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TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

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TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE (Katiane da Silva Oliveira) 
A questão apresentada cuida de nova vertente na responsabilidade civil: a possibilidade 
de reparação pela perda de uma chance. Em outras palavras, o ressarcimento pela perda 
da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo. 
A teoria da perda da chance (perte d´une chance) surgiu na França na década de 60 do 
século passado e foi bastante difundida na Itália. 
Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o autor do dano 
decorrente da perda de alguém obter uma oportunidade de chances ou de evitar um 
prejuízo, argumentando que aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de 
certeza, a propiciar uma reparação. 
Igualmente à postura da doutrina, os tribunais costumavam exigir, por parte da vítima 
que alegava a perda de uma chance, prova inequívoca de que, não fora à ocorrência do 
fato, teria conseguido o resultado que se diz interrompido. 
No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance, é 
relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da doutrina e da 
jurisprudência, uma vez que o Código Civil de 2002 não fez menção a ela. Existe, 
ainda, ausência de critérios argumentativos que tragam uniformidade aos casos. 
A aplicação da teoria da perda de uma chance no ordenamento brasileiro não é uma 
questão pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência. 
A doutrina tradicional não reconhece a teoria da perda de uma chance, pois como 
inexiste possibilidade de se determinar qual seria o resultado final, não se cogita em 
dano pela perda da chance, pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual. 
Com a devida vênia, aos doutrinadores que não reconhecem a teoria, entendo que a 
indenização não está relacionada com o resultado final, ou seja, com a vantagem em si, 
mas sim com a perda da possibilidade de obter um beneficio ou de evitar um prejuízo. 
No sentido jurídico, a perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um 
lucro ou evitar um prejuízo. 
Acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance o ilustre autor 
Sergio Cavalieri Filho sustenta que: 
“Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, 
desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a 
vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, 
deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por 
diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se 
evitar uma perda”.[1] 
Problema que se deparam os julgadores na hora de aplicar esta teoria, é o da 
quantificação do dano decorrente da chance perdida. Para a melhor doutrina, deve-se 
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista_caderno=7#_ftn5
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realizar um cálculo das probabilidades de ocorrência da vantagem caso a chance de 
consegui-la não tivesse sido frustrada. 
Veja as lições de Sergio Cavalieri Filho: 
“A perda de uma chance, de acordo com a melhor doutrina, só será indenizável se 
houver a probabilidade de sucesso superior a cinqüenta por cento, de onde se conclui 
que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis.”[2] 
Outro ponto controvertido na doutrina e na jurisprudência é com relação à natureza 
jurídica da responsabilidade civil por perda de uma chance. A doutrina divide, 
basicamente em quatro correntes: a) danos emergentes; b) lucro cessante; c) dano moral 
e d) terceiro gênero, categoria autônoma. 
Não querendo aprofundar a questão, entendo que a responsabilidade civil por perda de 
uma chance deve ser considerada uma categoria autônoma, pois não se enquadra 
perfeitamente nos institutos já reconhecidos pelo ordenamento brasileiro. 
Os tribunais também, embora aplicando a teoria, não trata de forma uniforme a questão. 
Na jurisprudência são encontrados casos em que o Poder Judiciário apreciou a questão 
da responsabilidade civil pela perda de uma chance, aplicando o novo Código Civil, 
cujos artigos 186, 402, 927, 948 e 949 acolhem a possibilidade de reparação de qualquer 
dano injusto causado à vítima. 
Pode-se citar a título de exemplo, a inegável perda do direito do cliente pela inércia 
desidiosa do advogado que impediu que a causa fosse examinada pelo órgão 
jurisdicional competente; o médico que não diagnostica corretamente o paciente, 
retardando o tratamento; o concursando que deixa de prestar o concurso porque o curso 
preparatório que se comprometeu a fazer a inscrição não o fez, entre outros. 
Desses exemplos acima mencionados observa-se um ponto em comum, não há em 
exame superficial um dano certo e determinado, mas existe um prejuízo para a vítima 
decorrente da perda da oportunidade ou evitar um prejuízo. 
Pode-se considerar caso notável o apreciado pelo STJ em março de 2006, em que a 
autora teve frustrada a chance de ganhar o premio máximo de R$ 1 milhão no programa 
“Show do milhão”, em virtude da formulação de uma pergunta imprecisa. O voto do 
ministro relator Fernando Gonçalves reafirmou entendimento favorável à aplicação da 
teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. A ementa do acórdão está 
assim escrita: 
Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa 
de televisão. Perda da oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas 
e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal 
não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido 
pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, 
impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de 
lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido”[3] 
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No presente caso, a candidata, autora da ação, chegou à pergunta do milhão, no entanto, 
achou por bem não respondê-la, por entender que não existia resposta correta. 
Perguntava-se qual percentual do território brasileiro a Constituição Federal reconhece 
aos índios, dando-se como possíveis respostas 22%, 2%, 4% ou 10%. 
Considerando que nenhuma dessas respostas encontrava guarida no artigo 231 da 
Constituição Federal, a candidata ajuizou ação pleiteando exatamente o valor de R$ 
500.000,00 que, segundo ela, deixara de ganhar em razão da questão erroneamente 
formulada pelo réu. 
 A sentença de primeira instância acolheu a teoria da responsabilidade civil pela perda 
da chance e concedeu o pedido de R$ 500.000,00. 
O STJ, que apreciou o Recurso Especial do réu, aplicou a teoria da responsabilidade 
civil pela perda de uma chance, mas acolheu em parte o inconformismo do réu, 
entendendo que as chances matemáticas que a autora tinha de acertar a resposta da 
pergunta do milhão, se formulada a questão corretamente, eram de 25%. Assim, reduziu 
a condenação para R$ 125.000,00. Eis, a seguir, importantes fundamentos do voto 
vencedor, relatado pelo ministro Fernando Gonçalves: 
"Na hipótese dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar 
categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida 
com uma pergunta, no dizer do acórdão, sem resposta, obtido desempenho brilhante no 
decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado 
dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria 
razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão". ... 
Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal 
andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão.Falta, assim, pressuposto 
essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que 
ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a 
probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. 
Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal 
formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento 
em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. 
Resta, em conseqüência, evidente a perda da oportunidade pela recorrida ... Quanto ao 
valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, 
tenho que ao tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, 
adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento 
sem causa de uma parte ou o dano exagerado da outra. A quantia sugerida pela 
recorrente (R$ 125.000,00) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser 
uma ‘probabilidade matemática’ de acerto da questão de múltipla escolha com quatro 
itens, reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida”. 
Outro caso emblemático que podemos citar é o caso do atleta brasileiro Vanderlei 
Cordeiro de Lima, que perdeu uma grande chance de levar para o Brasil a medalha de 
ouro na prova de maratona nas Olimpíadas de Atenas. O atleta estava na liderança da 
prova olímpica, com mais de 28 segundos de vantagem, quando sofreu interferência 
dolosa de um terceiro, que invadiu a pista, agarrou o atleta e o derrubou no chão, 
fazendo-o perder duas posições e acabar a prova em terceiro lugar. 
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Além dos casos mencionados acima, fazendo uma pesquisa no sítio do STJ, pôde-se 
encontrar referência aos seguintes julgados: REsp 788459, REsp 965758, REsp 
1079185 e REsp 1104665. 
Assim, observa-se que mesmo timidamente, sem dar uniformidade aos casos, ora 
considerando tratar de dano moral, ora de lucro cessante, os tribunais vem reconhecendo 
a aplicação da teoria da perda de uma chance, pois no estágio de evolução que se 
encontra o direito brasileiro não é possível que deixe sem proteção a vítima de danos 
que deverão ser ressarcidos. 
CONCLUSÃO 
Por ser ainda relativamente recente no Brasil, há muita discussão sobre o tema. 
Não obstante a aplicação da teoria da perda de uma chance ser pacífica, nos últimos três 
anos pôde estudar a evolução da jurisprudência brasileira, reconhecendo a existência da 
responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em pretensões de 
naturezas distintas. 
O tema é novo e merece reflexões para se evitar desvirtuamentos, enquadramentos 
errôneos e até mesmo corrida desenfreada e irresponsável na busca de indenizações para 
qualquer situação. 
Com o objetivo de a teoria não ser desvirtuada e cair na chamada “indústria do dano 
moral”, os tribunais precisam aplicar o bom senso, a razoabilidade e é ainda preciso que 
essa oportunidade perdida seja plausível, séria e real excluindo as meras expectativas e 
possibilidades hipotéticas. 
 
Bibliografia 
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: 
Atlas, 2008; 
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade 
civil. São Paulo: Saraiva, 2007; 
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito 
Civil – Responsabilidade Civil, volume 3. 7° edição. São Paulo: Saraiva, 2009. 
www.stj.gov.br. 
 
[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São 
Paulo: Atlas, 2008. pág. 75. 
[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São 
Paulo: Atlas, 2008. pág. 75. 
[3] STJ-REsp. nº 788459/BA; Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 13/03/2006, 
p. 334. 
 
 
http://www.stj.gov.br/
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