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MOVIMENTOS SOCIAIS E SOCIOLOGIA ORGANIZACIONAL Belo Horizonte 2 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 03 1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS ........................................................................ 06 1.1 O contexto mundial do século XVIII ........................................................... 06 1.2 Movimentos sociais no Brasil ..................................................................... 09 1.2.1 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ................................... 16 1.2.2 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto ................................................ 17 1.2.3 Fórum Social Mundial .............................................................................. 18 1.2.4 O movimento hippie ................................................................................ 19 1.2.5 Os movimentos feministas ...................................................................... 20 1.2.6 O movimento estudantil ........................................................................... 21 2 ESTUDOS SOCIOLÓGICOS DAS ORGANIZAÇÕES ................................. 24 2.1 O surgimento da sociologia ........................................................................ 24 2.2 O estudo das organizações ........................................................................ 26 2.3. As organizações como agentes sociais ..................................................... 31 3 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS – DESAFIO PARA O SERVIÇO SOCIAL ............................................................................ 33 REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS .......................................... 46 3 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 INTRODUÇÃO Sejam bem-vindos aos estudos acerca dos movimentos sociais brasileiros pertencentes ao curso de Especialização em SERVIÇO SOCIAL, oferecido pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais - IPEMIG. Nos esforçamos para oferecer um material condizente com a graduação daqueles que se candidataram a esta especialização, procurando referências atualizadas, embora saibamos que os clássicos são indispensáveis ao curso. As ideias aqui expostas, como não poderiam deixar de ser, não são neutras, afinal, opiniões e bases intelectuais fundamentam o trabalho dos diversos institutos educacionais, mas deixamos claro que não há intenção de fazer apologia a esta ou aquela vertente, estamos cientes e primamos pelo conhecimento científico, testado e provado pelos pesquisadores. Não obstante, o curso tenha objetivos claros, positivos e específicos, nos colocamos abertos para críticas e para opiniões, pois temos consciência que nada está pronto e acabado e com certeza críticas e opiniões só irão acrescentar e melhorar nosso trabalho. Como os cursos baseados na Metodologia da Educação a Distância, vocês são livres para estudar da melhor forma que possam organizar-se, lembrando que: aprender sempre, refletir sobre a própria experiência se somam e que a educação é demasiado importante para nossa formação e, por conseguinte, para a formação dos nossos/ seus alunos. O objetivo desta apostila é apresentar e discorrer sobre os diversos movimentos sociais que aconteceram e ainda vêm ocorrendo no Brasil, ao que podemos denominar ―retrospectiva histórica‖, além de tratar da responsabilidade social das empresas e o papel do Assistente Social. 4 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 História é um conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade segundo o lugar, à época e o ponto de vista escolhido ou uma ciência que estuda a ação do homem ao longo do tempo. Ferreira (2005) define como narração metódica dos fatos notáveis ocorrido na vida dos povos, em particular, e na vida da humanidade em geral. Nossa história é muito rica em detalhes sendo óbvio que todo evento é conjecturado, arquitetado, planejado tendo sempre como objetivo, levar vantagens a determinados grupos em determinadas épocas, o que pode ser bom ao conseguir atingir uma grande massa de pessoas bem como pode levar a opressão de outros grupos. Segundo Boris Fausto (2004) a história tem uma lógica, tem normas, tem um processo; tem, portanto, uma objetividade. É uma ciência igual a outras disciplinas humanas, é uma ciência humana. Isso quer dizer que também tem uma certa relatividade, dependendo da visão do historiador. A história é vital para a formação da cidadania. Ela nos mostra que, para compreender o que está acontecendo no presente, é preciso entender quais foram os caminhos percorridos pela sociedade brasileira. O historiador se vale de uma série de fontes, as quais incluem desde documentos oficiais até notícias na imprensa ou coisas aparentemente inesperadas, como um rótulo de remédio. Tudo depende do tipo de pesquisa e do tema definido. O fato histórico é um acontecimento com impacto coletivo na vida do presente e que deve ser explicado e interpretado pelos historiadores e o processo histórico é definido como o desenrolar dos acontecimentos ao longo da história. Como esses acontecimentos têm uma lógica, uma relação de causa e efeito, damos a isso o nome de processo (FAUSTO, 2004). Feitas estas breves explicações, nos interessa então, discorrer sobre os movimentos sociais, os quais podem ser bons ou ruins, dependendo do grupo que vai levar vantagens ou desvantagens. Nossa intenção não é defender este ou aquele movimento, somente lançar conteúdos que os façam refletir. A ação de defender ou 5 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 acusar, ou mesmo criticar deixamos para você que terá farto material para leitura, entendimento e conclusões pessoais. Ressaltamos que trata-se de uma reunião do pensamento de vários autores que entendemos serem os mais importantes para a disciplina. Para maior interação com o aluno deixamos de lado algumas regras de redação científica, mas nem por isso o trabalho deixa de ser científico. Desejamos a todos uma boa leitura e caso surjam algumas lacunas, ao final da apostila encontrarão nas referências consultadas e utilizadas aporte para sanar dúvidas e aprofundar os conhecimentos. 6 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL Vários dos autores consultados ao iniciar a pesquisa para construirmos a história dos movimentos sociais nos levam a crer no enfoque teórico oriundo do marxismo, sejam eles vinculados ao espaço urbano e/ou rural e tomam como marco a década de 1960 com o movimento dos trabalhadores sem terra, como por exemplo, Lisboa (1988) ao inferir que os movimentos sociais brasileiros só tiveram reconhecimento em meados de 1960, quando surgiram os primeiros movimentos de luta contra a política vigente, ou seja, a população insatisfeita com as transformações ocorridas tanto no campo econômico e social. Mas acreditamos ser importante, dar uma volta no passado e buscar no período do império (século XVIII) as revoltas desencadeadas a partir da Revolução Francesa (1789) e da Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, que abriram o caminho para o avanço do capitalismo para outros países (PRADO JUNIOR, 1988; FURTADO, 2007). É verdade que tais revoltas tinham aparentemente motivos políticos, mas algumas delas deixam transparecer claramente o descontentamento com a condição de vida das classes menos favorecidas. 1.1 O contexto mundial no século XVIII A Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra integra o conjuntodas ―Revoluções Burguesas‖ do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime, na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, que sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para Contemporânea. Em seu sentido mais pragmático, a Revolução Industrial significou a substituição da ferramenta pela máquina, e contribuiu para consolidar o capitalismo como modo de produção dominante. Esse momento 7 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 revolucionário, de passagem da energia humana para motriz, é o ponto culminante de uma evolução tecnológica, social, e econômica, que vinha se processando na Europa desde a Baixa Idade Média. A situação da França no século XVIII era de extrema injustiça social. O Terceiro Estado era formado pelos trabalhadores urbanos, camponeses e a pequena burguesia comercial. Os impostos eram pagos somente por este segmento social com o objetivo de manter os luxos da nobreza. A França era um país absolutista nesta época, ou seja, o rei governava com poderes absolutos, controlando a economia, a justiça, a política e até mesmo a religião dos súditos. Havia a falta de democracia, pois os trabalhadores não podiam votar, nem mesmo dar opiniões na forma de governo. Os oposicionistas eram presos na Bastilha (prisão política da monarquia) ou condenados à guilhotina. A sociedade francesa do século XVIII era estratificada e hierarquizada. No topo da pirâmide social, estava o clero que também tinha o privilégio de não pagar impostos. Abaixo do clero, estava a nobreza formada pelo rei, sua família, condes, duques, marqueses e outros nobres que viviam de banquetes e muito luxo na corte. A base da sociedade era formada pelo terceiro estado (trabalhadores, camponeses e burguesia) que, reforçando, sustentava toda a sociedade com seu trabalho e com o pagamento de altos impostos. Pior era a condição de vida dos desempregados que aumentavam em larga escala nas cidades francesas. A vida dos trabalhadores e camponeses era de extrema miséria, portanto, desejavam melhorias na qualidade de vida e de trabalho. A burguesia, mesmo tendo uma condição social melhor, desejava uma participação política maior e mais liberdade econômica em seu trabalho. A situação social era tão grave e o nível de insatisfação popular tão grande que o povo foi às ruas com o objetivo de tomar o poder e arrancar do governo a monarquia comandada pelo rei Luis XVI. O primeiro alvo dos revolucionários foi a Bastilha. A Queda da Bastilha em 14 de julho de 1789 marca o início do processo revolucionário, pois a prisão política era o símbolo da monarquia francesa. 8 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 O lema dos revolucionários era ―Liberdade, Igualdade e Fraternidade‖, resumindo perfeitamente os desejos do terceiro estado francês. Durante o processo revolucionário, grande parte da nobreza deixou a França, porém a família real foi capturada enquanto tentava fugir do país. Presos, os integrantes da monarquia, entre eles o rei Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta foram guilhotinados em 1793. O clero também não saiu impune, pois os bens da Igreja foram confiscados durante a revolução. No mês de agosto de 1789, a Assembleia Constituinte cancelou todos os direitos feudais que existiam e promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este importante documento trazia significativos avanços sociais, garantindo direitos iguais aos cidadãos, além de maior participação política para o povo. A Revolução Francesa foi um importante marco na História Moderna da nossa civilização. Significou o fim do sistema absolutista e dos privilégios da nobreza. O povo ganhou mais autonomia e seus direitos sociais passaram a ser respeitados. A vida dos trabalhadores urbanos e rurais melhorou significativamente. Por outro lado, a burguesia conduziu o processo de forma a garantir seu domínio social. As bases de uma sociedade burguesa e capitalista foram estabelecidas durante a revolução. A Revolução Francesa também influenciou, com seus ideais iluministas, a independência de alguns países da América Espanhola e o movimento de Inconfidência Mineira no Brasil (COTRIM, 2008). No Brasil a situação não era muito diferente e devido ao modo como D. Pedro I reinava (autoritarismo, fechamento da Assembleia Constituinte, etc.) acabou por abdicar do trono em favor de seu filho Pedro II, menor de idade. Sucederam-se várias regências. O que nos interesse mostrar é que as várias revoltas aconteceram devido ao agravamento da situação econômica e o anseio das camadas popular e média, por uma maior participação política. As rebeliões provinciais foram movimentos de revolta contra o governo central do Império e o regime monárquico em vigor. Mas a característica mais importante das rebeliões provinciais foi a ampla participação popular, principalmente das camadas 9 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 sociais mais humildes, embora quase sempre manipuladas pelas classes ricas na defesa de seus interesses diante da condução do governo imperial pelas regências. A historiografia mais recente tem mostrado que tais movimentos não foram apenas produtos da instabilidade do governo central, ou uma resposta a ela. Cada movimento guarda sua peculiaridade e condicionantes, mas, é impossível negar sua estreita vinculação com a questão das condições sociais da população do Brasil. No grupo que foca a instabilidade política, encontram-se revoltas citadinas ocorridas nos maiores centros urbanos do país, cujos atores centrais foram o povo e a tropa. As principais reivindicações desses movimentos incidiam sobre o alto custo de vida nas cidades, o controle de parte do comércio pelos portugueses, além da desvalorização da moeda nacional. No segundo grupo, as rebeliões atingiram áreas mais amplas de diferentes províncias do Império, colocando em risco a ordem do país. Os maiores exemplos desse segundo ciclo foram a Cabanagem no Pará (1835-1840), a Sabinada em Salvador (1837-1838), a Balaiada no Maranhão (1838-1841), a Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835-1845), a Revolução Liberal em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (em 1842) e a Praieira em Pernambuco (1848-49) (SANTOS, 2010). A presença escrava pode ser verificada em diversos movimentos insurretos do período regencial, como a Revolta dos Cabanos, a Balaiada e a Cabanagem. Contudo, dentre esses movimentos, o levante dos Malês na cidade de Salvador, em 1835, foi o único liderado por escravos e libertos africanos. As origens desse movimento são anteriores ao período regencial, remetendo-se ao início do século XIX, quando se iniciou um ciclo de rebeliões escravas africanas na cidade e em seu entorno. Assim como no Rio de Janeiro, em Salvador os escravos e libertos eram os principais responsáveis pelo trabalho pesado da cidade, saindo ao ganho para realizar diferentes tipos de atividades. Todavia, a composição étnica dessa escravaria era muito diversa da encontrada na Corte imperial (SANTOS, 2010). Enfim, é claramente visível que lá atrás, no século XVIII, as desigualdades, os problemas socioeconômicos e os anseios por justiça social já davam a tônica dos movimentos que viriam a explodir no século XX. 10 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 1.2 Movimentos sociais no Brasil Voltemos então para o século XX, para o enfoque marxista dado aos movimentos sociais! Segundo estudos de Souza (2004) tais movimentos, quando se referiam ao espaço urbano possuíam um leque amplo de temáticas como, por exemplo, as lutas por creches, por escola pública, por moradia,transporte, saúde, saneamento básico etc. Quanto ao espaço rural, a diversidade de temáticas expressou-se nos movimentos de boias-frias (das regiões cafeeiras, citricultoras e canavieiras, principalmente), de posseiros, sem-terra, arrendatários e pequenos proprietários. Cada um dos movimentos possuía uma reivindicação específica, no entanto, todos expressavam as contradições econômicas e sociais presentes na sociedade brasileira. No início do século XX, era muito mais comum a existência de movimentos ligados ao rural, assim como movimentos que lutavam pela conquista do poder político. Em meados de 1950, os movimentos nos espaços rural e urbano adquiriram visibilidade através da realização de manifestações em espaços públicos (rodovias, praças, etc.), muito em parte devido às transformações ocasionadas pelo desenvolvimento do capitalismo, ou seja, o processo de industrialização e urbanização que vinha causando grandes transtornos para a população brasileira. É uma nova realidade para a população brasileira, que até então não conhecia os efeitos do capitalismo. São rupturas que abrangem todos os setores, desde o político até o social, sendo este o setor mais afetado e onde há mais necessidade de reestruturação, mesmo em pleno século XXI. O processo de industrialização brasileiro provocou várias mudanças na sociedade, ou seja, criou-se uma série de expectativas na população, que estão sempre em busca de um melhor padrão de vida. A industrialização provoca um grande êxodo rural, quando muitas famílias vão em busca de uma vida melhor, isto, alguns 11 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 saíram do campo em busca de emprego nos grandes centros, outros foram expulsos devido a modernização no campo. Estes fatos provocaram outros grandes problemas sociais, o crescimento desordenado das cidades, o aparecimento do trabalho assalariado e o desemprego, são alguns destes problemas. Em consequência surgem os primeiros movimentos, que até então só eram reconhecidos como movimento de classe, ou seja, da classe operária. As lutas dos operários que reivindicavam melhores condições de trabalho e salários maiores. Esses movimentos sociais eram considerados como tradicionais, pois não tinham força para se organizarem, onde estavam sempre ligados a algum partido com interesse próprio. Outros movimentos sociais necessariamente se viam obrigados a se unirem ao movimento de classe, ou seja, aos trabalhadores, para ganhar força como movimento de massa, os movimentos sociais viviam a subordinação e o autoritarismo dessas organizações políticas, que tinham toda uma postura ideológica (FIALHO, 2011). A partir da década de 1970, surge uma nova ideia de movimento social, que será totalmente inovador, colocando em questão uma nova compreensão sobre a vida política econômica e social do povo. Esses novos movimentos, tem a capacidade de auto se organizarem, não se vinculando a nenhum tipo de organização, sendo a sua única preocupação a igualdade entre os membros e buscando sempre superar algum tipo de carência, pois só assim poderiam alcançar alguns objetivos (LISBOA, 1988). Alguns autores discordam da questão da luta ligada meramente as carências, como Maria da Glória Gohn (1991, p. 57): Não bastam as carências, pois, se assim fosse, já deveria ter ocorrido uma revolução no Nordeste brasileiro [...]. As lutas se agravam a partir da articulação de carências e setores organizados, mobilizados, que ―puxam‖ as lutas. Cabe ressaltar que os novos movimentos sociais, não estão somente ligados ao mesmo tipo de carência, existem muitos outros fatores como identidade, autonomia e emancipação, que os unem dando mais força a estas lutas que estão cada vez mais articuladas com as igrejas, que se mostram mais sensibilizadas com a população, 12 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 contribuindo com os movimentos, pois, na maioria das vezes é com o apoio da igreja que os integrantes encontram forças para continuarem a luta. Enfim, como lembra Fialho (2011) não é só a igreja que contribui com os movimentos sociais, muitos são os órgãos que ajudaram dando sua contribuição a favor desse movimento visando seus interesses. [...] O que aproxima tais mediadores externos é o fato deles serem portadores de recursos humanos e materiais para os movimentos [...] (MEDEIROS et al., 1994, p. 179). [...] Reserva-se a designação apenas para os que são considerados comprometidos com os interesses dos trabalhadores. (MEDEIROS et al., 1994, p. 181). Existem vários tipos de movimentos sociais no Brasil, mas os que mais tiveram repercussão foram os movimentos urbanos e os movimentos de luta pela terra. Dentre os movimentos urbanos podemos destacar: Movimento de bairros; Movimento dos favelados; Luta de inquilinos; Movimento dos sem teto. Fialho (2011) pondera que esses movimentos começam e terminam rapidamente, talvez seja o fato da falta de amadurecimento e conscientização de seus membros, apesar de serem diferentes da luta do campo, diferente em relação aos setores onde um é o setor urbano e o outro é o campo. A essência é a mesma, estão em busca dos seus direitos, respeito e dignidade, portanto merecem reconhecimento como qualquer outro movimento. 13 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Já os movimentos que lutam pela terra, sempre tiveram maiores repercussões, pois é uma luta que parece nunca ter fim. Esse problema tem suas raízes no período de colonização do Brasil, onde as terras foram mal distribuídas. Segundo Fialho (2011) ao estudarmos a questão agrária no Brasil, nos deparamos com questões completamente divergentes onde uns autores defendem o campesinato e outros não defendem, como se fosse algo que nunca tivesse existido no nosso país. Quem explica bem essa questão é Prado Jr (1981 apud Almeida e Paulino, 2000, p. 119): [...] Na base e origem de nossa estrutura e organização agrária não encontramos, tal como na Europa, uma economia camponesa, e sim a mesma grande exploração rural que se perpetuou desde o início da colonização brasileira até os nossos dias; [...]. Em certas horas podemos associa-lo a Kautsky, teórico clássico alemão que defendia o fim do campesinato em prol do capitalismo. Kautsky descriminava a classe camponesa e colocava os trabalhadores como seres ignorantes. ―Operários bem nutridos e bem remunerados, além de inteligentes, eis a condição indispensável para uma grande exploração racional‖ (KAUTSKY, 1980 apud ALMEIDA E PAULINO, 2000, p. 115). Por outro lado autores como Chayanov (s.d apud FIALHO, 2011) defende o trabalho familiar, deixando bem claro que antes de qualquer dedução sobre essa classe, deveria ser feito uma análise profunda sobre essa forma de produção, ou seja, o campesinato. Segundo esse autor, deveria haver um equilíbrio entre o que se produz e o que consome, ou seja, o que a família produz e o que consomem dessa produção. Ele chama a atenção para o balanço entre o trabalho e o consumo, diz que teóricos como Kautsky, deveriam ter feito essa análise antes de qualquer definição sobre o trabalho familiar. Outro teórico que também defende o trabalho familiar é José de Souza Martins (2000), que concorda que a única forma de resolver os problemas da questão agrária no país é a reforma agrária, que nada mais é que a luta contra o capital, o que pode 14 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 acontecer através da formação de cooperativas (diga-se de passagem, mais um campo de atuação do assistente social). Como diz Gorgen e Stédile (1991 apud Almeida e Paulino, 2000, p. 126): As associações e as cooperativas não devem se organizar apenas com objetivos econômico,mas também com objetivos políticos, de longo prazo, que permitem conscientizar os trabalhadores para fortalecer as suas lutas, tendo em vista a transformação da sociedade, e chegar ao controle absoluto dos meios de produção. Mais um fator que tem contribuído para a exploração dos camponeses assentados e com a quase extinção desta classe é o processo de modernização no campo, que tem substituído cada vez mais a força do trabalho familiar, que muitas vezes acaba levando a ser um trabalhador assalariado. Segundo Ariovaldo Oliveira (1986), esse processo de industrialização do campo tem levado graves alterações tanto na área econômica, como social. Levando essa classe a redefinir toda a sua estrutura socioeconômico. Um outro movimento social que também merece destaque são os movimentos contra as barragens, que lutam pela sobrevivência e pela natureza, como diz Luiz Paulo Costa, secretário da Comissão Nacional dos Atingidos por Barragens (CRAB), tendo quatro razões para a luta: ambientais, socioculturais, econômicas e falta de democracia (MEDEIROS et al., 1994, p. 163). Bem, ainda temos os movimentos populares urbanos que foram impulsionados pelas Sociedades Amigos de Bairro - SABs - e pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte repressão policial, os movimentos não se calaram. Havia reivindicações por educação, moradia e pelo voto direto. Em 1980 destacaram-se as manifestações sociais conhecidas como ―Diretas Já‖ (SOUZA, 2004). Em 1990, o MST e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos, tais como os movimentos sindicais de professores. 15 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Concomitante às ações coletivas que tocam nos problemas existentes no planeta (violência, por exemplo), há a presença de outras ações coletivas: Ações coletivas que denunciam a concentração de terra, ao mesmo tempo em que apontam propostas para a geração de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Ações coletivas que denunciam o arrocho salarial (greve de professores e de operários de indústrias automobilísticas); Ações coletivas que denunciam a depredação ambiental e a poluição dos rios e oceanos (lixo doméstico, acidentes com navios petroleiros, lixo industrial); Ações coletivas que têm espaço urbano como locus para a visibilidade da denúncia, reivindicação ou proposição de alternativas (SOUZA, 2004, p. 3). As passeatas, manifestações em praça pública, difusão de mensagens via internet, ocupação de prédios públicos, greves, marchas entre outros, são características da ação de um movimento social. A ação em praça pública é o que dá visibilidade ao movimento social, principalmente quando este é focalizado pela mídia em geral. Os movimentos sociais são sinais de maturidade social que podem provocar impactos conjunturais e estruturais, em maior ou menor grau, dependendo de sua organização e das relações de forças estabelecidas com o Estado e com os demais atores coletivos de uma sociedade (SOUZA, 2004). Quem resume bem a situação dos movimentos é Scherer-Warren (2006): A realidade dos movimentos sociais é bastante dinâmica e nem sempre as teorizações têm acompanhado esse dinamismo. Com a globalização e a informatização da sociedade, os movimentos sociais em muitos países, inclusive no Brasil e em outros países da América Latina, tenderam a se diversificar e se complexificar. Por isso, muitas das explicações paradigmáticas ou hegemônicas nos estudos da segunda metade do século XX necessitam de revisões ou atualizações ante a emergência de novos sujeitos sociais ou cenários políticos. 16 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Tentaremos em breves linhas seguir o caminho da autora acima, pois concordamos plenamente com seu pensamento. Na atualidade, a noção de sociedade civil que envolve os sujeitos sociais e os cenários políticos passa por uma rede, chamada sociedade das redes, onde o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e outras) ou, ainda, os movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania. Nesse processo articulatório, atribuem, portanto, legitimidade às esferas de mediação (fóruns e redes) entre os movimentos localizados e o Estado, por um lado, e buscam construir redes de movimento com relativa autonomia, por outro. Originase, a partir desse fato, uma tensão permanente no seio do movimento social entre participar com e através do Estado para a formulação e a implementação de políticas públicas ou em ser um agente de pressão autônoma da sociedade civil. Nas sociedades globalizadas, multiculturais e complexas, as identidades tendem a ser cada vez mais plurais e as lutas pela cidadania incluem, frequentemente, múltiplas dimensões do self: de gênero, étnica, de classe, regional, mas também dimensões de afinidades ou de opções políticas e de valores: pela igualdade, pela liberdade, pela paz, pelo ecologicamente correto, pela sustentabilidade social e ambiental, pelo respeito à diversidade e às diferenças culturais, etc. (SCHERER- WARREN, 2006). As redes, por serem multiformes, aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes tipos de organizações –, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e valores. Ainda que esse diálogo não seja isento de conflitos, o encontro e o confronto das reivindicações e lutas referentes a diversos aspectos da cidadania vêm permitindo aos movimentos sociais passarem da defesa de um sujeito identitário único à defesa de um sujeito plural, 17 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 contando evidentemente com a participação do Assistente Social que apresenta uma atuação multifacetada como vimos ao longo do curso. 1.2.1 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido pela sigla MST, é um movimento social brasileiro de inspiração marxista cujo objetivo é a implantação da reforma agrária no Brasil. Teve origem na aglutinação de movimentos que faziam oposição ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar, principalmente na década de 1970, o qual priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST declara buscar a redistribuição das terras improdutivas. Apesar dos movimentos organizados de massa pela reforma agrária no Brasil remontarem apenas às ligas camponesas, associações de agricultores que existiam durante as décadas de 1950 e 1960, o MST proclama-se como herdeiro ideológico de todos os movimentos de base social camponesa ocorridos desde que os portugueses entraram no Brasil, quando a terra foi dividida em sesmarias, por favor real, de acordo com o direito feudal português, fato este que excluiu em princípio grande parte da população do acesso direto à terra. Uma das atividades do grupo consiste na ocupação de terras improdutivas como forma de pressão pela reforma agrária, mas também há reivindicação quanto a empréstimos e ajuda para que realmente possam produzir nessas terras. Para o MST, é muito importante que as famílias possam ter escolas próximas ao assentamento, de maneira que as crianças não precisem ir à cidade e, desta forma, fixar as famílias no campo. A organização não tem registro legal por serum movimento social e, portanto, não é obrigada a prestar contas a nenhum órgão de governo, como qualquer movimento social ou associação de moradores. 18 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 O movimento recebe apoio de organizações não governamentais e religiosas, do país e do exterior, interessadas em estimular a reforma agrária e a distribuição de renda em países em desenvolvimento. Sua principal fonte de financiamento é a própria base de camponeses já assentados, que contribuem para a continuidade do movimento. Dados coletados em diversas pesquisas demonstram que os agricultores organizados pelo movimento têm conseguido usufruir de melhor qualidade de vida que os agricultores não organizados. O MST reivindica representar uma continuidade na luta histórica dos camponeses brasileiros pela reforma agrária. Os atuais governantes do Brasil têm origens comuns nas lutas sindicais e populares, e, portanto, compartilham em maior ou menor grau das reivindicações históricas deste movimento. Segundo alguns autores consultados, o MST é um movimento legítimo que usa a única arma que dispõe para pressionar a sociedade para a questão da reforma agrária, a ocupação de terras e a mobilização de grande massa humana. 1.2.2 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma urbana e garantir moradia e a todos os cidadãos. Está organizado nos municípios do Rio de Janeiro, Campinas e São Paulo. É um movimento de caráter social, político e sindical. Em 1997, o MST fez uma avaliação interna em que reconheceu que seria necessária uma atuação na cidade além de sua atuação no campo. Dessa constatação, duas opções de luta se abriram: trabalho e moradia. Hoje estão em quase todas as metrópoles do País. São desdobramentos urbanos do MST, com um comando descentralizado. As formas de atuação variam de um movimento para outro. Em geral, as ocupações não têm motivação política, apenas 19 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 apoio informal de filiados a partidos de esquerda. O objetivo das ocupações é pressionar o poder público a criar programas de moradia e dar à população de baixa renda acesso a financiamentos para a compra de imóveis. Atualmente, o MTST é autônomo em relação ao MST, mas tem uma aliança estratégica com esse. 1.2.3 Fórum Social Mundial O Fórum Social Mundial (FSM) é um evento alter-mundialista organizado por movimentos sociais de diversos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. Seu slogan é ―Um outro mundo é possível‖. É um espaço internacional para a reflexão e organização de todos os que se contrapõem à globalização neoliberal e estão construindo alternativas para favorecer o desenvolvimento humano e buscar a superação da dominação dos mercados em cada país e nas relações internacionais. A luta por um mundo sem excluídos, uma das bandeiras do I Fórum Social Mundial, tem suas raízes fixadas na resistência histórica dos povos contra todo o gênero de opressão em todos os tempos, resistência que culmina em nossos dias com o movimento irmanando milhões de cidadãos e não cidadãos do mundo inteiro contra as consequências da mundialização do capital, patrocinada por organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outros. O Fórum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira vez na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, entre 25 e 30 de janeiro de 2001, com o objetivo de se contrapor ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Esse Fórum Econômico tem cumprido, desde 1971, papel estratégico na formulação do pensamento dos que promovem e defendem as políticas neoliberais em todo mundo. 20 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Sua base organizacional é uma fundação suíça que funciona como consultora da ONU e é financiada por mais de 1.000 empresas multinacionais. 1.2.4 O movimento hippie Os ―hippies‖ (no singular, hippie) eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura dos anos 1960 tendo relativa queda de popularidade nos anos 1970 nos EUA, embora o movimento tenha tido muita força em países como o Brasil somente na década de 1970. Uma das frases ideomáticas associada a este movimento foi a célebre máxima ―Paz e Amor‖ (em inglês ―Peace and Love‖) que precedeu à expressão ―Ban the Bomb‖, a qual criticava o uso de armas nucleares. As questões ambientais, a prática de nudismo, e a emancipação sexual eram ideias respeitadas recorrentemente por estas comunidades. Adotavam um modo de vida comunitário, tendendo a uma espécie de socialismo-anarquista ou estilo de vida nômade e à vida em comunhão com a natureza, negavam o nacionalismo e a Guerra do Vietnã, bem como todas as guerras, abraçavam aspectos de religiões como o budismo, hinduísmo, e/ou as religiões das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicionais da classe média americana e das economias capitalistas e totalitárias. Eles enxergavam o patriarcalismo, o militarismo, o poder governamental, as corporações industriais, a massificação, o capitalismo, o autoritarismo e os valores sociais tradicionais como parte de uma ―instituição‖ única, e que não tinha legitimidade. Nos anos 1960, muitos jovens passaram a contestar a sociedade e a pôr em causa os valores tradicionais e o poder militar e econômico. Esses movimentos de contestação iniciaram-se nos EUA, impulsionados por músicos e artistas em geral. Os hippies defendiam o amor livre e a não violência. Como grupo, os hippies tendem a viver em comunidades coletivistas ou de forma nômade, vivendo e produzindo independentemente dos mercados formais, usam cabelos e barbas mais compridos do que era considerado ―elegante‖ na época do seu surgimento. Muita gente não 21 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 associada à contracultura considerava os cabelos compridos uma ofensa, em parte por causa da atitude iconoclasta dos hippies, às vezes por acharem ―anti-higiênicos‖ ou os considerarem ―coisa de mulher‖. Foi quando a peça musical Hair saiu do circuito chamado off-Broadway para um grande teatro da Broadway em 1968, que a contracultura hippie já estava se diversificando e saindo dos centros urbanos tradicionais. Os Hippies não pararam de fazer protestos contra a Guerra do Vietnã, cujo propósito era acabar com a guerra. A massa dos hippies eram soldados que voltaram depois de ter contato com os Indianos e a cultura oriental que, a partir desse contato, se inspiraram na religião e no jeito de viver para protestarem. 1.2.5 Os movimentos feministas Feminismo é um discurso intelectual, filosófico e político que tem como meta os direitos iguais e a proteção legal às mulheres. Envolve diversos movimentos, teorias e filosofias, todas preocupadas com as questões relacionadas às diferenças entre os gêneros, e advogam a igualdade para homens e mulheres e a campanha pelos direitos das mulheres e seus interesses. De acordo com Maggie Humm e Rebecca Walker (apud SOUZA, 2004), a história do feminismo pode ser dividida em três ―ondas‖. A primeira teria ocorrido no século XIX e início do século XX, a segunda nas décadas de 1960 e 1970, e a terceira teria ido da década de 1990 até a atualidade. A teoria feminista surgiu destes movimentos femininos, e se manifesta em diversas disciplinas como a geografia feminista, a história feminista e a crítica literária feminista. O feminismo alterou principalmente as perspectivas predominantes em diversas áreas da sociedade ocidental, que vão da culturaao direito. As ativistas femininas fizeram campanhas pelos direitos legais das mulheres (direitos de contrato, direitos de propriedade, direitos ao voto), pelo direito da mulher à sua autonomia e à integridade de seu corpo, pelos direitos ao aborto e pelos direitos reprodutivos (incluindo o acesso à contracepção e a cuidados pré-natais de qualidade), pela 22 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 proteção de mulheres e garotas contra a violência doméstica, o assédio sexual e o estupro, pelos direitos trabalhistas, incluindo a licençamaternidade e salários iguais, e todas as outras formas de discriminação. Durante a maior parte de sua história, a maior parte dos movimentos e teorias feministas tiveram líderes que eram principalmente mulheres brancas de classe média, da Europa Ocidental e da América do Norte. No entanto, desde pelo menos o discurso Sojourner Truth, feito em 1851 às feministas dos Estados Unidos, mulheres de outras raças propuseram formas alternativas de feminismo. Esta tendência foi acelerada na década de 1960, com o movimento pelos direitos civis que surgiu nos Estados Unidos, e o colapso do colonialismo europeu na África, no Caribe e em partes da América Latina e do Sudeste Asiático. Desde então as mulheres nas antigas colônias europeias e no Terceiro Mundo propuseram feminismos ―pós-coloniais‖ - nas quais algumas postulantes, como Chandra Talpade Mohanty, criticam o feminismo tradicional ocidental como sendo etnocêntrico. Feministas negras, como Angela Davis e Alice Walker, compartilham este ponto de vista. Desde a década de 1980, as feministas standpoint argumentaram que o feminismo deveria examinar como a experiência da mulher com a desigualdade se relaciona ao racismo, à homofobia, ao classismo e à colonização. No fim da década de 1980 e início da década seguinte as feministas ditas pós-modernas argumentaram que os papeis sociais dos gêneros seriam construídos socialmente, e que seria impossível generalizar as experiências das mulheres por todas as suas culturas e histórias. 1.2.6 Movimento estudantil O movimento estudantil, embora não seja considerado um movimento popular, dada a origem dos sujeitos envolvidos, que, nos primórdios desse movimento, pertenciam, em sua maioria, a chamada classe pequeno burguesa, é um movimento de caráter social e de massa. É a expressão política das tensões que permeiam o 23 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 sistema dependente como um todo e não apenas a expressão ideológica de uma classe ou visão de mundo. Em 1967, no Brasil, sob a conjuntura da ditadura militar, esse movimento inicia um processo de reorganização, como a única força não institucionalizada de oposição política. A história mostra como esse movimento constitui força auxiliar do processo de transformação social ao polarizar as tensões que se desencadearam no núcleo do sistema dependente. O movimento estudantil é o produto social e a expressão política das tensões latentes e difusas na sociedade. Sua ação histórica e sociológica tem sido a de absorver e radicalizar tais tensões. Sua grande capacidade de organização e arregimentação foi capaz de colocar cem mil pessoas na rua, quando da passeata dos cem mil, em 1968. Ademais, a histórica resistência da União Nacional dos Estudantes (UNE), como entidade representativa dos estudantes, é exemplar. O movimento estudantil é um movimento social da área da educação, no qual os sujeitos são os próprios estudantes. Caracteriza-se por ser um movimento policlassista e constantemente renovado - já que o corpo discente se renova periodicamente nas instituições de ensino. Podem-se encontrar traços de movimentos estudantis pelo menos desde o século XV, quando, na Universidade de Paris, uma das mais antigas universidades da Europa, registraram-se vários movimentos grevistas importantes. A universidade esteve em greve durante três meses, em 1443, e por seis meses, entre setembro de 1444 e março de 1445, em defesa de suas isenções fiscais. Em 1446, quando Carlos VII submeteu a universidade à jurisdição do Parlamento de Paris, eclodiram revoltas estudantis - das quais participou, entre outros, o poeta François Villon - contra a supressão da autonomia universitária em matéria penal e a submissão da universidade ao Parlamento. Frequentemente, estudantes eram detidos pelo preboste do rei e, nesses casos, o reitor dirigia-se ao Châtelet, sede do prebostado, para pedir que o estudante fosse julgado pelas instâncias da universidade. Se o preboste do rei indeferia o pedido, a universidade entrava em greve. Em 1453, um estudante, 24 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Raymond de Mauregart, foi morto pelas forças do Châtelet e a universidade entrou novamente em greve por vários meses. Contemporaneamente, destacam-se os movimentos estudantis da década de 1960, dentre os quais os de maio de 1968, na França. No mesmo ano, também se registraram movimentos em vários outros países da Europa Ocidental, nos Estados Unidos e na América Latina. No Brasil, o movimento teve papel importante na luta contra o regime militar que se instalou no país a partir de 1964 (SOUZA, 2004). 25 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 2 ESTUDO SOCIOLÓGICO DAS ORGANIZAÇÕES 2.1 O surgimento da sociologia No século XVIII, o ocidente começou a sofrer profundas transformações. Foram descobertas novas técnicas, que implicaram na criação de máquinas e equipamentos que revolucionaram o antigo modo de produção de mercadorias. Com a Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra, as formas antigas de organização mudariam radicalmente. Com o crescimento da população mundial, a demanda de produtos cresceu e ocorreram mudanças significativas nas formas de produção e de organização. A Sociologia surgiu no século XIX num momento em que se consolidava a primeira fase da Revolução Industrial. Suas abordagens iniciais buscavam compreender o contexto da industrialização e o papel desempenhado na sociedade pelas novas e dinâmicas organizações empresariais e os seus principais agentes: o empresário capitalista e o operário. Desenvolveu-se essa nova disciplina primeiramente com o objetivo de compreender as mudanças que estavam ocorrendo na nova sociedade que se erguia sob a influência da indústria; em seguida, passou para uma abordagem analítica e crítica. O surgimento da Sociologia ao longo do século XIX é possível porque há uma crescente tomada de consciência da existência de uma sociedade complexa e dinâmica, geradora de novos problemas sociais, que gradativamente vai sendo considerada como objeto de análise, em cujo estudo se pode adotar o método científico. Auguste Comte (1798-1857) é considerado o pai da Sociologia, pois estabeleceu claramente o campo de pesquisa da nova ciência como sendo a sociedade. A disciplina por ele criada teve continuidade com Herbert Spencer, Émile 26 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Durkheim e Max Weber, entre outros, que foram estabelecendo os limites de atuação da Sociologia. O estudo das interações humanas e da sociedade vai se tornando cada vez mais o ponto central de referência para as ciências sociais. Entre os pontos em comum que tinham entre si os primeiros sociólogos (agrupados na denominada Sociologia Clássica), encontra-se a importância que é dada à ―indústria como núcleo da organização social, tanto em suas possibilidades de desenvolvimento e progresso real para as condições de vida das pessoas individuais como em seu aspecto de instituição que abriga e gera conflitosnunca conhecidos em épocas anteriores‖ (LUCAS MARIN, 2002, p. 6). A partir da Revolução Industrial as organizações passaram a exercer um papel fundamental na vida humana, a tal ponto que hoje seria inconcebível pensar o cotidiano sem elas. De fato, estão presentes ao longo de toda nossa vida e nos relacionamos com diversas organizações ao longo de um único dia. Constituem exemplos: as empresas, os sindicatos, as cooperativas, os clubes esportivos, os bancos, os partidos políticos, as escolas, as organizações não governamentais, as penitenciárias, os hospitais, entre outras. Não há muita dificuldade em identificarmos as organizações, no entanto não é tão fácil estabelecer as diferenças entre elas ou em relação a outras formas sociais, como a família, os movimentos sociais e as comunidades, por exemplo. Este fato nos remete à necessidade de aprofundarmos a base conceitual através de estudos de organizações concretas. Assim, o grande número de organizações, o papel que desempenham nos processos sociais e seu papel como agentes ou opositoras de mudanças sociais as converteram, portanto, em objeto de estudo das ciências sociais de um modo geral, e da sociologia em particular (DIAS, 2008). A desestruturação da sociedade tradicional, com a perda de suas principais referências, que garantia um mínimo de estabilidade, como a organização econômica baseada na agricultura, e a existência de um claro domínio político da nobreza 27 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 provocaram a necessidade de encontrar alternativas que servissem como modelo a um novo tipo de organização social. E, para tanto, era necessário surgir uma ciência que estudasse os fenômenos que estavam ocorrendo, visando entendêlos, interpretá- los e propor alternativas viáveis (DIAS, 2008). Os precursores da Sociologia e os primeiros sociólogos vislumbraram como núcleo dessa nova sociedade a forma de organização trazida pela indústria, destacando-se o papel dos empresários e da racionalidade científica como elementos novos de articulação de uma nova ordem. Nesse sentido, a nova forma de organização, a indústria, passa a ocupar lugar de destaque na sociedade, principalmente pelo fato de que o aumento de produtividade permitiu o atendimento de um número maior de consumidores de produtos a que outrora somente as classes superiores tinham acesso. Assim, ao lado da necessidade de estudar os novos fenômenos sociais trazidos pela industrialização, a indústria por si mesma torna-se objeto de estudo das ciências sociais. Esse fato mostra que a necessidade de estudo da organização industrial caminha concomitantemente com a construção dessa nova ciência, a Sociologia. Num primeiro momento, o estudo da indústria coube a uma vertente denominada Sociologia industrial, que pode ser considerada a precursora da disciplina. Assim, a disciplina Sociologia das Organizações nasce juntamente com a Teoria das Organizações, e torna-se muito difícil desvencilhar uma da outra, sendo que ao longo de todo o século XX podemos afirmar que o estudo sociológico das organizações confunde-se com aquele realizado em torno da Teoria das Organizações. 2.2 O estudo das organizações 28 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Podemos encontrar ideias relevantes para o estudo das organizações ao longo de toda a história, no entanto, os primeiros estudos sistemáticos do comportamento organizacional foram realizados no final do século XIX. Motivados pelas mudanças na estrutura social, que estavam associadas com a industrialização e a crescente burocratização, intelectuais das mais diversas disciplinas começaram a prestar mais atenção às organizações e seus efeitos na vida social (SCOTT, 2004 apud DIAS, 2008). O conceito de organização tem como ponto de partida a sociologia, mas tem vínculos com outras disciplinas, tanto em termos de estudo quanto aplicação, que correspondem basicamente às ciências sociais e do comportamento (Sociologia, Antropologia e Psicologia) e ao econômico empresarial (administração, economia). As primeiras abordagens tiveram como foco principal a racionalização do processo de trabalho, deixando num segundo plano (e até ignorando) o ambiente externo da organização e o papel dos grupos informais no processo de trabalho, destacando-se nesse período os trabalhos de Taylor e Fayol. As análises e conclusões de Weber sobre as transformações no sistema administrativo das administrações governamentais, e a importância que deu ao sistema administrativo racional-legal, contribuíram para reforçar as proposições desse conjunto de autores reunidos no que denominamos de Escola Clássica. Como uma reação a essas versões tecnocráticas, os cientistas sociais durante as décadas de 1930 e 1940 passaram a se contrapor a essa concepção racional- instrumental da organização. Entre esses pesquisadores, os psicólogos descobriram motivos individuais mais complexos, e os estudos de antropólogos e sociólogos revelaram a existência não oficial de padrões informais de cooperação, normas compartilhadas e conflitos dentro de cada grupo e entre gerentes e trabalhadores (SCOTT, 2004 apud DIAS, 2008). Destacaram-se nesse período os trabalhos de Elton Mayo sobre o comportamento das trabalhadoras de uma fábrica da Western Electric e que constituem o marco inicial da Teoria das Relações Humanas. 29 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 O que estava ausente nessas abordagens iniciais tanto da Escola Clássica quanto da Teoria das Relações Humanas era a análise da organização como uma unidade social, um agente diferenciado da sociedade. Considerando este aspecto entre os primeiros que estudaram a organização como uma unidade de interesse estavam Barnard e Selznick, que observaram que as organizações não eram somente sistemas de produção técnica, mas também sistemas sociais adaptáveis que buscavam sobreviver em seu meio ambiente (BARNARD, 1971 apud DIAS, 2008). Barnard dedicou bastante atenção à interdependência das estruturas formais e informais no interior das organizações, o que lhe permitiu perceber que a função primária do executivo não é projetar sistemas eficientes, mas criar e promulgar visões morais relacionadas com a missão da organização que irão comprometer, de forma mais concreta, os seus integrantes. Selznick (1971), por sua vez, enfatizou que as organizações poderiam ser encaradas sob dois pontos de vista, analiticamente distintos. Por um lado, qualquer organização representa um sistema de relações que define a disponibilidade de recursos escassos e que podem ser manipulados em termos de eficiência e eficácia. Por outro lado, constituem sistemas cooperativos e estruturas sociais adaptáveis. Na década de 1950, Gouldner (1959 apud DIAS, 2008) sintetizou estas duas visões, identificando-as com um sistema racional e um sistema natural. A perspectiva do sistema racional considera as organizações como instrumentos que podem ser conscientemente manipulados e moldados para realizar determinados fins. A perspectiva do sistema natural vê a organização como um sistema orgânico buscando sua sobrevivência, como coletividade que envolve espontaneamente processos indeterminados. Na década de 1950, ainda destacam-se como contribuição à Sociologia das Organizações, além dos já citados, os trabalhos de Robert K. Merton (Estrutura burocrática e personalidade), Talcott Parsons (Sugestões para um tratado sociológico da teoria da organização), Philip Selznick (Fundamentos da teoria da organização) e 30 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Peter M. Blau (A dinâmica da burocracia), entre outros, que foram reunidos por Etzioni no livro Complex organizations publicado em1961 (ETZIONI, 1973). Nesse mesmo período, um coletivo de intelectuais de diferentes disciplinas reunidos no Instituto Tavistock construiu um modelo sociotécnico de análise organizacional apresentado num relatório técnico elaborado por Frederick Emery em 1959 e, posteriormente, publicado por Emery e Trist em 1960, que incorpora os aspectos sociais e técnicos numa perspectiva de estudo das organizações como sistemas abertos (DIAS, 2008). Algumas limitações dos estudos sociológicos das organizações que vinham sendo feitos até então foram apontadas por Etzioni no final da década de 1950, afirmando que: ―Com relação ao efetivo estudo das organizações, pode-se dizer - e isto se aplica também à sociologia de organizações econômicas - que a maioria dos estudos tende a focalizar a unidade organizacional e as inter-relações entre seus elementos e evidenciam uma tendência para negligenciar suas relações com outras unidades sociais, mesmo as significativas, como outras organizações e coletividades. Frequentemente, dá-se ênfase às características genéricas e aos processos de unidades da organização, e não às estruturas específicas e aos processos dos vários subtipos da organização‖ (ETZIONE, 1973). Etzioni (1973) considerava que a sociologia organizacional era potencialmente capaz de desenvolver bases sadias para um estudo geral e comparativo das organizações e focalizou o estudo das organizações de acordo com quatro pontos de vista: 1. As organizações são analisadas como unidades sociais, e o interesse se divide entre o estudo da estrutura formal e o da não formal. 2. O estudo das organizações aborda a relação de uma estrutura organizacional, como unidade, com outras estruturas de organizações, e com unidades sociais que não são organizações (coletividades), tais como: família, comunidades, grupos étnicos, classes sociais e a própria sociedade. 31 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 3. As organizações são analisadas do ponto de vista de suas relações com a personalidade e a cultura. Quanto à personalidade, relacionam-se com as necessidades da estrutura organizacional e as necessidades das personalidades dos participantes. O estudo das relações da organização com sistemas culturais abrange, por um lado, as orientações de valor, as fontes de legitimação da autoridade e as relações dinâmicas entre os ideais e objetivos da organização e as necessidades da própria estrutura organizacional, e por outro lado envolve os meios pelos quais o conhecimento é adquirido e institucionalizado dentro das organizações. 4. A relação entre as organizações e o meio ambiente incluiria o estudo do comportamento das organizações relacionado com a capacidade biológica e fisiológica, inclusive as necessidades dos participantes e o estudo das respectivas adaptações entre a organização e o ambiente geográfico e físico. Aqui nos interessa os pontos 2 e 4 dos quais podemos fazer um gancho para nossos estudos que virão a seguir sobre a questão da responsabilidade social das empresas e o papel do Assistente social, visto ser este nosso objeto e objetivo de estudo. Segundo Dias (2008), para alguns autores a Sociologia das Organizações tem como conteúdo central o estudo de cinco grandes características que são encontradas em todas as organizações: alguns objetivos específicos que orientam os outros aspectos estruturais e funcionais; uma rede de posições ocupadas por indivíduos substituíveis; uma dedicação responsável às tarefas de sua posição por parte dos indivíduos que a ocupam; uma estrutura ou sistema estável e coordenado de relações entre as diferentes posições; e um ou mais centros de poder que controlam a atividade da organização e a dirigem para a realização de seus objetivos. Atualmente, podemos afirmar que, especificamente, a sociologia organizacional se preocupa em estudar as formas organizacionais como sistemas sociais em contínua interação com o seu ambiente externo, que gera efeitos em seus processos internos (os indivíduos, suas interações, comportamentos, processos sociais básicos, relações de poder etc.) e na organização como um todo. 32 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Nesse contexto, e a partir da perspectiva, interesse e metodologia adotada pelo pesquisador, a sociologia pode abordar o fenômeno organizacional de três modos distintos, tendo como referência básica: o indivíduo, a organização e a ação da organização na sociedade. Do ponto de vista do indivíduo, os problemas objeto de estudo são aqueles que dizem respeito às pessoas que pertencem à organização, ao tipo e grau de participação, seu comportamento, motivação, cultura adquirida, identificação com a organização etc. Quanto à organização, trata-se de considerá-Ia um todo complexo, e o seu estudo foca a estrutura (hierárquica, física, de dominação, das relações de poder), os diversos subsistemas que contém (técnico, de normas, entre outros), a ideologia, os fins, objetivos e metas. Incluem-se nesse referencial, também, os processos de cooperação, os conflitos, a comunicação, a influência do ambiente externo na organização, entre outros. O terceiro modo de se abordarem as organizações é considerá-Ias enquanto atores sociais, partindo-se do pressuposto de que são agentes ativos de transformações (sociais, econômicas, culturas etc.) que podem incluir tanto mudanças como manutenção de determinado status quo. Trata-se, em resumo, da ação organizacional no seio da sociedade, da relação com seu público externo, com as instituições públicas, privadas e do terceiro setor, e da comunidade que vive em seu entorno imediato. 2.3 As organizações como agentes sociais As organizações, de um modo geral, para alcançar seus objetivos devem se submeter às limitações impostas pelo meio sociocultural do qual fazem parte, cumprem um papel social como peças de um todo complexo e articulado ao qual denominamos sociedade, desempenhando funções sociais importantes e socialmente legitimadas. 33 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Por outro lado, as organizações modificam o ambiente onde estão localizadas, e quanto maiores, mais significativas são as modificações que provocam, pois o entorno das organizações mais poderosas está bem controlado por elas, é bastante estável e está formado por outras organizações com interesses semelhantes ou por interesses que elas controlam. Assim, as organizações são agentes sociais que controlam determinados bens, estabelecem novas relações na sociedade onde estão inseridas e provocam modificações no ambiente sociocultural. As organizações são protagonistas na sociedade, em todos os âmbitos em que esta se estrutura (privado ou público) (DIAS, 2008). As organizações devem ser consideradas como agentes sociais coletivos que influenciam e determinam a vida de outros agentes (coletivos e individuais). Tomando como exemplo uma organização econômica (empresa), temos como principais âmbitos em que intervém: Criação do mercado de trabalho, entendido como o conjunto de práticas que regulam a contratação e o controle da atividade produtiva dos trabalhadores; Contribuição eficaz e decisiva para a estratificação social; Modificação do meio natural ou ecológico, do qual toma seus recursos e sobre o qual intervém de muitos modos ao longo do processo produtivo; Através da produção de mercadorias, ou seja, bens e serviços que se oferecem ao mercado mediante um preço: - produz valores de uso, bens úteis, que respondem a necessidades individuais e coletivas, reais ou fictícias, naturais ou criadas; - produz valores de troca, cujos preços são construídos pelas empresas; - cria identidade, não somente dentro das organizações, mas também no contextoda sociedade, ao relacionar o consumo de certos 34 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 produtos com a posição social, ou com o pertencimento a determinados setores sociais. É a busca permanente de novas formas de gosto como afirmação da própria identidade. 3 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS – DESAFIO PARA O SERVIÇO SOCIAL No Brasil, a gravidade dos problemas sociais e a emergência de alternativas para o enfrentamento dessa realidade trazem à tona a discussão sobre a responsabilidade social das empresas. No setor privado, o movimento da responsabilidade social (RS) é composto por ambiguidades e controvérsias que, somadas às discussões sobre a situação de boa parte da população, cujas necessidades básicas ainda não estão sequer sendo supridas, tornam a RS das empresas brasileiras um desafio ainda maior (REIS, 2007). No contexto mundial, o movimento da RS existe desde os anos 1960, mas, no Brasil, ele tomou forma e concretude nos anos 1980. Sua disseminação é lenta e carrega uma tradição histórica de filantropia assistencialista, portanto, trata-se de uma discussão em curso e com produção reduzida. Para efeitos dessa reflexão, sistematizaram-se alguns autores, sem a preocupação de pautar linhas de divergência e convergência a respeito do tema, e utilizaram-se informações estatísticas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com o intuito de destacar algumas características do movimento no Brasil. Nessa perspectiva, as referências que seguem caracterizaram: em primeiro lugar, as origens e a evolução da responsabilidade social das empresas, tendo por fim destacar o entendimento do seu significado; em segundo, uma síntese da evolução da ação social das empresas brasileiras; e, por fim, por meio de informações empíricas, em que estágio se encontravam as ações de RS nas empresas brasileiras como alternativa para a construção de uma sociedade com efetiva justiça social, econômica e sustentável (REIS, 2007). 35 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Origens e evolução da responsabilidade social das empresas O movimento da responsabilidade social das empresas, cuja projeção nos EUA e na Europa aconteceu em meados dos anos 1960, passou a ser pauta na agenda dos empresários brasileiros, com mais visibilidade, ao longo dos anos 1990, incentivado pelo período de redemocratização e abertura econômica do País e pelos direitos conquistados com a Constituição Federal de 1988. No meio acadêmico, as reflexões sobre o tema iniciaram nos anos 1980, trazendo à tona as peculiaridades da RS em um país como o Brasil, cuja gravidade dos problemas sociais e a responsabilidade das empresas, seja no agravamento desses problemas, seja na contribuição para o seu enfrentamento, já não podiam mais passar despercebidos. Uma das primeiras referências acadêmicas ao assunto, no Brasil, aponta a responsabilidade social das empresas como ―(...) parte da premissa de que as organizações têm responsabilidade direta e condições de abordar os muitos problemas que afetam a sociedade (...) (TOMEI, 1984, p. 189)‖. Nessa ótica, assim como as empresas têm responsabilidade pelos problemas sociais, também têm capacidade de utilizar ferramentas empresariais para seu enfrentamento. Oliveira (1984, p. 205) reforça essa premissa, ao sustentar que a RS das empresas é a ―(...) capacidade da empresa de colaborar com a sociedade, considerando seus valores, normas e expectativas para o alcance de seus objetivos‖ e acrescenta que ambas — empresa e sociedade — podem atingir seus objetivos. Essa definição revela a convergência de interesses das empresas e da sociedade, e veio ao encontro do momento político de abertura econômica do País, pois o ingresso de capitais norte-americano e europeu reforça e qualifica o debate sobre a RS das empresas. A RS das empresas também deveria contemplar o atendimento às demandas da sociedade, na perspectiva de progresso, desenvolvimento humano e melhoria das condições de vida da população: ―(...) o modelo de responsabilidade social deveria resultar de uma preocupação em se aliar o desenvolvimento econômico ao 36 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 desenvolvimento de qualidade de vida‖ (GUIMARÃES, 1984, p. 215). Nessa ótica, a questão do desenvolvimento econômico, humano e social foi contemplada como parte das responsabilidades das empresas. Em uma perspectiva mais ampla, a RS das empresas é vista (...) como um compromisso (...) com relação à sociedade e à humanidade em geral, e uma forma de prestação de contas do seu desempenho, baseada na apropriação e no uso de recursos que originalmente não lhe pertencem (MELO NETO E FROES, 1999, p. 84). Sob esse prisma, as empresas consomem recursos da sociedade, renováveis ou não, mas que são patrimônio gratuito e coletivo da humanidade; logo, contraem ―uma dívida social‖ (Melo Neto e Froes, 1999), sendo seu compromisso restituir à sociedade o que dela é absorvido, por meio de investimentos na área social e no meio ambiente. A evolução da RS das empresas pode ser dividida em três estágios, que, ao contemplarem permanentemente diferentes enfoques e públicos-alvo, envolvem todas as partes interessadas no processo de gestão social empresarial, através de ações gerenciais desenvolvidas para o enfrentamento das novas demandas sociais. Tais estágios são: ―(...) 1º estágio – exercício da gestão social interna (...) 2º – exercício da gestão social externa (...) 3º – exercício da gestão social cidadã (...)‖ (MELO NETO E FROES, 2001, p. 80-81). Em relação ao primeiro, o exercício da gestão social interna tem o foco de atuação voltado para os funcionários e seus familiares, e refere-se a questões regulares da empresa, como saúde, segurança, qualidade no ambiente de trabalho e benefícios. O fato de o primeiro estágio ter como objetivo os funcionários gera questionamentos sobre os interesses envolvidos nessa decisão: se é o de aumentar a motivação, a satisfação e o comprometimento dos funcionários somente para incrementar a produtividade, tornando a gestão social interna um fim em si mesma, ou se visa a contemplar objetivos sociais mais amplos, de mudança de cultura. O segundo estágio, relativo à gestão social externa, refere-se à sociedade, às comunidades e aos consumidores em questões como preservação do meio ambiente, 37 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 impactos socioeconômico, político e cultural na sociedade, segurança e qualidade dos produtos. O terceiro estágio é o exercício da gestão social cidadã, que extrapola a comunidade e se estende à sociedade como um todo. As empresas inserem-se socialmente na comunidade, cooperando para o desenvolvimento e fomentando projetos locais e regionais, mediante ações de filantropia, incentivo à geração de empregos e estabelecimento de parcerias com o Governo e outras entidades, além da promoção de campanhas de conscientização social e de cidadania (MELO NETO E FROES, 2001). Mas a ação de filantropia, que, em realidade, apenas reproduz determinadas condições sociais vigentes ao invés de transformá-las, é uma questão presente na atuação social das empresas, e requer um repensar sobre sua efetividade. Na gama de definições de responsabilidade social das empresas, também são utilizadas outras terminologias, como o conceito de cidadania empresarial, que parte de duas visões que se complementam, pois ―(...) pressupõe uma concepção de empresa que é corresponsável pelo bem-estar da comunidade‖ (Melo Rico, 1998, p. 38), indo além do cumprimento de sua função econômica, ao assumir compromissos éticos que contribuam para a melhoria da qualidade de vida da comunidade, e sendo também definidocomo ―(...) um conjunto de princípios e sistemas de gestão destinados à criação ou à preservação de valor para a sociedade (...)‖ (Soutello Alves, 2001, p. 4), ou seja, uma empresa que possa desenvolver métodos de gestão socialmente responsáveis e capazes de atender a diferentes anseios, não só das comunidades, mas de toda a sociedade. A cidadania empresarial manifesta-se na cultura da empresa cidadã, que é aquela que ―assume o compromisso e define políticas em relação a cada um de seus parceiros. Cultiva e pratica livremente um conjunto de valores (...)‖ (MARTINELLI, 2006, p. 83). É cidadã porque preserva e respeita os interesses das partes com as quais tem relações diretas e indiretas, adotando uma postura proativa, que contribui para encaminhar soluções aos diversos problemas sociais, mobilizando recursos como 38 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 informação, técnicas de gerenciamento, cultura de resultados, senso de prioridades, além de recursos financeiros, materiais e humanos, colocando-os à disposição da sociedade como fatores estratégicos para o desenvolvimento do bem comum. Mas a filantropia e a doação ainda são muito presentes no movimento da responsabilidade das empresas no Brasil. Nessa ótica, ―a filantropia empresarial é um setor em crescente movimento e que representa algo novo não apenas no cenário organizacional, mas também no cenário da sociedade brasileira‖ (Melo Rico, 1998, p. 25), no qual os recursos privados do setor empresarial são utilizados para o atendimento das necessidades e dos interesses de fins públicos. A filantropia empresarial, ao investir na sociedade, não está prestando favores ou doando benefícios. A nova ação social empresarial está procurando algum retorno, colaborar com o desenvolvimento do País, demonstrando que a iniciativa privada deve ser consciente, ter uma responsabilidade social em relação aos problemas que atingem a sociedade como um todo. A empresa cidadã é aquela que, além de cumprir sua função econômica, trabalha para a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade (MELO RICO, 1998, p. 29). As empresas atuam nos espaços em que a ação social do Estado, por si só, é inconsistente para enfrentar graves problemas, como a situação de miséria e exclusão social que assola o País, seja por uma questão de ineficiência na aplicação de políticas sociais, seja por falta de recursos. Embora haja a compreensão de que a gestão de políticas e programas de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais é ainda competência do Estado, a filantropia empresarial, por meio da doação e de investimentos em programas sociais, e articulada a ações do Estado e ao Terceiro Setor, pode contribuir para melhores resultados e maior abrangência dos programas, assim como para minimizar e enfrentar as demandas sociais. Desse modo, percebe-se que a filantropia das empresas tem por objetivo possibilitar que projetos sociais de interesse público possam ser iniciados, e, para isso, é necessária a doação de recursos financeiros, tanto para o desenvolvimento de projetos próprios das empresas, apoiando projetos de ONGs, quanto para a criação de institutos e fundações, muitas vezes em associação com outras empresas. O que 39 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 tem sido discutido na atualidade é que as empresas devem acompanhar os projetos e aperfeiçoar as ações, de modo a gerarem retorno em face dos investimentos realizados, não em lucros financeiros para si mesmas, mas para a sustentabilidade do projeto. Por outro lado, o processo de globalização da economia faz com que, cada vez mais, as empresas se preocupem com a sustentabilidade de seu negócio e com sua imagem pública. ―Portanto, o investimento em projetos sociais pode estar ligado à eficácia da produção e à lucratividade da empresa (...)‖ (MELO RICO, 1998, p. 37). Mas, se o interesse econômico como um fim em si mesmo, muitas vezes, é o que desperta o interesse da empresa pela responsabilidade social e até pode ser o exercício inicial da sua atuação social, a ―(...) pressão na sociedade civil como um todo, no sentido de 'cobrar' ações efetivas do empresariado para se envolver no processo de desenvolvimento social do País (Melo Rico, 1998, p. 37), também está despertando maior conscientização das empresas sobre seu papel no desenvolvimento humano e social do Brasil. Assim, com base nas definições destacadas, é possível referir que o processo de implementação da responsabilidade social nas empresas brasileiras é muito recente e encontra desafios nas históricas peculiaridades dos agentes econômicos do País. Por exemplo, como a RS no Brasil não está expressa em caráter obrigatório, mas no de ajuda, no de colaboração ou de adesão, a ambiguidade da ação da empresa se faz presente a todo momento. Ou seja, os empresários e as instituições têm o pleno conhecimento do significado e da necessidade de atuarem nessa perspectiva, porém, na prática, essa compreensão não se evidência como um movimento consciente. Nos termos desta reflexão, é fundamental destacar que o Segundo Setor tem papel preponderante na construção de uma sociedade mais justa, por meio de decisões e de ações socialmente responsáveis, transparentes e éticas, que preservem os interesses de todos os stakeholders, decisões essas que não suprimam dos indivíduos seu trabalho, seu sustento e o de sua família e uma vida digna. Isso é 40 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 condição e requisito para a sustentabilidade social e econômica não apenas da sociedade, mas do próprio negócio. No Brasil, as necessidades básicas de grande parcela da população ainda não estão sendo supridas. Questões relativas à sobrevivência, à fome, ao desemprego e à exclusão social, dentre outras, remetem as discussões acerca da responsabilidade social das empresas a um outro patamar. Os primórdios das discussões sobre responsabilidade social empresarial nos Estados Unidos e na Europa tratavam de problemas relativos ao meio ambiente e aos direitos dos consumidores. A realidade brasileira suscita outros questionamentos, muito mais intensos e urgentes de serem enfrentados e solucionados (REIS, 2007). Um pouco de história... Historicamente, a parceria entre Estado e sociedade civil já vem sendo costurada desde a década de 1930 (Mestriner, 2005) e intensificada ao longo dos anos, oscilando entre ampliações e retrações. Realizando atendimentos que, a priori, seriam responsabilidades do Estado, a iniciativa privada reforça o discurso da ineficiência governamental — mesmo que seu financiamento muitas vezes seja proveniente dele. Assim, o ―terceiro setor‖ (que juntou num mesmo pacote conceitual ONGs, movimentos religiosos, associações de moradores e filantropia empresarial, só para citar alguns) passa a executar ações sociais, fortalecendo uma postura clientelista nos atendimentos. Dessa forma o enfrentamento da ―questão social‖ por meio da (re)filantropia e do terceiro setor se ampliou. Ao tornarem-se ―parceiros‖ do poder público para a implantação e gestão de programas e projetos sociais, consolidam uma transferência de responsabilidades para a iniciativa privada no campo do investimento social, que, na verdade, seria uma atribuição constitucional do Estado brasileiro em todos os níveis de governo. Passou a ser um canal onde as demandas sociais resultantes da ―questão social‖ podem ser absorvidas, desarticuladas, pulverizadas e transmutadas em ―questões sociais‖, 41 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 esvaziando sua origem nas contradições de classe, buscando respaldo no discurso da solidariedade e munido de uma legitimidade outorgada pela sociedade e pelo financiamento
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