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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE PSICOLOGIA MARLUCIA SILVA ALVES PRISCILA IOZELINA SILVEIRA DE OLIVEIRA A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA DIANTE DA CRIMINALIDADE DO SÉCULO XXI: O Criminoso, Prisão e Sistema Carcerário Belo Horizonte 2018 MARLUCIA SILVA ALVES PRISCILA IOZELINA SILVEIRA DE OLIVEIRA A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA DIANTE DA CRIMINALIDADE DO SÉCULO XXI: O Criminoso, Prisão e Sistema Carcerário Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia do Centro Universitário UNA, como requisito para obtenção do título de bacharel em Psicologia. Orientadora: Cristina Maria Ribeiro de Oliveira Belo Horizonte 2018 DEDICATÓRIA Em primeiro lugar dedicamos esse trabalho a Deus. Aos nossos familiares por mais essa conquista. Pelo grande incentivo, carinho e apoio dedicamos aos nossos pais; Luzia Silveira de Faria Campos, Alexandre Cabral Campos, Amado Silvio Alves Santana “In Memorian”, Maria de Jesus da Silva Alves. Aos nossos filhos Lorenzo Silveira e Emily da Silva Ribeiro. Vocês são tudo para nós obrigado por fazerem parte das nossas vidas. AGRADECIMENTOS Agradecemos primeiramente a Deus, por nos capacitar para a realização deste trabalho em nossa formação; sem ele nada seríamos. Agradecemos aos nossos pais e familiares, que nos apoiaram durante essa longa jornada, nos incentivando a jamais desistir. Agradecemos aos colegas de turma, que hoje se tornaram nossos grandes amigos e companheiros de luta nessa caminhada. Agradecemos pelos conflitos que existiram durante todo esse tempo, pois eles se fizeram necessários para nosso crescimento pessoal, profissional e para o desenvolvimento de nossa futura profissão e trabalho em equipe. Enfim, agradecemos a todas as pessoas que representam uma grande importância em nossa trajetória, que de alguma forma contribuíram para a realização deste objetivo. “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera”. Che Guevara RESUMO O presente trabalho aborda a atuação do profissional de psicologia que, utilizando- se de vários conceitos inerentes ao seu campo laboral, pode contribuir significativamente na assistência a pessoas encarceradas que enfrentaram problemas no sistema prisional, desde a sua entrada e permanência até sua reinserção social após cumprimento da pena, em diferentes aspectos. A inserção do psicólogo no sistema prisional surge a partir do momento em que se iniciam as discussões sobre a importância das contribuições desse profissional para o resgate e ressocialização do preso, frente às consequências do período carcerário. É notória a importância de que o profissional de psicologia saiba gerir tais conflitos e entenda como eles exercem influência no comportamento individual, coletivo e no âmbito social. No acolhimento de um ambiente de escuta, o psicólogo busca proporcionar que tais indivíduos exponham suas dúvidas, angústias e temores relativos ao período prisional, sendo comum se depararem com situações de preconceito e afastamento social. Muitos foram os escritores a abordarem este tema. São relatados alguns conceitos de autores diferenciados, a partir de estudos investigativos de obras literárias e artigos científicos sobre o tema. Enfim, a abordagem do tema, resultante da coleta e análise dos dados, vem reforçar, por meio deste estudo, a necessidade de direcionamento a uma nova conscientização, com sugestões, recomendações e indicação de alternativas concretas. Destaca-se, por fim, a questão de como o profissional de psicologia pode auxiliar na superação de situações difíceis, provendo todo o apoio emocional, moral e psicológico que uma pessoa possa receber, atrelada à subjetividade num nível histórico-cultural, no qual as funções psíquicas são processos permanentes de sentimentos. Palavras chaves: Psicologia, Penitenciária, Ressocialização, Subjetividade. ABSTRACT The present work seeks to study how the psychology professional obtains important contributions of how to implement several concepts, aiming to help incarcerated people who have faced problems in the prison system, from their entrance, permanence and their social insertion after punishment fulfilled, in different aspects. The insertion of the psychologist in the prison system arises from the moment of discussing the importance of the role of the psychology professional for contributions in the rescue of resocialization, in view of the consequences of the prison period. It is well known that it is important for the psychology professional to know how to best manage such conflicts and to understand how they influence individual, collective and social behavior. In the reception of a listening environment, it seeks to provide that such individuals can expose their doubts, anxieties and fears regarding the prison period, as a consequence of the results of these facts, that some cases occur prejudices and social withdrawal. Many writers have addressed this issue. Some concepts of different authors are reported, from research studies on literary works, scientific articles on the subject. Finally, the approach to the theme, resulting from the collection and analysis of data, adds to this study the need for a new awareness, with suggestions, recommendations and indication of concrete alternatives. In the pretension of highlighting the question of how the psychology professional can overcome difficult situations and consider helping, emotional with all moral and psychological support that a person can receive, tied to subjectivity on a historical- cultural level, in which psychic functions are permanent processes of feelings. Keywords: Psychology, Penitentiary, Resocialization, Subjectivity. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 1.2 Objetivo Geral .................................................................................................... 12 1.3 Objetivo específico ........................................................................................... 12 1.4. Justificativa ....................................................................................................... 12 2 METODOLOGIA .................................................................................................... 14 3 SISTEMA PRISIONAL E CONTROLE SOCIAL .................................................... 15 3.1 Aspectos Gerais: Suplício, castigo e punição ................................................ 15 3.2 A Prisão e o isolamento social ......................................................................... 17 3.3 O Sistema carcerário atual e suas formas de controle disciplinar ............... 19 4 O IMPACTO DO ENCARCERAMENTO NA SUBJETIVIDADE DO SUJEITO ..... 23 4.1. Subjetividade em transformação na prisão ........................................................ 23 5 PRATICAS DA PSICOLOGIA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO ........................... 32 5.1. Contextualizando a Psicologia: breve história .............................................. 32 5.2 Papel fundamental da Psicologia no comportamento humano .................... 33 6 OS DESAFIOS E AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA NO SISTEMA PRISIONAL . 35 7 CONSIDERAÇOES FINAIS .................................................................................. 46 REFERENCIAS ......................................................................................................... 49 9 1 INTRODUÇÃO A realidadecarcerária atual tem se mostrado uma preocupação coletiva, tanto por parte da sociedade como de diversos profissionais da área da psicologia. Incompatível com o conceito de ressocialização, o atual sistema prisional passa por questionamentos profundos, em virtude das condições a que são submetidos os prisioneiros. Tais questionamentos ocorrem, sobretudo, pelo fato de que em diversos sistemas carcerários os direitos dos detentos não são preservados, influenciando diretamente na subjetividade e no seu comportamento. Em uma breve análise histórica sobre o surgimento da prisão, e como cada época instituiu suas próprias leis penais e suas punições até o surgimento dos princípios humanitários, percebe-se que houve, e ainda permanece, uma aposta na reintegração dos prisioneiros na sociedade. Trazer a responsabilidade do profissional de Psicologia, juntamente com a sociedade, na reintegração social do encarcerado, é um desafio para ambos (FOUCAULT, 1997). Verifica-se que em cada situação há uma questão comportamental, cultural e emocional diferenciada. Nesse sentido, cabe mencionar uma retrospectiva das penas que antecedem o encerramento do suplício, castigo e punições. Apresentaremos como exemplo o suplício de Damiens, esquartejado diante da porta principal da igreja de Paris (FOUCAULT, 1997). A psicologia compreende que cada pessoa é um ser singular e que tem necessidades particulares; nesse sentido, a humanização passa para além do conceito teórico, e nos 10 convoca a refletir nas práticas que valorizam sua aplicação no sistema penitenciário. Presume-se, desse modo, considerar a essência do ser, o respeito à subjetividade e a necessidade de se construir um espaço nas instituições penitenciárias que visem ao componente humano das pessoas envolvidas. Assim, faz-se necessária uma revisão e leitura, desde a evolução da pena do suplício dos condenados do século XVIII até o encarceramento atual, levando em consideração que o objetivo da prisão é a ressocialização do prisioneiro na sociedade. Entretanto, vale refletir se poderá, então, se tornar contraditório privar uma pessoa de liberdade do convívio social, para que a mesma aprenda a viver em sociedade. Assim, na medida em que tal análise se mostra fundamental, a preocupação em torno dos direitos dos prisioneiros e de um olhar humanizado no cumprimento da pena se faz cada vez mais necessária (DOTTI, 1998). Segundo CAXITO (2006), o que podemos observar nos presídios é a existência de um sistema que subjuga a uma posição de inferioridade o sujeito, onde o mesmo fica submetido a desmandos e atrocidades, perdendo a sua própria essência de pessoa humana. Consequentemente, estando ali encarcerado, sua subjetividade é afetada, e suas crenças e valores pessoais transformados por tais experiências e histórias de vida. Essa subjetividade somente sobreviverá enquanto o indivíduo se mantiver ligado a uma sobrevivência social, vivenciando valores, ideias, emoções, dentre outros, a partir de relações sociais e manifestações afetivas. Dando sequência à proposta levantada pelo estudo, o tem sobre o papel do psicólogo 11 em situações adversas é discutido há muito tempo. A não ressocialização dos prisioneiros no sistema penitenciário, e sua influência na subjetividade, afeta diretamente o comportamento do preso. Registros históricos sobre o comportamento e a conduta humana fascinam até os dias atuais (CAXITO, 2006). A falta de humanização do sistema penitenciário, por assumir um papel de sistema de punição, fere a dignidade do sujeito encarcerado, que não tem garantidos os seus direitos mais básicos. Isso faz, sobretudo, com que o prisioneiro comece a experimentar um sentimento de injustiça, sendo uma das possíveis causas que podem contribuir para um caráter indomável, quando este se vê exposto ao sofrimento que a Lei não ordenou e nem mesmo previu. Resultante da sensação de injustiça, o encarcerado passa a um estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca, com uma visão negativa em relação aos agentes e autoridades da lei, não se julgando mais culpado, provocando assim a própria justiça. É sabido que o sujeito, ao entrar no sistema prisional, perde sua identidade, sendo identificado somente por um número de matrícula. Diante disso, queremos acentuar elementos de um atendimento humanizado que se perdeu no contato com o outro dentro da penitenciária (BARRETO, 2006). Nesse ambiente, torna-se evidente a necessidade de assistência ao detento e sua ressocialização, dando apoio aos familiares ao longo do processo carcerário, a fim de torná-lo o menos traumático possível. Nesse contexto, percebe-se claramente a relevância da atuação do profissional de psicologia. Essa pesquisa encontra-se organizada em três capítulos. No primeiro ocorre uma 12 análise do sistema prisional e sua atuação visando a ressocialização do preso; no segundo investiga-se os impactos da prisão na subjetividade dos detentos e no terceiro há uma investigação sobre as práticas da psicologia e seus desafios à humanização e dignidade do encarcerado. O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa qualitativa descritiva. Para alcançar nosso objetivo, realizaremos consultas bibliográficas, analisando as discussões relacionadas ao tema, os principais autores foram: Foucault, Machado e Medeiros. 1.1 Objetivo Geral Analisar a prisão e sua influência no processo de Reintegração do prisioneiro e quais as influências em sua subjetividade. 1.2 Objetivos Específicos A) verificar como o sistema prisional atua para que os encarcerados possam retornar à sociedade. B) investigar os impactos da instituição penitenciária na subjetividade dos detentos, diante das experiências vivenciadas no ambiente carcerário. C) averiguar a atuação da psicologia, como também seus desafios e suas Contribuições para a dignidade humana. 13 1.3 justificativa O presente trabalho justifica-se pela importância do tema abordado, ligado diretamente à dignidade da pessoa humana, dentro do sistema penitenciário. Convida à reflexão sobre as possibilidades de geração de conhecimentos, e sobre Como a Psicologia utiliza as práticas dirigidas à consolidação no processo de ressocialização do presidiário. O tema é de grande relevância, pois direciona alguns parâmetros baseados no entendimento de como o ambiente carcerário afeta o comportamento do prisioneiro e sua subjetividade, e quais observações determinam pontos de fator negativo ou positivo no processo de ressocialização. Entende-se que é necessário o cumprimento da pena, porém com um olhar mais humanizado para com o sujeito. Tal reflexão é necessária para que se possa relevar a importância do respeito à vida, à integridade física e psicológica, buscando garantir os direitos do ser humano (BERTONCINI; MARCONDES, 2013). 14 2 METODOLOGIA O presente trabalho caracteriza-se, em relação aos seus objetivos, pela sua aplicação prática, tendo como base a classificação, que qualifica a pesquisa com relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios. Esta pesquisa é descritiva, relatando os problemas apresentados em relação ao tema por meio de características, percepções e expectativas no que tange ao sistema penitenciário, estabelecendo assim a identificação de situações onde se encontram a necessidade da intervenção do psicólogo para minimização de conflitos, e seus efeitos na subjetividade e comportamento do sujeito privado de sua liberdade. ANDRADE,GIL(2008). Objetiva-se buscar e desenvolver opiniões e informações, ancoradas na pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo, confrontando-as com a análise do psicólogo, com ações da área e conhecimentosde diversas situações e relações que ocorrem na vida social. Com relação à metodologia apresentada, vale ressaltar que foi utilizada a coleta de informações de várias fontes: livros, monografias, bases de dados Scielo, Bvs, Pepsic, revistas e artigos. Todo o processo de construção deste trabalho baseou-se na tentativa de esclarecer a pergunta de partida. 15 3 O SISTEMA PRISIONAL E CONTROLE SOCIAL A convivência em sociedade trouxe ao homem grandes problemas devido às diferenças de cada um, levando o indivíduo procurar formas para resolver os conflitos, com a finalidade de viverem no meio social. Posteriormente, ao longo dos anos, começaram a se organizar e pensar de qual forma poderiam minimizar conflitos e condutas consideradas agressivas e perigosas para a sociedade, pois “nesta sociedade desprovida de normas, o indivíduo não tem disciplina e não encontra uma direção ou um significado para a vida”. GAUER (2002, p. 23). 3.1 Aspectos Gerais: Suplício, castigo e punição Conforme relato de Foucault (2011), o privilégio de punir seria um aspecto do direito soberano de guerrear contra os inimigos. O suplício funciona também como um ato político, na medida em que é uma cerimônia em que o poder se manifesta, tornando se um espetáculo, sendo os corpos expostos vivos ou mortos. Contudo, o castigo também é uma forma de vingança pessoal ou pública. Tal afirmativa abre a possibilidade de diversos questionamentos pois “isso se deixa mostrar até mesmo numa sentença judicial, em que o juiz avança para além do mero sentimento de justiça, para encontrá- la na fundamentação racional e objetiva do direito. ” (SALGADO, 2007, p.18). A execução pública, como pena, trata-se de um cerimonial para estabelecer o equilíbrio entre o indivíduo que violou a lei e a outra parte que faz valer sua força: “Uma relação de poder é uma relação em que um ou alguns homens são capazes de determinar a conduta de outros. Esse governo das condutas pode assumir formas distintas em determinadas épocas ou situações específicas de composição de formas” (FOUCAULT, 2011, p.17) 16 Em meados do século XVIII e começo do século XIX, foram se extinguindo as grandes festas de punições, que deixou de ser um espetáculo passando a ter um cunho negativo. As punições passam a ser menos diretamente físicas. Logo, o castigo que antes atingia o corpo não é mais a principal forma de punição, agora o castigo como restrição de liberdade passa a ocupar lugar de destaque. Uma pena, para ser um suplício, deve produzir certa quantidade de sofrimento que se possa apreciar, comparar e hierarquizar. Os suplícios, aplicados em menor escala, não se confundiam com as penas físicas. O corpo como objeto imediato de castigo, através da dor e intensidade do sofrimento, caracteriza-se também como suplício: ``Os suplícios contra os detidos nunca restabeleceram a justiça, sim, renovam o poder punitivo. O teatro do terror, a crueldade, a violência corporal e moral, o jogo das forças, o cerimonial degradante, tudo faz parte do aparato político da penalidade, até os dias atuais``. (GOMES, 2014, p.07). O castigo imposto ao condenado tratava-se de um procedimento adotado pela etapa de ritual como procedimento, onde o poder soberano do Estado atenuava a forma de expressão dos direitos fundamentais inerentes à própria existência. Contudo, o poder sobre o corpo tampouco deixou de existir totalmente até meados do século XIX, pois agora, sem dúvida, o castigo não mais se resumia no suplício como uma técnica de sofrimento, mas tomou como objeto de punição a perda do bem ou do direito. 17 3.2 A Prisão e o isolamento social Na passagem do século XVIII para o XIX, criou-se a penalidade da detenção nesse momento, as práticas punitivas se modificaram. Não sendo mais permitido tocar no corpo, surge a prisão, que se utiliza da privação da liberdade como forma de punição. Nesse momento, os mecanismos disciplinares ocuparam a instituição judiciária; assim a legislação definiu o poder de punir como função geral Segundo Bernardes (2007:pg:49) “o estudo de Michael Foucault (1983) sobre o sistema de punição e controle que se desenvolveu nessa época ajuda a compreender esse processo”. Nesse momento, define-se a prisão como uma instituição criada para ser um aparelho disciplinar exaustivo, devendo tomar todos os pensamentos do indivíduo, treinando seus corpos, sua atitude moral, seu comportamento cotidiano, mostrando ser uma maquinaria potente, impondo uma nova forma das ações dos indivíduos, sendo seu modo de ação a coação atrelada à educação da instituição prisional. Além disso, a prisão tem o seu processo determinado sobre os sujeitos que ali estão inseridos, não se interrompendo a não ser depois de terminada totalmente sua tarefa, sua ação sobre o indivíduo, que deve ser ininterrupta, uma disciplina incessante, tendo um poder absoluto sobre o sujeito, podendo determinar a quantidade das refeições, tempo de repouso, tempo das visitas, dentre outros fatores, se apoderando por inteiro de todas as suas faculdades físicas e mentais (FOUCALT, 1997). O sujeito chega à instituição prisional com uma concepção de si, formulada através das suas experiências e vivências, mas ao adentrar a prisão o indivíduo começa a viver a perda de suas referências como sujeito e começa a ser exposto a uma série de rebaixamentos, degradações e humilhações. Começa, então, a passar por algumas mudanças radicais em sua vida moral, colocando em dúvida todos os seus pensamentos e se questionando sobre a sua trajetória vivida e o que estará por vir Goffman (1974). 18 A prisão surge como reparação; retirar tempo do condenado à prisão significa que sua infração lesou, além da vida, toda a sociedade. Pode ser compreendida como um sistema social que produz um modo cultural particular, pois este sistema social se organiza por meio de um conjunto de regras constituídas a partir das relações entre os internos: “Assim, a prisão pode ser compreendida como um sistema social que produz um modo cultural particular entre o encarcerado, pois este sistema social se organiza por meio de um conjunto de regras constituídas a partir das relações entre Estado, detentos, sistema prisional e sociedade”. THOMPSON (1980: pg 12). Goffman (1974), em seus estudos sobre as instituições totais, elucida a instituição prisional como um local de residência e trabalho - pois existe um grande número de indivíduos em situação semelhante, separados da sociedade por um grande período de tempo, levando uma vida fechada e fortemente administrada, trazendo em sua teoria da mortificação do EU uma reflexão sobre o processo da perda das estruturas sociais e psicológicas que passam a ocorrer logo no primeiro momento em que o indivíduo é inserido no ambiente prisional. Para o autor o “EU” do sujeito é anulado dia após dia dentro da prisão, devido às modificações dos papéis, perda da convivência com seus laços sociais e a não valorização do sujeito enquanto pessoa única e singular. Frente a tais modificações, o sujeito passa a não se reconhecer dono de uma trajetória vivida. A importância da reforma prisional se define em práticas sociais que ajudem a prevenir 19 os crimes dentro da própria prisão, como também em programas que irão auxiliar no processo de ressocialização do detento. Entretanto, o não cumprimento do papel fundamentalda ressocialização aumenta agressivamente as taxas de reincidências. A instituição prisional, atrelada ao conjunto de normas e medidas disciplinares, cumpre seu papel principal em zelo totalitário, ofertando possibilidades de trabalho aos detentos. Fazem-se impor, em momentos de necessidade, mecanismos internos de repressão e castigo. Em casos extremos, utiliza-se a solitária, pois “a solitária é a prisão da prisão. Ela tem que ser a maquinaria mais potente para impor uma nova forma ao indivíduo pervertido, e seu modo de ação é a é a coação de uma educação integral FOUCAULT (1999: pg 199). 3.3 O Sistema carcerário e suas formas de controle disciplinar Após quase três décadas de um conturbado processo de construção da primeira prisão brasileira, em 31 de outubro de 1861 é inaugurada estado da Bahia inaugura a sua primeira penitenciária, que recebeu o nome de Casa de Prisão, cuja construção se deu em uma área pantanosa que fora concedida à Câmara Municipal pertencente à Freguesia da Nossa Senhora da Penha de França de Itapagipe, localizada na periferia da cidade de Salvador sendo “a casa de prisão com trabalho, enquanto instituição partícipe e constituinte do aparato controlador e disciplinador das classes populares baianas” (COSTA, 2014: pg 13). A Casa de Prisão, mesmo com parte de suas obras inacabadas, durante um período de tempo foi um marco na história brasileira, e principalmente no Estado da Bahia. Nesse período, o Brasil acompanhava as grandes modernizações do sistema penitenciário, que teve seu início na Inglaterra e também nos Estados Unidos. Assim esperava-se transformar criando um novo homem, que seria reinserido na sociedade com todas as modificações necessárias para uma convivência social, sendo essas as expectativas 20 dos reformadores baianos que implantaram a Casa de Prisão com Trabalho (TRINDADE, 2009). Porém, a Casa de Prisão atendia somente aos sentenciados à pena de prisão com trabalho, pois de acordo com o código criminal do império do Brasil, somente seria aplicada a homens livres e libertos. Assim, a constituição de 1894 abolia as penas de tortura e de marca a ferro e todas as punições severas, mas estas proibições não se aplicavam a todos, por exemplo, aos escravos. Portanto, com a substituição do livro V das condenações Filipinas pelo código criminal do Império do Brasil sancionado em 1830, os castigos corporais continuariam a vigorar para os escravos (TRINDADE,2009). O sistema penitenciário brasileiro é marcado por descasos e circunstâncias que revelam e apontam para as indiferenças em relação ao indivíduo no sistema penitenciário, pois de acordo com o artigo 5.o, XLIX, da Constituição Federal, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, mas o que percebe- se nos presídios é a superlotação, mostrando assim a negligência por parte do sistema prisional no que se refere aos direitos fundamentais desses indivíduos, pois não existe respeito à sua integridade física e moral. Segundo Bitencourt (1993), as prisões apresentam grandes deficiências, como maus tratos verbais, castigos sádicos, crueldades injustificadas e superlotação, facilitando abusos sexuais e de condutas errôneas, falta de higiene, grande quantidade de insetos, sujeiras nas celas e corredores, deficiência nos serviços médicos ou completa inexistência, assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva, utilização de drogas, traumatizando assim os jovens reclusos recém-ingressos. Desse modo, a prisão revela-se geradora de um ambiente de violência em que sempre vai imperar a lei do mais forte ou daquele que tem mais, fugindo assim do seu propósito inicialmente colocado, qual seja, o da promoção da ressocialização do sujeito recluso socialmente. Diante de tal situação podemos observar que, por muitas vezes, o indivíduo 21 que entra como réu primário e por pequenos delitos, pode se inserir em uma organização criminosa para cometer grandes crimes, visto que não há, dentro do presídio, qualquer incentivo para que o recluso possa ter uma visão de mundo diferente da realidade vivida no encarceramento. Vale ressaltar que o sistema prisional atual sequer cumpre a determinação que se encontra na lei de execução penal, no artigo 88, parágrafo único, que é a de garantir que o detento seja isolado em uma cela individual e com garantias de salubridade, evitando a superlotação, para que sejam garantidos os direitos básicos do ser humano. Dentre os vários problemas que podem ser encontrados no sistema prisional, além do que já foram citados, pode-se mencionar a falta de atividade recreativa e de um sistema educacional direcionado aos reclusos, fatores estes que podem levar à reincidência do preso. Quando se aborda esses problemas, vale dizer também dos profissionais que atuam dentro do sistema, que por vezes chegam sem nenhum preparo psicológico e com isso acabam por não saber lidar com a situação e com cada preso que chega dia após dia. Quem julga quem deve ser preso ou não? Percebe-se, nos dias atuais, a grande influência dos meios de comunicação na formação de pré-julgamentos do indivíduo que tenha cometido algum ato considerado crime. Por vezes, essa influência vem sobrecarregada de informações que não possuem nenhuma validade e que sempre trazem em seu contexto a ideia de que a exclusão desses indivíduos é a melhor opção, ao invés de promoverem a ideia de que é possível uma ressocialização. Essa opção se torna algo de livre acesso para os grandes proprietários, pois geralmente se atribuem os problemas econômicos à questão da criminalidade, surgindo assim uma imagem distorcida dos pobres excedentes do sistema econômico, fazendo com que eles sejam os excluídos. Quem controla esse poder sobre a classe excedente e sobre a população alienada? Frente a informações repassadas diariamente nos canais de comunicação, aceita-se sem 22 nenhum questionamento sobre o que é crime ou quem é certo ou errado, condenado ou não. Prevalece a visão de que a punição sem garantir os direitos dos detentos será vista como a melhor saída, tendo em vista que é essa a ideia que se consome diariamente (MAGALHAES, 2015). Portanto, a vida do encarcerado é marcada pela submissão e experiências da penitenciária, que repercutem nessa assimilação da cultura prisional por meio de um processo descrito pelo aprisionamento ou institucionalização. Desta maneira os reclusos são moldados por esse ambiente institucionalizado mesmo após a sua libertação, sendo os valores, atitudes e costumes impostos pela população do cárcere uma forma natural de adaptação e sobrevivência ao enrijecido sistema prisional. Estas modificações variam e atingem o indivíduo em diferentes níveis, como os hábitos de comer, agir e em suas estruturas de linguagem, podendo essas influências ocorrerem em grandes dimensões,variando do aumento da agressividade a uma extrema passividade, sendo esse fato uma consequência do alto índice de indivíduos que reincidem no ato (BARRETO; MARIANA, 2006). A obrigatoriedade que é imposta aos encarcerados em cumprir os regulamentos existentes na prisão limita a liberdade do indivíduo para a realização de suas escolhas do cotidiano, passando o encarcerado muitas vezes a só responder aos estímulos do ambiente. Esse controle meticuloso é organizado para exercer a disciplina, e torna o sujeito dependente da instituição, sendo a falta de autonomia refletida após a sua libertação. Sendo retirados os estímulos que controlavam a sua vida na prisão, o sujeito se sente sem paradigmas para assumir decisões, sendo a autoestima comprometida pelo tipo de tratamento sofrido no interior da instituição, pois a construção da identidade a partir da imagem de ex- presidiário torna o sujeito inseguro, contribuindo para um sentimento de incapacidade para realizar atitudes simples (BITENCOURT; HANEY, 2001). Desta maneira, os reclusos são moldados por esse ambiente institucionalizado mesmo após a sua libertação, sendo os valores, atitudes e costumes impostos pela população do cárcere, uma forma natural de adaptação e sobrevivência ao enrijecido sistema prisional. 23 Tais modificações atingem o indivíduo em diferentes níveis: psicológico, físico ou mental, alterando assim estruturas de linguagem, comportamento e valor ético. Podem essas influências ocorrer em grandes dimensões, acarretando o aumento da agressividade, o que pode ter como consequência a reincidência no ato criminal. Após a saída do sistema prisional, marginalizado pela sociedade, o egresso carrega em si uma figura que está pautada na construção de sua identidade e imagem como sendo um ex-detento sendo uma das consequências para o egresso a falta de oportunidade e o desemprego, trazendo um sentimento de desamparo e baixa autoestima (BARRETO; MARIANA, 2006). 3 O IMPACTO DO ENCARCERAMENTO NA SUBJETIVIDADE DO SUJEITO 4.1. Subjetividade em transformação na prisão Conforme é sabido, o sistema prisional surgiu com um intuito apenas: causar punições a quem cometia algum tipo de ato infracional. Entretanto, o impacto do encarceramento no comportamento humano mostrou-se de grande crueldade aos encarcerados e familiares, transformando a sua subjetividade. A subjetividade é a síntese individual e singular que cada indivíduo constrói através de suas experiências vividas social e culturalmente. Portanto não é inata, não faz parte do indivíduo desde o nascimento. É construída continuamente, de acordo com o ambiente em que vive e todos os elementos envolvidos. A subjetividade se constrói a partir das relações sociais, em um mundo de significados e emoções: ``No Brasil, a assunção do conceito de subjetividade como objeto de estudo da psicologia foi simultânea às mudanças no mundo do trabalho introduzidas 24 e/ou aceleradas a partir dos anos 1980. Isso, por si só, já sinalizaria que, como resultantes de um mesmo solo socioeconômico, político e cultural, esses fenômenos podem ser lidos como partes de um processo de transformação``. (BERNARDES, 2007, p.54). A subjetividade traz em sua estrutura questões complexas, tanto culturais e sociais como naturais, envolvendo todas as particularidades do ser humano. Haja vista que o sujeito é um ser que possui funções biológicas, como também funções psicológicas, o que se evidencia na teoria: ``Um novo panorama se descortina quando tomamos como base a Psicologia Histórico-Cultural, segundo a qual o fator biológico determina a base das reações inatas dos indivíduos, chamadas de funções psicológicas elementares ou involuntárias, de caráter imediato, mas não as voluntárias ou culturais``. (MEIRA; FACCI; 2007 p.17) Sendo assim, possibilita e permite observar, analisar, modificar e ser modificado pelo meio no qual se faz inserido, surgindo então às relações que farão parte de sua subjetividade “referindo-se à singularidade, à diferença, ao sujeito que se constitui na sua inserção na realidade de relações sociais, de trabalho e de produção de cultura e de vida”. (BERNARDES, 2007, p.16). Entretanto, o sujeito não deverá ser considerado apenas um animal racional, mas sim como uma unidade complexa com desejos e vontades a serem alimentados, bem como a subjetividade não poderá ser vista apenas como um fator, uma consciência, pois ela é moldada e trabalhada ao longo do caminho que o indivíduo percorrerá em sua vida, conforme relata Mameluque (2006). 25 A Teoria Centrada na Pessoa mostra que cada organismo humano deve ser passível de confiança, no que se refere aos desejos de realização que possuímos, de acordo com as oportunidades que temos, gerando assim um desejo interno de realizações. Não é possível, contudo, observar dentro do sistema carcerário um favorecimento ou oportunidades que mostrem aos reclusos que existe alguma possibilidade de realizar o processo de ressocialização. Ao contrário, o que pode ser observado é uma grande mortificação do modo de agir ou pensar do sujeito, transformação do indivíduo, deixando para trás toda a subjetividade que o mesmo construiu antes de ser inserido no sistema prisional, pois “estas transformações ampliam, para além da dimensão do conhecimento formalizado cientificamente na perspectiva positivista, a problematização dos fundamentos da criação cultural e da produção da subjetividade no mundo contemporâneo”. (SOUZA, 2005, p. 24). As relações sociais são de grande importância para o desenvolvimento e manutenção da saúde mental do ser humano em geral, manutenção esta que só se torna possível mediante o fortalecimento das relações, da valorização do sujeito como pessoa, permitindo-lhe o empoderamento dos seus desejos e vontades e acolhendo-o de forma humanizada. Daí surge a importância das interpretações e reações internas, frente ao contexto em que se encontra o encarcerado: ``Uma vez que a construção da identidade é uma construção social e histórica, mediada pelos mais diferentes tipos de linguagem, ela está sujeita a uma imensa gama de interpretações e reações. E é isto o que impede de tratar a questão do autoconhecimento e da autoestima de forma linear`` (MOISES, 2012, p. 20). 26 Na eventualidade de o indivíduo ser incorporado em uma instituição de reclusão, há regras pré-determinadas internas do sistema prisional, ocorrendo em alguns da seguinte forma: despido de sua aparência visual, tendo suas roupas e pertences pessoais retirados ou negados, para dormir devem ter somente um colchão, um cobertor e um travesseiro, sendo essas camas frequentemente examinadas para prevenir o uso de objetos não autorizados; caso o sujeito seja descoberto com algo, será severamente castigado, pois “a humilhação e o desespero, provocados pela prisão, doem na alma, e a dor psíquica, às vezes, é mais forte do que a dor física” (SOARES, 2013, p.15). A partir do momento, em que o sujeito passa a fazer parte do sistema carcerário, o mesmo se vê diante de um mundo novo, onde deverá adaptar-se de uma maneira rápida para que consiga sobreviver dentro desse desconhecido mundo, sabendo que não serãopermitidos objeções ou questionamentos. O ambiente prisional é marcado por fortes indícios de violência, tanto física como psicológica; tais métodos podem levar, assim, o sujeito ao processo de desequilíbrio emocional “por essa razão, os métodos e sujeitos da interpretação e os instrumentos existentes para a concretização de uns e outros são distintos” (JAYME, 2005, p.03). O processo de submissão, que o sujeito sofre logo após o primeiro contato com a reclusão, traz algumas consequências, dentre as quais comportamentos agressivos, momentos depressivos e revolta. O sistema prisional é reconhecido como o local onde não são levados em consideração às vontades e opiniões do sujeito, mas sim as ordens, normas e vontades organizacionais do presídio. Sabe-se que a subjetividade é a mais social de todas as características humanas, podendo ser individual e singular, mas que só poderá existir enquanto esse sujeito estiver inserido a um grupo social e compartilhando dos mesmos objetivos e ideais, tendo em vista que é por meio desses fatores que serão estabelecidas formas de relacionamentos referindo-se a subjetividade “à singularidade, à diferença; ao sujeito que se constitui na sua inserção, o na realidade de relações sociais, 27 de trabalho e de produção de cultura e da vida” (BERNARDES, 2007, p.16). Entretanto, tais práticas de submissão ao Estado passam a interferir no processo das relações humanas, e em consequência disso a subjetividade do sujeito passa a ser modificada pelas instituições carcerárias: ``Na contramão da violência do Estado, os direitos humanos valorizam cada indivíduo como portador de direitos naturais e como cidadão, isto é, enquanto membro respeitável de uma comunidade humana, o que implica considerá-lo igual em dignidade a todos os demais, independentemente de sua classe social, cor, gênero, religião ou nacionalidade``. (SOARES, 2013, p.21). Sendo assim, todos os sujeitos serão moldados, e suas vontades serão completamente excluídas, ou seja, aos poucos os indivíduos perdem a sua referência de sujeito, sua identidade vai sendo apagada e no lugar aparece a identidade que diz mais do sistema prisional do que do próprio sujeito. Em diversas prisões, as visitas realizadas por familiares, por um período inicial no cumprimento da pena, são proibidas, gerando assim uma ruptura dos papéis sociais que pertenciam aos sujeitos. Com a proibição do contato familiar ou com qualquer pessoa externa, fora do sistema prisional, bruscamente há uma ruptura e uma perda significativa desses papéis no seu convívio social. Sendo a subjetividade concebida como algo que constitui a relação humana no mundo social, está se anula na mesma proporção. Para tanto a psicologia se coloca como um campo que realiza intervenções, se comprometendo com os direitos humanos: ``A Psicologia não quer mais ser uma ciência ingênua. Não quer mais ser uma profissão alienante e elitista. Quer marcar sua intervenção na sociedade 28 com saberes e fazeres que estejam comprometidos com os direitos humanos e com a construção de políticas públicas adequadas para a transformação de nossa sociedade``. (LEILA, 2001, p.07). Ao iniciar o cumprimento de seu tempo no sistema prisional, o indivíduo passa a viver sem o convívio diário, que antes existia entre os membros do seu círculo social e afetivo. Sua individualidade passa a ser deixada de lado, perdendo assim sua identidade. Por diversas ocasiões, os reclusos são atingidos por um sistema que não oferece aos encarcerados a valorização e os direitos básicos do ser humano, encontrando-se, por vezes, completamente isolados, até mesmo dentro das solitárias, ou segregados dos demais detentos. Tal separação pode ocorrer por circunstâncias diversas e, não raro, o indivíduo passa a ser reconhecido pelos crimes cometidos, e não mais como o sujeito portador de um nome e de uma história, construídos ao longo de sua trajetória vivida. Frente a tal situação, os indivíduos passam a sofrer com impactos na sua autoestima, sentindo-se excluídos por completo, desmoralizados e apreensivos com o novo modelo a ser seguido, bem como com os perigos que poderão surgir dentro do sistema penitenciário, que por vezes poderá ser omisso para com os reclusos. Relatos demonstram que os sujeitos encarcerados buscam, de alguma forma, estratégias que possam promover uma visibilidade dentro do sistema prisional, como também esboçar resistência ao duro sistema e à hierarquia reinante entre os presos. Segundo Resende (2013), a partir da análise de narrativas de homens presos, foi observado que uma nova forma de linguagem surgiu dentro da prisão, onde palavras com 29 significado original passam por uma reformulação, para que possa ocorrer a comunicação que define a dinâmica do ambiente prisional. Isso mostra como se constitui a subjetividade do preso a partir do universo carcerário (LEILA, 2001). Segundo Thompson (1980), o encarceramento corresponderia à adoção de modos de pensar, costumes, hábitos e da cultura de uma forma geral da penitenciária, sendo, desta forma, um processo lento e gradual, mais ou menos inconsciente, de assimilação da cultura do meio social em que o indivíduo se encontra inserido. Goffman (2008) propõe que acontece uma busca pela recomposição da identidade, sendo essa reorganização pessoal possível por meios das relações estabelecidas na instituição, e aconteceria em dois sistemas: o de privilégios e o de ajustamento secundário. Portanto, em contraste com um conjunto de normas, proibições e prescrições que regulamentam as condutas dos encarcerados, estão os prêmios e privilégios que podem ser obtidos por meio de obediência aos agentes responsáveis pela prisão, sendo o mundo construído em torno desses privilégios fundamental na cultura dos encarcerados, pois os castigos também estão ligados a esse mundo de privilégios e podem acontecer em virtude da desobediência às regras. De certa forma, com tantas regras e ordens, a prisão pode ser entendida como um sistema social, em que as relações se constituem de uma maneira peculiar, mediadas por formas de um regime de controle. Contudo, compreende-se que tal peculiaridade não esgota a possibilidade de constituir outros modos de vida dentro da prisão, e até de procurar resolver diversos problemas, pois cada indivíduo vivencia de modo diferente suas 30 experiências dentro do sistema prisional: ``Associar conhecimentos e solução de problemas é um processo de compreensão que serve para apoiar a experiência a fim de transformar conceitos, e consequentemente, comportamentos. Existe um ciclo de aprendizagem que ajuda na transformação do comportamento`` (BOOG, 2006, p. 47). Vale lembrar, quando se aborda a subjetividade do encarcerado, que nenhum indivíduo, seja o que goza de sua liberdade, seja o que é privado dela, jamais poderá perder o direito à sua dignidade humana: ``Todo indivíduo deve ser tratado com respeito e se beneficiar de direitos, aos quais correspondem deveres. Ainda que traia seus deveres, não perde sua dignidade enquanto ser humano, porque não tem como negar sua humanidade. Se não trata os demais como seres humanos, transgride seus deveres e terá de assumir a responsabilidade. Mas isso não autoriza a sociedade ou o Estado a imitá-lo e desrespeitar a dignidade humana``. (SOARES, 2013, p. 26). Entretanto, o que se vê logo nos primeiros momentos de encarceramento é a violação de tal direito, cuja garantia deveria ser assegurada até para aqueles considerados mais perigosos segundo o julgamento, não se admitindo que seja negado, em qualquer hipótese, o respeito à sua dignidade. Afinal, ainda que esteja cumprindo pena, o encarcerado continua a ser sujeito de direitos. Vale ressaltar que a prisão é vista, de ummodo geral, como sendo um instrumento de vingança, onde o indivíduo seria mantido para pagar pelo ato cometido, não lhe sendo permitidas garantias ou o acesso aos direitos básicos da dignidade humana, visão esta oposta ao propósito inicial, que é o de 31 ressocializar o sujeito para que possa voltar a ter seus laços sociais ativos: ``Além da indivisibilidade, caracterizam-se os direitos humanos pela universalidade, decorrência da condição invariável da pessoa humana, pois basta o indivíduo ser humano para tornar-se a titular desses direitos, independentemente de qualquer condição econômica, social, étnica, sexual, religiosa ou de situação geográfica. Esse indivíduo, em qualquer lugar, usufrui de proteção incondicional dos direitos humanos``. (JAYME, 2005, p.02). Tal processo deveria ter início dentro mesmo do sistema prisional, permitindo ao indivíduo ter oportunidades de reintegração social, assegurando-lhe os direitos universais. O sujeito, após ser encarcerado, passa a ser visto não mais como um indivíduo singular, mas marcado no mundo do crime, pelo ato cometido, alguém que deverá ser excluído do mundo social, sem chance alguma de uma nova oportunidade de fazer parte da sociedade. Cabe, pois, ao Estado garantir-lhe o respeito perante a sociedade: ``Em uma sociedade complexa como a nossa, dotada do conjunto de instituições que chamamos Estado, caberia ao direito contribuir por meio das leis – restrições e obrigações normativas, formuladas e aceitas pela própria sociedade, diretamente ou por intermédio de seus representantes – para que se faça justiça, ou seja, para que o princípio da equidade seja respeitado e cumprido, na prática``. (SOARES, 2013, p.37). Por vezes, é possível notar o desvio do propósito inicial da prisão, que seria o de punir para ressocializar. Segundo a Lei de Execução Penal - LEP (1984), o estado tem por responsabilidade 32 prestar as seguintes assistências ao recluso: assistência material, saúde, jurídica, educacional, religiosa e social, sendo esta última de suma importância para que o encarcerado possa estar preparado para o seu retorno ao convívio social: ``Com o advento da Constituição de 1988, que em seu art.134 entende ser a Defensoria Pública “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados”, tornou-se patentemente inconstitucional a prestação da assistência jurídica aos necessitados, tal como preconizada na LEP, por órgão ou instituição que não a Defensoria Pública``. (ESTRADA, 2018, p.22). A assistência social, que deverá ser prestada pela instituição estatal, consiste em promover algumas ações, dentre as quais podemos citar: prover ao indivíduo orientações quanto ao término da sua pena, relatar à direção da instituição as dificuldades enfrentadas por este dentro da cadeia, acompanhar os resultados das saídas permitidas e saídas temporárias, comunicar e acompanhar a família do recluso em caso de doença do mesmo. Entretanto, a realidade vivenciada nos presídios é exatamente o oposto do que o Estado deveria proporcionar ao sujeito recluso. Tendo em vista que a realidade é outra, é possível notar o quanto esse sujeito passa a perceber a necessidade de se reorganizar enquanto indivíduo dentro do sistema prisional. 33 5. PRATICAS DA PSICOLOGIA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO 5.1. Contextualizando a Psicologia: breve história Há anos ocorre o estudo da psicologia, cujo significado etimológico provém de: psiquê, que significa “alma”, e “logia”, que significa “estudo de”. Logo, trata-se da ciência que estuda os processos mentais - sentimentos, pensamentos, razão - e o comportamento humano. Desde a antiguidade, a surpresa e o espanto perante o mundo levam o homem a formular questões sobre a origem, pensamentos e a razão do universo e a buscar o sentido da própria existência. Desde então, sabe-se que o processo comportamental é a condição necessária para a sobrevivência humana. No ocidente, deste os tempos de Platão e Aristóteles, as pessoas se questionavam sobre o comportamento humano e os processos mentais. Mas foi somente no século XIX que começou a ser aplicado o método científico às questões que intrigaram os filósofos durante os séculos. Só então a psicologia se tornou uma disciplina formal e científica, separada da filosofia. A história da psicologia pode ser dividida em três fases principais: seu surgimento como uma ciência da mente, as décadas do behaviorismo e a “revolução cognitiva”. (MORRIS, 2004, p.09). Sendo assim, pode-se considerar que psicologia é o estudo científico do comportamento e dos processos mentais. O campo da psicologia deve abranger o estudo de temas tão diversos quanto a saúde mental, processo de raciocínios, lembranças, atividades biológicas, percepções, sonhos e motivações. A partir deste achado, por volta de meados 34 do século XIX, métodos da ciência estavam sendo aplicados aos fenômenos mentais. “Fechner foi o primeiro a introduzir métodos exatos, princípios de medição e de observação experimental. Sendo estes para a investigação de fenômenos psíquicos, abrindo por intermédio deles a perspectiva de uma ciência psicológica, no sentido escrito da palavra”. (WILBER, 2007). Os profissionais de psicologia tentam prever, explicar, descrever o comportamento e processos mentais humanos, além de ajudar e melhorar a vida das pessoas. A análise psicológica é voltada não somente às doenças de causas psíquicas, mas a toda e qualquer doença que acomete um ser humano: “É neste sentido que, para definirmos quais são as condições necessárias para que uma análise se dê, partimos do princípio de que não pode haver análise sem analista, e que um analista, para fazer Psicanálise, tem de levar em conta a transparência, porque sem isto ele não tem instrumento possível do trabalho”. (MORETTO, 2016). 5.2 Papel fundamental da Psicologia no comportamento humano Todo ser humano detém uma consciência moral, que o faz distinguir entre o certo e o errado, o justo e o injusto, o bom e o ruim, o bem e o mal. Afetos positivos ou negativos e satisfação da vida influenciam mudanças. A marca distintiva do objeto de estudo do psicólogo são os sentimentos; os mesmos costumam ser compreendidos como a causa 35 do comportamento porque ambos são temporalmente muito próximos. Segundo Nietzsche: ``Esses dois princípios que o homem vislumbrou desde os primórdios da humanidade sempre incomodaram o ser humano e sempre o deixaram perplexo, quando não desnorteado; essas duas forças antagônicas que, na realidade, não são forças, mas inclinação, pendor, tendência de existência, de atitude, de comportamento, de projeção de si frente ao outro sempre interferiram, contudo, na vida do homem`` (NIETZSCHE, 2007, p.09) Neste contexto, para o autor, a questão bem e mal está além da própria moral, estabelecendo valores que não representam a essência da sublimidade do ser humano pois “os aspectos relacional e comportamental da consciência referem-se à sua interação mútua com o mundo objetivo, exterior, e com o mundo sociocultural dos valores e das percepções compartilhadas” (WILBER, 2009, pg. 24).36 6 Os desafios e as práticas da psicologia no sistema prisional A atuação da Psicologia nas instituições penitenciárias vem sendo construída ao longo de várias décadas. Entretanto, a Psicologia só foi de fato classificada nessa vertente de atuação no sistema penitenciário após a criação da Lei de Execução Penal – LEP. Durante um grande período de tempo, essa prática dos profissionais de Psicologia no sistema penitenciário ocorreu sem nenhuma formação detalhada nessa área de intervenção, por não existir muito interesse dos acadêmicos na discussão desse tema antes da criação da LEP. Contudo, antes de ser promulgada a lei, os psicólogos já estavam desenvolvendo o seu trabalho nos manicômios judiciários, sendo este trabalho voltado para internos considerados loucos infratores e para os seus familiares. Assim, em meados de 1984, a lei n.o 7.210 (Lei de Execução Penal – LEP) definiu a atuação dos psicólogos nas penitenciárias, sendo essa atuação dividida em dois momentos: o primeiro, na atuação de comissão técnica de classificação - CTC e o segundo, no centro de observação criminológica - COC, sendo cada vertente definida de modo singular. Na definição da LEP, o primeiro exame diagnóstico será com o intuito da criação de um projeto de individualização da pena, e o segundo será responsável pelo exame prognóstico relacionado com as informações sobre fatos pertencentes ao processo da execução penal (Medeiros e Silva, 2013). Assim, de acordo com a definição da LEP, a comissão técnica de classificação existente em cada estabelecimento será presidida pelo diretor e composta no mínimo por 37 dois chefes de serviço, sendo um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado a pena privativa de liberdade. Nos outros casos, a comissão atuará junto com o juiz da execução e será também integrada por fiscais do serviço social. Os condenados ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado serão também submetidos ao exame criminológico, a fim de obter os elementos necessários a uma adequada classificação, visando à sua individualização, estendendo-se este exame ao cumprimento da pena privativa de liberdade e em regime semiaberto. No exame para obter os dados reveladores da personalidade, a comissão técnica poderá, sem deixar de observar a ética profissional e tendo sempre informações e peças do processo, entrevistar pessoas, requisitar das repartições ou estabelecimentos privados informações e dados a respeito do sujeito, como também realizar diligências e exames necessários. Os condenados por crimes hediondos, com violência de natureza grave contra a pessoa, serão submetidos, obrigatoriamente, a identificação de perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucléico, por técnica adequada e indolor. A identificação do perfil genético será armazenada em um banco de dados sigiloso, de acordo com o regulamento expedido pelo poder executivo; desse modo, a autoridade policial federal ou estadual poderá requerer ao juiz que for competente pelo inquérito instaurado o acesso ao banco de dados de identificação do perfil genético (LEI N.o 7.210 - LEP). 38 Desconstruindo o conceito de que o crime está ligado unicamente a patologia ou à história individual, e ressaltando sua ligação com dispositivos sociais e também com o processo da criminalização, a psicologia vem construindo importantes estratégias que visam ao fortalecimento dos laços sociais e uma participação maior dos indivíduos, por meio de projetos que têm por objetivo o resgate da cidadania e sua inserção na sociedade pois “práticas alternativas e críticas à psicologia tradicional ampliam o acesso da população carente aos serviços de psicologia, e o compromisso social torna-se cada vez mais a marca da profissão” (BERNANDES, 2007. pg. 44). Portanto o psicólogo, em sua atuação, deverá compreender os indivíduos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional, promovendo assim práticas para potencializar a vida em liberdade, de modo que possa construir, estimular e fortalecer a autonomia da expressão dos indivíduos envolvidos no atendimento. Há que ser ressaltada, também, a atuação do profissional de psicologia na promoção da saúde mental, a partir dos pressupostos anti-manicomiais, tendo sempre como referência a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei n.° 10.216/2001). Busca- se, assim, favorecer os laços sociais, desenvolvendo e participando da construção de redes nos serviços públicos de saúde, prestigiando a autonomia teórica, técnica e metodológica, de acordo com os princípios éticos norteadores da profissão. Existe, entretanto, no sistema penitenciário, grande precariedade, falhas e dificuldades para a atuação da psicologia no processo de reinserção dos indivíduos na sociedade, após o cumprimento de sua pena. Faz-se necessária uma ressocialização mais humanizada e em conjunto com toda a instituição. Logo, o encarcerado, desde sua entrada na penitenciária, deve ser visto como sujeito de direitos, o que deve refletir sobre todos os processos que o envolvam, até a sua saída do sistema prisional. Essa visão mais 39 humanizada da pena permitirá que o objetivo seja orientar e não somente castigar, tendo, portanto, maiores chances de ser alcançada a ressocialização para que o sujeito possa voltar à sociedade, evitando assim possíveis reincidências (MOLINA,1998, p.381). O processo da ressocialização deve, portanto, ser constituído através do princípio da solidariedade e cooperação, e também de responsabilidade entre os internos e os responsáveis pela instituição, tendo sempre como modelo uma visão humanista, de modo que o processo de cumprimento da pena seja o mais humano possível, resulte em um tratamento útil e assim alcance uma melhor reintegração, pois “a responsabilidade penal não se confunde com a responsabilidade moral, não tendo a pena a finalidade de melhorar o infrator, sim, apenas evitar que ele volte a delinquir prevenção geral negativa” (GOMES, 2011, p.35). No presente contexto, o termo reintegração social ao invés de ressocialização pode ser mais válida, pois ressocialização representa uma passividade do indivíduo em relação ao cumpridor da pena, entretanto esse sujeito é ativo nas relações institucionais, ou seja, não se pode fazer a velha moldagem de que o encarcerado é inferior e incapacitado. A reintegração, de acordo com as políticas públicas, tem a finalidade principal de recuperar os indivíduos para que estes possam, quando saírem da penitenciária, ser inseridos ao convívio social. Trata-se, portanto, de uma conexão baseada em resultados positivos para a sociedade e o indivíduo. Pretende-se, dessa maneira, que não exista possibilidade de reintegração somente dentro do sistema prisional, sendo necessária uma ligação com o mundo social externo, novo convívio com a sociedade: ``Por que é tão difícil aceitar o diferente, ou devemos dizer tolerar, ou, ainda, compreender aquele que se destaca do lugar-comum, ou não faz parte do status quo? Somos seres sociais, e possuímos individualidades físicas, 40 culturais e emocionais. O convívio em sociedade requer a arte da tolerância, que provém do latim tolero, e significa suportar um peso``. (NEVES, 2009, p.22). Deverá ser garantida assistência ao indivíduo, a qual poderá ser prestada de diversas maneiras: orientando-o em sua liberdade após a saída da penitenciária; concedendo- lhe, se necessário, alojamento e alimentação em estabelecimento adequado, sendo o prazo desses benefícios de dois meses, mas podendo ser prorrogado por mais dois meses. O serviço social será responsável por colaborar para que o indivíduo obtenha um trabalho, cuja finalidade,durante sua permanência dentro da instituição penitenciária, é educativa e produtiva, como um dever social à dignidade humana. Constituem direitos do encarcerado: alimentação, vestuário, atribuição de trabalho e remuneração, exercícios e atividades profissionais intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena, como também assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Tais direitos estão em consonância com regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de presos, regras estas que não visam descrever em pormenores um modelo de sistema prisional, mas buscam com base em um consenso geral do pensamento contemporâneo sobre os elementos essenciais dos mais adequados sistemas da atualidade, esclarecer boas práticas e princípios no tratamento e na gestão prisional. É importante que estejamos atentos à grande variedade de condições jurídicas, econômicas, sociais e geográficas no mundo, sendo evidente que nem sempre todas as regras podem ser aplicadas em todos os lugares, mas essas regras devem servir de estímulos para o constante empenho na superação das dificuldades e práticas, que 41 opõem a sua aplicação na certeza de que representam, em seu conjunto, as condições mínimas aceitáveis pelas Nações Unidas. Inegavelmente, todos os encarcerados devem ser tratados com dignidade e respeito, devido ao seu valor, sendo este inerente ao ser humano. Logo, não é admissível que nenhum encarcerado seja submetido a penas ou sanções cruéis, tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, devendo, antes, serem protegidos de tais atos, os quais em nenhuma circunstância se justificam, garantida, em todo caso, a segurança dos servidores prisionais, prestadores de serviço, visitantes e do próprio encarcerado. A ausência de atuação do Estado e de políticas sociais acarretam diversos problemas, como relata o autor: ``Além disso, a ausência do Estado dentro das prisões tem feito nascer e crescer nas veias do sistema facções e organizações paralegais. Quando preso, é preciso sobrevier. Para tanto, é preciso se aliar, mesmo que para lutar contra o Estado, de forma mais violenta e opressora``. (SOUZA, 2005, p.12). Para que essa reintegração aconteça e o encarcerado não perca os seus laços familiares e sociais, é permitido a eles, com a supervisão necessária, comunicarem- se periodicamente com seus amigos e familiares, tanto por correspondência, telecomunicações, meios digitais, eletrônicos ou visitas conjugais ou não, tendo os encarcerados o direito de serem alocados em instituições prisionais, na medida do possível, próximo de suas casas ou em local de sua reabilitação social. Os encarcerados devem ser informados regularmente sobre assuntos mais relevantes 42 dos noticiários por meio de jornais periódicos ou de publicações institucionais especiais, por palestras ou qualquer outro meio autorizado ou controlado pela administração da instituição prisional. Contudo, observa-se que nas instituições penitenciarias ocorre, em muitas situações, exatamente o oposto da proposta de readaptação, reinserção, reeducação social e reabilitação. Nota-se a constante violação desses direitos, a falta de humanidade e de dignidade em lidar com o sujeito no cárcere. A falência do sistema penitenciário brasileiro contribui para o modo de vida precário dentro da penitenciária. A convivência entre os agentes prisionais e encarcerados na instituição, pautada por uma relação de autoridade e submissão, caracteriza-se por um clima de extremo stress. Este cenário tem como consequência a sujeição do indivíduo a situações degradantes, de inferioridade e de humilhação, por negligência, do Estado, da sociedade, de Políticas Sociais e do Judiciário: ``O Estado não investiu e não investirá em prisões, por uma questão puramente de cálculo matemático/econômico. O sistema penitenciário brasileiro está falido. São detentos sem colchão para dormir, sem kit-higiene, sem trabalho, sem estudo, acesso à saúde``. (SOUZA, 2005, p.10). Pedroso (2010) realizou um estudo sobre as prisões brasileiras e verificou que elas desempenhavam um papel de alojamento de escravos e ex-escravos, ou de asilo para menores e crianças, e fortaleza para encarcerar inimigos políticos, materializando o poder por trás dos intramuros, escondendo uma realidade não conhecida ao menos parcialmente pela sociedade, existindo maus-tratos, promiscuidade, tortura e vícios: 43 ``A sociedade atual, que se coloca sempre desde a perspectiva da vítima, está pouco se importando com os seus próprios direitos. Daí a imperiosa necessidade da luta, da luta diária, em favor da verdade e da justiça e, sobretudo, da proporcionalidade (que busque conciliar a segurança com a liberdade``. (GOMES, 2014, p.31). Devido a esses fatores e a falhas que o sistema penitenciário possui, a prisão assumiu, desde sua criação, a dupla função de privar o indivíduo de sua liberdade, para assim transformá-lo; porém, a prisão vem fabricando delinquentes e criminosos especializados em diversos crimes hediondos. Suas limitações, violências e frequentes abusos de poder têm servido, na prática, para fomentar organizações criminosas. O avanço dos estudos sobre as políticas públicas, psicologia social e comportamento da sociedade permitiu tomar como objeto de estudo o homem excluído socialmente e isolado, com a finalidade de preservar seus direitos sociais e sua condição humana. Deu-se assim o início do domínio das ciências em um planejamento e estabelecimento das práticas penitenciárias criminológicas. A atuação junto ao encarcerado, com reflexão sobre suas ações começam a surgir como práticas de reintegração e não somente punição. Entretanto, ao longo do século XIX, a pena privativa de liberdade passa a ser o instrumento principal de controle e de reintegração de indivíduos condenados por ato delituoso. Já em 1935 o código penitenciário da república previa que o Estado, além de ser o responsável pelo cumprimento da pena, deveria trabalhar para a regeneração do indivíduo. Contudo, decorridos muitos anos após essa determinação, não há notícias de que a prisão tenha atingido o seu objetivo (Lemgruber, 2010). 44 O que afinal se verifica é que, durante todo o tempo de encarceramento, nas diversas situações descritas acima, os encarcerados acabam sofrendo o que muitos estudiosos chamam de prisionalização, consistindo num processo onde acontece a dessocialização, que leva o indivíduo a se transformar subjetivamente, levando-se em conta o isolamento e os rituais do sistema prisional. Percebe-se, ainda, que há uma carência de estudos em nosso país sobre esses efeitos psíquicos da detenção e da privação de liberdade sobre o indivíduo, sendo os mais comuns e observados os quadros de paranoias e depressivos. Fora do cárcere é possível notar que alguns indivíduos se tornam indiferentes à sociedade, apresentando grande inibição ou desinteresse, fato que se mostra independente do tempo de pena. Portanto, todos os encarcerados estão propensos a algum tipo de reação à instituição penitenciária. Segundo Vygotsky (2010), a realidade social vai se construindo pelas relações concretas que cada sujeito estabelece em seu ambiente, como também por determinismos de ordem socioeconômica, podendo-se afirmar que o homem se transforma e se constitui ao atuar sobre a natureza com instrumentos e recursos simbólicos. Desse modo, esta estrutura teórica demonstra não existir natureza humana, mas sim uma condição humana. Sabemos que o homem, ao nascer,será apenas candidato à humanidade, sendo sua efetiva humanização através do processo de apropriação do mundo; assim, converterá o meio externo em interno e desenvolverá de forma singular a sua individualidade. O referido processo ocorre nas relações sociais que se estabelecem e nas atividades que vão sendo desenvolvidas, pois “essas reflexões têm sido direcionadas para situar a violência e/o aprisionamento no campo da sociologia como nova forma de gestão social, considerando-o como uma modalidade de controle político-econômico social” (SOUZA, 2005, p. 21). 45 Portanto, ao psicólogo e demais funcionários da instituição penitenciária cabe a responsabilidade de criar as condições necessárias para a construção de novos significados, que possibilitem a esse indivíduo viver efetivamente e fazer suas escolhas, analisar, prever as consequências de seus atos, trabalhando e participando de sua construção neste mundo, criar novos valores e se sentir parte integrante dele. Para isso, é fundamental que sejam preparados: ``É quando finalmente nos tornamos íntegros, alinhados com um conjunto de orientações interiores que somos capazes de seguir, temos o desejo de atender e o anseio de servir. Há valores universais e valores individuais, quando ambos estão em sintonia, então nos tornamos unos com a totalidade e caminhamos em perfeita coerência`` (BOOG, 2006, p.11) Entretanto, o trabalho dos psicólogos, nas instituições penitenciárias, não tem atingindo essa abrangência, não apenas porque o sujeito está inserido em uma instituição que historicamente demonstra a sua inabilidade em reintegração, mas também porque essa instituição está subordinada a algo mais amplo, que pode gerar pobreza, impossibilidade de construção da humanidade e desigualdade pela via da educação do trabalho formal, conforme relata Vygotsky (2010). O profissional de Psicologia tem o compromisso com a realidade social, bem como com o modo como essa profissão é ofertada à sociedade, não sendo apenas um bem de consumo. A psicologia, como profissão regulamentada, possui uma instância fiscalizadora, representada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), criado pela lei n. o 5.766/71, com as atribuições e regulamentos do exercício do profissional de psicologia. Tal instância é qualificada como a entidade que tem o dever de colocar os limites e as definições do exercício desse profissional, que será sempre amparado no código de ética, 46 nas legislações vigentes e nos direitos humanos. Assim, o psicólogo deve atuar prestando a assistência ao indivíduo encarcerado, sendo garantido a estes sujeitos inclusive a confidencialidade das informações, nos termos do código de ética art. 9o, mas sem deixar de seguir a definição da Lei de Execução Penal - LEP, podendo o profissional das instituições prisionais prestar informações dentro do limite de ética profissional e do código de ética. O acompanhamento profissional na assistência psicológica do indivíduo encarcerado baseia-se no plano Nacional de Saúde do sistema profissional (PNSSP), que foi criado a partir de uma portaria interministerial (Ministério da Saúde e Ministério da Justiça) n.o 1.777/2001; portanto, essa prática deverá ser norteada pelo princípio da humanização, primando pelo respeito a todas as diferenças, sem nenhuma discriminação e preconceitos, como também sem imposições de valores e crenças pessoais por parte desse profissional: ``O fato é que somos nós que criamos este limite, e somente com o uso da inteligência, somos capazes de quebrar o ruído e transformá- lo em comunicação. O primeiro passo é despir-se dos preconceitos, caricaturas e estereótipos negativos e permitir que a comunicação aconteça entre os indivíduos sem barreiras, para que o diálogo possa fluir`` (NEVES, 2009, p.22). Assim, de acordo com a lei em vigor, essa atuação deve se dar por meio de uma equipe interdisciplinar - psicólogo, médico, enfermeiro, odontólogo, entre outros para assim 47 produzir uma mudança significativa nas instituições e no indivíduo, cabendo aqui salientar que a psicologia é uma profissão de interesse social e comprometida com a promoção do bem-estar do sujeito, devendo, portanto, estar sempre atenta a toda a sociedade. 48 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das pesquisas e análises realizadas, e com base nos estudos aqui propostos, é possível afirmar que há uma inversão de valores no que se refere às atuações que deveriam visar ao processo de reintegração e à valorização do sujeito e de sua subjetividade dentro do sistema prisional. Percebe-se que esse quadro precisa mudar e tomar as medidas necessárias por parte do governo, sociedade e políticas locais. No estado democrático em que vivemos, sabemos que o princípio da dignidade humana é a base do direito. Não se pode atribuir importância menor à reeducação e à ressocialização dos presos, na medida em que se revelam de extrema importância em uma sociedade livre, democrática e justa, atenta aos preceitos constitucionais da dignidade e da igualdade entre os cidadãos que a compõem. Verifica-se, por meio das análises e observações realizadas, que há meios cabíveis para minimização dos principais problemas apresentados: o aumento da criminalidade dentro dos presídios, a desigualdade e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. Revela-se de fundamental importância o papel desempenhado pelo profissional de psicologia, tendo em vista que sua atuação é voltada para a garantia dos direitos humanos, priorizando a autonomia do indivíduo. Indiscutivelmente, o trabalho do psicólogo é de suma relevância para que se possa mudar a maneira de enxergar esse problema, orientando os colaboradores do presídio, oferecendo atenção psicológica, realizando entrevistas e avaliações e, caso necessário, 49 fazendo o encaminhamento aos serviços especializados. Observou-se, ademais, que a vida do carcerário é uma combinação de atitudes, normas, crenças, tradições e valores. No decorrer do cumprimento da pena, ocorrem algumas alterações comportamentais, fazendo-se necessária a atuação do psicólogo. Caberá a este atuar no processo da ressocialização do sujeito, devendo começar com o indivíduo ainda preso, valorizando sua subjetividade e aplicando medidas que lhe permitirão uma melhor reinserção na sociedade. Há que buscar soluções e medidas que possam quebrar o paradigma social de que não é possível novamente essa inserção social do preso. O psicólogo deverá desenvolver esse trabalho conjuntamente com outros profissionais capacitados, tais como advogados e assistentes sociais, além de envolver atores igualmente importantes nesse processo, como o Estado e a sociedade. O foco de atuação deverá ser o atendimento às necessidades específicas de cada detento, dando-lhe suporte físico e psicológico, objetivando sua reintegração à sociedade e qualidade de vida. Uma atuação bem planejada e criteriosa proporcionará melhorias progressivas, tanto na evolução interna no presídio como no contato com o público externo, familiares e sociedade. A consecução de tais objetivos apoia-se na convicção de que qualquer melhoria requer o respeito às regras do coletivo. Mais ainda, na consciência de que é preciso agir de forma ordenada, generosa, respeitosa para com a pessoa e de modo a resguardar seus direitos. A participação de todos se torna imprescindível nesse processo, aprimorando, portanto, o desempenho de ambas as partes. 50 Ainda como resultado deste estudo, ficaram evidentes várias contribuições decorrentes da atuação do psicólogo na tentativa
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