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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SERVIÇO SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS INFLUÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS NO AMAZONAS ANA CLAUDIA LOPES MARTINS MANAUS 2018 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ANA CLAUDIA LOPES MARTINS FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SERVIÇO SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS INFLUÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS NO AMAZONAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof. Msc. Marcelo Mario Vallina MANAUS 2018 ANA CLAUDIA LOPES MARTINS FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SERVIÇO SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE AS INFLUÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS NO AMAZONAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Serviço Social. Aprovado em 12 de dezembro de 2018. BANCA EXAMINADORA Prof. Msc. Marcelo Mario Vallina – Presidente Universidade Federal do Amazonas Prof. Dra. Roberta Ferreira Coelho de Andrade – Membro Universidade Federal do Amazonas Prof. Dr. César Augusto Bulbolz Queirós – Membro Universidade Federal do Amazonas Dedico este trabalho aos meus pais, Claudomira e Claudionor, meus maiores incentivadores, meus exemplos de vida e de amor. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus e a todos os espíritos de luz que me guiaram por este caminho e me ampararam nos momentos difíceis da minha jornada. Agradeço aos meus pais, Claudomira e Claudionor, que me proporcionaram uma boa vida, nunca deixaram faltar os bens materiais necessários, sempre me incentivaram a ler, estudar, pesquisar e questionar. Além disso, obrigada pelo companheirismo e amor, minha existência faz mais sentido quando estou com vocês. Agradeço a minha mais querida e amada avó, Dona Fátima, pelos momentos de descontração e risos. Minha alma fica mais leve ao seu lado. Agradeço ao meu companheiro, Fabio Paixão, por acalentar meu coração, permanecer ao meu lado e me confortar nos momentos de estresse. Agradeço as minhas amigas e amigos, em especial, à Clivia Barroco. Amiga, sem você, esse trabalho não teria sido concluído, obrigada pelo carinho, apoio e incentivo nos momentos de desespero, sei que seguiremos firmes nos próximos passos dessa caminhada acadêmica. Agradeço imensamente ao Prof. Marcelo M. Vallina por me incentivar, me acalmar na sua forma mais tranquila e me fazer perceber as contradições desta sociedade. Além de me permitir contribuir à sua pesquisa, obrigada pela confiança. Agradeço à minha colega de turma e de luta, Nicole Fernandes, pela imensa contribuição no projeto de iniciação científica, pelos debates que construímos e pelas angústias que partilhamos. Agradeço a todas as assistentes sociais, sejam docentes ou não, que contribuíram na minha formação, que continuemos firmes nesses momentos sombrios e que o debate e a reflexão sejam o caminho escolhido para o combate. Agradeço as minhas colegas de classe, Agslaine Najara, Elen Ferreira, Nayara Serrão, Glória Vaz e Yasmin Farias, pela construção durante esses quatro anos. Agradeço à Universidade Federal do Amazonas e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, pelos dois projetos de pesquisa financiados que dão base a este trabalho. A profissão [serviço social] é tanto um dado histórico, indissociável das particularidades assumidas pela formação e desenvolvimento da sociedade brasileira quanto resultante dos sujeitos sociais que constroem sua trajetória e redirecionam seus rumos. Marilda Villela Iamamoto RESUMO Em uma perspectiva histórica, a temática apresentada é deveras relevante para a compreensão da formação profissional no Amazonas, todavia, existem poucos estudos que abordam o tema, sendo estes realizados, principalmente, pela iniciação científica, na qual os resultados começam a traçar as principais influências teórico-metodológicas no Serviço Social amazonense durante os anos de 1940 e 1960. Desta maneira, os questionamentos levantados nesta pesquisa foram: Como o processo de renovação do Serviço Social iniciado em meados da década de 1960 influenciou a formação profissional dos Assistentes Sociais amazonenses? Quais as tendências teórico- metodológicas na formação desses profissionais? O Serviço Social amazonense acompanhou o processo de renovação da profissão? Assim, o presente trabalho teve como objetivo analisar as influências teórico-metodológicas nos trabalhos de conclusão de curso na área de saúde do curso de serviço social da Fundação Universidade do Amazonas no período de 1970-1979. Para tal, foram realizadas: pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de revolução passiva e modernização conservadora e sua aplicabilidade na história brasileira, para compreender a conjunta societária em que esta inserida a profissão; pesquisa documental com os trabalhos finais produzidos pelas discentes do curso durante a década de 1970, sendo utilizadas as seguintes unidades na análise de conteúdo: concepção da profissão, ação profissional, educação sanitária, desenvolvimento e legitimação da profissão. Admite-se como hipótese central deste estudo que a formação profissional, durante o período analisado, tinha um profundo conteúdo conservador. Palavras-chave: Amazonas; Formação Profissional; História; Serviço Social. RESUMEN En una perspectiva histórica, la temática presentada es realmente relevante para la comprensión de la formación profesional en el Amazonas, sin embargo, existen pocos estudios que abordan el tema, siendo estos realizados, principalmente, por la iniciación científica, en la cual los resultados empiezan a trazar las principales influencias en el Servicio Social amazonense durante los años de 1940 y 1960. De esta manera, los cuestionamientos planteados en esta investigación fueron: ¿Cómo influenció el proceso de renovación del Servicio Social iniciado a mediados de la década de 1960 influenció la formación profesional de los Asistentes Sociales amazonenses? ¿Cuáles son las tendencias teórico-metodológicas en la formación de estos profesionales? ¿El Servicio Social amazonense acompañó el proceso de renovación de la profesión? Así, el presente trabajo tuvo como objetivo analizar las influencias teórico-metodológicas en los trabajos de conclusión de curso en el área de salud del curso de servicio social de la Fundación Universidad del Amazonas en el período de 1970-1979. Para ello, se realizaron: investigación bibliográfica sobre los conceptos de revolución pasiva y modernización conservadora y su aplicabilidad en la historia brasileña, para comprender la conjunta societaria en que esta inserta la profesión; la investigación documental con los trabajos finales producidos por las discentes del curso durante la década de 1970, siendo utilizadas las siguientes unidades en el análisis de contenido: concepción de la profesión, acción profesional, educación sanitaria, desarrollo y legitimación de la profesión. Se admite como hipótesis central de este estudio que la formación profesional, durante el período analizado, tenía un profundo contenido conservador. Palabras clave: Amazonas; Formación Profesional; La historia; servicio social. LISTA DE GRÁFICOSGRÁFICO 1- Trabalhos de Conclusão de Curso catalogados......................................................46 GRÁFICO 2- Relação dos TCC`s catalogados- TCC`s localizados.............................................47 GRÁFICO 3- Distribuição dos TCC`s por tema no período de 1970-1979..................................48 GRÁFICO 4- Relação dos TCC`s encontrados e catalogados na área da saúde...........................49 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CBCISS ─ Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais CEAS ─ Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo DSS ─ Departamento de Serviço Social INPS ─ Instituto Nacional de Previdência Social PES ─ Programa de Educação Comunitária para Saúde SEDECO ─ Secretaria de Desenvolvimento Comunitário SEMSA ─ Secretaria Municipal de Saúde TCC ─ Trabalho de Conclusão de Curso UFAM ─ Universidade Federal do Amazonas ZFM ─ Zona Franca de Manaus SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I ─ Revolução Passiva e Modernização Conservadora: Conceitos para a interpretação da realidade brasileira .............................................................................................. 15 1.1 Desvendando conceitos necessários ............................................................................ 16 1.2. Revolução Passiva e o Movimento de 1930 ............................................................... 20 1.3. Modernização conservadora e a ditadura civil-militar de 1964 .................................. 23 CAPÍTULO II ─ O Serviço Social no Brasil: entre o tradicional e o moderno .......................... 28 2.1 1930- 1964: Serviço Social “Tradicional” ................................................................... 28 2.2 1965- 1985: Renovação do Serviço Social .................................................................. 32 2.2.1 Perspectiva Modernizadora ............................................................................. 36 2.2.2 Perspectiva de Reatualização do Conservadorismo ........................................ 38 2.2.3 Perspectiva de Intenção de Ruptura ................................................................ 41 CAPÍTULO III ─ Fundamentos teórico-metodológicos nos Trabalhos de Conclusão de Curso na década de 1970: principais significados e interpretações .............................................................. 44 3.1. A temática saúde: dados históricos sob evidência ...................................................... 45 3.2. Serviço Social no Amazonas: A persistência das bases tradicionais .......................... 52 3.2.1 Concepção da profissão: a retomada para o passado ...................................... 53 3.2.2 Ação profissional: reflexos de uma formação conservadora .......................... 54 3.2.3 Educação Sanitária: um instrumento para dominação .................................... 57 3.3. Trilhando pequenos passos para a renovação ............................................................. 59 3.3.1 Legitimação da Profissão: a busca incansável da profissão ............................ 59 3.3.2 Desenvolvimento: a dual preocupação ............................................................ 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 67 11 INTRODUÇÃO A discussão sobre o evolver da formação profissional do assistente social no Amazonas é bastante escassa, principalmente, se considerarmos o período em que se insere o processo denominado por Netto (2011) como “renovação” da profissão. Conforme o autor, esse movimento foi instaurado no Serviço Social brasileiro a partir de 1964 e propiciado pela autocracia burguesa, visto que esta criou o espaço e as condições necessárias para a gestação de diversas propostas teórico-metodológicas. Como aponta a bibliografia acerca da história do Serviço Social amazonense, Rita de Cássia Montenegro foi uma das pioneiras a estudar o Serviço Social de Manaus. Em 1986 analisou, em sua dissertação, a criação da Escola de Serviço Social em 1941 e apontou uma formação ideologicamente católica, que tinha, em certa medida, tecnicidade para atuar frente aos chamados “males sociais”, ou seja, até então, uma formação profissional em consonância com as demais Escolas de Serviço Social no Brasil. Todavia, há autores que problematizam esta trajetória do Serviço Social no Brasil e trazem ao debate, outras questões, como, por exemplo, Eduardo Mourão de Vasconcelos na obra Saúde Mental e Serviço Social (2000) que, ao tratar da emergência do Serviço Social no Brasil, insere a forte influência do Movimento de Higiene Mental na formação. Ao atentar-se novamente para a Escola de Serviço Social de Manaus na década de 1940, tanto Silvana Vasconcelos (2017) como Lima e Vallina (2017) ─ em seus trabalhos sobre o pensamento do fundador da Escola, André Vidal de Araújo, e sobre a influência na formação profissional nos anos entre 1941 a 1946 ─ assinalam uma corrente higienista permeando a formação profissional em Serviço Social. Há também discussões acerca da construção do Novo “Projeto de Formação Profissional” do Curso de Serviço Social da Universidade do Amazonas implantado em 1985, ou seja, posterior à incorporação da Escola à Universidade em 1968 e ao início do movimento de reconceituação, assim, é possível perceber que há um hiato que a historiografia não aborda. Desta maneira, compreendendo que, no Brasil, o Serviço Social passava por um processo de renovação, a partir de 1964, e que a produção de conhecimento não discute sobre este hiato na história do Serviço Social amazonense, levantaram-se diversos questionamentos que guiaram a pesquisa: Como o processo de reconceituação influenciou na formação profissional dos 12 Assistentes Sociais amazonenses? Quais as tendências teórico-metodológicas na formação desses profissionais? O Serviço Social amazonense acompanhou o processo de renovação da profissão? Tendo em vista os escassos documentos que possibilitam este trabalho, devido ao tempo histórico, e as poucas pesquisas tanto no Serviço Social quanto em outras áreas, como a História e Sociologia sobre a temática, utilizamos como referentes empíricos os Trabalhos de Conclusão de Curso ─ TCC da década de 1970. Desta maneira, tivemos como objetivo geral analisar as influências teórico-metodológicas nos trabalhos de conclusão de curso na área de saúde do curso de serviço social da Fundação Universidade do Amazonas no período de 1970-1979, escolheu-se a área da saúde por ter a maior quantidade de TCC’s produzidos no lapso temporal determinado. Para isso, consideramos os seguintes objetivos específicos: Apreender a relação do contexto histórico brasileiro e as mudanças ocorridas no Serviço Social; Sistematizar os trabalhos de conclusão de curso de Serviço Social no período delimitado; Identificar as principais influências teórico-metodológicas nos TCC’s na área de saúde no período demarcado. A construção metodológica se deu em três momentos diferenciados, mas articulados entre si. No primeiro, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o conceito de revolução passiva para compreender as mudanças que ocorreram na história brasileira, especificamente, no movimento de 1930 e modernização conservadora como conceito aplicado às particularidades da ditadura de 1964. Além disso, foi pesquisada a história do Serviço Social, buscando compreender a relação entre o contexto histórico e as influências teórico-metodológicas que permearam a profissão, desde seu surgimento até o processo de renovação. No segundo momento, foi realizada apesquisa documental, que é um dos tipos mais utilizados de pesquisa qualitativa e que em nosso caso, representa a análise de um referente empírico que só tem começado a ser utilizado recentemente, e principalmente, em trabalhos de iniciação científica. Segundo o Catálogo1 encontrado no Departamento de Serviço Social ─ DSS, foram produzidos 318 Trabalhos de Conclusão de Curso na década de 1970, destes 318, 82 TCC’s (26%) abordam a temática saúde, entretanto, destes 82 Trabalhos catalogados, só foram 1 Neste Catálogo consta o nome de todos os Trabalhos de Conclusão de Curso produzidos entre os anos de 1941 e 2001 e seu respectivo autor. Pelo título dos Trabalhos foi possível identificar a temática que era abordada e assim, os TCC’s foram separados em cinco grandes áreas: Saúde, Caso Grupo e Comunidade, Menor, Empresa e Organização, Outros (abrange trabalhos que não foi possível a identificação pelo título e temáticas menores como: idoso, penitenciária, previdência, educação e habitação). 13 encontrados2 40 Trabalhos no local e na Biblioteca Setorial Norte. Destes 40 TCC’s, retiramos uma amostra de 50%, no intento de dar confiabilidade à pesquisa. A amostragem foi feita de forma aleatória e estratificada, para verificarmos as mudanças ao longo do lapso temporal determinado na pesquisa (1970-1979). A estratificação teve como critérios: equivalência, a escolha de dois trabalhos por ano, totalizando os 20 TCC’s; os TCC’s escolhidos, de forma aleatória, em cada ano não podiam repetir de instituição3 em seus títulos; caso, não fosse possível encontrar os dois TCC’s no ano, seria escolhido um a mais nos anos em que tiveram maior quantidade de Trabalhos localizados. Por fim, foi realizada a análise do discurso dos TCC’s para atingir o objetivo desta pesquisa, sendo o discurso-texto compreendido como: o conjunto das regras que encadeiam as frases ou grupos de frase para formar um enunciado dotado de coerência, ou, ainda, como o enunciado visto nas condições- linguísticas e, eventualmente, também sociais- de sua produção, portanto, a partir do processo que o gerou. (CARDOSO, 2011, p. 227). Para a referida análise, delimitamos três critérios principais, indicados por Gonzáles (2000), a saber: Recorrência, quando encontramos o mesmo conteúdo em mais de um elemento de análise; Coincidência: quando encontramos o mesmo conteúdo repetido em mais de um elemento de análise; Continuidade: encontro do mesmo conteúdo em momentos diferentes de tempo dentro do período delimitado na pesquisa. Assim, como se trata de uma investigação histórica, procuraremos estabelecer características ou tendências ao longo deste período. A partir dos critérios, foram definidas cinco unidades de análise: legitimação profissional, concepção da profissão, ação profissional, educação sanitária e desenvolvimento, admite-se que estas possam validar a hipótese central deste trabalho, sendo esta: o Serviço Social no Amazonas possuía mais traços do que é caracterizado como Serviço Social Tradicional durante a década de 1970, ou seja, pouco se tinha influência do movimento de reconceituação. Para apresentação da pesquisa, este trabalho foi dividido em três capítulos, sendo o primeiro acerca dos conceitos de revolução passiva e modernização conservadora, bem como a interpretação destes para o movimento de 1930 e a ditadura civil-militar de 1964, incluiu-se no 2 Há uma diferenciação entre os Trabalhos catalogados e Trabalhos encontrados, pois nem todos os Trabalhos catalogados foram encontrados no Departamento de Serviço Social ou na Biblioteca Setorial Norte da Universidade Federal do Amazonas. 3 Exemplo: se um Trabalho reportava-se, em seu título, ao Hospital Getúlio Vargas, o outro do mesmo ano não poderia falar dessa mesma instituição. 14 debate a década de 1930, pois este é o contexto histórico de surgimento do Serviço Social e nos permite a compreensão dos traços do Serviço Social “Tradicional”. No segundo capítulo foi apresentada uma descrição histórica do Serviço Social brasileiro, a partir das bibliografias mais importantes produzida na profissão. No terceiro defendemos a hipótese acerca do enraizado aspecto conservador na formação profissional do Serviço Social no Amazonas. Realizar este empreendimento histórico sobre a formação do Serviço Social no Amazonas é deveras relevante, pois pode começar a preencher uma lacuna na trajetória da profissão no Amazonas, como mostrado anteriormente. Além disso, buscar responder esta problemática se relaciona com o contexto atual do Serviço Social, na medida em que a análise nos ajudará a compreender a nossa herança profissional e as raízes do ressurgimento do conservadorismo na contemporaneidade. 15 CAPÍTULO I REVOLUÇÃO PASSIVA E MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA: CONCEITOS PARA A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE BRASILEIRA Discutir a história do Serviço Social brasileiro é um trabalho desafiador, pois são mais de 80 anos de trajetória, tendo a profissão se modificado a cada movimento da história do país. Nesse sentido, foram escolhidos dois momentos da formação da sociedade brasileira que repercutiram de forma marcante na profissão, a saber: movimento de 1930 e ditadura civil-militar de 19644. O propósito deste capítulo consiste em compreender a história da sociedade brasileira não de forma factual e paradigmática, mas sim, apreender estes movimentos e interpretar suas consequências para a sociedade, a partir dos conceitos de revolução passiva e modernização conservadora. Segundo Luiz Werneck Vianna (1998), o Brasil é o lócus por excelência da revolução passiva, sendo a história do Brasil permeada por diversos momentos como exemplo a Independência, Proclamação da República, “Revolução” de 1930 e Ditadura civil-militar de 1964, todavia, esta última possui particularidades específicas, sendo denominada por diversos autores como modernização conservadora. Desta maneira, considera-se que estes conceitos poderão elucidar estes dois acontecimentos e nos permitirão compreender alguns traços da sociedade brasileira. Além disso, de forma mais ampla, se apoiará no conceito de via prussiana para compreender o processo de modernização capitalista brasileiro. No primeiro momento será exposta uma discussão dos referidos conceitos. Em seguida, será apresentada a “aplicabilidade” destes à realidade brasileira nos dois momentos supracitados. Trabalham-se estas questões neste capítulo porque se compreende que o Serviço Social modifica- se de acordo com as demandas sociais que lhe são postas, assim faz-se necessário discutir a formação sócio-histórica do Brasil. 4 Em consonância com outros autores, compreende-se o período iniciado a partir do golpe de 1964 como ditadura civil-militar, pois parte do pressuposto que setores da sociedade civil, como a burguesa nacional, por exemplo, participaram ativamente deste movimento da história. 16 1.1 Desvendando conceitos necessários Para esta discussão, inicialmente, cabe compreender o conceito de via prussiana de Lênin, referindo-se ao processo de desenvolvimento capitalista. Mazzeo (2015) aponta que o conceito de via prussiana seria um caminho “ao contrário do ocorrido nas formações sociais de ‘via clássica’, pois temos uma burguesia que abandonou a trilha histórica da ruptura revolucionária com o feudalismo” (p. 97). A “via clássica” consiste no processo de total destruição do modo de produção feudal para o desenvolvimento capitalista, provocado por um ideal revolucionário burguês; cada fase dessa passagem acompanha um processo político. Segundo Mazzeo (2015), “a conquista do poder político é resultante de um confronto direto com a nobreza feudal” (p. 96). No bojo deste processo revolucionário, onde temos o liberalismo como expressãoideológica do novo modo de produção burguês, surge a oportunidade de organização e participação da massa popular, que, neste momento, assume características da luta de classes, no caráter capitalista. Diferente do que ocorre neste caminho de desenvolvimento, a via prussiana possui como característica o não rompimento com o feudalismo, o que ocasiona um lento processo de desenvolvimento do capitalismo, com a nobreza feudal se transformando em nobreza capitalista. Mazzeo (2015) aponta que a revolução burguesa da via clássica se transforma em reforma modernizadora na via prussiana, devido à fragilidade da burguesia capitalista, que não consegue romper com as estruturas feudais. Essa reforma modernizadora acontece, de forma que, a “nova” nobreza passa a utilizar o Estado como mecanismo de poder para conduzir um processo modernizador, que mantém o camponês na mesma posição de explorado. Neste processo modernizador, onde há o “afastamento das massas populares (na maioria das vezes por violenta repressão), o aspecto de progresso restringe-se ao avanço das forças produtivas e se subsume à sua forma política reacionária” (MAZZEO, 2015, p. 99). Como se nota, a via prussiana e sua reforma modernizadora apontam para uma “transição por cima”, de forma que, as mudanças ocorram sem que a massa popular participe, ou sequer se mobilizem para tal. Correlato a este conceito, encontra-se o conceito de modernização conservadora, que foi elaborado por Barrington Moore Junior, com o intuito de analisar as passagens da economia pré- 17 capitalista para capitalista industrial na Alemanha e no Japão. Segundo Pires e Ramos (2009, v. 40, p. 412), o alicerce da modernização conservadora para Moore Jr. “é entender como o pacto político tecido entre as elites dominantes condicionou o desenvolvimento capitalista nestes países, conduzindo-os para regimes políticos autocráticos e totalitários”. Moore Jr. (1975 apud PIRES; RAMOS, 2009, v. 40, p. 413) aponta que existiram três caminhos para esta passagem à sociedade capitalista industrial, a primeira obteve como resultado sociedades capitalistas e democráticas como na Inglaterra, França e Estados Unidos; o segundo caminho, devido à falta de uma revolução burguesa como nos países citados, teve como resultados países com políticas reacionárias levando, em alguns casos, ao fascismo; o terceiro teve como resultados o comunismo, como nos casos da China e da Rússia. A modernização conservadora, para Moore Jr. (1975 apud PIRES; RAMOS, 2009, v. 40, p. 414), possui como características: o fato de a burguesia nascida da revolução capitalista não ter forças suficientes para romper com a classe dos proprietários rurais, resultando em um pacto político entre a classe dos terratenentes e a burguesia. Tal pacto se deu com o objetivo de manter um projeto conjunto de construção de uma sociedade capitalista, contudo arraigada em uma estrutura de dominação, em cujo centro de decisão política do Estado, os interesses da classe dos proprietários rurais se mantivessem enraizados. Isto significa compreender que o conceito de modernização conservadora remete a uma clara linha de rupturas e continuidades; a burguesia busca a modernização e o desenvolvimento da acumulação capitalista, entretanto mantém as mesmas estruturas de repressão à classe subalterna. De forma a concatenar as ideias expostas, cabe explanar acerca do conceito de revolução passiva. Neste sentido, destaca-se a hipótese de José Aricó, em um ensaio no final da década de 1980, no qual este autor, segundo Aggio (1998), se indaga sobre a ‘tradutibilidade’ das linguagens, sendo esta a “possibilidade de algumas experiências históricas, políticas e sociais encontrarem uma equivalência em outras realidades” (p. 161), ou seja, ainda que haja diferenças históricas e certas especificidades, as civilizações teriam uma fase com uma manifestação cultural, em essência, idêntica a outras, não de forma repetida ou reiterada. Com base nesta hipótese, seria possível identificar um “critério interpretativo” para revelar as razões para determinadas configurações de sociedades da América Latina. Segundo Aggio (1998), os diversos movimentos de independência política dos países latino-americanos os 18 aproximaram ao “Ocidente”, ocorrendo de forma simultânea diversos processos de “ocidentalização”, que tiveram como características: a adoção do ordenamento liberal às instituições jurídico-políticas, vinculando-se ao mercado mundial e à modernização capitalista sem grandes empecilhos, visto que não possuía um contraponto como o regime feudal na Europa. Compreender que este processo de ocidentalização ocorreu na América Latina permite que se traga à discussão os conceitos de “ocidente” e “oriente” de Antônio Gramsci. Segundo Coutinho (2011), é em uma carta datada de 1924 que Gramsci engendra, de forma embrionária, a distinção entre ocidente e oriente. A determinação, que na Rússia era direta e lançava as massas às ruas para o assalto revolucionário, complica-se na Europa Central e Ocidental em função de todas estas superestruturas políticas, criadas pelo maior desenvolvimento do capitalismo; torna mais lenta e mais prudente a ação das massas e, portanto, requer do partido revolucionário toda uma estratégia e uma tática bem mais complexas e de longo alcance do que aquelas que foram necessárias aos bolcheviques no período entre março e novembro de 1917. (p. 18). Já nos Cadernos do Cárcere (1926-1937), Gramsci descreve a diferença estrutural entre esses dois conceitos: No Oriente, o Estado era primordial e indispensável, enquanto que a sociedade era primitiva e “gelatinosa”; no Ocidente, havia uma sociedade civil organizada e robusta em sua estrutura, que se relacionava com o Estado, de forma apropriada. De acordo com Aggio (1998), a revolução passiva não deve ser entendida somente “como um critério de interpretação da passagem do Oriente ao Ocidente pela via da modernização” (p. 169) ainda que se use para compreender processos de modernização ou de ocidentalização. Aponta que há dois traços na construção dos Estados Nacionais da América Latina que sinalizam um processo de revolução passiva, são eles: “uma autonomia considerável da esfera ideológica e uma evidente incapacidade de autoconstituição da sociedade” (AGGIO, 1998, p. 164). Esta assertiva parte da compreensão de que a revolução passiva alude, originalmente, a transformações históricas ocorridas a partir do século XIX, sob o impacto dos desdobramentos da Revolução Francesa de 1789. Esta categoria, voltada para a compreensão de processos de imposição capitalista em que não ocorreram ou fracassaram revoluções político-sociais, ou mesmo para compreender as dinâmicas político-sociais que se desdobraram de processos revolucionários mas que perderam ou arrefeceram este caráter, assume, como afirma Gramsci, o estatuto mais geral de um critério de interpretação na análise de toda época complexa de transformações históricas. (AGGIO, 1998, p. 164). 19 Além disso, a preocupação da análise apoia-se na relação entre economia e política. Considerando que o impulso desse progresso é externo e consiste no “reflexo do desenvolvimento internacional que manda a periferia suas correntes ideológicas” (AGGIO, 1998, p. 165), nota-se que a revolução passiva possibilita refletir acerca das configurações estatais e a modernização capitalista. Vale destacar que o conceito de revolução passiva se refere também a uma trajetória histórica, assim, em um mesmo período histórico expressam-se continuidades e mudanças, ou seja, uma dialética entre conservação e renovação. Aggio (1998) aponta que a revolução passiva ocorre quando “o conjunto da sociedade é afetado pela modernização, como um processo de mudança estrutural, sem que haja uma transformação político-social de caráter radical” (p. 167). Consoante CarlosNelson Coutinho (1999), a revolução passiva (ou revolução restauração) possui dois momentos: momento de restauração, onde ocorre uma espécie de ‘reação’ a uma tentativa de transformação social advinda da massa trabalhadora; e o momento de renovação, onde são atendidas algumas demandas da classe subalterna pela classe dominante. Este tipo de revolução consiste em um processo contrário a uma revolução popular, sendo realizado “pelo alto”, ou seja, sem a participação da sociedade civil. A revolução passiva revela, o fato histórico da ausência de uma iniciativa popular unitária no desenvolvimento da história italiana, bem como o outro fato de que o desenvolvimento se verificou como reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar, desorganizado, das massas populares, mediante ‘restaurações’ que acolheram uma certa parcela das exigências provenientes de baixos: trata-se, portanto, de ‘restaurações progressivas’, ou ‘revoluções- restaurações’, ou ainda ‘revoluções passivas’. (GRAMSCI apud COUTINHO, 1999, p. 198- 199). Segundo Dantas (2014), a revolução passiva ocorre quando “a transição para ordem burguesa se dá sem a participação das massas e sem rupturas revolucionárias” (p. 29). Já Carlos Nelson Coutinho (2011, p. 31-32) pontua que a revolução passiva possui traços essenciais, que seriam: 1) as classes dominantes reagem a pressões que provêm das classes subalternas, ao seu “subversismo esporádico, elementar”, ou seja, ainda não suficientemente organizado para promover um novo comportamento às classes dominantes; 2) esta reação, embora tenha como finalidade principal a conservação dos fundamentos da velha ordem, implica o acolhimento de “uma certa parte” das reivindicações provindas de baixo; 3) ao lado da conservação do domínio das velhas classes, introduzem-se assim modificações que abrem o caminho para novas modificações. 20 Fica evidente, desta maneira, que o conceito de revolução passiva remete a uma complexa dialética entre restauração e revolução, de conservação e modernização. De acordo com Gramsci (apud Coutinho, 2011), a noção de revolução passiva deve-se inferir de dois princípios da ciência política, são eles: não há como uma formação social desaparecer se ainda houver possibilidades para a força produtiva local se desenvolver, a partir de um movimento progressista; não há tarefas para a sociedade em que as condições para a solução não tenham se desenvolvido. Gramsci (apud Coutinho, 2011), ao reportar-se a Vincenzo Cuoco sobre a revolução passiva, aponta que este conceito serve não somente para explicar a revolução ocorrida na Itália, mas também a qualquer outro país que modernizou o Estado através de reformas ou guerras civis, sem passar por uma revolução política radical. Nota-se que os conceitos explanados são semelhantes em diversos aspectos, pois abordam a passagem do modo de produção feudal para o capitalismo e expressam questões sobre continuidade e rupturas dentro deste processo. Entretanto, vale destacar que quando aplicados ao Brasil, estes conceitos foram discutidos, interpretados e aplicados de distintas maneiras por diferentes autores. Ademais, acerca da história brasileira e suas ‘revoluções’, será exposta a ideia de Luiz Werneck Vianna (1998), que compreende que o Brasil é o lócus da revolução passiva, já que a história do país foi permeada por diversos movimentos de revolução passiva. 1.2. Revolução Passiva e o Movimento de 1930 Ao longo da história brasileira, os movimentos e as transformações sempre foram sem a participação ativa das massas populares. Segundo Vianna (1998), o movimento político-militar de 1930 deu à revolução passiva uma nova configuração, que terá como “fermento revolucionário a questão social, a incorporação das massas urbanas ao mundo dos direitos e a modernização econômica como estratégia de criar novas oportunidades de vida [...]” (p. 193). Carlos Nelson Coutinho (1999) expõe que o Brasil passou por uma modernização capitalista sem passar por uma revolução democrático-burguesa. De forma gradual e por cima, os grandes proprietários latifundiários passam a ser donos de empresas capitalistas agrárias, além 21 disso, com a influência e entrada do capital estrangeiro, o país transforma-se em industrial, moderno, urbano e com uma complexa estrutura social. Desta maneira, o Brasil mostra-se um país que, em seus enfrentamentos concretos à modernização capitalista, sempre encontrou uma solução “pelo alto”, esta compreendida como uma reação aos movimentos populares, onde as classes dominantes esforçam-se em “restaurações”, que acabam por modificar a composição das classes potencializando reais transformações (COUTINHO, 1999, p. 199). Segundo Luiz Werneck Vianna (1998), no Brasil estava claro que: No binômio conservação-mudança, o termo mudança passa a comportar consequências que escapam inteiramente à previsão do ator, gerando expectativas de que a via do transformismo poderia ser concebida como melhor passagem para democratização do país (p. 194). Segundo Coutinho (1999), a Revolução de 1930 impeliu a formação de um novo bloco elitista de poder que manteve os setores populares marginalizados, devido principalmente à insuficiência de organização. Neste bojo, o resultado foi “a adoção (ou retomada) de um ‘subversivismo elementar’, cuja manifestação mais evidente foi o putsch de 1935, uma desastrosa iniciativa comum dos comunistas e dos tenentes de esquerda” (p. 200). Esta iniciativa foi reprimida pelo governo e foi utilizada como pretexto para a instauração da ditatura de Vargas. Coutinho (1999, p. 200) aponta: o “Estado Novo” varguista promoveu uma acelerada industrialização do País, com o apoio da fração industrial da burguesia e da camada militar, além disso, promulgou um conjunto de leis de proteção ao trabalho, há muito reivindicadas pelo proletariado (salário mínimo, férias pagas, direito à aposentadoria, etc.), ainda que ao preço de impor uma legislação sindical corporativista, copiada diretamente da Carta del Lavoro de Mussolini, que vinculava os sindicatos ao aparelho estatal e anulava sua autonomia. Portanto, a ditadura de Vargas pode ser definida, gramscianamente, como uma “revolução passiva” ou uma “restauração progressista”. Corroborando com a assertiva de Coutinho, Dantas (2014) aponta que a revolução de 1930 sucedeu-se como mais um episódio de “transição por cima”, valendo-se do conceito de revolução passiva, pois esta “revolução” ocorreu com o apoio de todas as classes e setores dominantes da sociedade, a fim de tirar o poder dos latifundiários e dar ao Estado, para que este conduza o processo de modernização do país, novamente sem a participação popular. 22 Segundo Dantas (2014), o período entre 1930 a 1964 foi marcado por uma “crise de hegemonia” (conceito idealizado por Gramsci), devido à incapacidade dos antigos senhores de terra, dos capitalistas industriais emergentes, do imperialismo, dos camponeses, trabalhadores rurais e dos proletários de impor uma hegemonia em relação às outras classes. Nesse sentido, o Estado assume um papel estratégico no processo de industrialização do Brasil, desenvolvendo modos de mediação entre as classes e regulando os conflitos antagônicos, de forma populista. Segundo Dantas (2014), esse projeto de desenvolvimento do país era a confluência dos seguintes fatores: a construção da infraestrutura necessária à industrialização, a criação de empresas estatais nos setores estratégicos da economia e o planejamento e financiamento da acumulação endógena de capital a cargo do Estado; o aporte de capitais externos, severamente restrito pela maior crise econômica mundial da história do capitalismo; reservas cambias propiciadas pelo modelo agrário-exportador, limitadas pela crise mundial, mas ainda assim importantes para obter as divisas necessárias à importaçãodos bens de capital e equipamento indispensáveis à industrialização; e a modesta e ainda insuficiente acumulação de capitais privados no setor industrial, que necessitava ser impulsionada pela ação estatal e combinada com os demais fatores mencionados para dar impulso ao processo de industrialização (p. 25). Entretanto, esta estratégia do Estado mostrou suas limitações após o ciclo das grandes greves operárias de 1953 a 1957 e a afronta popular reivindicando as reformas de base entre 1961 e 1964. A repressão empresarial-policial já não tinha mais o mesmo efeito “desmobilizador”, dessa forma, propagaram-se: os movimentos operários pressionando a estrutura burocrática dos sindicatos de Estado (criado por Vargas); as Ligas Camponesas pressionando os grandes latifundiários para reforma agrária; o movimento estudantil, setores da classe média urbana, intelectuais, parte da Igreja e das Forças Armadas pressionando para as reformas de base. (DANTAS, 2014, p. 38-39). O Estado que até então havia tomado saídas populistas se vê espremido dentre tantas pressões antagônicas. No governo de Jango, a saída foi se apoiar nas mobilizações populares, abrindo mão de medidas parciais, mas não disposto a romper completamente com as classes dominantes. Segundo Dantas (2014): Os limites do regime populista e do projeto de desenvolvimento nacional foram postos à prova, de um lado pela mobilização das classes subalternas; de outro, pela conspiração aberta dos militares, do imperialismo e das classes dominantes (p. 39). 23 Dantas (2014), em complementariedade, aponta que sem antecedentes na história brasileira, “se vivia uma situação em que a irrupção das massas na história já não deixava alternativa senão o embate frontal entre revolução e contrarrevolução” (p. 39-40). 1.3. Modernização conservadora e a ditadura civil-militar de 1964 Como mais um movimento de revolução passiva, a ditadura civil-militar de 1964 é entendida, por diversos autores, como um processo de modernização conservadora, devido suas especificidades. Segundo Iamamoto (2015), este conceito “permite explicar a incorporação e/ou a criação de relações sociais arcaicas ou atrasadas nos setores de ponta na economia [...] como a peonagem, a escravidão por dívida, a clandestinidade nas relações de trabalho e sua precarização” (p. 130). A autora ainda coloca que com a modernização conservadora se vê uma aliança entre o grande capital e o Estado nacional, resultando nas diretrizes governamentais e na própria modernização capitalista da sociedade brasileira, “moderniza-se a economia e o aparelho do Estado, mas as conquistas sociais e políticas [...] permanecem defasadas, expressando o desencontro entre economia e sociedade” (IAMAMOTO, 2015, p. 140). Segundo Dantas (2014), a contrarrevolução de 1964 (autointitulada de revolução) foi além de um “golpe militar”, 1964 foi um golpe de Estado dirigido pelos setores hegemônicos da burguesia nacional associados ao imperialismo estadunidense e pelas Forças Armadas, que na encruzilhada decisiva da história do país no século XX mobilizaram o apoio da mídia, da Igreja, dos latifundiários, da pequena burguesia, de grande parte das classes médias e da intelectualidade conservadora, da maioria do Congresso Nacional e dos mais importantes governos estaduais (p. 19). Coutinho (1999) destaca que o regime ditatorial de 1964 possuiu objetivos políticos e econômicos semelhantes ao regime fascista clássico italiano, como exemplo “as forças produtivas da indústria, através de uma forte intervenção do Estado, desenvolveram-se intensamente com o objetivo de favorecer a consolidação e a expansão do capitalismo monopolista” (p. 201). A conquista do Estado pelo golpe foi fundamental para manter a subordinação estrutural do Estado nacional ao imperialismo, e, conseguindo por alguns momentos, expressivos graus de consenso entre os setores da sociedade. 24 Dantas (2014) aponta que era necessário que o regime militar assegurasse, dentro do plano estratégico imperialista: a) a elevação exponencial da taxa de exploração [...]; b) o incremento da poupança, do investimento, do crédito e do financiamento público da acumulação capitalista [...]; c) a concentração, centralização e internacionalização crescente dos capitais e o financiamento corrente do regime despótico de acumulação capitalista ao custo da escalada insustentável do endividamento externo; d) a reorganização do Estado [...]; e) o provimento pelo Estado, da infraestrutura necessária à industrialização, urbanização e modernização capitalista do país; f) o planejamento capitalista, dirigido pelo Estado, do uso da terra e seus recursos naturais e energéticos [...]; g) a formação dos quadros técnicos [...]; h) a criação de aparelhos ideológicos de hegemonia [...]. (p. 20-21). Ianni (1981) retrata que a ditadura se apossou das técnicas de planejamento para dominar, ou seja, utilizava discursos em que o planejamento era uma técnica neutra que servia como instrumento de desenvolvimento, essa técnica seria fundamental para favorecer, orientar, dinamizar a acumulação privada do capital e legitimar as práticas da ditadura, como sendo “racionais” e “modernas”. E para que não houvesse empecilhos nesse processo, reprimiu os partidos e sindicatos como forma de autoconfirmação. Além disso, aponta que, “pouco a pouco, o ‘planejamento econômico estatal’ ganhou a conotação de uma força produtiva complementar, ao lado da força de trabalho, capital, tecnologia e divisão do trabalho” (IANNI, 1981, p.7). Foi assim que a ditadura engendrou na economia política da ditadura militar, o lema “segurança e desenvolvimento”. O autor aponta sobre este lema, que: Segurança, no sentido de “segurança interna”, envolve o controle e a repressão de toda organização e atividade política das classes assalariadas, para que o capital monopolista tenha as mãos livres para desenvolver a acumulação. (IANNI, 1981, p. 8). A ditadura militar abrangeu todos os campos de vida da sociedade brasileira. Ianni (1981) salienta que o governo militar era levado a implementar políticas destinadas a racionalizar e resolver os problemas sociais de grande relevância. Além de incidir em diversas áreas, como educação, cultura, organização política e social, comunicação em massa. Conforme Ianni (1981), “Na prática, todos os campos da vida nacional foram alcançados, influenciados, reorientados, dinamizados, bloqueados ou reprimidos” (p. 19). O referido autor aponta que foi tão profunda a transformação no governo, que parecia que o Estado havia se tornado sinônimo de aparelho do capital, econômico e político. 25 Ao tempo em que se desenvolvia o poder do Estado, crescia também o aparato tecnocrático civil militar e uma ampla camada de funcionários que permeava desde o alto escalão até os mais longínquos centros de decisão. Segundo Ianni (1981), a partir da tecnocracia implementada na ditadura é possível compreender o poder estatal: Primeiro, a tecnocracia civil e militar confunde-se numa categoria profissional importante para a organização, operação e reprodução da ditadura. Segundo, é no âmbito da tecnocracia que tendem a desenvolver-se as articulações entre o “político” e o “econômico”, entre as razões do Estado e as razões do capital monopolista, sob o manto da neutralidade, ou inocência, das técnicas da economia política burguesa. Terceiro, a forma pela qual se articulam o “político” e o “econômico”, o Estado e o capital, da mesma maneira que a tecnocracia civil e militar, expressa a forma pela qual a burguesia, enquanto classe dominante captura o poder estatal, ou lhe confere as condições fundamentais (p. 32). Todas as reformas realizadas ─ a partir desse planejamento (seja ela no âmbito econômico ou político), que tinham o intuito de modernizar, racionalizar e desenvolver o país ─ estavambaseadas na subordinação da classe operária. Ianni (1981) aponta que um dos elementos principais da economia política da ditadura militar foi a política salarial, o autor expõe: Na prática, foi a classe operária que sofreu o maior impacto da política salarial dos governos militares. Tratava-se de aumentar a taxa e a massa de mais-valia, de modo a garantir a expansão e a consolidação econômica e política do capital monopolista; garantir a grande burguesia nacional e imperialista. Foi assim que o Estado encarregou- se do conjunto da questão salarial: estudo, decisão, execução e fiscalização. Depois de estabelecer diretrizes para o arrocho salarial no setor público em geral, o Estado foi levado a estender essas e formular novas diretrizes para o controle salarial no setor privado. Para aumentar a eficácia desse controle, os governantes ameaçaram, prenderam e torturaram operários e membros de diretoria de sindicatos. Inclusive houve mortos e desaparecidos (p. 64). Ainda segundo o autor, políticas como a previdenciária, a sindical e a salarial fazem parte de um amplo processo de desenvolvimento da acumulação capitalista, sob domínio do imperialismo. Desta maneira, cabe compreender as políticas implementadas neste período, em especial, a política previdenciária. Acerca das políticas sociais neste período de ditadura, Fagnani (2005) aponta que estas foram marcadas pela implementação da estratégia de “modernização conservadora”, pois fortificaram a capacidade de intervenção estatal, ampliando a possibilidade de gastos, ao criar mecanismos financeiros, institucionais e burocráticos. O autor esboça os traços da modernização conservadora nas políticas sociais ao expor: 26 A análise dos resultados da política social implementada ao longo do ciclo autoritário revela que essa modernização institucional e financeira possibilitou que houvesse expansão da oferta de bens e serviços que atenderam, sobretudo, as camadas de média e de alta renda. Por outro lado, a análise dos resultados da política social no pós-64 também revela o caráter conservador dessa modernização, na medida em que, via de regra, seus frutos não foram direcionados para a população mais pobre e tiveram reduzido impacto da redistribuição de renda (p. 6). Fagnani (2005) aponta que a ditadura militar, em sua estratégia de modernização conservadora, apresentou quatro características estruturais, são elas: “caráter regressivo do financiamento do gasto social; a centralização do processo decisório no Executivo federal; a privatização do espaço público; e a fragmentação institucional” (p. 6). Essas características vistas de forma ampla, segundo o autor, explicam a expansão de bens e serviços e ao mesmo tempo a diminuição da redistribuição de renda. A classe que mais foi atingida e reprimida durante esse processo de modernização conservadora foi a operária que, em seu bojo, sofreu em diversos aspectos. Segundo Ianni (1981), para pôr em prática a política de controle, a ditadura implementou uma série de ações repressivas contra o proletário e suas organizações políticas, principalmente, a sindical. Ianni (1981, p. 70) salienta que Além de intimidar, cassar os direitos políticos, prender ou mesmo dar sumiço em líderes operários e camponeses, passou a impedir qualquer tipo de greve e realizar intervenções nos sindicatos. Foi assim que a doutrina de “segurança e desenvolvimento” chegou, inúmeras vezes, ao cotidiano da classe operária, nas fábricas, casas, sindicatos, ruas, campos e construções: desde a militarização da disciplina das relações de produção na fábrica até as intervenções nos sindicatos, federações e confederações. Entretanto, cabe o destaque que não foi somente a classe operária que sofreu com a repressão, a sociedade civil foi profundamente atacada. Ianni (1981) afirma que a ditadura promoveu um descolamento entre o Estado e a sociedade civil, a ideologia e a prática imposta implicou colocar o cidadão sob dominação e suspeita, generalizou-se um processo de criminalização de amplos setores da sociedade. Esse processo é institucionalizado, a partir das constituições e das versões da Lei de Segurança Nacional, colocando todos os indivíduos como responsáveis pela segurança nacional. Segundo Ianni (1981, p. 160), isso implicava dizer que “toda pessoa é suspeita, até prova em contrário”. Neste mesmo processo de criminalização, encontram-se os “problemas sociais”, como 27 delinquência juvenil, menor abandonado e a prostituição, que eram tidas como práticas criminosas. O que tentamos até aqui foi elucidar o contexto que se insere o modelo de desenvolvimento brasileiro, para que no capítulo seguinte se possa compreender de forma mais ampla o surgimento, as mudanças e o processo de consolidação do Serviço Social. A relação entre essa discussão e o Serviço Social se expressa na compreensão de que o desenvolvimento da profissão se dá a partir das demandas sociais postas em cada momento histórico. 28 CAPÍTULO II O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL: ENTRE O TRADICIONAL E O MODERNO O presente capítulo tem como proposta esboçar o Serviço Social nos dois momentos históricos trabalhados anteriormente. O objetivo é que se caracterize o Serviço Social Tradicional e o Serviço Social durante o processo de renovação, para que, assim, se faça a análise do objeto de pesquisa. Optou-se pelas discussões feitas por Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho no livro “Relações Sociais e Serviço Social: esboço de uma interpretação histórico-metodológica” para abordar o Serviço Social Tradicional e o livro “Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social pós-64” de José Paulo Netto, para compreender o processo de renovação da profissão. Acredita-se que ambos os livros são referências clássicas para o Serviço Social, não possuindo até hoje grandes contestações. 2.1 1930- 1964: Serviço Social “Tradicional” Como explicitado anteriormente, o movimento de 1930 reorganizou o Estado e deslocou a lógica de acumulação capitalista para a industrialização por substituição de importações, modificando todos os setores da sociedade. Segundo Iamamoto e Carvalho (1982, p. 128), A crise do comércio internacional em 1929 e o movimento de outubro de 1930 representam um marco importante na trajetória da sociedade brasileira. [...] Todos os segmentos da sociedade são profundamente afetados por essas transformações, induzidos a alterar em profundidade seus posicionamentos e práticas anteriores. Nesse sentido, o proletariado, que tem como único meio de sobrevivência a venda da sua força de trabalho, sofre com as regulações que a industrialização impõe e é reprimido ao se organizar em movimentos sindicais. O Estado, nesta relação de continuidade com a conservação, mantém sua falsa neutralidade e propaga a importância do trabalho. Como apontam Iamamoto e Carvalho (1982, p. 154): 29 A noção ideológica do “Estado acima das classes” é acompanhada da intensa reiteração da noção ideológica do trabalho e da harmonia social. [...] O trabalho será apresentado como virtude universal do homem, como atividade que cria riquezas, que propicia o desenvolvimento da sociedade. O capital é legitimado enquanto fruto do trabalho passado do capitalista, e cada trabalhador é um patrão em potencial. [...] Reiteram-se os pontos comuns e obscurece-se a clivagem das classes. Para o capitalista o trabalho é meio e fim; para o operário, preso a essa noção ideológica, o trabalho é meio de libertar- se e não apenas meio de exploração. Neste momento, a relação do Estado e da Igreja se deu de forma harmoniosa, devido dois aspectos desse novo capitalismo: o aspecto social e assistencial que se aliou ao espírito caritativo da Igreja, que tem como finalidade fazer com que todos adotem o novo sistema, até mesmo as classes subalternas; e o aspecto organizado e hierarquizado do Estadopara impor a obediência que se alinhou às características dogmáticas da Igreja. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982). É dentro deste contexto que se desenvolve o Serviço Social, inicialmente, com uma forte influência da Doutrina Social da Igreja Católica, oriunda do pensamento franco-belga. Conforme os referidos autores, o Serviço Social tem sua primeira manifestação original em 1932 com a criação do Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo ─ CEAS. O intuito deste consiste na promoção da formação doutrinária dos seus membros, incutindo o debate acerca dos problemas sociais e suas resoluções, orientando-os para uma formação técnica e especializada. Nesse sentido, seus principais membros foram as mulheres das classes abastadas de São Paulo, que assumiram a idealização de sua ‘vocação natural’, como afirma Maria Kiehl (1940 apud IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 172); “A mulher é feita para compreender e ajudar. Dotada de grande paciência, ocupa-se eficazmente de seres fracos, das crianças, dos doentes. A sensibilidade torna-a amável e compassiva.”. A partir da formação técnica e especializada dessas mulheres, surgiram demandas de trabalho de determinadas instituições estatais. Estas instituições passam a regulamentar e institucionalizar as ações do Serviço Social, transformando-o em “profissão legitimada dentro da divisão social-técnica do trabalho” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 176). Nesse sentido, pouco a pouco, o indivíduo qualificado não era necessariamente uma moça da alta sociedade, mas sim, um componente possuidor de força de trabalho. Um indicador de apoio dessas instituições à formação profissional do Serviço Social é que os patrocinadores das bolsas de estudos eram em sua maioria: “Estado, Departamento Nacional de Previdência (e os diversos Institutos e Caixas), a Legião Brasileira de Assistência, o Serviço 30 Social da Indústria, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 178). Os autores supracitados ainda apontam que as Assistentes Sociais, que trabalhavam nos Centros Familiares já na década de 1940, tinham em suas atividades, a finalidade de: Separar as famílias das classes proletárias, prevenindo sua desorganização e decadência e procurando elevar seu nível econômico e cultural por meio de serviços de assistência e educação. Nesses Centros manterão serviços diversos, como plantão para atendimento de interessados, visitas domiciliares, bibliotecas infantis, reuniões educativas para adultos, curso primário para proteger as crianças cujas mães são obrigadas a trabalhar fora, cursos de formação familiar (moral e formação doméstica para o lar), restaurante para operários etc. O tratamento dos casos será basicamente feito através de encaminhamentos, colocação em empregos, abrigo provisório para necessitados, regularização da situação legal da família (casamento) etc., e fichário dos assistidos. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 190). Entretanto, os encaminhamentos realizados pelas Assistentes Sociais eram restritos, principalmente, devido às limitações das instituições públicas e a escassez de locais privados para onde as pessoas poderiam ser encaminhadas. Ademais, as Assistentes Sociais eram pesquisadoras sociais e se dedicavam a levantamentos nos locais de moradia dos proletários, investigando suas condições de vida, de moradia, sanitária, econômica e moral. O trabalho da Assistente Social voltava-se para o controle da força de trabalho, como as atividades de prevenção e vigilância, que se associavam com a concessão de benefícios, como aposentadoria, licença-maternidade, acidentes de trabalho, dentre outros. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982). Assim, fica evidente que a prática profissional das primeiras Assistentes Sociais era voltada para “a organização da assistência, para a educação popular, e para a pesquisa social. Seu público preferencial ─ e quase exclusivo ─ se constituirá de famílias operárias, especialmente as mulheres e crianças” (p. 196). O discurso desses profissionais focava na assistência ao trabalhador, atuando para garantir um nível de vida estável e satisfatório, demonstrando ao proletário a importância de seu trabalho dentro da instituição, entretanto, obscurece a finalidade dessas ações, sendo esta o combate de posturas subversivas. Iamamoto e Carvalho (1982, p. 209) afirmam que o Assistente Social, enquanto profissional dessas instituições, 31 será o agente de ligação entre patrão e operário. Atendendo a um e outro ─ atuando de forma autônoma e independente ─ ele é o autêntico agente da justiça social, o agente de coordenação dos elementos humanos da produção e da aproximação das classes. Conforme o discurso, o papel educativo do Assistente Social se justifica devido à necessidade de tutela do proletário, em relação aos seus direitos e deveres. Esse deverá ter consciência e responsabilidade no que concerne a essas questões, todavia, este processo cauteloso deverá ser guiado e controlado pelo Assistente Social, já que o proletário poderia assumir a “luta de classes”. Quando se referem a questões metodológicas e instrumentais, os referidos autores apontam que “não se observa, por parte dos Assistentes Sociais, um trabalho de teorização e adaptação à realidade brasileira” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 210). O trabalho dos profissionais, nesse sentido, focaliza-se em propagar a adoção de novas técnicas de assistência, principalmente, para as instituições particulares e públicas. A partir do movimento de 1930, têm-se um aprofundamento do capitalismo no Brasil e uma intensificação das formas de controle social. Dentro disso, se desenvolvem de maneira mais dinâmica as grandes instituições sociais (assistenciais e previdenciárias, por exemplo). Iamamoto e Carvalho (1982) discorrem que a principal característica dessas instituições é: propiciar benefícios assistenciais indiretos ao exército ativo de trabalho, assim como manter uma parcela da Força de Trabalho exaurida ou mutilada no processo de trabalho: aposentados, acidentados, viúvas etc. Sua abrangência crescente [...] permitirá uma atuação ampliada sobre as sequelas da exploração capitalista, mantendo intocadas as condições em que ela se realiza e a situação de carência do proletariado, que apenas é atenuada em seus aspectos mais gritantes. (p. 241). Assim se desenvolvem novas técnicas sociais, que visam à manutenção da dominação de classe. Para tal, é necessário que os profissionais sejam cada vez mais qualificados e sua atuação cada vez mais racional, desta maneira, o Serviço Social passa a se apoiar nas bases da sociologia positivista norte-americana, de forma a assegurar a racionalidade e tecnicidade necessária à atuação. Este processo de profissionalização do Serviço Social ocorre de forma concomitante ao processo de institucionalização da profissão, principalmente devido às instituições sociais. Iamamoto e Carvalho (1982, p. 309) colocam que “o processo de surgimento e desenvolvimento das grandes entidades assistenciais ─ estatais, autárquicas ou privadas- é também o processo de legitimação e institucionalização do Serviço Social.”. 32 Ainda conforme estes autores, estas instituições assistenciais eram perpassadas pelas contradições da sociedade naquele contexto, ou seja, se tornaram “palco da luta de classes, da resistência e inconformismo da população-cliente ante os limites e qualidade dos serviços a que tem direito” (1982, p. 316). Assim, o Serviço Social, em sua função de mediação, passará a mediar os interesses e as posições das instituições com a ‘revolta e inconformismo’ de seus clientes, ou seja, atuará [...] no sentido de aplainar as arestas; individualizar os casos; propiciar alguma solução paliativa como satisfação às demandas; jogar para frente o problema insolúvel, se encarado em seu conjunto, em sua manifestação social, nos limites no modo de produçãovigente. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982, p. 317). Desta maneira, fica claro que a atuação institucionalizada do Serviço Social se deu no sentido de normatizar, enquadrar e ajustar o indivíduo dentro das relações sociais vigentes, além de mediar os conflitos existentes entre os interesses da instituição e de seus clientes, em benefício daqueles. Segundo Iamamoto e Carvalho (1982): As antigas técnicas sociais, apoiadas numa limitada base de ajuda materiais e aplicadas de maneira descontínua, que caracterizavam as protoformas do Serviço Social, transfiguram-se agora em procedimentos administrativos e processos burocráticos, aplicados por agentes assalariados, mandatados pelas instituições. Reaparecem com mecanismos intensivos de controle social englobados dentro de estruturas destinadas a garantir o aumento da produtividade média da Força de Trabalho, a evitar o confronto de classes e a canalizar, vigiar e reprimir os conflitos sociais e outras formas de desvianças, derivadas das múltiplas contradições geradas e/ou agravadas pelo aprofundamento do modo de produção capitalista. (p. 321). Em outras palavras, o Serviço Social se modifica de acordo com as novas demandas, se profissionaliza e se institucionaliza, entretanto, sua característica de manutenção do controle permanece. Segundo Iamamoto e Carvalho (1982), “o Serviço Social reaparece modificado, [...] guardando, contudo, suas características fundamentais [...] mantém sua ação educativa e doutrinária de ‘enquadramento’ da população cliente” (p. 310). 2.2 1965- 1985: Renovação do Serviço Social A partir de 1964, a instauração da autocracia burguesa, que é vista como mais um episódio de revolução passiva, adquire particularidades específicas, e é conceituada por diversos autores como “modernização conservadora”. 33 Esta modernização conservadora é caracterizada, por um lado, pela implementação de políticas e de mudanças institucionais, que impulsionaram um processo de modernização baseado no mercado e na utilização do fundo público para benefício privado e, por outro, pela repressão sobre a sociedade civil, ao impor uma política salarial abusiva aos trabalhadores. As mudanças causadas pela modernização conservadora influenciaram o processo denominado por Netto (2011) como “renovação do Serviço Social”, destaca-se que isso não ocorreu somente no Brasil, foi um fenômeno com extensões internacionais chamado de Movimento de Reconceituação. Netto (2011) aponta que a autocracia burguesa buscava a manutenção do Serviço Social Tradicional e tinha dois objetivos ao fazer isso: de preservar os traços mais subalternos do exercício profissional, de forma a continuar contando com um firme estrato de executores de políticas sociais localizadas bastante dócil e, ao mesmo tempo, de contrarrestar projeções profissionais potencialmente conflituosas com os meios e os objetivos que estavam alocadas às estruturas organizacional-institucionais em que se inseriam tradicionalmente os assistentes sociais. (p. 118). Entretanto, ao tempo em que a autocracia burguesa buscava reiterar o Serviço Social Tradicional, seu movimento propiciou um processo de renovação, dadas as novas condições criadas pelo processo de modernização conservadora. Tudo isso teve implicações diretas na prática e na formação profissional. Segundo José Paulo Netto (2011), o processo de modernização conservadora “engendrou um mercado nacional de trabalho, macroscópico e consolidado, para os assistentes sociais” (p. 119), pois a reestruturação do Estado reorientou a “malha organizacional” responsável por planejar e executar as políticas setoriais. A consolidação do mercado de trabalho profissional não foi consequência apenas da reorganização do Estado, mas também das médias e grandes empresas que começaram a requisitar este tipo de profissional. Além da quantidade expressiva de assistentes sociais em empresas e nas instituições sociais, o mercado de trabalho profissional se expande nas organizações de filantropia, que são amplamente requisitadas para enfrentar o crescimento da pobreza relativa e absoluta durante o período ditatorial. Esse novo mercado profissional consolidado (instituições sociais, organizações de filantropia e empresas) coloca ao Serviço Social, “dada a sua contextualidade sociopolítica, um 34 novo padrão de exigências para o seu desempenho profissional ─ quer nas agências estatais, quer nos espaços privados recém-abertos” (NETTO, 2011, p. 123). Segundo Netto (2011), como consequência dessas exigências, há uma erosão do Serviço Social Tradicional, pois se exige um procedimento moderno e racional, diferente do profissional tradicional. Entretanto, para produzir este profissional ‘moderno’ foi necessário modificar a sua formação, assim houve uma refuncionalização da mesma e uma expansão dos cursos de Serviço Social no país. Nesse sentido, a inserção do ensino de Serviço Social no âmbito universitário significou uma clara mudança na formação profissional, visto que, anteriormente, as escolas de Serviço Social eram mantidas por organizações religiosas com uma forte base moral. Esta mudança propiciou dois vetores: a necessidade de interlocução com as ciências sociais e suas preocupações técnico-profissionais, e a contratação de um corpo docente destinado à reflexão profissional. Os dois acontecimentos são contraditórios, principalmente, por causa da política educacional da ditadura. Essas mudanças passaram a produzir um profissional “moderno” que possui legitimação não mais devido à sua prática humanista, mas sim à “fundamentação teórico- técnica do seu exercício como assistente social” (NETTO, 2011, p. 127). Uma das características da renovação do Serviço Social é a laicização, que já vinha se desenvolvendo desde 1950 dentro do Serviço Social, mas é precipitada por conta da modernização conservadora que incidiu no mercado de trabalho e na formação profissional. Um segundo aspecto do cenário da renovação, é que surgem grupos favoráveis e funcionais à modernização conservadora e grupos que se opuseram e que contestaram a ditadura, o que permitiu a criação de práticas e concepções alternativas (NETTO, 2011). Além disso, é elemento da renovação “a emergência [...] de elaborações teóricas referidas à profissão e de um significativo debate teórico-metodológico” (NETTO, 2011, p. 129), que surgiu devido à inserção da formação no âmbito acadêmico, e ainda que a ditadura tenha incutido suas determinações nas universidades, esta permitiu que se desenvolvessem reflexões críticas dentro da formação do Serviço Social. Fica claro, assim, segundo o supracitado autor, que a autocracia burguesa “no empenho para produzir profissionais adequados ao seu projeto societário, acabou por colocar condições que possibilitaram um acúmulo apto a ser direcionado diversamente” (NETTO, 2011, p. 130). Nesse sentido, a renovação do Serviço Social é entendida como: 35 o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais. (p. 131). Netto (2011, p. 135) sintetiza quatro aspectos que vão caracterizar a renovação do Serviço Social, a saber: a) a instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal; b) a crescente diferenciação das concepções profissionais (natureza, funções, objeto, objetivos e práticas do Serviço Social), derivada dos recursos diversificados a matrizes teórico-metodológicasalternativas, rompendo com o viés de que a profissionalidade implicaria uma homogeneidade (identidade) de visões e de práticas; c) a sintonia da polêmica teórico-metodológica profissional com as discussões em curso no conjunto das ciências sociais, inserindo o Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea como protagonista que tenta cortar com a subalternidade (intelectual) posta por funções meramente executivas; d) a constituição de segmentos de vanguarda, sobretudo, mas não exclusivamente inseridos na vida acadêmica, voltados para a investigação e a pesquisa. A implementação desse novo processo profissional passa a se consolidar, principalmente devido à conjuntura sociopolítica brasileira, na qual o interesse maior era superar o subdesenvolvimento; e, o fato dessa nova intervenção estar mais de acordo com as necessidades e realidades brasileiras. O Assistente Social, neste sentido, tem a expectativa de “deixar de ser um ‘apóstolo’ para investir-se da condição de ‘agente de mudanças’” (NETTO, 2011, p. 138). O II Congresso Brasileiro de Serviço Social em 1961, aponta para esta direção, colocando o Desenvolvimento de Comunidade como a atuação mais consoante com a realidade brasileira, onde o lema era “Desenvolvimento nacional para o bem-estar social” (NETTO, 2011, p. 139). Todo esse contexto histórico, social e econômico culminou para que, a partir da segunda metade dos anos de 1960, iniciasse no Brasil um processo de Renovação do Serviço Social que, segundo Netto (2011), foi dividido em três momentos, com três vertentes diferenciadas: modernizadora, de 1965 a 1975; reatualização do conservadorismo, de 1975 a 1980; intenção de ruptura, iniciando em 1980. 36 2.2.1 Perspectiva Modernizadora A primeira perspectiva foi denominada por Netto (2011) de modernizadora e teria como núcleo central a tematização do Serviço Social, como uma profissão voltada à integração nos marcos do desenvolvimento definidos pela autocracia burguesa. O Serviço Social aproxima-se de teorias como o estrutural-funcionalismo para dar um viés moderno à prática profissional e até mesmo para legitimar a profissão; era necessário responder às demandas daquele contexto histórico de acordo com o processo desenvolvimentista que estava sendo colocado. De certa maneira, há uma relação de continuidade com o Serviço Social Tradicional, porque mantém concepções tradicionais, entretanto utiliza uma nova fundamentação teórica para justificar sua prática profissional e desenvolve uma metodologia de intervenção de inspiração positivista. Em consonância com Netto (2011), esta perspectiva: aceita como dado inquestionável a ordem sociopolítica derivada de abril e procura dotar a profissão de referências e instrumentos capazes de responder às demandas que se apresentam nos seus limites- donde, aliás, o cariz tecnocrático do perfil que pretende atribuir ao Serviço Social no país. No âmbito estrito da profissão, ela se reporta aos seus valores e concepções mais “tradicionais”, não para superá-los ou negá-los, mas para inseri-los numa moldura teórica e metodológica menos débil, subordinando-os aos seus vieses “modernos” – donde, por outro lado, o lastro eclético de que é portadora. (p. 155). Os Seminários ocorridos em Araxá (1967) e Teresópolis (1970) podem ser lidos como expressões desta perspectiva. Os textos finais dos eventos de Araxá e Teresópolis são “tomados como a consolidação modelar da tentativa de adequar as (auto) representações profissionais do Serviço Social às tendências sócio-políticas que a ditadura tornou dominantes” (NETTO, 2011, p. 164-165). Em Araxá, partiu-se da premissa de que o Serviço Social era uma prática institucionalizada que atua junto a indivíduos com desajustamentos familiares que eram causados por estruturas sociais inadequadas (NETTO, 2011, p. 167). Sua atuação pautava-se nas dimensões corretivas, preventivas e promocionais, sendo esta última, para promover o homem era necessário um processo de conscientização que levaria ao desenvolvimento global. Como já foi observado, havia uma nova exigência para a profissão, o Serviço Social, dentro desse processo de desenvolvimento do país, precisava desempenhar novos papéis, 37 modelando um profissional moderno. Há uma restituição dos processos profissionais, característicos de uma atuação microssocial (Caso, Grupo e Comunidade) que eram anteriores, dentro da nova compreensão de desenvolvimento global, macrossocietário. Nada mais era do que a “captura do ‘tradicional sobre novas bases.” (NETTO, 2011, p. 168). De acordo com Netto (2011), neste documento, há uma subsunção do ‘moderno’ ao ‘tradicional’ e os elementos a seguir permitem a compreensão da tensão entre estes dois pontos: a discussão sobre o que assistentes sociais definem como objetivos remotos e os objetivos operacionais da profissão; e a atuação em nível micro e macrossocial. Os objetivos remotos referem-se ao “provimento de recursos indispensáveis ao desenvolvimento, à valorização e à melhoria de condições do ser humano, pressupondo o atendimento dos valores universais e a harmonia entre estes e os valores culturais e individuais” (CBCISS, 1986, p. 27). Já os objetivos operacionais, permitem instrumentalizar a ‘reformulação’ necessária da profissão, de modo a que ‘o Serviço Social, agente que intervém na dinâmica social [oriente-se] no sentido de levar as populações a tomarem consciência dos problemas sociais, contribuindo, também, para o estabelecimento de formas de integração popular no desenvolvimento do país. (CBCISS, 1986 apud NETTO, 2011, p.168). Assim, a atuação terá como atribuição: “a intervenção no plano das políticas sociais, do planejamento e da administração de serviços sociais” (NETTO, 2011, p. 169) e também sua atuação tradicional, com “os serviços de atendimento direto, corretivo, preventivo e promocional, destinados a indivíduos, grupos, comunidade, populares e organizações” (CBCISS, 1986, p. 28). O que se colocou dentro desta perspectiva é a noção de que o Serviço Social deve ter “uma visão global do homem, integrado em seu sistema social” (CBCISS, 1986, p. 31) este entendido dentro do estrutural-funcionalismo. Assim, a atuação do Serviço Social foi dividida em dois níveis: micro, consistindo na prestação de serviços diretos, que só terá validade se sincronizada à macroatuação, e esta compreendia a integração dos serviços de planejamento e administração das políticas da infraestrutura social. De acordo com Netto (2011), o Seminário de Teresópolis seria a consolidação da perspectiva modernizadora, no qual o triunfo da ‘moderno’ sobre o ‘tradicional’ se apresenta 38 inconteste e “a perspectiva modernizadora se afirma não apenas como concepção profissional geral, mas sobretudo como pauta interventiva. (p.178). O Seminário debateu a metodologia do Serviço Social e, segundo Netto (2011), o autor que deu maiores subsídios para o debate foi José Lucena Dantas, que escreveu um ensaio sobre A teoria metodológica do Serviço Social, no qual partiu da prática profissional para criar uma Teoria Geral do Serviço Social, já que para ele o grande problema consistia na falta de uma metodologia consistente à prática. Para Dantas (1978), “o método não passa de um jogo de ordenações formais, envolvendo ‘a matéria a ser ordenada e [...] os critérios utilizados para imprimir ordenação a essa matéria’” (apud NETTO, 2011, p. 183). Lucena Dantas foi o maior teorizador desta perspectiva. O debate que ocorreu no Seminário de Teresópolis cristaliza a “redefinição do papel sociotécnico do assistente social, ao situá-lo como um ‘funcionário do desenvolvimento’” (NETTO, 2011, p. 192), ou seja, é a adequação do Serviço Social à modernização conservadora, o que implicaria também numa redefinição da formação profissional. 2.2.2 Perspectiva de Reatualização do Conservadorismo
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