mulher prevista na Constituição da República resulta em igualdade contingente e relativa. O Constituinte acolheu, como cristalização evolutiva da sociedade, uma tendência à igualização jurídica homem-mulher, mas não a decretou em termos categóricos e de universal espectro, tarefa que seria quixotesca, porque não goza do deístico privilégio de operar metamorfoses, diante de realidades díspares. A luz da investigação do caso, certamente pode-se auferir também ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Conseqüentemente Spagnolo84 faz essa visão dos alimentos através do prisma da Dignidade: Sem adentrarmos na discussão sobre a dignidade da pessoa humana, tratar-se ou não de um princípio de caráter absoluto, entendemos que esta dignidade da pessoa deve ser vista como elemento inspirador das decisões judiciais concessivas ou denegatórias de alimentos, implícita ou explicitamente demonstrada no texto da decisão, pois não se admite atualmente que o julgador desconsidere este valor fundamental, sendo que os alimentos, em especial, devem ser vistos sob o prisma do princípio da dignidade porque afetam diretamente a vida do ser humano. E justamente por ser um instituto devidamente regulado pelo direito, é que se faz necessário que as decisões relativas aos alimentos estejam de acordo com os princípios orientadores do nosso sistema jurídico. Apenas com essas análises jurisprudenciais, seja antes da Constituição, com o Código Civil de 1916, ou a Constituição Federal de 1988, é possível distinguir uma mudança gradativa no que cabe ao Direito de Família, e seus aspectos constitucionais. A evolução histórica e social acarreta transformações no espaço jurídico. Mesmo com a decisão petrificada na norma e da jurisprudência em destaques, é possível, perceber a mudança cultural que a sociedade vivenciava no qual a norma, inserida em um contexto, nem sempre trazia a paz e a justiça social no qual ela tem em seus fundamentos principais. 83 COLTRO, 2000., p. 43. 84 SPAGNOLO, Juliano. Uma visão dos alimentos através do prisma fundamental da dignidade da pessoa humana. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 151-152. 25 CONCLUSÃO Permitiu-se, no presente trabalho, a análise dos Princípios Constitucionais do Direito de Família enfocando-se na perspectiva da Dignidade da Pessoa Humana. Para tanto, fez-se necessária a compreensão dos teores históricos que envolvem a Família e o Direito de Família, uma vez que o modelo jurídico brasileiro e o próprio Direito de Família receberam influências de outros movimentos sociais e culturais diversos. O Direito Romano fora responsável pela criação do modelo hierárquico, na figura de um chefe familiar, detendo este todas as responsabilidades e direitos daquele grupo. Provém dessa concepção a família patriarcal, nem sempre dirigida a laços afetivos, como vimos, pela característica contemporânea do Direito de Família, mas sim a laços de autoridade, sendo uma unidade econômica, religiosa e política. A mulher e os filhos, por vezes, ficavam subordinados a figura do pater, do chefe. A concepção do Código Civil de 1916, já revogado, influenciado pelo regime romano, possuía características semelhantes à figura do pater, o chefe conjugal, detendo a responsabilidade pela família, a mulher e os filhos, submissos a sua autoridade. A família era, então, conservadora, sendo o casamento, indissolúvel, e o marido, possuía responsabilidades diversas a qualquer um dos membros do grupo. Com o advento da Constituição, o Princípio da Igualdade jurídica dos cônjuges e dos filhos dissolve-se a figura do pater, concebendo a visão afetiva da família, de igualdade de direitos e deveres à relação conjugal e no tratamento dos filhos. Tais preceitos, como visto nas decisões jurisprudenciais, se encaminhavam a sua pretensão, antes mesmo da Constitucionalização, uma vez que o Código Civil anterior não mais adequava-se as situações jurídicas nas quais a sociedade se inseria. Os movimentos sociais, a busca de uma melhor solução jurídica da família, se faziam presente, e com a Constituição Federal aumentou-se aquele espírito no qual o contexto social já havia demonstrado. O Direito Canônico, nascido na concepção de Constantino, sob a família cristã, decretara a concepção, por exemplo, da família fundada no casamento. Por conseguinte, o Código Civil de 1916 absorvera o preceito, decretando a família, como base da sociedade, àquela fundada em tal concepção. Pode-se, então, dizer que o Código de 1916, comprometido com as situações 26 históricas apontadas, e que, como vimos, a Constituição, por muito não absorveu as idéias originárias do código, ao menos na ordem hermenêutica que se fazia presente na época, no posterior momento da Constitucionalização do Direito Civil. Com a Constituição, abre-se um leque de possibilidades jurídicas para as relações familiares, não mais estritamente ligadas ao casamento como base fundante. Com a união estável, por exemplo, abre-se a possibilidade da família não fundada no casamento, protegida por aspectos constitucionais, regida pelo mesmo, a fim do desenvolvimento da família, como base da sociedade. Com a criação da Carta, aquelas normas jurídicas esparsas, ora em legislações próprias, ora no Código Civil, constitucionalizaram-se, adequando aos preceitos constitucionais, tido como centro hierarquizado de todo ordenamento. Tal fenômeno é a constitucionalização do direito Civil, e do Direito de Família. Mencionado as diferenças entre o Direito Público e o Direito Privado, as normas de Direito de Família tiveram que merecer a interpretação e análise a partir dos paradigmas estruturados pela Constituição, em especial aqueles princípios constitucionais, na matéria da pesquisa. A Constituição, assim, centralizou os preceitos esparsos na norma inferior, adquirindo um norte axiológico a elas. No direito da família, o Código Civil anterior, que regulava a matéria, obteve uma nova interpretação, a partir das premissas eleitas pelo constituinte como centro balizador da família, não mais caracterizada meramente pelos traços históricos marcantes, mas a partir de uma nova concepção, elencadas a partir de artigos constitucionais, que apresentam conteúdos axiológicos. Em face disso, impossibilitaria abordar princípios sem antes estruturar qual o movimento que ocasionou as mudanças dentro do ordenamento. Isto é, a Constitucionalização, que se interliga faticamente a matéria constitucional. Ou seja, dão-se dois paradigmas, o antigoCódigo Civil de 1916, recebendo influências históricas contundentes, e a Constituição, que elege modelos familiares distintos, de acordo com as mudanças ocorridas e estudas. Com sua promulgação, elenca um novo rol de possibilidades jurídicas para as famílias, determinando aquilo no qual a sociedade já se manifestava favoravelmente. Por meios de artigos, de força normativa superior as normas legislativas hierarquicamente inferiores, o constituinte elegeu, no Artigos 226 e 227 da CF, por exemplo, novas concepções referentes à família. 27 Contudo, a fim de entender os princípios eleitos pelo constituinte, os doutrinadores elegem de maneira diferenciada de nomenclatura, face o nível de abstração nos quais se inserem. Predispondo-se a tal dificuldade, o certo é que, entre todos os doutrinadores, sempre há um norte, além da dignidade da pessoa humana. O Princípio da Igualdade, por exemplo, como princípio geral, servindo não apenas ao Direito de Família, mas a todo ordenamento naquilo que concerne, desencadeiam os Princípios da Igualdade jurídica dos cônjuges e o Princípio da Igualdade jurídica de todos os filhos, estes como princípios específicos do Direito de Família, uma espécie do qual o Princípio da Igualdade seria gênero. Dificulta-se o enquadramento dos princípios, haja vista que, por meio da pesquisa, não há hierarquia de princípios, ou seja, aqueles contidos dentro da Carta Magna têm força normativa igual as demais contidas na mesma. Por certo, por tratar-se de uma derivação da igualdade, e ainda de conceituação diversa pelos doutrinadores, há, portanto, um cunho mais específico, quando se trata de igualdade jurídica dos cônjuges, e dos filhos, mas por certo, na sua gênese, têm se a liberdade sempre como referência, como princípio geral. Com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana traz-se a idéia, no direito pátrio, dos direitos fundamentais, desencadeados e desenvolvidos ao longo de premissas históricas relevantes, contemplado por um único artigo na constituição vigente, mas que, ao passo da investigação da pesquisa, engloba todo o Ordenamento Jurídico. Ao passo que, tal princípio é considerado fundante em todo o Direito codificado, projetando-se em qualquer premissa de interpretações no direito, inclusive no Direito de Família. Como princípio primordial da ordem, alcança o Direito de Família. Tanto é que, com a pesquisa do trabalho, os demais princípios que regem o Direito Familiar balizaram-se pela premissa da dignidade. As relações familiares, com o advento principiológico constitucional carecem do afeto e de relevância na dignidade dos membros, do grupo familiar. Não cabe, ademais, referir-se a qualquer ordem constitucional antes da análise sob o prisma da dignidade dos partícipes da família. Caso não estivesse em acordo com a dignidade, não haveria sentido, por fim, referir- se primeiramente aos demais, pois careceriam de valor e sentido jurídico e social. Aprofunda-se, com o princípio regente das relações familiares, sua 28 interconexão com os demais princípios constitucionais, obtendo-se a eles relevância jurídica graças ao Princípio da Dignidade Humana, tanto é que, mesmo que não estivesse elencado como um artigo, intrinsecamente no tocante aos demais princípios, o princípio referido estaria presente, e a investigação das decisões jurisprudenciais a evidencia. Tornam-se as entidades familiares, pelo princípio, um valor transcendental, pois cada indivíduo passa a ser analisado não meramente sob o prisma da lei, mas sobre o prisma da dignidade. REFERÊNCIAS ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. A MATRE. In: CONSTANZE ADVOGADOS. Dicionário de termos jurídicos. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/>. Acesso em: 9 maio 2011. A PATRE. In: CONSTANZE ADVOGADOS. Dicionário de termos jurídicos. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/>. Acesso em: 9 maio 2011. ANDIERS, Moacir. Constitucionalização do Direito Civil: um antigo tema novo. In: TEIXEIRA, Anderson; LONGO, Luiz Antonio (Coord.). A Constitucionalização do Direito Civil. Porto Alegre: S.A Fabris, 2008. BARZOTTO, Luis Fernando. O Positivismo Jurídico Contemporâneo. Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unisinos, 2001. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cCivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 7 maio 2011. ______. Código Civil de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cCivil_03/Leis/L3071.htm>. Acesso em: 7 maio 2011. ______. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cCivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 7 maio 2011. CANARIS, Claus–Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. CARVALHO, Newton Teixeira. Principais Inovações Processuais do CCB no Direito de Família. In: Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.). Afeto, Ética, Família e o novo Código Civil: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 29 COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. São Paulo: C. Bastos; Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000. CORRÊA, Marise Soares. A história e o discurso da lei: o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCRS, 2009. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. ______. O Princípio Constitucional da Igualdade entre os Cônjuges e os reflexos no Direito de Família. Porto Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O Direito de Família no Projeto do Código Civil, In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; LEITE, Eduardo de Oliveira (Coords.). Repertório de Doutrina sobre Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2001. ______. ______. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. ______. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. DONADEL, Adriane, Efeitos da Constitucionalização de Direito Civil no Direito de Família. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. GERMANO, Luiz Paulo Rosek. Deveres Constitucionais da Família frente ao Estado. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. GOMES, Orlando. A caminho dos micro-sistemas: Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 1984. GONÇALVES, Carlos Alberto, Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. (Direito de Família, v. 6). LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 5. LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. (Direito de Família e Sucessões, v. 5). LÔBO, Paulo Luiz Netto. O Ensino do Direito da Família no Brasil In: Repertório de 30 Doutrina sobre Direito de Família. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; LEITE, Eduardo de Oliveira (Coords.). Repertório de Doutrina sobre Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. (Parte Geral, v. 1). OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. ROLLIN, Cristiane Flores Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da criança. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. SILVA, Maria de Fátima Alflen. Direitos Fundamentais e o Novo Direito de Família. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006. SPAGNOLO, Juliano. Uma visão dos alimentos através do prisma fundamental da dignidade da pessoa humana. In: PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (Org.). Tendências constitucionais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. (Direito de Família, v. 6). WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15. ed. Saraiva: Rio de Janeiro, 2004.
Compartilhar