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Microscopia_dos_Materiais_Uma_introducao

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Microscopia dos Materiais
Uma introdução
Walter A. Mannheimer
Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Com a colaboração de
P.F.Schmidt (U. Münster, Alemanha)
G.F.Vander Voort (Buehler Ltd., EUA)
D.B.Williams (Lehigh U., EUA)
edição da
SOCIEDADE BRASILEIRA DE MICROSCOPIA E MICROANÁLISE
2002
Já há muitos anos que sentimos falta de um livro que aborde os aspectos básicos da microscopia
moderna. A presente obra de Walter Mannheimer, ativo participante da comunidade de microscopistas
brasileiros, vem suprir esta lacuna.
O autor, pioneiro no uso da microscopia na área da Metalurgia, tem tido importante participação
na Escola Politécnica (EE) e na Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (COPPE)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo atuado também no Centro de Pesquisas de Energia
Elétrica (CEPEL-Eletrobrás). Sua participação em várias sociedades científicas, nas agência nacionais
de fomento à pesquisa científica e tecnológica, é reconhecida por todos.
Ainda que o presente livro seja escrito por um microscopista que trabalha na área dos materiais
e tenha o título “Microscopia dos Materiais”, ressalto que a grande maioria dos capítulos trata de
aspectos básicos sobre a microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura e de transmissão e
microanálise, também utilizadas por aqueles que trabalham com materiais biológicos. Logo, o alcance
deste livro é muito mais amplo do que o indicado pelo seu título.
Ressalto ainda a decisão do autor de publicar este livro sob o patrocínio da Sociedade Brasileira de
Microscopia e Microanálise, e a transferência para a SBMM dos direitos autorais desta obra, apoiando
mais uma vez nossa sociedade. Registro aqui os agradecimentos em nome de toda a diretoria da SBMM.
Wanderley de Souza
Presidente da Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise
Apresentação
© E-papers Serviços Editoriais, 2002.
Todos os direitos reservados à E-papers Serviços Editoriais Ltda. É
proibida a reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por
qualquer meio, sem a prévia autorização dos editores.
Impresso no Brasil.
ISBN 85-87922-54-8
Projeto Gráfico e Diagramação
Alessandra Lofiego
Capa
A. Sauer Guimarães
Esta publicação encontra-se à venda no site da
E-papers Serviços Editoriais.
http://www.e-papers.com.br
E-papers Serviços Editoriais Ltda.
Rua Mariz e Barros, 72, sala 202
Praça da Bandeira
Cep 20.270-006
Rio de Janeiro - Brasil
CNPJ 03.484.075/0001-83
MANNHEIMER, Walter A.
Microscopia dos Materiais / Walter A. Mannheimer – Rio de
Janeiro: E-papers Serviços Editoriais, 2002.
221 p.
ISBN 85-87922-54-8
1. Microscopia – História. 2. Microscopia – Teoria Básica.
I. Título.
CDD 535.332
A literatura de microscopia de materiais é extremamente vasta: BibMic1 relaciona mais de 1000
livros sobre o tema. Portanto, a justificativa para a redação de mais um deve ser objeto de reflexão.
Pensamos que um livro didático, redigido em português, pudesse ser útil.
Durante muitos anos, ministramos na Universidade Federal do Rio de Janeiro um curso sobre
Microscopia dos Materiais. Este foi concebido levando em conta o elenco multidisciplinar de estudantes
de pósgraduação e pesquisa em materiais, que além dos formados nesta disciplina, incluem físicos e
químicos, engenheiros diversos, e até médicos e dentistas. Um dos primeiros conceitos que procuramos
transmitir a estes estudantes é o da fundamental influência da microestrutura dos materiais sobre
suas propriedades. No entanto, falta-lhes em geral, uma formação prévia de microscopia, que lhes
permita avaliar a aplicabilidade das diversas técnicas aos seus problemas de pesquisa. Não sendo
possível formar plenamente um microscopista em um semestre (os grandes mestres dirão que toda
uma vida profissional talvez seja insuficiente), concebemos o curso como destinado a “executivos da
pesquisa”, capacitando-os a delinear estratégias e selecionar técnicas apropriadas. Para executá-las,
será preciso muito mais do que este livro pode oferecer: ou a colaboração com um especialista, ou o
aprofundamento na técnica requerida, através do estudo especializado. E como para o estudo e a
pesquisa de fronteira em nosso mundo globalizado o conhecimento de lingua estrangeira (quase que
certamente o inglês) se tornou indispensável, a vasta literatura internacional estará à disposição do
estudante avançado.
Não sendo este um livro de materialografia, mas sim de microscopia dos materiais, seu objetivo
é de tratar do microscópio como instrumento e da microscopia como técnica que possam ser aplicados
aos materiais. A interpretação das imagens, e sua correlação com as propriedades, além de tarefa
hercúlea, excederia a escôpo a que nos propusemos. Também, e sem prejuizo da utilidade que esta obra
possa ter para os interessados nas ciências biomédicas, e pela qual o autor se sentirá gratificado, sua
Prefácio
Parece que poucas pessoas ainda estudam microscopia
(M.D.Adams, 1977)
1 “BibMic - A Bibliography of books on Materials Microscopy - a searchable database on the Internet”, http://
bibmic.metalmat.ufrj.br
meta consistiu na aplicação aos materiais inertes, metais, cerâmicas e polímeros. Portanto, algumas
técnicas de uso preponderante para amostras biológicas, como por exemplo contraste de fase, e
deshidratação pelo ponto crítico, foram mencionadas muito superficialmente ou ignoradas, apesar de
algumas referências relevantes terem sido incluidas na bibliografia. E também, sendo este um livro
didático, mais do que um tratado, foi dada preferência à indicação de referências bibliográficas gerais,
em relação às publicações originais. Estas, quando incluídas, o são mais com a intenção de dar crédito
aos respectivos autores, e não constituem uma revisão exaustiva da literatura.
A questão da nomenclatura em português é bastante espinhosa. Algumas técnicas, já bem
difundidas entre nós, tiveram consagrada uma tradução correta. Outras oscilam entre adaptações
duvidosas e o simples uso da palavra estrangeira, em geral o inglês. Não tivemos a ousadia de tentar
sanar esta situação, mas optamos por incluir o termo inglês, sempre que este fosse a melhor solução.
Com relação à miríade de siglas usados no ramo, verdadeira sopa de letrinhas, agimos de maneira
semelhante, apenas transliterando aquelas já francamente em uso. A única modificação importante
que reinvindicamos é a adoção de microscopia fotônica para o que se costuma denominar microscopia
ótica; isto em semelhança à microscopia eletrônica, porque a ótica moderna abrange tanto a da luz
visível como a dos elétrons.
Trilhar o caminho que outros mil já percorreram não é fácil: é quase impossível reformular
conceitos de maneira original, sem copiar, consciente ou inconscientemente, outros trabalhos. E também
seria um inútil exercício de reinventar a roda. Por este motivo, optei por obter a colaboração de alguns
colegas, eminentes especialistas, para alguns capítulos principais. Eles me permitiram livre acesso às
suas obras, e colaboraram com a logística de figuras e micrografias. Contribuiram sobremaneira para
a concretização do livro, e sou-lhes imensamente grato.
Como o livro é redigido em português, meus colaboradores não puderam rever o texto. Louvei-
me de seus ensinamentos, mas os erros (e deverá haver diversos) são todos meus. Apesar de alertado
pela prudência de Goethe “não me faço ilusões que possa bem conhecer algo, não me faço ilusões
que possa ensinar algo”, prestei também atenção à antiga cultura chinesa “se eu fosse esperar a
perfeição, meu livro nunca seria terminado”. Peço a meus leitores que me auxiliem, apontando erros
e oferecendo sugestões.
Outros autores, instituições e pessoas prestaram auxílio valioso, e procurei relaciona-los nos
Agradecimentos, desculpando-mede antemão por alguma omissão involuntária. Os meus diversos
chefes, que durante anos esperaram com paciência o cumprimento desta tarefa, ficarão satisfeitos em
saber que mesmo os rios mais tortuosos encontram finalmente seu caminho para o mar.
E que tenham bom proveito!
Walter A. Mannheimer
Rio de Janeiro, Novembro de 2002
Agradeço sinceramente aos meus colaboradores, de cujas obras principais foi utilizado material
nos capítulos relevantes:
P.F.Schmidt (U. Münster, Alemanha) (principalmente Capítulo 7)
Praxis der Rasterelektronenmikroskopie und Mikrobereichanalyse, Expert Verlag, Renningen-
Malsheim, Alemanha, 1994
G.F.Vander Voort (Buehler Ltd., EUA) (principalmente Capítulos 4, 9, 12 e 15)
Metallography, Principles and Practice, ASM International, Materials Park OH, USA, 1999
D.B.Williams (Lehigh U., EUA) (principalmente Capítulos 5 e 10)
Transmission Electron Microscopy, Plenum Press, New York NY, USA, 1996 (com C.B.Carter)
Images of Materials, Oxford UP, Oxford, UK, 1991 (editor)
Practical Anlytical Electron Microscopy in Materials Science, Philips, Mahwah, NJ, USA, 1987
A redação de um livro resulta sempre em prejuízo ao convívio com a família e com os amigos.
Agradeço principalmente à minha querida esposa Eva a abnegação com que suportou o longo (e às
vezes aparentemente interminável) tempo de gestação do projeto.
Parte deste livro foi elaborado quando o autor atuava no CEPEL - Centro de Pesquisas de
Energia Elétrica (Eletrobrás), onde usufruiu de excelentes facilidades de biblioteca, fruto da visão de
seus diretores, Drs. J.Lepecki e A. Mossé, a quem agradeço o apoio e continuado incentivo.
Estendo meus agradecimentos aos seguintes autores e instituições identificadas no texto, que
autorizaram o uso das citações:
Almeida Com permissão de L.H. de Almeida, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Berkeley Transcrito ou adaptado com permissão de Center for X-ray Optics, Lawrence Berkeley
National Laboratory, USA.
Buehler Transcrito ou adaptado com permissão de Buehler Ltd, Lake Bluff, USA.
CAMECA Transcrito ou adaptado com permissão de Cameca, Courbevoie, França.
Cressington Transcrito ou adaptado com permissão de Cressington Scientific Instruments Co., Watford,
Reino Unido.
Agradecimentos
Easterling K.A. Easterling, J.Mat.Science 12(1977) 857-868, com permissão de Kluwer Academic
Publishers.
EDAX Transcrito ou adaptado com permissão de EDAX/TSL, Mahwah, USA
Gifkins R.C.Gifkins, Optical Microscopy of Metals, Pitman, 1970; transcrito ou adaptado com
permissão de Pearson Education Ltd.
Hirsch P.B.Hirsch, Phil.Trans. Royal Soc. (London); transcrito ou adaptado com permissão do
autor.
Ingolic E.Ingolic, transcrito ou adaptado com permissão de Research Institute for Electron Mi-
croscopy, Graz University of Technology, Autria
JEOL Transcrito ou adaptado com permissão de JEOL USA e Fugiwara Enterprises, São Paulo.
Kopp W.U.Kopp, K&B Grubbs Instrument, Alemanha
Koreeda A.Koreeda et.al., Mater. Char. 25(1990) 375-395, adaptado com permissão de Elsevier
Science.
Leica Transcrito ou adaptado com permissão de Leica Microsystems, Wetzlar, Alemanha.
Mayoux Com permissão de C.Mayoux et.al., Universidade Paul Sabatier, Toulouse, França.
Meiji Com permissão de Meiji Techno America, San José, USA
Oxford Transcrito ou adaptado com permissão de Oxford Instruments Analytical Ltd., Reino Unido.
Philips Transcrito ou adaptado com permissão de FEI Electron Optics, Eindhoven, Holanda.
Simão Com permissão de R.A.Simão e C.A. Achete, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Southbay Transcrito ou adaptado com permissão de South Bay Technology Inc. SanClemente, USA.
Spilde Com permissão de Michael Spilde e Keli Weaver, University of New Mexico.
Sterrenburg F. Sterrenburg, com autorização do autor http://www.microscopy-uk.org.uk/primer/
index.htm
Thomas G.Thomas, Transmission Electron Microscopy of Metals, Wiley, 1966; transcrito ou adaptado
com permissão do autor.
Union Com permissão de Union Optical Company, Japão.
Urban Com permissão de K. Urban, Institute for Solid State Physics, Forschungszentrum Jülich
GmbH, Jülich, Alemanha.
RMS Transcrito ou adaptado com permissão de Royal Microscopical Society, Oxford, Reino Unido.
VEECO Transcrito ou adaptado com permissão de TM Microscopes, Divisão de Veeco Metrology
Group, Sunnyvale, CA, USA.
Outrossim, os seguintes contribuíram com sugestões e informações, pelo que lhes sou grato:
J.R.Fleming, P.W.Hawkes, G.Mathiopoulos, H.W.Paxton, L.C.Pereira, F.Rezende.
Diversas estadas no exterior durante a redação do livro contaram com apoio financeiro do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Brasil), British Council (Reino Unido) e
Bundesministerium für Forschung und Technologie (Alemanha).
A Capa
A capa ilustra nossa percepção da estrutura da perlita com o desenvolvimento da microscopia:
microscópio fotônico (1863), microscópio eletrônico de transmissão (1940), microscópio eletrônico de
varredura (1970) e microscópio de força atômica (2002). Agradeço sinceramente ao meu colega, nosso
professor de soldagem, webmaster e exímio processador de imagens A. Sauer Guimarães pela
diagramação, e a F.T. da Silva e R.A. Simão a contribuição de micrografias.
“Quando comecei a escrever, minha lista de assuntos já estava pronta, e meu livro completo em
minha mente; mas meu progresso apesar disto foi lento, porque parte do meu tempo é devotado a
tarefas mais sérias”.
(Brillat-Savarin, La Physiologie du Goût, 1825)
“Colocar seus pensamentos em ação é a coisa mais difícil do mundo”.
(Goethe, 1749-1832)
“Colhi um ramo de flores de outras pessoas; nada, além dos fios que as unem, são meus”.
(Michel de Montaigne, 1533-1592)
“Não me faço ilusões de que possa bem conhecer algo,
não me faço ilusões de que possa ensinar algo”.
(Goethe, Fausto, Parte I, 1775)
“Se eu fose esperar a perfeição, meu livro nunca seria terminado”.
(Tai K’ung, século XIII)
Prelúdio
Prefácio
Parece que poucas pessoas ainda estudam microscopia
(M.D.Adams, 1977)
I) A História do Microscópio
Muito útil é conhecer a verdadeira e memorável origem das invenções
(Leibnitz, XVII)
II) A Teoria Básica da Microscopia
Feliz quem pode conhecer a causa das coisas
(Virgílio, -I)
• A imagem microscópica: aumento, resolução e contraste
• Propriedades fundamentais da luz
ótica geométrica: reflexão, refração, dispersão
ótica ondulatória: difração e interferência; polarização
ótica quântica: fótons
• Elétrons: partículas ou ondas?
• Interação entre a energia e a matéria
III) Formação da Imagem por Difração
A natureza compõe alguns dos seus mais encantadores poemas
para o microscópio e o telescópio
(T.Roszak, 1972)
• Ótica fotônica e eletrônica: lentes, aberrações
• Formação da imagem por difração: teoria de Abbe
Microscopia dos Materiais
IV) Microscopia Fotônica
Relativamente recentemente era elegante que aqueles
envolvidos com microscopia eletrônica desprezassem os
esforços dos microscopistas com luz.
Esperemos que nestes tempos mais esclarecidos
tome-se a atitude de que todas formas de microscopia tem
um papel no esclarecimento das microestruturas
(B.Ralph, 1980)
• O microscópio de luz visível, e sua operação
• Técnicas de microscopia fotônica
• Macrografia
V) Microscopia Eletrônica de Transmissão
O que a Natureza ocultou da vista dos mortais
Vós o tornastes visível
(R.v.Rosenhofs, XVIII)
• O microscópio eletrônico de transmissão
• Técnicas de microscopia eletrônica de transmissão
VI) Formação de Imagem por Varredura
A formação de uma imagem em uma tela pode resultar seja da visualização
simultânea de todos os elementos, como na projeção de uma figura em uma tela,
ou pelo registro sucessivo dos elementos individuais da imagem, um processofamiliarizado atualmente
pela televisão
(V.K.Zworykin, 1943)
VII) Microscopia Eletrônica de Varredura
Impressionou-nos, desde as primeiras experiências, a
extrema e incomum profundidade de foco destas imagens
(M.v.Ardenne, 1938)
• O microscópio eletrônico de varredura
• Técnicas de microscopia eletrônica de varredura
VIII) Outras Microscopias de Varredura
Isto provavelmente nos deu a coragem e o ânimo
para começar algo que, nos diziam com frequência,
“em princípio nem deveria funcionar”
(Binnig e Rohrer, Conferência Nobel, 1986)
• Microscopia de tunelamento e de força atômica
• Microscopia de campo próximo
• Microscopia confocal
• Microscopia de raios-X
IX) Materialografia Quantitativa
Quando se consegue medir aquilo do qual se fala,
e exprimi-lo em números, sabe-se algo sobre o assunto
(Lord Kelvin, XIX)
• Medição com o microscópio
• Estereologia
X) Microanálise Elementar
A técnica de análise pontual conhecida como
“microanálise por sonda eletrônica” ou “microanálise por raios-X”
foi desenvolvida há dez anos pelo autor em sua tese
preparada sob a direção do Prof. A.Guinier.
(R.Castaing, 1960)
XI) Aquisição de Imagens
Uma figura vale mais do que dez mil palavras
(ant. provérbio chinês)
XII) Preparação de Amostras
Por uma pequena parte se pode julgar o todo
(Cervantes, D. Quixote, 1605)
XIII) Microscopia na Internet
O sonho da Internet é o de um espaço comum de informação,
no qual nós nos comunicamos partilhando informação
(T.Berners-Lee, 1998)
XIV) Bibliografia
Há dois tipos de conhecimento: ou sabemos nós mesmos
ou sabemos onde podemos obter informação
(Samuel Johnson, XVIII)
XV) Apêndices: tabelas, unidades, reagentes, biografias
Caso conhecêssemos completamente tanto os princípios dos metais
como os diferentes hábitos de seus solventes, estaríamos aptos a dizer
de antemão que efeito cada um deveria produzir; mas a experiência
nos convence de que não podemos prever com certeza os eventos
(Sven Rinman, 1774)
A História do Microscópio I.1 
A Natureza da Luz
A história do microscópio é a história
da humanidade procurando entender e
aperfeiçoar a visão.
Já na antigüidade, as primeiras teorias da
luz eram teorias da visão. Duas correntes
procuravam explicar a percepção visual: a teoria
“táctil”, segundo a qual o olho emitiria um
sensor, raios ou partículas, a serem refletidos
pelo objeto; alternadamente, admitia-se que o
objeto emitisse algo (hoje em dia diríamos “um
sinal”) percebido pelo olho. Ambas teorias eram
correntes na Grécia por volta de 500 a.C. Platão,
em 400 a.C. postulava “partículas sutis” emitidas
pelo olho e refletidas pelo objeto; mas admitia
também que os dois mecanismos pudessem agir
em conjunto...
Ainda que em Euclides (300 a.C.) possam
ser encontrados os inícios da ciência da ótica, a
antiga Grécia não era propícia ao desenvolvi-
mento das ciências físicas. Com raras exceções,
como Arquimedes, preferia-se o caminho da
especulação metafísica ao da pesquisa experi-
mental; como veremos adiantes, só com a
Renascença superou-se o dogmatismo aristote-
liano. Em todo caso, a teoria táctil da luz não foi
definitivamente abandonada até 1000 d.C., sob
influência do filósofo arábico Al-Hazen.
Al-Hazen é um dos clarões nas trevas da
Idade Média1. Desde Seneca (65 d.C.), que
sugeriu o uso de globos de vidro para aumentar
imagens e concentrar a luz, e Ptolomeu (150
d.C.), que estudou e mediu a refração, nada
aconteceu até o século X. Al-Hazen, filósofo,
físico e sobretudo médico, descreveu as
propriedades de refração do cristalino, estudou
a anatomia do olho e analisou corretamente a
câmara obscura.
Em 1267, Roger Bacon discutiu refração
em lentes, influenciando a invenção dos óculos,
mencionados pela primeira vez em Veneza em
1300. Mas o surgimento dos óculos justamente
nesta cidade, pode também estar relacionado
com os relatos de Marco Polo, segundo os quais
os chineses do século XIII os conheciam.
CAPÍTULO I
A História do Microscópio
Utilissime est cognosci veras inventionem memorabilium origines
(Leibnitz)
1 Se considerarmos a Idade Média como um período cronológico; porque a civilização sarracena não era parte das
trevas da Europa Central.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisI.2 
No século XVI, como uma das manifes-
tações da Renascença, desenvolveu-se a
investigação experimental na busca do conheci-
mento, iniciando a época da física clássica.
No século XVII sabia-se que a
propagação da luz podia ser representada por
raios. Qual era, no entanto, a natureza destes
raios? ondas ou corpúsculos? como pode a luz,
como forma de energia, ser transferida de um
lugar para outro? Esta controvérsia dominou o
cenário da ótica durante os próximos séculos, e
a solução que aceitamos hoje, na verdade
remonta ao sábio e conciliador Platão: é um
pouco de cada...
Newton 2 foi o grande paladino da teoria
corpuscular. A propagação linear da luz constitui,
no seu entendimento, uma barreira intranspo-
nível para a teoria ondulatória. No entanto, foi
ele próprio que estudou a interferência,
fenômeno que pode tipicamente ser descrito em
função desta teoria. Como consequência, propôs
Newton que a luz consistiria de corpúsculos, aos
quais está associada uma vibração, seja interna
própria, seja controlada por vibração ou ondas
no meio em que se propaga.
A teoria corpuscular foi geralmente aceita
durante o século XVIII, sem dúvida devido à
enorme influência e ao imenso prestígio de
Newton. Os textos clássicos dessa época, como
Compleat system of opticks de Robert Smith
(1738), são baseados nestes conceitos. Foi só à
medida que começaram a surgir objeções
experimentais irrefutáveis, que a percepção
ondulatória, liderada por Huygens e Young,
ganhou projeção.
Em 1665 foi publicado postumamente um
livro de Grimaldi descrevendo seus trabalhos
sobre difração. Foi o primeiro a chamar a
atenção para o fato de que os limites das
sombras não são exatamente determinados
pelos caminhos retilíneos dos raios entre as
fontes e os anteparos onde são observados,
originando a umbra e a penumbra. Desfazia-se
portanto o mais forte argumento newtoniano
contra a teoria ondulatória.
Bertolinius descobriu em 1669 que objetos
vistos através de um cristal de calcita apareciam
duplos. Este fenômeno foi rapidamente interpre-
tado em termos da polarização da luz, cuja teoria
foi desenvolvida por Malus e por Fresnel.
Polarização não pode existir em ondas longitu-
dinais. Newton, que só postulava este tipo de
onda, considerava este fato um forte argumento
adicional contra a teoria ondulatória.
Huygens propôs em 1678 uma teoria
ondulatória para a luz, baseada em vibrações
transversais. É a vertente das águas: apesar de
ainda ligado timidamente a entidades discretas
- Huygens imaginou pulsos periódicos
irregulares - começou-se a montar um arcabouço
capaz de racionalizar toda a ótica, pelo menos
pelos próximos dois séculos.
No início do século XIX, Thomas Young
mostrou como esta teoria ondulatória poderia
ser usada para explicar alguns dos fenômenos
descritos por Grimaldi e Newton. A proposta
de Huygens de pulsos irregularmente emitidos
(e que, sabemos hoje, não está errada) foi
abandonada em troca do conceito de vibrações
contínuas. Young atribuiu variações de cores
a diferenças de frequência, e portanto de com-
primento de onda. A clássica experiência de
Young (cujos resultados principais examina-
remos mais tarde) engloba as facetas
essenciais de sua contribuição à teoria ótica,
e seu estudo em detalhe em um compêndio de
ótica, é altamente elucidador.
Galileu já havia tentado medir a velocidade
da luz. O insucesso da experiência, que requer
recursos muito além dos disponíveis na época,
não deve mascarar a genialidadede sua concepção
da velocidade finita da luz. Em 1676, Römer
conseguiu medi-la, usando distâncias astronômi-
cas, com um erro bastante pequeno em relação
2 Veja notas biográficas no Capítulo 15 (Apêndices)
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A História do Microscópio I.3 
ao valor hoje aceito. Mas só foi quase 200 anos
depois que Fizeau e Foucault conseguiram,
independentemente, medir esta velocidade no
laboratório. Porque frisar isto? Porque a disponi-
bilidade de uma experiência compacta permite
medir a velocidade da luz em diversos meios, e
elucidar outra controvérsia capaz de distinguir a
teoria corpuscular da ondulatória.
Já no século II Ptolomeu mediu e tentou
achar, sem sucesso, a lei da refração. O problema
foi resolvido quase que simultaneamente por
Snell e Descartes. Em 1637 Descartes publicou
seu ensaio Dioptrika que contém sua tentativa
de explicar a lei da refração, e que leva à
conclusão de que a luz se propagaria mais
facilmente através de um meio mais refratante.
Isto está em oposição à teoria de Fermat de que a
luz se propagaria ao longo do percurso de tempo
mínimo. Aplicada à lei da refração, esta condição
implica em que a velocidade deveria variar
inversamente com o índice de refração, o que é
correto. Tanto a teoria corpuscular como a
ondulatória podem aceitar a lei de Snell sem
problemas - mas a primeira prediz aumento de
velocidade na água, a segunda diminuição. Os
resultados das medições davam, sem ambigüi-
dade, novos argumentos para a teoria ondulatória.
Poisson tentou condenar a teoria
ondulatória argumentado que no meio da sombra
de um anteparo circular, deveria haver um ponto
luminoso. A descoberta deste ponto, por Fresnel
e Arago contribui para o triunfo, pelo menos
temporário, da teoria ondulatória,
Esta teoria, formulada em termos de um
meio com propriedades de um sólido elástico,
que permeia todo o espaço, mas que é modificado
pela matéria, explicava razoavelmente interfe-
rência, difração e polarização. Perduravam no
entanto certas dificuldades, como detalhes nos
fenômenos de interface de dois meios. Estas
dúvidas foram finalmente conciliadas pela teoria
eletromagnética da luz, proposta por Maxwell
como parte da teoria geral da eletricidade e do
magnetismo. A Figura 01.01 ilustra a faixa de
luz visível como uma parte, aliás mínima, do
espetro de radiações eletromagnéticas.
O fim do século XIX parecia portanto
indicar a vitória final da teoria ondulatória da
luz. Esta calma superficial era parte da sensação
geral de que a física estava entendida e
encerrada, e de que o edifício concluído repou-
sava sobre os alicerces de Newton e Maxwell. A
virada do século trouxe observações que
determinaram o surgimento, no nosso século XX,
de uma nova era na física.
No caso da ótica, foram inicialmente as
observações de fotoeletricidade que criaram
dificuldades para a teoria. A energia possuída
por um elétron emitido por um átomo sob
excitação da luz, excede em muito o que ele
Figura 01.01 - Espectro eletromagnético
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisI.4 
poderia receber desta onda, segundo a teoria
eletromagnética. Einstein sugeriu que a energia
não está uniformemente distribuída no feixe,
mas concentrada em fotons que se propagam
como partículas. Esta sugestão reforçava as
idéias independentes de Planck, que havia sido
levado a propor a quantização da energia para
explicar a radiação térmica, e resultou na
consolidação da ótica quântica.
O físico moderno precisa, através de uma
teoria unificada, explicar duas classes radical-
mente diferentes de observações. De um lado,
interferência, difração e polarização, adequada-
mente explicadas pela teoria ondulatória. De outro
lado, enumeram-se as experiências que podem ser
interpretadas em termos de fotons, como
absorção, fluorescência, e o efeito fotoelétrico. A
teoria eletromagnética não é compatível com
fotons, nem a teoria particulada admite
comportamento periódico. Voltamos à situação de
Newton, e muitas sugestões de partículas com
propriedades periódicas foram feitas no primeiro
quartel do século 20, e que culminaram com a
formulação de de Broglie em 1924.
A solução moderna, na forma da
mecânica quântica, engloba energia e matéria.
A teoria não é simples, e só pode ser completa-
mente enunciada de forma matemática.
Portanto, não é frutífera a tentativa de um
modelo físico com analogias ao nosso mundo
cotidiano. Nesta teoria unificada, os fotons e
ondas surgem como concepções complemen-
tares e não rivais, cada uma apropriada a um
determinado contexto. É a dualidade partícula-
onda; nada é simples, nenhuma solução é
unívoca. Mas já não sabiam disto, muito antes
de nós, Huygens, Newton e Platão?
As origens do microscópio
Já na antigüidade havia tentativas de
reforçar a visão com auxílio de dispositivos
óticos. Nas escavações de Nínive foram encon-
trados pedaços de vidro polido cuja única
interpretação é o seu uso como lentes.
Aristóteles, no século IV a.C. referiu-se
claramente a uma lente, e Seneca descreveu o
uso de globos de vidro para aumentar imagens.
A partir do século XIV lentes começaram a ser
usadas comumente para corrigir defeitos de visão
e como dispositivos de aumento.
Este uso atingiu seu apogeu com
Leeuwenhoek, que provavelmente deve ser
considerado o primeiro verdadeiro microscopista.
Detentor de uma técnica extremamente
desenvolvida, levou o uso do microscópio simples
(uma lente ou lupa) ao seu nível mais alto. Seus
microscópios eram individualmente feitos para
cada amostra e durante sua vida produziu
centenas, dos quais infelizmente só sobrevivem
nove definitivamente autenticados (Figura
01.02). Durante anos descreveu o micromundo
à sua volta em uma série de cartas à Royal
Society de Londres, de cuja qualidade de membro
correspondente se orgulhava imensamente.
Alguns de seus “pequenos animais” são
examinados com aumentos de 300 vezes,
façanha considerável mesmo em comparação
com alguns instrumentos modernos.
Figura 01.02 - Microscópio de Leeuwenhoek
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A História do Microscópio I.5 
O microscópio simples não é, no entanto,
um instrumento versátil ou cômodo nas mãos
do público em geral. Paralelamente ao
desenvolvimento do telescópio no século XVII,
surgiu o microscópio composto, constituído no
mínimo de uma lente objetiva e de uma ocular.
A invenção do microscópio composto é
controvertida. A maioria dos historiadores situa
sua origem na Holanda, por volta de 1600 e
mencionam Jansen ou Lippershey como
inventores. Sem dúvida, nos trinta anos
seguintes os holandeses tinham microscópios, e
em torno de 1620 Cornellius Drebbel demonstrou
um a Jaime I da Inglaterra.
Em 1609 Galileu fez seu primeiro
microscópio. Há evidência de que em junho
daquele ano ouviu falar do trabalho dos
holandeses. Galileu interessava-se paralela-
mente por telescópios e microscópios, e em
1624 presenteou um de seus microscópios ao
príncipe Federico Cesi, o fundador da primeira
sociedade científica, a celebrada Academia dei
Lincei de Roma.
Convencionemos que a verdadeira história
do microscópio começa em 1625, ano em
Giovanni Faber cunhou o termo microscópio.
Os cem anos entre 1650 e 1750 podem
ser considerados como época do desenvolvimento
mecânico do microscópio. O primeiro aperfeiço-
amento foi a tentativa de facilitar a focalização,
originando o tubo rosqueado dos microscópios
de Hartsoeker e Wilson3. Seguem-se duas
concepções diversas, o tripé de Culpeper e o ped-
estal lateral articulado de Marshall. A partir deste
último, e incorporando a lente de campo
introduzida por de Monconys, surgiu em 1665 o
célebre microscópio de Hooke, Figura 01.03. Este
é talvez o protótipodo microscópio moderno, não
só pela sua construção, mas por sua íntima
ligação com a Micrographia, sem dúvida a mais
famosa publicação de microscopia de sua época.
Os microscópios de Cuff representam um
patamar no desenvolvimento do microscópio, que
só foi sensivelmente ultrapassado após um
século. A grande fama dos produtos de Cuff
relaciona-se mais uma vez à sua divulgação em
um livro: o célebre The microscope made easy,
publicado em 1742 por Henry Baker. Em
consonância com o desenvolvimento experimen-
tado pela mecânica fina em meados de século
XVIII, Cuff passou do uso da madeira e couro
para o metal, e reuniu pela primeira vez em um
instrumento focalização por parafuso, mesa para
amostras, espelho para luz transmitida e
refletida, que permitem equivalência com a
disposição moderna.
E, inevitavelmente, o rococó do século
XVIII não poderia ter deixado de influenciar o
microscópio. O instrumento construído pelos
Adams para o Rei George III, em prata e
querubins, apesar de sua sofrível qualidade
ótica, merece a atenção da crônica histórica
(Figura 01.04).
Figura 01.03 - Microscópio de Hooke
3 A perfeita compreensão desta evolução só é possível à vista dos instrumentos típicos de cada época. Confira
por exemplo Palmer e Schiar, “Microscopes to the end of the XIX Century”, (The Science Museum, London),
HMSO, 1971.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisI.6 
A qualidade ótica dos microscópios não
acompanhou o seu desenvolvimento mecânico.
Em torno de 1750 recomendava-se ainda ao
pesquisador sério o uso da lente simples como
capaz de fornecer uma imagem superior à do
microscópio composto, dito “instrumento con-
fortável para os curiosos das ciências naturais”.
O grande problema eram as aberrações,
principalmente o cromatismo. Além de só for-
necer uma pequena imagem central adequa-
damente focalizada, esta estava envolta por
um halo colorido que inviabilizava o estudo
de detalhes. Nos cem anos entre 1800 e 1900
o microscópio finalmente conheceu a matura-
ção ótica correspondente ao seu desenvolvi-
mento mecânico.
Tanto Huygens como Newton dedicaram-
se ao cálculo e correção do cromatismo. Um erro
de Newton, no entanto, levou-o a propor que a
correção era impossível. Em 1747 Euler expôs
este engano, e desenvolveu a teoria da correção
cromática. Em 1758 John Dollond obteve uma
patente para lentes acromáticas, mas o seu
sistema, que teve logo sucesso em telescópios,
é inadequado para as pequenas lentes do
microscópio. Quase simultaneamente, Dellabarre
propôs um microscópio acromático, que também
ainda não é satisfatório. Foi apenas em 1830
que Amici e J.J.Lister avançaram substancial-
mente na obtenção de objetivas acromáticas,
principalmente através da formulação, por este
último, da teoria dos pontos conjugados
aplanáticos. A introdução adicional, por Amici,
da lente de imersão de água consolidou o
substancial progresso das lentes acromáticas dos
meados do século.
Coube a Abbe a contestação de que
“aumentos cada vez maiores só dependeriam de
perfeição de fabricação de lentes”. Seus estudos
mostraram que havia uma limitação básica para
a resolução de um sistema ótico, relacionada ao
diâmetro da lente e ao comprimento de onda da
luz. A figura de Abbe domina todo o
desenvolvimento das modernas lentes, sejam
para microscopia ou para fotografia. A carreira
de Abbe também oferece outra faceta de
interesse histórico: é uma das primeiras vezes
que um industrial, Carl Zeiss contratava um
cientista com o propósito deliberado de melhorar
seus produtos através de pesquisa básica e
aplicada. Os trabalhos de Abbe resultaram na
concepção das lentes apocromáticas em 1887.
Estas lentes oferecem padrões de qualidade ótica
até então inexistentes, principalmente depois que
Abbe, seguindo a sugestão de J.W.Stephenson,
projetou a primeira lente de grande aumento de
imersão de óleo, ou homogênea. As lentes
apocromáticas baseiam-se na disponibilidade de
uma série de vidros óticos de índice de refração
e dispersão precisamente especificados. Esta
demanda, teoricamente postulada por Abbe, pôde
ser preenchida através do desenvolvimento de
uma série de vidros ao boro pela firma Schott/
Jena. Todo o episódio da concepção e realização
das modernas lentes apocromáticas é um
Figura 01.04 - Microscópio de Adams
(Science Museum)
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A História do Microscópio I.7 
testemunho satisfatório da associação da
indústria, ciência e tecnologia, pela orquestração
de esforços teóricos e práticos na realização de
um objetivo, e que ainda hoje mereceria o estudo
e admiração dos que se ocupam de transferência
de tecnologia.
A qualidade final atingia assim o seu
mais alto grau no início do século XX. Mas a
excelente correção das lentes apocromáticas
ainda se restringia a uma região central,
limitando severamente o campo de visão
utilizável. Boegehold desenvolveu a partir de
1938 as lentes planoapocromáticas, cujo grande
campo de visão corrigido as tornam especial-
mente importantes para a microfotografia. Men-
cionando ainda a introdução das camadas anti-
refletoras, para controle da luz difusa, vemos
que em meados do século XX o microscópio
fotônico atingiu praticamente a sua evolução
final: fornece os aumentos máximos previstos
pela teoria, e os futuros progressos deverão
apenas trazer melhorias marginais de
qualidade. Mas certamente não estão afastadas
as possibilidades de ampliar o uso do micros-
cópio ótico através de novas técnicas. A
microscopia de contraste de fase, proposta em
1934 por Zernicke abriu novos horizontes, em
especial na investigação biológica.
O desenvolvimento contemporâneo
caracteriza-se pela influencia das duas principais
correntes industriais do século: padronização e
ergonometria. Durante muito tempo era impos-
sível a combinação em um mesmo instrumento
de elementos óticos de diversos fabricantes. Nem
os diâmetros nem os comprimentos óticos eram
uniformes. O primeiro passo nesta direção foi
dado com a padronização da rosca das oculares
pela Royal Microscopical Society em 1867;
seguiu-se a fixação do tubo ótico em 160 mm
(atualmente superada pelo desenvolvimento do
conceito de tubo infinito) e a normalização dos
aumentos nas séries DIN e ASTM. A partir dos
anos ’40, muitos fabricantes passaram a adotar
projetos modulados para seus instrumentos,
baseados em séries de componentes óticos e
mecânicos, que permitem a composição do ins-
trumento mais adequado para cada aplicação.
A Microscopia dos Materiais
A microscopia dos materiais é em grande
parte a microscopia de amostras opacas. O seu
domínio exigiu o desenvolvimento paralelo ao
do microscópio clássico, primordialmente voltado
para a biologia.
O primeiro microscopista a examinar
metais foi Henry Power em 1664; a associação
do microscópio à ciência dos materiais não é
nova. Já em 1753 Baker devotou quase metade
de sua obra “Employment for the Microscope” a
sais minerais e outros tópicos inorgânicos.
Hooke, na disposição de seu famoso
microscópio contemplava a iluminação de
amostra opacas, e incluiu muito do que se
poderia chamar de “materialografia” na sua
Micrographia (Figura 01.05).
Figura 01.05 - Cortiça (Hooke)
Um progresso decisivo foi feito por
Lieberkühn com a introdução do iluminador
refletor vertical. Mas se tivermos que destacar
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisI.8 
uma figura como o criador da metalografia seria
Sorby. Foi seu gênio que associou o iluminador
de Lieberkühn, as novas objetivas acromáticas
e as técnicas de ataque de Widmanstatten, nos
estudos com grande aumento da microestrutura
do ferro, e que levaram à descrição da perlita. A
datadesses estudos, 1863, é frequentemente
citada como o marco inicial da metalografia; sem
dúvida, uma das razões do atraso de mais de 20
anos para sua publicação em 1887 remonta à
dificuldade de imprimir fotos ou desenhos a
preço razoável. Seguiram-se em rápida sucessão
os nomes dos desbravadores da microestrutura
dos metais: Martens, Tschernoff, Roberts-Austen,
Osmond, Troost e LeChatelier. Este último em
particular, gênio polivalente, associou impor-
tantes contribuições teóricas ao desenvolvimento
da técnica de metalografia.
Philippe Bonanni foi provavelmente o
primeiro a dispor, em 1691, os elementos de um
microscópio na forma de um banco ótico. Este
arranjo, incubado sem grande desenvolvimento
durante dois séculos, teve nas mãos de
LeChatelier consequências momentosas para a
metalografia e a microscopia dos materiais.
Através de prismas e espelhos a amostra é
colocada no plano horizontal, repousando a
amostra opaca diretamente sobre a mesa – é o
“microscópio invertido segundo LeChatelier”.
Poucos temas são capazes de inflamar mais
rapidamente uma reunião de metalurgistas do
que a discussão das preferências pessoais entre
microscópios metalográficos e C.S.Smith, o grande
historiador contemporâneo da metalografia, tem
evidentemente fortes convicções sobre o assunto:
“O microscópio invertido foi, no entender
do autor, um desserviço aos metalogra-
fistas. Apenas para evitar o passo trivial
de montar ou fixar a amostra, compli-
cações mecânicas e óticas foram
introduzidas que continuaram a evoluir
neste mostrengo, o moderno “metaló-
grafo”, um digno companheiro do
automóvel de 1958. Esperemos que, no
seu devido tempo, a simplicidade retorne
e os fabricantes ofereçam uma combi-
nação microscópio-câmara para ser
usada confortavelmente por indivíduos
que não tenham mãos crescendo do topo
de sua cabeça, e no qual fotografia é
possível sem acrobacias. Poucas desco-
bertas metalográficas foram feitas sem
o estudo direto de amostras, no entanto
nenhum homem pode sentar-se por trinta
minutos em um moderno metalógrafo
invertido sem ficar com o pescoço,
cotovelo, costas e cabeça doloridos”.
Mas talvez este julgamento seja demasia-
damente severo; há 300 anos, o próprio Bonanni,
talvez já profeticamente ciente da polêmica que
iniciava, escrevia:
“Todos os tipos de microscópios devem
ser examinados e os pesquisadores
devem usa-los com entendimento.
Porque assim como o pintor não pinta
com um só pincel, nem o escultor
trabalha apenas com um único cinzel,
mas na verdade todas as obras de arte
são feitas com muitas ferramentas.
Acabemos portanto com as disputas
acadêmicas, pelas quais os esforços de
alguns artistas para construir micros-
cópios diversos, sejam condenados
como inúteis”.
Alguns fabricantes, prudentemente,
abstiveram-se de participar do debate, e
dispuseram os mesmos elementos óticos
segundo os dois arranjos. E modernamente, o
desenvolvimento de câmaras fotográficas, ou
mesmo digitais, compactas, e progressos
ergonômicos consideráveis, fizeram com que
esta polêmica se tornasse mais pitoresca do
que essencial.
A luz polarizada desempenha grande
papel em microscopia dos materiais. Provavel-
mente o primeiro microscópio destinado
especificamente a estudos com luz polarizada foi
projetado por Amici em 1844. Este instrumento
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A História do Microscópio I.9 
contém um número surpreendente de facilidades
modernas. O grande desenvolvimento da
cristalografia, mineralogia e petrografia do
século XIX determinou crescente uso da luz pola-
rizada a partir de 1860, e depois de 1880
diversas firmas passaram a fornecer tipos
comerciais. Destacam-se no desenvolvimento
os nomes de Ehrenberg, Zirkel e Berek. Apesar
de contínuos aperfeiçoamentos, só uma
mudança radical foi introduzida no instrumento
durante a sua existência individualizada: o
polarizador, originalmente na forma do prisma
de Nicol foi substituído por elementos de
Polaroid. Este material inicialmente concebido
a partir da preparação de materiais pleocróicos
como o sulfato de iodoquinina sintetizado por
Herapath em 1852, foi desenvolvido por Land
a partir de 1935, e revolucionou a técnica do
uso da luz polarizada.
O advento da Microscopia Eletrônica
Vimos que no começo do século XX, a
microscopia ótica havia atingido o limite de
resolução previsto pela teoria de Abbe. Uma vez
que a qualidade das lentes não oferecia mais
escopo para progresso, o único caminho para
conseguir maior resolução seria através da
utilização de radiações com menor comprimento
de onda. Em 1924 de Broglie formulou sua
postulação da dualidade onda-partícula para
elétrons, que lhes atribuia um comprimento de
onda equivalente a
mv
h
2
=λ V
150
=λ
onde λ é o comprimento de onda, V a tensão de
aceleração dos elétrons , h a constante de Planck
e m, v a massa e velocidade dos elétrons.
Portanto, a aceleração de elétrons a algumas
dezenas de milhares de volts resulta em
comprimento de onda da ordem de Ångstroms,
da ordem das dimensões atômicas.
A carga dos elétrons determina que sejam
influenciados por campos magnéticos e
eletrostáticos, o que possibilita a construção de
lentes. O ano de 1926 pode ser considerado como
o início da ótica eletrônica: Busch formulou a
teoria de que campos magnéticos ou elétricos
com simetria axial agem como lentes sobre
partículas carregadas, como elétrons, e
desenvolveu uma lente magnética. A possibili-
dade de construção de um microscópio eletrô-
nico foi imediatamente percebida por diversos
pesquisadores, principalmente de grupos em
Berlim, empenhados na construção de
osciloscópios de raios catódicos. Dentre estes,
Knoll e Ruska tomaram a dianteira, e rapida-
mente desenvolveram o instrumento a ponto de
superarem, pela primeira vez em 1931, a reso-
lução do microscópio com luz visível (Figura
01.06). Durante a década de ’30, o instrumento
conheceu sucessivos aperfeiçoamentos, e à
véspera da 2a. Grande Guerra, iniciava sua
comercialização pela firma Siemens.
Figura 01.06 - Primeiro microscópio eletrônico
de transmissão (Ruska e Knoll)
Depois da Guerra, a microscopia eletrônica
teve rápido desenvolvimento, principalmente na
área biológica, cujas amostras se prestam
facilmente ao exame por transmissão. Na área
de materiais, o progresso foi mais lento, restrito
inicialmente ao exame de perfís e de superfícies
por intermédio de réplicas. As primeiras
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisI.10 
micrografias eletrônicas de aços foram provavel-
mente obtidas por R.F.Mehl4 em 1940. A
microscopia eletrônica de transmissão de mate-
riais, no entanto só desenvolveu-se rapidamente
após a introdução das amostras finas por
Heidenreich e pelos trabalhos seminais de Hirsch
e colaboradores em Cambridge, em torno de
1960, na elucidação do mecanismo de contraste
em amostras cristalinas. A resolução rapida-
mente superou em quase três ordens de grandeza
a do microscópio fotônico e o MET veio a tornar-
se o mais importante instrumento no estudo das
estruturas e defeitos cristalinos nesta escala.
Atualmente, os constantes aperfeiçoamentos na
engenharia dos microscópios, aliada aos recursos
computacionais disponíveis tornam a resolução
atômica, se não rotineira, pelo menos comum
em muitos laboratórios em todo o mundo.
O advento da microscopia de varredura
Até este ponto, examinamos a formação
de imagens no microscópio obtidas através de
lentes, ou seja, mantendo uma relação
geométrica entre objeto e imagem. A partir da
década de ’30 uma maneira diferente passou a
atrair a atenção dos microscopistas, incentivada
pelo desenvolvimento do radar e da televisão.
Nestes, a imagemé gerada mediante uma
varredura do espaço objeto, e mapeamento dos
sinais obtidos em um plano imagem. A relação
entre o objeto e a imagem é portanto temporal.
Em 1935 Knoll descreveu pela primeira
vez este conceito aplicado a um microscópio
eletrônico de varredura (MEV). Pouco depois,
em 1938, von Ardenne construiu um microscópio
eletrônico de transmissão no qual a aquisição
da imagem era feita por varredura, disposição
retomada muito mais tarde na forma do METV
(mais conhecido pela sigla em inglês, STEM).
Obteve um aumento da ordem de 8.000 X, ainda
que o tempo exigido para uma exposição, de 20
minutos, não fosse prático. Nos EEUU, foi
construído por Zworykin em 1942, o primeiro
MEV utilizado para o exame de superfícies de
amostras, atingindo a resolução de 50 nm. Mais
uma vez, as prioridades do conflito mundial
determinaram a interrupção destes trabalhos.
Em torno de 1950, Oatley em Cambridge
interessou-se em criar um grupo de pesquisa
em ótica eletrônica, e retomou o desenvolvi-
mento do MEV. Foi então desenvolvido um
instrumento com características modernas,
como utilização de elétrons secundários e
retroespalhados, elucidação dos diversos
mecanismos de contraste, e principalmente,
reconhecida a grande profundidade de campo
para o exame de superfícies rugosas. Em 1952,
foi atingida a resolução de 50 nm, que uma
década depois havia sido reduzida de um fator
de cinco; era chegado o momento de
comercializar o MEV com a Cambridge Instru-
ment Company, a partir de 1965.
A comercialização teve seus momentos
pitorescos: encomendada uma pesquisa de
mercado, foi prevista a possibilidade de colocar
cerca de dez instrumentos por ano no mercado;
até 1970 haviam sido vendidos 500, e estima-se
haver, hoje, mais de 50.000 MEV’s em
funcionamento no mundo! Em contradistinção
com o MET, o MEV ganhou rapidamente grande
importância em microscopia de materiais, e
notadamente em fratografia. Para isto contribuiu
também a sua aplicação na indústria eletrônica
e como instrumento para microlitografia.
A partir de 1943, Castaing sob a
orientação de Guinier em Paris, dedicou-se ao
desenvolvimento de uma microsonda eletrônica.
Neste instrumento, um feixe colimado de elétrons
excita a emissão de raios-X, que analisados
através da lei de Moseley, permitem análise e-
lementar em um volume da ordem de 1µm3 do
material. Inicialmente concebidos como dois ins-
4 A quem o autor, seu aluno, recorda com admiração e saudade.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A História do Microscópio I.11 
trumentos distintos, o MEV e a microsonda fo-
ram progressivamente reunidos; a disponibili-
dade destes recursos simultaneamente
consolidou definitivamente a posição do MEV
para aplicações como análise de falhas e desen-
volvimento de tecnologias industriais.
Durante a década de ’90 verificou-se um
importante progresso no MEV: o desenvolvimento
dos trabalhos iniciais de Danilatos possibilitaram
a criação do MEV de baixo vácuo, capazes de
operar com pressões até algo acima da pressão
de vapor da agua. Isto possibilita não apenas o
exame de amostras úmidas ( como por exemplo
biológicas, ou no estudo da corrosão), mas
também permitindo o exame de amostras não
condutoras de eletricidade, uma das limitações
importantes dos instrumentos tradicionais.
As modernas microscopias
de varredura
A formação da imagem do microscópio por
varredura foi provavelmente o desenvolvimento
mais importante ocorrido em microscopia no
século XX, introduzindo, ao cabo de quase quatro
séculos, um novo conceito na visualização de
microestruturas.
Em princípio, cada fenômeno físico com o
qual seja possível provocar uma resposta
localizada no objeto, e adquirir um sinal
correspondente, pode ser utilizado como base
para um microscópio.
Uma das primeiras, e até agora, a mais
importante, aplicação foi iniciada por Binnig e
Rohrer, utilizando o efeito de tunelamento (efeito
quântico, segundo o qual uma pequena corrente
“tunela” através de uma fina camada de mate-
rial isolante). Varrendo a superfície de uma
amostra condutora com uma sonda de dimensões
atômicas, descreveram em 1982 o microscópio
de tunelamento (STM), com o qual obtiveram
imagens de resolução atômica. Segundo eles
próprios, consguiram algo que, “em princípio
nem deveria funcionar”. A rapidez com que fo-
ram reconhecidos e agraciados pelo Prêmio Nobel
em 1986 atesta o enorme inpacto deste
instrumento no desvendamento da estrutura de
superfícies em dimensões atômicas, da maior
importância no limiar, em nssos dias, da
nanotecnologia. Pouco depois, Binnig e
colaboradores introduziram o microscópio de
força atômica (SFM), de concepção ainda mais
improvável, e que contornou a limitação do
exame apenas de amostras condutoras.
Esta invenção iniciou a era dos
Microscópios de sonda de varredura (SPM),
campo no qual se verificam atualmente os
maiores desenvolvimentos de microscopia, e
que trataremos em detalhe mais adiante. No-
vas modalidade são propostas continu-
amente, e só a perpectiva histórica poderá
decidir, no futuro, quais deles terão impacto
comparável com os grandes desenvolvimen-
tos do século XX, na nossa busca de µικρο
σκοpiειν - ver o pequeno!
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A Teoria Básica da Microscopia II.1 
CAPÍTULO II
A Teoria Básica da Microscopia
A imagem microscópica:
aumento, resolução e contraste
O objetivo da microscopia é a obtenção de
imagens ampliadas de um objeto, que nos permi-
tam distinguir detalhes não revelados a olho nu.
A primeira pergunta que ouvimos do leigo
ao ver um microscópio é: Qual é o aumento? Na
verdade, o aumento que tanto impressiona o usuário
ocasional de microscopia, não é o parâmetro mais
importante a considerar. Parece-nos, à primeira
vista, que se dispuséssemos de instrumentos
perfeitos poderíamos examinar uma amostra com
aumentos cada vez maiores, e perceber detalhes
cada vez menores, até distinguir os átomos, ou
quem sabe, as partículas que os compõem.
Não é isto o que ocorre: existem limitações
físicas que determinam a menor distância entre
dois pontos que permita distingui-los separada-
mente. A esta distância chama-se limite de re-
solução, e um aumento maior não revelará
nenhum detalhe adicional da estrutura.
A imagem microscópica é caracterizada por
três parâmetros: aumento, resolução e contraste.
Examinemos em detalhe os conceitos de
aumento e de resolução (1).
Definimos o aumento linear para uma
lente ou um sistema ótico como a relação entre
o tamanho da imagem e a do objeto
’’  =
em alguns casos, é útil definir o aumento angu-
lar. Demonstra-se que
’sensen’’ αα== 
A resolução de um sistema ótico quantifica
a sua capacidade de separar individualmente
detalhes adjacentes de uma imagem. O limite de
resolução (δ) é a menor distância entre dois
pontos que ainda podem ser distinguidos. O
poder de resolução é o inverso desta medida2.
Felix qui potuit rerum cognoscere causas
(Virgilio)
1 As lentes serão estudadas em maior detalhe no Capítulo III; o autor pressupõe neste capítulo um conhecimento
elementar por parte do leitor.
2 O aluno deverá acostumar-se a distinguir “resolução” de “poder de resolução”: a primeira, a menor dimensão
que pode ser resolvida, em princípio, quanto menor, melhor; o poder de resolução refere-se à capacidade de um
instrumento resolver detalhes – o correto é falar em melhor e não maior poder de resolução.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisII.2 
Como já foi mencionado, e veremos em
detalhe mais tarde, aumentos cada vez maiores
não importam em melhor informação: em
princípio, podemos projetara imagem de um
diapositivo em uma tela a centenas de metros
de distância, obtendo um imenso aumento. Mas
a partir de um certo aumento isto não trará
nenhuma vantagem. O leitor poderá fazer a
seguinte experiência: examine uma figura em um
jornal com lupas sucessivamente mais fortes (ou
um estereoscópio dotado de zoom) 3; verá que a
imagem é constituída de pontos, e que inicial-
mente o incremento de aumento revelará novos
detalhes; a partir de determinado momento, os
pontos ficarão mais separados entre si, sem que
nenhuma nova informação surja entre eles. A
isto denomina-se aumento vazio.
Para que haja formação de uma imagem,
precisamos também de contraste. Denominamos
de contraste a capacidade de distinguir traços
característicos da estrutura sobre o plano de
fundo. Citando Veríssimo 4, não podemos ver
com clareza um “gato branco em campo de
neve”. O contraste surge quando a radiação
utilizada na formação da imagem interage com
a matéria, no caso a amostra. Além da simples
absorção ou reflexão de energia pela amostra
existem vários outros mecanismos de geração
de contraste em microscopia.
Na prática, os conceitos de resolução e de
contraste não são independentes. Principalmente
no exame visual de uma imagem, a percepção
de detalhes é bastante influenciada pelo
contraste. É preciso distinguir entre a capacidade
de identificar a presença de um objeto (denomi-
nada de visibilidade) e a capacidade de resolver
detalhes do mesmo. Somos capazes de identifi-
car pontos luminosos isolados muito pequenos
quando sobrepostos a um fundo escuro – por
exemplo uma estrela ou um pequeno furo em
um anteparo opaco iluminado por trás.
Quantificamos contraste pela expressão



 −
=κ
O olho humano é um importante sensor
em microscopia, e é interessante detalhar algo
sobre seu funcionamento.
A ótica da visão
O olho humano (Figura 02.03) funciona
como uma câmara, constando de um diafragma5,
de um sistema de lentes e de uma superfície
receptora, sensível à luz 6. O mecanismo de visão
consiste na formação de uma imagem real do
objeto sobre a retina.
3 Veja capítulo IV.
4 Erico Verissimo, Gato Preto em Campo de Neve, Globo, 1941.
5 A seguinte nomenclatura será adotada em todo o livro:
- diafragma: anteparo opaco, provido de um orifício, destinado a limitar o feixe luminoso em um sistema ótico;
- íris: diafragma com orifício continuamente variável;
- abertura: diâmetro ou ângulo de admissão do feixe luminoso.
6 Sensores de luz não biológicos, como películas fotográficas e dispositivos semicondutores serão estudados no
Capítulo XI.
Figura 02.01 - Lente delgada
Figura 02.02 - Aumento angular
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A Teoria Básica da Microscopia II.3 
O globo ocular é dividido em duas regiões:
a anterior é formada por duas câmaras: câmara
anterior, delimitada pela córnea e face anterior
da íris, e a posterior, pela face posterior da íris e
o cristalino. Ambas são preenchidas por um
líquido (humor aquoso). A região posterior,
câmara vítrea, é preenchida por uma substância
gelatinosa (humor vítreo).
A córnea e o cristalino formam o sistema
ótico do olho. A maior ação focalizadora é
exercida pela córnea. O cristalino age para
complementar o foco da imagem do objeto sobre
a retina. Diferentemente da disposição em uma
câmara fotográfica, onde a focalização é obtida
pela variação da distância entre a lente e a
película, o olho focaliza pela alteração da
distância focal, e portanto do poder de aumento
da lente7. A curvatura do cristalino é controlada
por um conjunto de músculos que estão
relaxados quando observamos objetos longín-
quos. À medida que aproximamos o objeto, a
curvatura do cristalino é aumentada: a isto se
chama acomodação. Há um limite para esta
acomodação, que no adulto sadio, é normal-
mente de 250 mm, e constitui a “distância
mínima de visão distinta”. A habilidade de
acomodação decresce com a idade, resultando
na conhecida “vista cansada”, ou seja a
inabilidade do idoso de focalizar confortavel-
mente objetos próximos (presbiopia).
A retina é um conjunto de fotoreceptores
de estrutura muito complexa. Os principais são
de dois tipos: cones e bastonetes. A visão opera
em dois regimes: visão fotópica, em condições
normais de claridade diurna, e visão escotópica,
em condições de baixa luminosidade. Os cones
são os responsáveis pela visão fotópica; sua
distribuição na retina não é uniforme, atingindo
sua maior densidade na região da fóvea, onde
está a maior acuidade visual. A sensação de cores
é inteiramente dependente dos cones. Os
bastonetes não tem percepção de cores, e não
podemos percebe-las na penumbra.
O olho tem grande capacidade de resposta
para a otimização da imagem. Além da
acomodação, vista anteriormente, verificamos
a adaptação às condições de luminosidade
ambiental. Uma parte desta adaptação é devida
à abertura da íris, cujo diâmetro pode variar de
2 a 8 mm. Isto permite uma variação de
intensidade de 82/22=16 que é no entanto muito
menor do que a gama entre luz do sol e das
estrelas, que somos capazes de perceber. A
maior parte da adaptação é devida à variação
de sensibilidade nos receptores da retina,
através de alterações no seu mecanismo
fotoquímico. A velocidade de decaimento
deste processo também é responsável pela
persistência da visão, que nos permite perceber
o cinema ou a televisão sem bruxuleios.
Qual é o poder de resolução do olho
humano? Claramente, um fator a considerar é a
separação entre os receptores da retina. Para que
dois pontos possam ser distintos, suas imagens
devem impressionar no mínimo dois elementos,
separados por um terceiro. Na fóvea, a parte mais
sensível da retina, esta separação é de 3 µm, o
que levando em conta o diâmetro do olho, corres-
ponde a cerca de 1' de grau. Este ângulo, a uma
distância de 250 mm, subtende aproximadamente
0,1 mm, que é a resolução esperada para exame
visual sem auxílio de lentes.
Conforme veremos mais adiante, a reso-
lução de um sistema ótico depende, dentre outros
fatores, da abertura de sua lente. É interessante
Figura 02.03 - O globo ocular e a ótica da visão
7 Veremos mais tarde que este procedimento é tambem adotado em ótica eletrônica.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisII.4 
observar que no reino animal, a evolução
biológica mostrou-se coerente no dimensiona-
mento dos olhos e no refino da estrutura da
retina: em todos os casos, a densidade de
receptores evoluiu de maneira a aproveitar a re-
solução disponível com o tamanho do olho, e
consequente abertura da íris.
O olho humano pode apresentar diversas
anomalias; dentre elas a miopia, a hiperme-
tropia e o astigmatismo devem ser considera-
dos no uso do microscópio. As duas primeiras
referem-se à formação da imagem focalizada
antes ou depois da retina, respectivamente.
Como consequência, em indivíduos míopes há
deficiência de visão de objetos longínquos, e
na hipermetropia de objetos próximos. Isto
pode ser corrigido pela adição de óculos com
lentes esféricas divergentes ou convergentes
de grau adequado. O astigmatismo refere-se à
falta de simetria radial do olho, e conseqüente
distorção da imagem. É corrigido pela inclusão
de óculos com lente de perfil cilíndrico, que
introduz uma distorção igual e contrária à do
olho. Para o microscopista é importante
perceber que a correção esférica pode ser
introduzida no ato de focalizar o microscó-
pio; já a correção de astigmatismo é individual.
Ainda que a recomendação formal seja de que
se deva usar sempre os óculos portados nor-
malmente ao trabalhar no microscópio, esta
exigência pode ser relaxada no caso de não
haver astigmatismo significativo8
As propriedades fundamentais da luz
As propriedades da luz podem ser
explicadas e classificadas considerando a
energia emitida por uma fonte de luz consis-
tindo seja como um fluxo contínuode energia
ao longo de um raio, como um movimento
ondulatório, ou como um fluxo de partículas,
ou fótons. Cada um destes modelos revela-se
especialmente adequado para explicar, com a
maior simplicidade possível, um grupo de
propriedades da luz, e determina as três grandes
divisões da ótica, respectivamente ótica geomé-
trica, ótica ondulatória9 e ótica quântica.
Estas maneiras de enfocar o problema
não são teorias competitivas, mas sim comple-
mentares. Verifica-se que o conceito de energia
de uma fonte fluindo ao longo de um raio pode
ser usada para explicar a propagação retilínea
da luz, e a formação de sombras; a reflexão, a
refração e a dispersão. Se, no entanto, tentar-
mos isolar um raio por meio de uma série de
pequenas aberturas, verificaremos que quanto
menor esta abertura, menos a luz se comporta
como um raio. Este comportamento é explicável
em termos da teoria ondulatória da luz, e
permite tratar de difração, interferência, caráter
eletromagnético da luz, polarização e dupla
refração. Finalmente, o conceito de pacotes
discretos de energia é útil quando tratamos de
uma série de fenômenos, que incluem a
interação de luz com a matéria, como por
exemplo origem dos espectros, efeito
fotoelétrico, lasers e coerência.
Ótica geométrica
Inicialmente, para compreender o funcio-
namento do microscópio, podemos avançar
bastante utilizando a ótica geométrica, que se
baseia nas seguintes leis:
• a luz se propaga em linha reta
• partes de um feixe luminoso podem ser
tratados como raios individualizados
• as leis da reflexão e da refração
8 O leitor usuário de óculos deve examinar a receita e verificar o grau cilíndrico, se houver. Outra maneira é girar
a lente dos óculos em torno de seu eixo: se a imagem permanecer inalterada, não há grau cilindrico.
9 Este enfoque é também denominado de ótica física. Recebeu esta denominação quando se reconheceu que a
ótica geométrica deveria ser complementada pelo estudo da luz como uma onda. O advento da mecânica quântica,
certamente parte importante da física, tornou esta terminologia inadequada.
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A Teoria Básica da Microscopia II.5 
Reflexão e refração
Quando um raio de luz incide na interface
entre dois meios, parte é refletida de volta para o
primeiro meio, e parte penetra no segundo,
sofrendo um desvio de direção. A estes fenômenos
denomina-se, respectivamente, de reflexão e
refração. Os raios são coplanares com a normal
NN’ à interface MM’, e a direção dos raios
resultantes é dada por duas leis (Figura 02.04)
• o ângulo de incidência é igual ao ângulo de
reflexão
• Os senos dos ângulos de incidência θ e de
refração θ’ têm relação constante para
qualquer ângulo de incidência (Lei de Snell)
Dispersão cromática
O índice de refração depende da cor da luz.
Por isso, luz branca sofre refração com separação
em suas cores básicas componentes. Este
fenômeno é denominado de dispersão cromática
(Figura 02.05).
A dispersão varia para diversos meios
transparentes, e veremos adiante que este fato
é de grande importância no projeto de lentes e
correção das chamadas aberrações cromáticas.
Dado o índice de refração para uma série de cores
(Tabela 02.01), quantificamos a variação de
dispersão pelo índice de dispersão V
( )
( )1
1
−η
−η
=


Como exemplo, consideremos dois impor-
tantes tipos de vidro ótico, e suas composições
típicas:
Crown - 72% SiO2, 18% K2O, 10% CaO
Flint - 45% SiO2, 12% K2O, 43% PbO
estes vidros tem, respectivamente, dispersão alta
e baixa, e utilizando-os em combinação podemos
aproximar uma neutralização mútua da
aberração cromática.
Figura 02.04 - Reflexão e refração
Determina-se experimentalmente que a
constante é a relação entre os índices de refração
dos meios considerados:
vc’sensen =η=θθ
O índice de refração ηηηηη de qualquer meio
ótico é definido como
η = c / v
onde c é a velocidade da luz no vácuo e v a velo-
cidade da luz no meio e portanto ηηηηη é sempre
maior do que a unidade. Figura 02.05 - Dispersão cromática
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisII.6 
sobre a qualidade destas imagens. Para isto, é
necessário que passemos a considerar a teoria
ondulatória da luz, e os fenômenos relacionados
com a difração.
Propriedades do movimento ondulatório
Uma onda é o resultado da propagação
de uma perturbação – os exemplos mais
conhecidos resultam da queda de uma pedra em
uma poça, ou uma onda sonora. Em todos os
casos, corresponde a uma transferência de
energia da fonte. No caso da luz, temos uma onda
eletromagnética, com vibrações transversais
constituídas por oscilações, definidas por vetores
elétrico e magnético, ortogonais e perpendicu-
lares à direção de propagação da onda. No caso
geral, a direção de vibração destes vetores varia
rapidamente, de maneira aleatória; poderá no
entanto ser confinada a um plano, ou variar
Figura 02.06 - Caminho ótico
Percurso ótico
O percurso de um raio luminoso em qualquer
meio é o produto da velocidade pelo tempo
11111 η== 
definimos o percurso ótico como
1111  =η=∆
e representa a distância percorrida pela luz no
vácuo, no mesmo tempo que percorre a distância
no meio considerado. Caso a luz percorra diversos
meios sucessivamente, os percursos óticos são
aditivos (Figura 02.06)
 )( 3210 ++=∆
Ótica ondulatória
Os conceitos de ótica geométrica vistos até
aqui nos permitirão examinar a maneira pela
qual o microscópio produz uma imagem aumen-
tada, porém sem fornecer nenhuma indicação
Tabela 02.01 - ÍNDICES DE REFRAÇÃO DE MATERIAIS PARA COMPONENTES ÓTICOS
Material ηc ηd ηf V
Vidro Crown 1,52042 1,52300 1,52933 58,7
Vidro Flint 1,71303 1,7200 1,73780 29,1
Quartzo fundido 1,45640 1,45845 1,46318 67,6
Fluorita 1,43252 1,43390 1,43707 95,4
Metilmetacrilato 1,49344 1,49613 1,50256 54,4
Raia C - vermelho λ = 656 nm
Raia D - amarelo λ = 589 nm
Raia F - azul λ = 486 nm
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A Teoria Básica da Microscopia II.7 
regularmente, quando falamos de luz polarizada.
Por uma série de razões, associamos o vetor
elétrico aos fenômenos óticos, e nos referiremos
ao mesmo quando tratarmos de vibração da luz.
Uma onda eletromagnética é caracterizada
pelos seguintes parâmetros
- A - amplitude
- ν - frequência10
- φ - fase
- p - polarização
Consideremos uma onda cujos desloca-
mentos y, em cada lugar x estão descritos por y
= f ( x ). De especial interesse é o caso em que
os deslocamentos sejam harmônicos
λ
pi
=θ=  2sensen1
O deslocamento máximo A é a amplitude;
a distância entre pontos equivalentes da curva
(Figura 02.07 a) é o comprimento de onda λλλλλ; o
tempo entre dois pontos equivalentes é o período
τττττ. Os respectivos inversos são de utilidade: o
número de onda k = 1 / λλλλλ (que representa o
número de ciclos na unidade comprimento) e a
frequência ννννν = 1 / τττττ (que representa o número
de ciclos na unidade de tempo).
A onda se desloca ao longo de x com velo-
cidade v. Se considerarmos uma onda que partiu
da origem no tempo –t, terá, ao fim do tempo t,
atingido a posição 2 em relação a uma nova onda
)sen()(2sen2 ϕ−θ=λ
−pi
= 


onde λpi=ϕ 2 é denominada de
diferença de fase.
Denominamos de frente de onda o lugar
geométrico perpendicular à direção de propa-
gação, em que todos os pontos tem a mesma fase.
A intensidade I = A2 exprime a vazão de energia
através de uma área unitária perpendicular à
direção de propagação da onda.
10 Ainda que a frequência seja a característica mais fundamental, a luz é frequentemente descrita em termos de seu
comprimento de onda no ar (ou praticamente equivalente, no vácuo). Tradicionalmente, as unidades são o micron
(µm, 10-3 mm) ou o Angstrom (Å, 10 -7mm),preferindo-se modernamente o nanometro (nm, 10-6 mm, 10-9 m). De
acordo com o índice de refração do meio, o comprimento de onda muda - a frequência permanece constante.
Figura 02.07 - a) Onda senoidal; b) Diferença de fase
Figura 02.08 - Luz polarizada
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisII.8 
Em determinadas condições, algumas
direções de vibração da luz podem ser
suprimidas ou favorecidas. No limite persiste
apenas a vibração em um plano, originando-se
a luz plano-polarizada. Luz polarizada é im-
portante recurso para geração de contraste em
microscopia, e será tratada em maior detalhe
no capítulo IV.
Coerência
Um feixe de luz gerado por um filamento
aquecido ou por descarga elétrica (mas não por
um laser!), é constituído de pulsos aleatórios
emitidos por cada átomo em episódios
independentes entre si, com mudanças bruscas
de fase. Deste modo, quando a luz é colhida de
duas fontes independentes (que podem ser duas
regiões distintas de uma mesma lâmpada) os
dois feixes não mantém entre si uma relação de
fase constante. Tais fontes luminosas são
chamadas de incoerentes.
Se, no entanto, a luz de uma mesma fonte
é dividida em dois feixes (por exemplo, por
reflexão parcial, Figura 02.09) estes mantém
uma relação de fase constante entre si, e poderão
interagir ocorrendo interferência quando
superpostos. As condições para esta interação
constituem a chamada coerência. Ondas são
coerentes quando as seguintes condições são
satisfeitas:
- mesmo comprimento de onda
- origem de um mesmo ponto da fonte
luminosa
- mesma direção de polarização
Quando duas ondas coerentes interferem,
as suas amplitudes são aditivas. Como exemplo,
a intensidade resultante da interferência de duas
ondas de mesma amplitude e de mesma fase
I1 = a
2 22  = ( ) 2221 4 =+=+
ou seja quatro vezes a intensidade de cada onda
original. Ondas coerentes que não estejam em
fase deverão ter suas amplitudes somadas
vetorialmente. A intensidade resultante poderá
então variar no intervalo 0 < I < 4a2. No caso
de ondas incoerentes, elas não interferem, e a
intensidade resultante é simplesmente a soma
das intensidades individuais
2
1  = 
2
2  = 
2
2121 2 =+=+
O princípio de Huygens
Quando uma abertura em um anteparo é
iluminada, projeta-se uma sombra. Esta sombra
é nítida para uma abertura larga, mas seus
contornos tornam-se difusos à medida que
diminuímos o tamanho da abertura, e a
iluminação estende-se para a região que não está
diretamente exposta ao raio incidente. A este
fenômeno é resultante da ocorrência de difração.
Huygens propôs que cada ponto da frente de
onda incidente funcionasse como uma nova
fonte, gerando ondas esféricas (Figura 02.10).
Estas novas fontes são coerentes entre si, e a
frente de onda depois da abertura é o resultado
da combinação de todas estas ondas secundárias.
Figura 02.09 - Interferômetro Figura 02.10 - Princípio de Huygens (Gifkins)
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
A Teoria Básica da Microscopia II.9 
Este cálculo mostra que a onda se propaga na
região da sombra geométrica da abertura, e que
o efeito é tanto maior quanto menor a abertura.
A experiência de Young
A experiência proposta por Young está
descrita na Figura 02.11. A primeira abertura,
em conjunto com a fonte F, ilumina as abertu-
ras A e B que passam a funcionar como fontes
coerentes, cujas ondas interferem para
produzir um conjunto de franjas de interferên-
cia no anteparo T. A intensidade no ponto P
depende claramente da diferença de percurso
 =−=∆ . A distância D é muito maior
do que d ou x e ACB é praticamente um triângulo
retângulo.


 ≈θ≈ tan
Quando ∆ for um número inteiro de comprimen-
tos de onda ocorrerá um máximo para



λ
= e um mínimo para 
( )



λ+
=
21
Deduzimos portanto que a separação entre as
franjas é λ : diretamente proporcional ao
comprimento de onda e inversamente proporci-
onal à distância entre as aberturas da grade de
difração. É interessante também notar que, se a
disposição da experiência for simétrica, a
intensidade será zero em cada mínimo, e o dobro
da soma das intensidades de A e B em cada
máximo. Isto ilustra que evidentemente não há
ganho de energia por difração e interferência,
mas apenas uma redistribuição, como pode ser
mostrado pela integração da energia total que
chega ao anteparo T.
Difração por uma fenda
Consideremos agora a difração de um raio
luminoso por uma fenda retangular. Na verdade,
estaremos interessados na difração por um
pequeno orifício, que estenderemos mais tarde
para o caso de uma lente iluminada por um feixe
de luz. Mas o tratamento matemático para o
caso de uma fenda é muito mais simples; o
argumento seguinte é aproximado, mas ilustra
os princípios envolvidos11.
11 Os interessados em tratamento rigoroso poderão consultar um texto avançado de ótica (Jenkins and White,
1976) sobre difração de Fraunhofer e de Fresnel.
Figura 02.12 - a e c) Difração de Fresnel; b e d) Difração de Fraunhofer
Figura 02.11 - A experiência de Young
PERTENCE A 415902_IGNEZ_CARACELLI
Microscopia dos MateriaisII.10 
Devemos examinar dois casos distintos:
quando os raios têm origem pontual (difração
de Fresnel), ou quando o feixe é paralelo (fonte
no infinito) (difração de Fraunhofer) (Figura
02.12). Trataremos em mais detalhe desta
última, pela sua importância em microscopia.
No caso da difração de Fraunhofer lentes
convergentes asseguram a incidência paralela da
luz (L1), e formam a figura de difração no plano
focal de L2. De acordo com o princípio de
Huygens, cada ponto da abertura age como fonte
secundária. Notar que no caso da difração de
Fresnel, cada ponto do anteparo recebe um raio
de cada fonte secundária, e portanto representa
a imagem da abertura. Já no caso da difração de
Fraunhofer a lente L2 focalizará no anteparo
todos os raios difratados na mesma direção. O
perfil das intensidades resultantes é semelhante
nos dois casos; no caso da difração de Fraunhofer
tem a forma
β
β
=
sen
0 onde λ
pi
=β  e
β
β
==
2
2
0
2 sen
A posição do primeiro mínimo é 

λ
=θsen e como
θ é pequeno 

λ
≈θ
A extensão deste resultado ao caso da
figura de difração formada por ondas planas
através de uma abertura circular é bem mais
complexa, e foi desenvolvida por Airy. Demonstra-
se que a expressão anterior passa a ser

λ
=θ 22,1sen
e a figura, denominada Disco de Airy consiste
em um disco luminoso central, cercado de franjas
mais fracas (Figura 02.13).
O difratograma de Fraunhofer de um objeto
é a sua transformada de Fourier (conversamente,
a imagem do objeto é a transformada do difrato-
grama). Esta propriedade é muito usada para
calcular a estrutura de um cristal a partir de seu
difratograma de raios-X, e como veremos mais
tarde, tem larga aplicação em difração de elétrons.
Consideremos a difração de uma frente de
onda no plano OB. A amplitude em um ponto y
é Ay, e de um elemento dy é Aydy. A diferença de
fase de uma onda difratada neste elemento,
relativa à origem O, é
θλpi=∆ sen)2( 
a amplitude da onda na direção indicada é
  )]exp()exp([)](exp[ ω∆=∆+ω=
Figura 02.13 - Disco de Airy Figura 02.14 - Difração
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A Teoria Básica da Microscopia II.11 
O termo em colchetes [ ] é a amplitude, e a am-
plitude total para toda a frente de onda na
direção θθθθθ é
∫ ∫∞ =∆=∆=   
0 0
)exp()exp(
∫∞ θpi
0
)sen2exp( 
sabemos que a transformada de Fourier se de-
fine por
∫∞ ννpiν=
0
)2exp()()( 

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