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TÍTULO: ANÁLISES DOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS GRUPAIS NA ATIVIDADE DE TRABALHO NA SEÇÃO DE NUTRIÇÃO DO HU. - PROJETO: TRABALHO E SUBJETIVAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR ORIENTADORA: Profa. Dra. Inara Barbosa Leão AUTORA: Priscilla Soares Teruya ENDEREÇO: Rua Espanha, 851 Vila Jacy. Campo Grande – MS / CEP.: 79006-580 TELEFONE: (67) 3386-9340 / (67) 9228-6509 ANÁLISES DOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS GRUPAIS NA ATIVIDADE DE TRABALHO NA SEÇÃO DE NUTRIÇÃO DO HU. - PROJETO: TRABALHO E SUBJETIVAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR Resumo do Projeto A subjetividade do indivíduo é constituída no processo de relação com a objetividade, através de instrumentos de mediação como o trabalho, a linguagem e as emoções. Essas mediações permitem aos indivíduos a interiorização do mundo material, através das suas atividades, portanto, ativamente. O trabalho do homem é uma atividade social que assente a cooperação entre indivíduos, o que supõe uma divisão técnica das funções do trabalho. Na produção os homens não agem apenas sobre a natureza. Eles produzem colaborando de uma determinada maneira e distribuindo entre si suas atividades. Para produzir entram em relações e ligações determinadas uns com os outros e não é senão nos limites destas relações sociais que se estabelecem a sua ação sobre a natureza, a produção. Partindo desses pressupostos teóricos, a presente pesquisa visa analisar a dinâmica material e psico-grupal que sustenta a produção e as relações interindividuais na Seção de Nutrição do Núcleo do Hospital Universitário e, conseqüentemente, entender quais os processos psíquicos lhes são peculiares, necessários e aqueles que redundam de dificuldades geradas pelo/no trabalho e suas conseqüências individuais. Tais ações serão realizadas apoiadas nas Teorias Psicológicas Sócio-Histórica e aquelas próprias dos processos grupais que nos permitirem a apreensão de suas determinações sociais, utilizando como metodologia a pesquisa participativa. As atividades desenvolvidas visam atender, também as exigências para o cumprimento dos Estágios Supervisionados em Psicologia Organizacional I, II e III Palavras-chave SUBJETIVIDADE – PSICOLOGIA DO TRABALHO – INSTITUIÇÃO HOSPITALAR PARECER Eu, professora doutora Inara Barbosa Leão, sou de parecer favorável à apresentação para inscrição no Prêmio Silvia Lane, promovido pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP, do Relatório Final do Estágio Supervisionado em Psicologia Organizacional II e III pela, então, acadêmica: Priscilla Soares Teruya, resultante das atividades desenvolvidas sob minha orientação durante a 5ª série no período letivo de 2005-2006 e já aprovado pela Comissão de Estágio supervisionado do Curso de Psicologia/CCHS. Minha opinião favorável se deve ás características do trabalho e da instituição onde se desenvolveu e ao tratamento dado aos dados. Campo Grande, 28 de fevereiro de 2007. InaraBLeão Profa. Dra. Inara B. Leão. Curso de Psicologia Campo Grande, 28 de março de 2007. PARECER O Curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/Campus de Campo Grande, tem a honra de inscrever trabalhos dos seus ex-alunos, para o Premio Silvia Lane, promovido pela Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia – ABEP. Esta Universidade, mesmo diante de tantas adversidades, tem tentado incentivar o aluno a pesquisar, produzir textos e a apresentar esta produção em eventos regionais, nacionais e internacionais. Acreditamos que é necessário dar mais ênfase na criação e não sermos apenas reprodutores de conteúdos acadêmicos. A Universidade precisa resgatar o seu papel de produtora de conhecimento, incentivando na vida acadêmica a construção de novos pesquisadores. A Universidade que presa pelo ensino de qualidade está diretamente determinada pela pesquisa. E isto não deve ser apenas retórica. Sendo assim, o Curso de Psicologia indica para concorrer a este importante prêmio de incentivo à produção acadêmica os trabalhos abaixo listados, informando que estes foram selecionados dentro da instituição por apresentarem: coerência do texto em relação ao que foi proposto; boa articulação entre estudo teórico-prático e clareza na conexão das idéias. Desta forma apresento os trabalhos que foram selecionados: Para a categoria Relatório de Estágio: 1) Análises dos processos psicológicos grupais na atividade do trabalho na seção de nutrição do Hospital Universitário. Período: 2005-2006. – Projeto: Trabalho e subjetivação em uma instituição hospitalar. Relatório de estágio, sob a orientação da profª.drª. Inara Barbosa Leão. Para a categoria Trabalho de Conclusão de Curso: 2) Esperança e expectativa dos desempregados: a supremacia do sentido sobre o significado. Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação da profª.drª. Inara Barbosa Leão; 3) O sentido subjetivo do trabalho para a profissional do sexo. Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação da profª.drª. Alexandra Ayach Anache. O Curso de Psicologia parabeniza os trabalhos acima e deseja aos participantes boa sorte! Profª. Rosilene Caramalac. Coordenadora do Curso de Psicologia UFMS/CCHS – Campo Grande Adriano Kasiorowski Araujo Claudiane Coimbra da Silva Éder Juliano A. Blanco. Elódia Herminia Maldonado Fabíola Sampaio de Oliveira Córdova Fernando Ulisses Rosalino Guilherme Espindola Heriel A. B. da Luz Leonardo Bastos Lívia Gomes dos Santos Luciléa Rezende Arguelho Luis Henrique Moura Priscilla Bolfer Moura Priscilla Soares Teruya ANÁLISES DOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS GRUPAIS NA ATIVIDADE DE TRABALHO NA SEÇÃO DE NUTRIÇÃO DO HU. - PROJETO: TRABALHO E SUBJETIVAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR Supervisão: Profa. Dra. Inara Barbosa Leão UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PSICOLOGIA – FORMAÇÃO DE PSICÓLOGO CAMPO GRANDE. JUNHO DE 2006. SUMÁRIO 1 - Introdução .................................................................................................................. 3 2 - Apresentação do local e condições nas quais a atividade de estágio aconteceu..... 5 3 - Descrição do trabalho ................................................................................................ 7 3.1. - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................ 7 3.1.1 A Teoria Psicológica Sócio-Histórica........................................................................................7 3.1.2 A Teoria da Atividade..............................................................................................................13 3.1.3 A Teoria de Campo de Kurt Lewin..........................................................................................17 3.1.4 Sistema, Grupo e Poder – Ignácio Martin-Baró.......................................................................32 3. 2 – FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA ............................................................. 38 4 - Apreciação sobre o desenrolar das atividades e dos desafios enfrentados ............ 41 4.1 ANÁLISE DO GRUPO DE NUTRICIONISTAS........................................................ 41 4.1.a Devolutiva da Análise do Grupo das Nutricionistas ................................................................54 4.2 ANÁLISE DO GRUPO DE COZINHEIROS .............................................................. 56 4.2.a Devolutiva da Análise do Grupo dos Cozinheiros ...................................................................60 4.3 ANÁLISE GRUPO DOS AUXILIARES DE COZINHA ........................................... 64 4.3.a Devolutiva da Análise do Auxiliares de Cozinha.....................................................................72 4.4 ANÁLISEGRUPO DE COPEIROS............................................................................ 74 4.4.a Devolutiva da Análise do Grupo de Copeiros..........................................................................78 4.5 ANÁLISE GRUPO DE ASSISTENTES ADMINISTRATIVOS ............................... 81 4.5.a Devolutiva da Análise do Grupo de Assistentes Administrativos............................................82 4.6 ANÁLISE DO GRUPO DE AUXILIARES OPERACIONAIS.................................. 84 4.6.a Devolutiva da Análise do Grupo de Auxiliares Operacionais.................................................88 5. REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS DAS ANÁLISES DA SEÇÃO DE NUTRIÇÃO DO HU. .......................................................................................................................... 93 6- CONCLUSÃO.......................................................................................................... 107 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 110 3 1 - Introdução Ao longo deste relatório, apresentamos os procedimentos, fundamentos teórico- metodológicos, considerações e resultados alcançados pelas intervenções realizadas. Para tanto, iniciamos pela explicitação dos pressupostos epistemológicos que fundamentam e justificam o tipo de abordagem e de prática adotada, explanando também acerca dos objetivos que nortearam as atividades realizadas. Seguimos com uma apresentação sintética da Fundamentação Teórica que nos embasou, definindo os conceitos teóricos relacionados à problemática analisada, a partir dos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica, a Teoria da Atividade de Leontiev, os constructos da Teoria de Campo de Kurt Lewin e, também, os estudos de Martin-Baró sobre grupos. Através de uma interlocução e de uma relação dialógica e sintetizadora entre tais autores é que foram desenvolvidas as intervenções e análises dos fatores envolvidos. O trabalho segue, então, pela descrição das atividades realizadas e dos meios que utilizamos para alcançarmos tais objetivos, ou seja, a Metodologia adotada, que no caso apóia-se no Materialismo Histórico Dialético e na Pesquisa-ação. Em seguida, serão apresentadas as análises, propostas e possíveis recomendações. Antes, é importante frisarmos que, para compreendermos os processos psicológicos de um grupo, devemos partir do reconhecimento de que existe uma série de influências sociais, muito amplas e profundas, sobre todo e qualquer indivíduo ou grupo. Estas influências sociais implicam na forma como as instituições se organizam e em como o trabalho é realizado nestas. Dentre os modos de organização institucional, determinado socialmente, está o que é chamado de Divisão Social do Trabalho, que consiste em separar por etapas e por grupos as tarefas que devem ser executadas. Por exemplo: o grupo de cozinheiros, de nutricionistas, de copeiros e demais grupos possuem funções diferentes, bem específicas, e cada um é responsável por uma etapa de todo o processo, e isso é um exemplo de Divisão do Trabalho. Mas, esta divisão não é própria desta instituição, é uma construção histórica, ou seja, que foi elaborada ao longo de muito tempo pelos homens e serve para todas as instituições, não só para o HU. O mesmo pode ser dito sobre o modo de organização hierárquico das instituições. 4 Tais modos de organizações sociais, como a estrutura hierárquica e a divisão social do trabalho, impõem certas condições para cada grupo: cada um terá suas possibilidades e seus limites estabelecidos pelo próprio trabalho que executa, pela própria função que desempenha no processo geral. Dessa forma, os problemas e conflitos que surgem nestes processos não são conflitos pessoais e não devem ser abordados como “culpa de alguém”, individualmente. São resultantes do próprio trabalho e da forma como ele é executado, ou seja, das próprias condições, possibilidades e limites que o ordenamento hierárquico e a divisão social do trabalho impõem a cada grupo. Tanto que se trocássemos todos os indivíduos, as dificuldades não desapareceriam. Assim, tínhamos claro que as influências sociais e todas estas condições dadas pela hierarquia institucional e pela divisão do trabalho, no presente caso, partem das relações que se estabelecem desde o Ministério da Educação e o da Saúde com o HU como um todo, e continuam nas relações entre o HU e a Seção de Nutrição, e é dessa forma que tais influências chegam até os grupos que compõem esta Seção, regulando as relações entre estes grupos e participando da formação dos aspectos psicológicos aí presentes. 5 2 - Apresentação do local e condições nas quais a atividade de estágio aconteceu O Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, “Rosa Pedrossian”, localiza-se em Campo Grande, é um dos principais hospitais responsáveis por receber toda população do Estado é considerado referência estadual para o atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Configura-se como um Hospital Escola, sendo mantido com recursos provenientes do Ministério da Saúde e da Educação. Como Hospital Escola é campo de estágio para vários cursos e universidades, entre elas a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade para o Desenvolvimento do Pantanal (UNIDERP) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). A divisão do trabalho no H.U./UFMS é organizada em razão das funções e objetivos de cada atividade, portanto, é dividido em Seções. Uma delas é a Seção de Nutrição que é responsável por preparar as refeições dos pacientes internados, acompanhantes, funcionários e residentes. Por sua vez a Seção de Nutrição também é subdividida em função das atividades desenvolvidas. O início das atividades se deu quando a Chefe do Setor Administrativo da referida Seção solicitou os serviços à área de Psicologia do Trabalho do Curso de Psicologia do CCHS/UFMS com vista a eliminar os conflitos identificados entre os funcionários e que, na opinião da solicitante, impediam o bom andamento das atividades do grupo. A partir desta demanda, foi constituído um grupo de Estagiários que se interessaram pela temática e que foram supervisionados pela professora responsável pelas intervenções psicológicas requeridas. Este grupo, por sua vez, foi dividido em subgrupos, cada qual responsável por um Setor da Seção de Nutrição, sendo eles: Nutricionistas, Cozinheiros, Auxiliares de Cozinha, Assistentes Administrativos, Auxiliares Operacionais e Copeiros. Com base nos dados levantados - através das reuniões em grupo e de observação de campo - foram feitos os confrontos entre os diversos dados coletados buscando as relações e a totalidade do fenômeno estudado, visando a partir disso e das pesquisas bibliográficas, elaborarmos sínteses e propostas de modificação da realidade estudada. Tendo em vista tal intuito, foram feitas as análises psicológicas das informações colhidas, a partir das quais foram criadas as representações gráficas apoiadas nos conceitos de Martín-Baró sobre Identidade, Conhecimento e Poder, a fim de facilitar a 6 exposição para os funcionários na reunião de devolutiva. Este trabalho constitui-se, portanto, na síntese das atividades e resultados obtidos ao longo de aproximadamente um ano das atividades desenvolvidas nas Disciplinas Estágio Supervisionado em Psicologia Organizacional II e III, junto à Seção de Nutrição do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A atuação conjunta dos acadêmicos que cursavam os dois níveis de Estágio se deve a estratégia do grupo para garantir que não haja quebra de continuidade das ações em decorrência da formatura dos acadêmicos estagiários no nível III. Portanto, Neste momento as ações junto aos trabalhadores e a organização hospitalar continuam em desenvolvimentoa partir do que foi desenvolvido até o momento da elaboração deste Relatório. No período letivo de 2005-2006, período contemplado por este Relatório, o Trabalho no Estágio Supervisionado em Psicologia Organizacional III, foi cumprido pelos acadêmicos que concluíram o curso em Junho de 2006. Portanto, a decisão de apresentarmos este para a apreciação neste Concurso foi tomada em comum acordo com os participantes e o termo de consentimento se encontra sob a guarda da Professora Supervisora. 7 3 - Descrição do trabalho 3.1. - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1.1 A Teoria Psicológica Sócio-Histórica - Consciência e Trabalho O contexto atual no qual o trabalho é realizado é o do capital, no qual há a acumulação deste por uma classe social, mediante a utilização do trabalho de uma outra. A classe que detém os meios de produção e condiciona o trabalho é chamada de classe burguesa e a que vende sua força de trabalho é a classe trabalhadora. Porém, esta relação de trabalho não foi sempre assim, pois esta forma de organização do trabalho se instalou a partir das Revoluções Francesa e Industrial, as quais consagraram o capitalismo como sistema sócio-econômico vigente. Entretanto, a forma de produção de mercadorias e o trabalho humano não podem ser confundidos. O trabalho é a atividade do homem por excelência, sendo através dele que a espécie humana pôde modificar a natureza em seu benefício, além de constituir a sua subjetividade e transformar o seu corpo. O trabalho se caracteriza desde quando o homem ainda era um ser nômade, que vivia da coleta de alimentos que era a forma de saciação de sua necessidade primeira: alimentação. Conforme as alterações ambientais e a falta de alimentos suficientes para a manutenção da espécie, o homem passou a criar instrumentos capazes de protegê-lo do frio, dominar o fogo, confeccionar armas e utensílios com elementos da natureza. Essas criações humanas, exigidas pelo enfrentamento com a natureza e propiciada pelo trabalho, transformam a organização psíquica do homem, que cria não só instrumentos práticos para lidar com a realidade, mas também instrumentos psicológicos, os quais o fazem dar um salto qualitativo em sua relação com a realidade material. A princípio, seu primeiro instrumento é seu próprio corpo: ao conquistar a bipedia, o homem reorganiza sua concepção de ambiente, sua percepção e psicomotricidade. A natureza segue exigindo maneiras mais sofisticadas de atuação para a consecução dos objetivos humanos, isto é, o homem novamente faz novo salto qualitativo ao modificar sua mão com o movimento de pinça, movimento este que 8 possibilita manipular instrumentos mais sofisticados, de maneira a, mais uma vez, reorganizar sua forma de lidar com o mundo externo. Engels (1999, s/p), em “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem” diz: “Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas”. O trabalho teve então o papel de transformar, historicamente, o macaco no homem de hoje, e as modificações que promoveu no ambiente físico propiciaram a transformação para a consciência do homem, fazendo dele o produtor de sua própria existência. O trabalho estabeleceu também a necessidade de uma linguagem, que nasce da atividade simpráxica que o homem exerce na natureza. Algumas convenções lingüísticas se fizeram necessárias e, a partir do trabalho conjunto, tivemos o advento da linguagem enquanto representação da realidade, a princípio como referencial, ou seja, ligada diretamente ao seu objeto e, posteriormente, a linguagem conceitual, a qual trouxe a possibilidade das Funções Psicológicas Superiores do homem, tais como o pensamento, a abstração, a emoção, a memória superior, etc. Concomitantemente às alterações biopsíquicas e à utilização da linguagem, o homem produz a cultura e a passa de geração a geração. Neste contexto, o homem deixa de ser nômade e passa ao sedentarismo, em decorrência da exaustão das possibilidades da coleta e a decorrente necessidade de cultivar seu próprio alimento. Este homem trabalhador já mantém com a natureza uma relação de domínio e o trabalho torna-se mais elaborado com a divisão natural do mesmo, ou seja, os homens mantinham trabalhos diferentes dos das mulheres, crianças e velhos, devido às suas compleições físicas e estrutura corpórea. Às mulheres cabia a criação dos filhos e os trabalhos artesanais das tribos humanas. Aqui, o homem já havia domesticado os animais, e produzia sua existência sem acumulação, sendo que todo produto do trabalho do grupo era dividido entre os seus membros. Mas esta situação foi constantemente modificada conforme a história, pois houve o aumento na produção e surgiu a necessidade de troca entre os membros. No século XII a.C., os gregos detinham propriedade privada e o trabalho era feito pelos escravos, resultantes das derrotas das guerras, os quais não tinham propriedade e prestavam-se a seus senhores. Com o desenvolvimento da ordem sócio- política, cria-se a divisão pela propriedade da terra e estabelecem-se os reinos, 9 principalmente entre os séculos IV e IX, onde já estava vigendo um novo sistema social: o feudalismo. No feudalismo, o senhor feudal era o dono das terras, onde eram produzidos os meios de sobrevivência dos senhores e dos servos – trabalhadores que trocavam sua força de trabalho pela proteção dos senhores feudais. Neste modo de produção, os trabalhadores recebiam uma parte da produção ao trabalharem para seus senhores; conforme os meios de produção que possuíam, o que permitiu não só a reprodução de si, mas, em alguns casos, iniciarem a acumulação de bens e capital. Contudo, foi com o feudalismo que houve a emergência de trabalhadores manufatureiros, os quais fabricavam produtos artesanais e não tinham relação de serventia com os senhores feudais. Estes criam os Burgos, agregados de trabalhadores que exerciam o comércio e acumulavam riqueza. O período histórico em que os burgos surgiram e deram condições para a emergência de uma nova classe social, devido ao seu poder econômico, é chamado de mercantilismo. Neste, as mercadorias adquirem valor de troca e as terras já não mais as únicas fontes de poder. E deste período histórico em diante, esta nova classe se torna revolucionária, lutando contra os senhores feudais e o poder político exercido pela Igreja. Estas lutas, associadas com o desenvolvimento técnico do trabalho produtivo, produzem as condições necessárias para a nova configuração social, culminada com as Revoluções Francesa e Industrial, que instauram o capitalismo sob as bases da ideologia liberal. – O Trabalho no Capitalismo Com o capitalismo, a classe burguesa surge como a detentora dos meios de produção, bem como do poder político, instituindo as leis do novo sistema social. O liberalismo, atrelado à idéia de liberdade da burguesia, torna-se hegemônico e é representada pela frase: “liberdade, igualdade e fraternidade”. Agora os homens eram livres, mas esta liberdade referia-se a não mais depender dos senhores feudais, o que levaria os homens agora livres, porém desprotegidos, a venderem sua força de trabalho aos detentores dos meios de produção capitalista. O capitalismo sustenta-se na acumulação do capital e esta se dá da seguinte forma: os homens, agora livres, têm a possibilidade de vender sua força de trabalho aos 10 capitalistas, ou seja, alienam parte de seu tempo livre e sua força de trabalho para trabalhar para aqueles que ficam com o produto do trabalho, trocado por um valor monetário, o qual deve servir para que os indivíduos consigam manter a si mesmos e suas famílias. No entanto, os capitalistasficam não apenas com o produto do trabalho, mas também com o valor agregado a esse produto pelo trabalho que não foi pago. Este trabalho não pago chama-se mais-valia, conceito desenvolvido por Marx (1999) e que se refere ao valor que um produto tem ao ser produzido, ou seja, seu valor de uso; e o valor que o produto passa a ter, acrescido da produção extra feita pelo trabalhador e não paga pelo capitalista, isto é, seu valor de troca. É sob estas condições que o trabalhador contemporâneo produz sua existência e sua consciência: não detendo o produto de seu trabalho, não percebendo como suas relações com a realidade se dão de forma parcial em decorrência deste modo de produção, e mais, também não se reconhecendo como produtor de sua própria vida. – A Consciência A consciência, de acordo com a Teoria Psicológica Sócio-Histórica, é um conjunto de conteúdos e processos subjetivos, tais como imagens de percepção e as Funções Psicológicas Superiores. É através da consciência que o homem irá se relacionar com o ambiente material e social sendo que é, por ela também, que pôde construir a cultura e a sociedade. A gênese da consciência se dá por meio da atividade do sujeito na realidade objetiva. Ao entrar em atividade, o sujeito cria novas conexões intrapsíquicas, formando assim as Funções Psicológicas, com as quais irá se orientar no mundo. A consciência é pautada pela representação social, isto é, pelo significado – conjunto de representações construídas socialmente e convencionadas por determinada cultura, e pelo sentido – representação individual produzida pela atividade do sujeito em relação ao significado social. Em outras palavras, o significado é social e o sentido é individual. O significado que, inicialmente, está no contexto sócio-cultural onde o sujeito se insere, é ressignificado pela sua atividade, mediando-a, atribuindo-lhe sentido próprio com base nas suas experiências afetivas anteriores. Aquele nos permite analisar o objeto, distinguir nele propriedades essenciais e relacioná-lo a determinada categoria, mas é o sentido que exprime os componentes afetivos para a exploração da realidade. 11 Para se entender consciência, faz-se necessário a explicação de como seus conteúdos e processos são interiorizados. A princípio, o homem, dotado da capacidade de ser afetado pela realidade objetiva, entra em relação com ela em busca da saciação de suas necessidades, sejam elas biológicas ou sociais e, para isso, necessita entrar em atividade em seu meio social. Porém, essa atividade deve ser motivada, e é este motivo que indica os objetos para a consecução de seus objetivos, isto é, o motivo é a contradição dialética entre necessidade individual e condições de saciação dessa necessidade dadas pela realidade material. O motivo da atividade é essencialmente emocional, tanto que nos sentidos do sujeito encontramos seus motivos, ou seja, encontramos o princípio emocional que o levou a entrar em atividade. A consciência do indivíduo é tratada por Leontiev (1995) como um reflexo da realidade, mas não um reflexo imediato, sendo, ao contrário, mediado por sua atividade. A consciência do homem é a representação do mundo para este homem, e esta representação está restrita às formas em que a cultura se organiza, às formas de produção material da vida e ao contexto histórico em que se dão as relações humanas. Segundo Leontiev (Idem), o homem reflete a realidade a partir de mediadores de sua consciência, que são os chamados instrumentos mediadores. Vários são os instrumentos mediadores da consciência: a linguagem, devido à sua capacidade representativa e comunicativa; a emoção, por ser a representação social dos afetos sentidos pelo homem e discriminados segundo a cultura e o momento histórico em que se dão. Portanto, se retomarmos a discussão acerca dos sentidos e significados, podemos dizer que para a consciência, a emoção é a contradição entre os afetos individuas e a representação social dos mesmos, sendo que por isso dizemos que o sentido é emocional, pois é o produto dessa contradição. Em outras palavras, os afetos do homem, quando significados socialmente, são sentidos por esse homem como particulares. Outro elemento mediador da consciência é o grupo social do qual o indivíduo faz parte. Este grupo representa a macro-sociedade, mas com algumas particularidades condicionadas à sua própria dinâmica e organização. Segundo Vigotsky (1999), a palavra é o microcosmo da consciência, o que nos indica que ela – elemento representativo da linguagem, que é também um mediador da consciência – carrega a significação e o sentido para o sujeito. Contudo, esta representação da linguagem é 12 contingente ao processo grupal no qual se dão as representações. Portanto, temos vários instrumentos mediadores da consciência do homem, e todos estão em constante processo de mudança, segundo o processo histórico. Não se pode tomá-los separadamente, devido ao fato de a atividade do homem ser tão diversa quanto seus processos intersubjetivos. Esta característica de multideterminação da consciência indica a complexidade dos processos individuais e seus matizes significativos, uma vez que o homem, este ser em movimento, está cotidianamente reestruturando sua consciência a partir de sua atividade em um mundo em constante transformação. Muito embora não concebamos esta mudança facilmente, as nuances cotidianas nos transformam aos poucos e, segundo o método dialético, este pouco se transforma em muito por saltos qualitativos, o que caracteriza o reconhecimento da mudança. Finalmente, a consciência é a instância produzida pela atividade do homem e que está constantemente produzindo o homem, em conjunto com o movimento histórico da humanidade. 13 3.1.2 A Teoria da Atividade O ser humano está inserido em um contexto sociocultural, e é através das relações que mantém nesse contexto que desenvolverá suas Funções Psicológicas Superiores, que são meios estruturados que promovem o funcionamento psicológico humano, surgindo a partir de diferenciações promovidas pelo desenvolvimento histórico e social do homem, através das relações reais estabelecidas no meio social. Assim, de acordo com Aguiar (2001, p. 96), "o homem está em relação com esse mundo; atua interferindo no mundo (atividade) e ao mesmo tempo é afetado por essa realidade constituindo seus registros [psicológicos]". Portanto, é com a atividade que o homem se insere no mundo, e por meio dela que ele se constitui, o que nos leva a concluir que o estabelecimento, desenvolvimento e caracterização da atividade é um dos processos que compõe e promove o funcionamento psicológico do ser humano. A atividade pode ser melhor compreendida como mediação, entre o homem e a realidade. Ela não é a ação, embora sob alguns aspectos possamos dizer que a atividade é a ação do homem sobre o mundo, inclusive sobre ele mesmo. Ela caracteriza-se por ocorrer a partir de uma necessidade que é demonstrada por um objetivo a ser alcançado: é assim que o motivo é objetivado e direciona a atividade; isto porque os motivos impulsionadores da atividade não são conscientes. Enquanto se toma consciência dos fins, a compreensão dos motivos permanece inconsciente, embora estejam presentes sob a forma de tônus emocional das ações. O verdadeiro motivo só será conhecido quando as ações explicitarem o motivo pessoal e, a partir dessa explicitação, levar ao motivo social interiorizado e transformado em interesse pessoal. Portanto, a emoção constituí-se quando o motivo é objetivado e, antes que ocorra a valorização social de sua atividade, são os estados emocionais que direcionam o sujeito para determinado objeto, ou seja, é a partir da emoção que a atividade é dotada de significação. De acordo com Wertsch (1988, p. 210 apud Leão, 1999, p. 31), a Teoria da Atividade de Leontiev diferencia trêsníveis de atividade, cada um caracterizado por um tipo específico de unidade. No primeiro nível, estão as atividades reais, concretas, desenvolvidas e determinadas pelo contexto sociocultural no qual o homem está inserido. O outro nível é o fato de "ser a unidade de uma ação orientada para um objetivo" (Leão, 1999, p.31). A ação é um meio de realizar a atividade e, conseqüentemente, de 14 satisfazer o motivo. O traço característico de uma ação é o fato de que é sempre orientada para um objetivo, almejando satisfazer um objetivo particular. Isso significa que ela pode fazer parte da realização de diversas atividades, de forma relativamente independente, uma vez que um motivo pode ser constituinte de diferentes atividades. O terceiro nível refere-se às operações, que se relacionam com as circunstâncias específicas que estão envolvidas na execução da ação e constituem o meio pelo qual uma ação é realizada. Enquanto uma atividade é orientada por um motivo, as ações são orientadas para as metas, e as operações orientadas pelas condições. Uma atividade é realizada através de ações cooperativas ou individuais, podendo se estabelecer cadeias ou redes de ações que estão relacionadas umas com as outras por buscarem atingir a mesma meta. Uma característica importante de uma ação é que ela é planejada antes de sua execução Dessa forma, a ação tem seu aspecto intencional e o operacional, que não se define pelo objetivo em si, mas pelas circunstâncias objetivas na qual se desenvolve. Na ausência de um motivo, realizam-se apenas ações ou operações, que são partes constitutivas da atividade, mas não são a própria atividade. A atividade tem papel determinante na formação da consciência, que é a mente humana como um todo, e a atividade é a interação humana com sua realidade objetiva - é através da atividade que a consciência vai diferenciar o mundo real das impressões interiores individuais; tendo a capacidade de observar a si mesma, de forma a manter a estabilidade objetiva das propriedades materiais, independente das subjetivas. É a partir da atividade que ocorrerá uma apreensão da realidade objetiva, não de forma passiva, mas de maneira ativa, criativa, sobre a base e no decorrer da transformação prática da realidade. Para que isso ocorra, é necessário que aja uma interiorização da atividade, que se dará por meio de signos sociais - a linguagem. Sua origem é social, e a linguagem tem grande importância em sua constituição, uma vez que a noção de "eu" se constrói na relação com o outro, desempenhando a função de contato social. Ela caracteriza-se pela relação que o indivíduo faz entre sentido (pessoal) e significado (social), através da atividade, quando o sujeito apreende a realidade como sendo particular e a torna consciente. A tomada de consciência, portanto, é a apreensão do sentido individual da atividade, que é uma construção social. Assim, a partir da atividade, o homem modifica o meio ao mesmo tempo em que é modificado, pois é pela atividade que o homem se objetiva e transforma a realidade, ao mesmo tempo em que transforma a si mesmo e se subjetiva. Por isso, deve ser objeto de estudo da psicologia, por situar o homem na 15 realidade objetiva e transformar tal realidade em subjetividade. A atividade também é determinante na constituição da identidade, que é um processo resultante da relação que o sujeito estabelece com o meio. Todas as funções Psicológicas Superiores são, inicialmente, fenômenos sociais, e como tal, não têm nenhuma característica de permanência. Porém, enquanto representação social de um indivíduo, a sua identidade é apenas pressuposta, cabendo ao indivíduo, através da atividade, acatar ou não a representação que lhe é atribuída pelos outros, sendo que, portanto, a identidade se constrói através da atividade. A atividade, ao mesmo tempo em que é construção do homem, é também "determinada pela forma que a sociedade se organiza para o trabalho" (Aguiar, 2001, p.99). Pois, como o trabalho é uma das manifestações da atividade humana que tem a centralidade na sua vida, ao ser interiorizado, reconfigura e se expressa em todas as demais atividades, por meio de signos sociais. Conseqüentemente, qualquer consideração acerca da atividade, da consciência ou de aspectos psicológicos do ser humano deve, necessariamente, considerar o contexto no qual ele está inserido, e é neste que os significados das palavras são construídos. A linguagem é um mediador para o processo de transmissão, reprodução de conhecimento e constituição do pensamento. Ela "reproduz uma visão de mundo, produto das relações que se desenvolveram a partir do trabalho produtivo para a sobrevivência do grupo social" (Lane, 1994, p. 32-33). Entretanto, a partir da atividade, essa linguagem social é interiorizada e transforma-se em Sentido pessoal das atividades e de seus contextos. A Atividade Subjetiva O sentido da realidade e das atividades nela desenvolvidas é pessoal, relacionado diretamente "com a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo". (Lane, 1994, p.34). Isto porque, para satisfazer suas necessidades, o homem precisa atuar sobre o mundo, o que resulta também na construção do fenômeno psicológico, aqui entendido como "atividade do homem de registrar a experiência e a relação que mantém com o ambiente sociocultural" (Aguiar, 2001, p.98). Assim, "o homem constrói seu mundo interno na medida em que atua e 16 transforma o mundo externo. Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, pois são construídos num mesmo processo, e a existência de um depende da do outro. Atuar no mundo é uma propriedade do homem, isto é, a atividade é uma das suas determinações". (Bock, 1999, p. 143). A subjetivação da realidade ocorre a partir da sua interiorização, concebida como o processo pelo qual alguns aspectos da atividade que ocorreram externamente passam a acontecer no plano interno, onde sofrem modificações, adaptações e, principalmente, podem desenvolver-se de forma a extrapolar as possibilidades da atividade externa. Tal conceito, desenvolvido por Vigotsky, possibilitou o desenvolvimento das idéias psicológicas concretas sobre a origem das operações internas de pensar (Leontiev, 1978). A atividade interna é um processo histórico: foi a partir do desenvolvimento ontológico que o homem tornou-se capaz de raciocinar e resolver tarefas apoiando-se na linguagem, sem que ocorresse a externalização de sua ação. Ela começa como uma atividade material e, devido às ações e operações requeridas pelo uso da linguagem, se interioriza em forma de sistemas neuropsicológicos sobre a base do sistema fisiológico, o que foi propiciado pelo desenvolvimento filogenético dos seres humanos. Portanto, a atividade interna é constituída socialmente, mas é produto da interação social sobre a atividade cerebral, uma vez que os processos psíquicos e fisiológicos formam uma unidade indissociável. De acordo com Leão (1999, p. 45), "... o pensamento apresenta-se como uma atividade propriamente dita, com ações e operações, e as funções cerebrais que as possibilitam. Essas transformações têm por base o desenvolvimento da linguagem e da palavra, quando estas passam a permitir a realização de ações, pela transmissão verbal de certos conteúdos. Especificamente, estes conteúdos só podem organizar os aspectos de planificação, organização e direção de uma atividade, visto que não podem produzir alterações físicas na natureza." Nestas condições, qualquer operação ou ação de trabalho é dialeticamente promotora da conformação e de alterações na subjetividade dos homens, tornando-os, ao mesmo tempo, tão iguais e completamente diferentes. 17 3.1.3 A Teoria de Campo de Kurt Lewin A Teoria de Campo de Kurt Lewin é um conjunto de conceitos por meio dos quais se pode representar a realidade psicológica.É um enfoque no qual o comportamento é visto como algo que ocorre em um campo ou sistema organizado, considerando os fatores externos e internos à pessoa, pois estes interagem para a determinação deste comportamento. Para Lewin, a Teoria de Campo não seria apenas um conjunto de conceitos com os quais se pode representar a realidade psicológica. A sua contribuição foi tornar os conceitos da Psicologia de Campo suficientemente abrangentes para serem aplicados à todas as espécies de comportamento e, também, torná-los específico para permitir a representação de uma pessoa definida em uma situação concreta. Assim, a Teoria de Campo de Lewin cria uma linha de pesquisa que, posteriormente, passa a ser conhecida, vulgarmente, como Dinâmica de Grupos. Ela permite justamente demonstrar e explicitar de uma maneira coerente com a ciência como essas relações que se dão entre as pessoas de determinados grupos podem ser percebidas, demonstradas e trabalhadas lógica e formalmente. Portanto, diferentemente daquilo que vinha sendo proposto, por exemplo, pela psicanálise e pela fenomenologia, que fazem uma abordagem com a intenção de lidar com a subjetivação, com mecanismos eminentemente psicológicos e inconscientes ou incompreensíveis à luz da consciência; a idéia de Lewin é que é possível mostrar esses processos através de conceitos e representações gráficas. As principais características da Teoria de Campo são as proposições que: - o comportamento é função do campo que existe no momento em que ele ocorre; - a análise começa com a situação como um todo, a partir da qual são diferenciadas as partes componentes; - a pessoa concreta, em uma situação concreta, pode ser representada matematicamente. O campo é definido como a “totalidade dos fatos coexistentes, concebidos em termos de mútua interdependência” (Lewin apud Hall & Lindzey, 1966, p. 234). O campo no qual o comportamento ocorre, é dividido em pessoa e meio, sendo este último diferenciado em partes psicológicas e não-psicológicas. Pessoa e meio psicológico são 18 mutuamente interdependentes. As forças que atuam no campo precisam ser entendidas e apreendidas e a cognição é o elemento fundamental que permitirá ao indivíduo conhecer e agir na realidade, pois ela descreve os processos psicológicos implicados na obtenção, no uso, no armazenamento e na modificação do conhecimento sobre o mundo e sobre as pessoas. Neste processo de cognição, o indivíduo constrói estruturas explicativas da realidade, sendo que tais estruturas orientarão a sua ação psíquica e, portanto, a sua interação em um grupo. Ao falarmos em estruturas cognitivas, estamos nos referindo às crenças, às opiniões, às expectativas, às hipóteses, às teorias e aos esquemas que o indivíduo já possui, bem como às indagações sobre estes, às possibilidades de respostas para estas indagações e aos recursos de organização para construção dessas respostas. A cognição é o processo que vai construir o significado do comportamento que será emitido pelo indivíduo. Na teoria proposta por Lewin, a pessoa é representada como ser distinto, e como parte de uma totalidade maior. O isolamento da pessoa do resto do universo é obtido através do desenho de uma figura fechada. NÃO – PESSOA NÃO - PESSOA Tudo o que está dentro dos limites de P é pessoa; o que está fora é não-pessoa. O aspecto significativo desta figura é que ela descreve uma área totalmente delimitada e que se insere dentro de uma área maior. Porém, como a pessoa não é uma unidade perfeita, a estrutura da pessoa é heterogênea, subdividida em partes separadas, mas interdependentes e intercomunicantes. A pessoa se diferencia em região percepto-motora e região intrapessoal, sendo, esta última, dividida em células periféricas e células centrais. Dessa maneira, a pessoa é definida como uma região diferenciada no espaço vital. O espaço vital é o todo da realidade psicológica, o qual contém a totalidade dos fatos possíveis e capazes de determinar o comportamento do indivíduo, ou seja, o espaço vital representa o padrão total de fatores e influências que afetam o comportamento, em dado momento. O espaço vital inclui tudo o que for necessário para a compreensão do comportamento concreto de um ser humano individual em um dado P 19 meio psicológico e em determinado tempo. NÃO-PSICOLÓGICO NÃO-PSICOLÓGICO P + M = V (M): meio psicológico; (P): pessoa; (V): espaço vital. A região entre os dois perímetros constitui o meio psicológico M e a área total dentro da elipse, incluindo o círculo, é o espaço vital V. O espaço fora da elipse é denominado, por conveniência, de mundo físico – apesar de não ser restrito apenas aos fatos físicos - e esta região representa os aspectos não-psicológicos do universo. Lewin, ao explicar o comportamento humano como uma função da interação entre a pessoa e o meio psicológico, propõe a seguinte equação: C = f (P + M) (C): comportamento; (F): função; (P): pessoa; (M): meio psicológico Diante disso, podemos afirmar que o comportamento é uma função do espaço vital, pois se P + M = V, temos O espaço vital é rodeado pelo meio físico, sendo que estas regiões distintas fazem parte de uma totalidade maior. Lewin chamou a região exterior e contígua ao limite do espaço vital de “invólucro externo do espaço vital”. O limite entre o espaço vital e o mundo exterior possui a propriedade de permeabilidade e assim, fatos não- C = f (V) M M P 20 psicológicos podem, e de fato o fazem, alterar fatos psicológicos. Também é verdadeiro que fatos psicológicos podem produzir alterações no mundo físico. - Invólucro Externo Outra propriedade do espaço vital é a de que a pessoa não é parte do meio psicológico e nem está incluída nele. Entretanto, o limite entre a pessoa e o meio é também permeável e, assim, os fatos do meio podem influenciar a pessoa e os fatos relativos à pessoa podem influenciar o meio. INVÓLUCRO EXTERNO Quanto ao meio, também é necessário que este seja subdividido em regiões, pois o meio homogêneo e não diferenciado, no qual todos os fatos são igualmente influentes sobre a pessoa, não representa o verdadeiro status quo. Contudo, não é preciso distinguir entre diversas regiões do meio, já que todas as regiões são iguais. Com isso, o espaço vital é, neste momento, representado por uma pessoa diferenciada, circundada por um meio diferenciado e, portanto, o espaço vital consiste de um conjunto de sistemas interconectados. Para Lewin, duas regiões estão conectadas quando um fato1, em uma região, está em comunicação com um fato em outra região e, também, quando os fatos de uma região são acessíveis aos fatos de outra. Quando isto acontece, temos uma ocorrência e o grau de interligação ou a extensão da influência entre as regiões é determinado pela resistência das delimitações, – se a resistência for forte, as regiões próximas possuirão pouca influência recíproca; já se a resistência for fraca, as regiões poderão sofrer influência recíproca mesmo muito separadas - pelo número de regiões intervenientes e pelas qualidades de superfície das regiões. O número de regiões no espaço vital é determinado pelo número de fatos psicológicos separados, existentes em determinado momento. Por exemplo, se existem 1 Para Lewin, fato é também algo não observável diretamente, mas que pode ser deduzido de algo observável. Existem fatos empíricos e fatos hipotéticos ou dinâmicos. O fato é representado por uma região. ESPAÇO VITAL 21 apenas dois fatos, a pessoa e o meio, só há duas regiões no espaço vital. Na pessoa, o número de regiões é determinado pelo número de fatos relacionadoscom a mesma. Se, por exemplo, a sensação de fome é o único fato existente, a esfera intrapessoal só terá uma região. Em um meio diferenciado em regiões, os fatos de uma determinada região influenciam mais a pessoa do que os fatos de outra região. A compreensão de uma situação psicológica concreta exige o conhecimento da posição da pessoa no seu meio psicológico. Fisicamente, a pessoa pode estar em uma audiência mas, psicologicamente, pode estar pescando. O modo pelo qual as regiões que formam o espaço vital se relacionam, é entendido através do grau de influência ou acessibilidade entre as regiões. A influência exercida pelas regiões do meio entre si é expressa através da facilidade com que uma pessoa pode mover-se de uma região a outra. A isto, Lewin denominou locomoção. Ao realizar uma locomoção, a pessoa move-se através do meio psicológico, porém, essa locomoção não significa movimento físico através do espaço. A influência mútua entre duas regiões intimamente conectadas é exercida quando as locomoções se tornam possíveis entre essas regiões. O meio psicológico, para Lewin, é uma região em que a locomoção se torna possível. O processo pelo qual as regiões da pessoa expressam sua influência mútua, foi denominado comunicação. As regiões da pessoa estão conectadas quando podem comunicar-se entre si: a região perceptiva, por exemplo, se comunica com as células periféricas da região intrapessoal e, por sua vez, estas se comunicam com as células mais centrais. De acordo com Lewin, locomoção e comunicação são ocorrências, pois resultam da interação de fatos. É necessário seguir três princípios ao deduzir-se uma locomoção, uma comunicação ou uma ocorrência do espaço vital. 1. Princípio da conexão: uma ocorrência resulta sempre da interação de dois ou mais fatos. 2. Princípio da concreção: somente os fatos concretos, isto é, aqueles que existem no espaço vital, podem ter efeitos. 3. Princípio da contemporaneidade: apenas os fatos presentes podem criar comportamento atual. Kurt Lewin chamou de reestruturação do espaço vital todas as mudanças ou ocorrências estruturais resultantes da ação de uma região sobre outra. Dentre estas, podemos citar: o número de regiões pode aumentar ou diminuir, de acordo com a adição 22 ou subtração de fatos novos ao espaço vital; duas regiões distantes podem se aproximar e vice-versa; uma delimitação permeável pode tornar-se forte e uma forte tornar-se fraca. Há ainda duas outras dimensões do espaço vital. Uma é a de níveis de realidade, coordenada com conceitos de realidade e irrealidade. A realidade consiste em uma locomoção verdadeira, enquanto que a irrealidade consiste em uma locomoção imaginária. As locomoções se tornam mais fáceis, geralmente, à medida que a pessoa caminha em direção da irrealidade, pois as delimitações se tornam menos rígidas e a qualidade das superfícies das regiões mais fluidas. Lewin acredita que o conceito de níveis de realidade se aplica não somente às estruturas do meio, mas também à estrutura da pessoa, apesar de não ter trabalhado nesta questão. A outra dimensão é a do tempo. Apesar de passado e futuro não poderem afetar o comportamento atual, as atitudes, pensamentos e sentimentos da pessoa a respeito do passado e do futuro podem ser influentes sobre sua conduta. “O presente, portanto, inclui o passado psicológico e o futuro psicológico” (Lewin apud Hall & Lindzey, 1966, p. 250). Acima, vimos os principais conceitos estruturais da teoria lewiniana. Agora, veremos os principais conceitos dinâmicos constituintes da chamada psicologia vetorial. Lewin postula que a pessoa é um sistema complexo de energia. A energia psíquica é a que realiza o trabalho psicológico e é liberada quando a pessoa procura voltar ao estado de equilíbrio após um estado de desequilíbrio. Este é provocado por um aumento de tensão em uma parte do sistema, como resultado de um estímulo externo ou uma mudança interna. A tensão é um estado de uma região intrapessoal em relação a outras regiões intrapessoais. Como visto anteriormente, a pessoa é diferenciada em regiões e, a região intrapessoal, é dividida em células. Ao se referir às propriedades dinâmicas da região ou célula intrapessoal, Lewin chama a região de sistema. A tensão possui duas propriedades conceituais significativas. A primeira é que um estado de alta tensão em um determinado sistema tenderá a passar para os demais sistemas circunvizinhos, em estado de baixa tensão, até que o sistema todo atinja o equilíbrio. O meio psicológico pelo qual a tensão se equilibra é chamado processo, e este pode ser o ato de pensar, lembrar, sentir, perceber, agir. O estado de equilíbrio não significa, obrigatoriamente, que o sistema esteja sem tensão, embora a tensão sempre acabe por atingir a condição de equilíbrio. O equilíbrio no sistema significa que a tensão no sistema como um todo está bem distribuída ou que, 23 em um sub-sistema cujo volume de tensão seja desigual, está cercado e isolado dos outros sistemas interpessoais. A segunda propriedade é a pressão que a tensão exerce sobre a delimitação do sistema. Se essa delimitação for firme, a difusão da tensão de um sistema para os outros estará bloqueada, mas se não, a tensão fluirá de um sistema para os demais. Uma delimitação é uma região de resistência ou uma barreira. A força exercida na região de delimitação contra a força que é gerada dentro desta região é, provavelmente, determinada pelos estados de tensão nos sistemas circunvizinhos. O aumento de tensão ou a liberação de energia na região intrapessoal é causada pelo aparecimento de uma necessidade. Pode ser uma condição fisiológica como a fome, a sede, o sexo e pode ser o desejo de algo ou a intenção de realizar alguma coisa, portanto, um conceito motivacional, que equivale a termos como motivo, desejo, impulso. A necessidade é determinante do comportamento, ou seja, é iniciadora do comportamento. Para Lewin, cada necessidade é um fato concreto, devendo ser descrita em todas as suas especificidades a fim de que possamos compreender a verdadeira realidade psicológica. As necessidades de uma pessoa, segundo Lewin, são, em grande parte, determinadas por fatores sociais. Para conectar a motivação com o comportamento, Kurt Lewin utiliza os conceitos de valência e força ou vetor. A valência é a propriedade conceitual de uma região do meio psicológico, é o valor dessa região para a pessoa. Há dois tipos de valência: positiva e negativa. A região de valor positivo é a que contém um objetivo que reduz a tensão quando a pessoa nela penetra e, a de valor negativo, é a que aumenta a tensão. As valências positivas atraem e as negativas repelem. A fonte primária da valência é a necessidade, que organiza o meio em um trançado de regiões que atraem e repelem. A força de uma valência depende da força da necessidade somada a fatores não psicológicos que influenciam a valência de uma região. Contudo, uma valência não é uma força. Ela dirige a pessoa através do seu meio psicológico, mas não provê a pessoa do poder motivador para locomover-se. A locomoção ocorre sempre que uma força age sobre uma pessoa. Força e tensão são conceitos diferentes, pois a força existe no meio psicológico e a tensão é uma propriedade do sistema intrapessoal. 24 A direção, energia e ponto de aplicação são três propriedades conceituais de força, e estão representadas matematicamente pelo vetor. Quando apenas um vetor age sobre a pessoa haverá uma locomoção ou tendência para mover-se na direção do vetor, mas quando dois ou mais vetores impulsionam a pessoa para diferentes direções, dizemos que a locomoção será decorrente da resultante de todas as forças envolvidas. A direção de um vetor é determinada pela localização de uma região, seja de valência positiva ou negativa; a força de um vetor está relacionadacom a força da valência, com a distância psicológica entre a pessoa e a valência e com a potência relativa de outras valências. Percebemos que uma necessidade libera energia, aumenta a tensão, comunica valor e cria força e, em geral, qualquer locomoção pode ser atribuída aos conceitos de necessidade, tensão, força, valência, barreira, às propriedades do meio, à dimensão da realidade-irrealidade e à perspectiva do tempo. A reestruturação dinâmica do meio psicológico pode ser resultado de mudanças nos sistemas de tensão da pessoa, da locomoção ou dos processos cognitivos. A reestruturação também pode resultar da interferência de fatores do invólucro externo no meio psicológico. O retorno da pessoa à um estado de equilíbrio é o objetivo último de todos os processos psicológicos e, para que esse objetivo seja alcançado, é preciso que ocorra uma locomoção adequada no meio psicológico. Notamos também que Lewin procura matematizar seus conceitos porque acredita que as representações matemáticas requerem uma formulação precisa, além de ser possível compor as equações racionais que conectam conceitos diferentes e formular relações funcionais. Porém, a matemática utilizada por ele é um tipo de matemática para descrever interconexões e intercomunicações das regiões espaciais, sem nenhuma referência a grandeza ou forma. P 25 Maiorias e Minorias Psicológicas Lewin se utiliza, ainda, dos conceitos de maioria e minoria psicológica, afirmando que toda minoria psicológica possui, antes de tudo, dimensões sociais, ou seja, são sociais em sua origem, em suas estruturas e em sua evolução. Desde o início de seus estudos, procurou distinguir as definições de minoria/maioria da Demografia e da Psicologia. Em Demografia, a maioria é composta de cinqüenta por cento mais um dos indivíduos que compõe a população em que está inserido e, por sua vez, todo grupo composto por menos de cinqüenta por cento da população é tido como a minoria. Em Psicologia, a maioria psicológica é aquela que dispõe de estruturas, de um estatuto e de direitos que lhe permitam autodeterminar-se, independentemente do número ou da porcentagem de seus constituintes. É classificado como minoria psicológica o grupo que não possui direitos totais ou um estatuto pleno que lhes permita optar quanto a seu futuro, tendo seu destino subordinado à boa vontade de um outro grupo, se percebendo, então, em estado de tutela, também independentemente do número ou porcentagem de seus constituintes. Em uma maioria psicológica, as forças existentes no grupo são forças positivas e de atração, havendo força centrípeta – que atrai o indivíduo para o centro do grupo – proporcionando, com isso, maior coesão e integração grupal. As forças são positivas quando as condições presentes no grupo são condizentes com as necessidades de seus membros e aí, não há o desejo de abandonar o grupo. Já em uma minoria psicológica as forças são negativas e de repulsão, havendo força centrífuga – que repele o indivíduo para a periferia ou para as margens do grupo – comprometendo, com isso, a coesão e integração grupal. Os indivíduos que se mantêm nesta margem constituem os denominados marginais, que são dotados do que Lewin chama de Chauvinismo Negativo – o qual consiste em um ódio a si e ao seu grupo. Este ódio surge justamente quando as condições do grupo não atendem as necessidades dos seus membros, fazendo com que estes desejem abandonar o grupo. Porém, o grupo majoritário não os aceitam como membros e, assim, estes marginais são impedidos de se integrarem ao grupo majoritário, mas não desejam pertencer ao grupo minoritário, permanecendo na margem deste. A superação desta situação exige que o grupo se imponha e conserve um Chauvinismo Positivo, uma lealdade ao grupo, e não espere concessões do grupo 26 majoritário. Para tanto, pode tornar-se necessária a presença de alguns líderes e, sobre isso, Lewin afirma que o bom líder é aquele que não guarda – ocultamente em si – nenhuma forma de chauvinismo negativo e possui plena lealdade e aceitação de seu grupo, isto é, não busca a liderança apenas para se destacar de seu grupo por não aceitá-lo e para se aproximar do grupo majoritário. Campos e Conhecimento Entre os pressupostos de Lewin, cabe discorrermos ainda a respeito das idéias de campo perceptual e campo de conhecimento, e a relação entre o conhecer e o que vai fazer suporte a esse conhecimento, dado pela dinâmica de figura e fundo, tal qual ela é apresentada na geometria e na física, e pela idéia do insight como a possibilidade de apreensão de um conhecimento verdadeiro, a partir do momento em que a percepção coincide com as estruturas, pois essa é a idéia das estruturas biológicas humanas como similares às estruturas da natureza. A estrutura é a mesma e vai ter um momento em que elas vão coincidir. A compreensão de uma situação psicológica concreta requer o conhecimento da posição da pessoa no meio psicológico. O espaço vital representa o padrão total de fatores e influências que afetam o comportamento, em dado momento. As forças do campo precisam ser entendidas e apreendidas no campo e a cognição é o elemento fundamental para permitir que o indivíduo conheça, use, guarde e depois aja naquela realidade. E nesse processo de cognição, o indivíduo constrói estruturas explicativas desta realidade e estas estruturas explicativas vão orientar a sua ação psíquica e, portanto, a sua interação no grupo. A Cognição descreve os processos psicológicos implicados na obtenção, no uso, no armazenamento e na modificação do conhecimento sobre o mundo e as pessoas. Então, conforme o indivíduo tenha possibilidade de obter, usar, armazenar e modificar conhecimento, ele vai dar uma determinada configuração ao seu campo psicológico, ao espaço aonde ele vive. As estruturas cognitivas compreendem as crenças, opiniões, expectativas, hipóteses, teorias e esquemas que o indivíduo já possui, as indagações que ele tem sobre eles, as possibilidades de respostas que o indivíduo tem pra estas explicações e os recursos de organização para construção dessas respostas. Um indivíduo, ao construir hipóteses, ou elaborar algum tipo de teoria, está 27 utilizando o conhecimento que tem para construir novo conhecimento e, ao faltar informações e/ou dados, o próprio esquema cognitivo vai fazer com que o indivíduo busque estas informações que faltam. A cognição é o processo que vai construir o significado do comportamento que o indivíduo vai emitir, ou seja, depende do significado que tem o estímulo que o indivíduo vai receber. Assim, trabalhando com um grupo, é possível entender porque o grupo reage a alguns estímulos vindos de membros do grupo e não reagem a outros vindos de pessoas externas ao grupo, o que leva Lewin a afirmar que para mudar o sujeito deve-se mudar o grupo. O que vai determinar esta significação, é a experiência psíquica de cada indivíduo, aquilo que Lewin vai chamar de campo, a existência no campo. Dentro do campo existe algumas condições para que os fenômenos sejam dados, e Lewin trata disso através de alguns conceitos que vão permitir descrever as propriedades de um grupo, como o grau de coesão dentro deste. Entender o grau de coesão significa poder determinar qual é o grau de atração mútua entre os membros do grupo, entre os sujeitos que apresentam acontecimentos psíquicos no campo vital. Quanto mais coesos são os fenômenos no campo vital, mais forte é o campo, portanto, mais forte a estrutura. A estrutura de quase todos os grupos é hierárquica, as posições são ordenadas quanto ao status e ao poder, das mais elevadas às mais baixas. Sujeitos com alto grau de coesão intragrupal, em geral, são sujeitos de difícil transformação, são chamados de sujeitos fortes. Segundo Lewin, as condições nas quais vão se dar o processo, que dinâmicaserá instituída e que tipos de forças estarão em relação, dependem da gênese do grupo. O que vai garantir, estruturar e organizar a forma de funcionamento e as relações dentro de um grupo, é como este surgiu e a dinâmica que se dá na relação entre os participantes para a construção dos seus objetivos. A idéia de dinâmica de grupo de Lewin está baseada na Gestalt e a idéia de estruturas é de estruturas baseadas na gênese. Portanto, é necessário estar dentro do grupo para compreender como se deu seu nascimento e, a partir de como surgiu, os objetivos que vai perseguir e que comprometem e envolvem os seus participantes. Sem conhecer a gênese do processo, não há como entender a dinâmica que se estabelece a partir disso. Portanto, a dinâmica é indissociável da gênese porque são os momentos iniciais de formação do grupo que determinam como ele vai seguir, qual o seu dever e quais são as suas etapas. O campo não se restringe àquilo que podemos entender como espaço do grupo. Para saber qual é o campo do grupo deve-se olhar intragrupo, ou seja, as relações entre os sujeitos e qual é a construção de cada um dos sujeitos que compõe o grupo, a própria 28 dinâmica do grupo e, então, o grupo para a sociedade e a sociedade para o grupo. Portanto, o campo está sendo constituído pela pessoa, pelo meio psicológico como ele existe para o indivíduo e o macrogrupo, que é a sociedade como um todo. Assim, para compreender a dinâmica de um grupo é necessário entender o ambiente onde ele se dá. A relação intragrupo são relações sociais de forças no espaço vital do indivíduo, porque o espaço vital está organizado a partir da cognição e a cognição é individual. Quantos indivíduos tiverem no grupo, tantas cognições, então tantos campos psicológicos terão. Esses campos se relacionam e é a partir deles que as pessoas se comportam. Assim, relações intragrupos são compreendidas pelo entendimento de como o campo psicológico está organizado pela cognição e a totalidade disso é o espaço vital do indivíduo, a totalidade dos acontecimentos psicológicos, incluindo pessoas e ambiente. Se a cognição em si faz com que o indivíduo entenda e depois concorde, o comportamento é movimento no espaço e, dependendo do espaço que este tem, a possibilidade de desenvolvimento está praticamente condicionada. Já que existem essas complicações entre as relações intragrupos, as estruturas de cognição e o ambiente, é necessário considerar que o indivíduo e o grupo são um sistema interdependente. A idéia do Lewin é contra as abordagens atomísticas, e faz uso de uma abordagem que permite o entendimento da totalidade fazendo o confronto entre o perceptível e o ponto determinante e, portanto, é o determinado enquanto figura e o determinante enquanto fundo. Sendo assim, os métodos atomísticos, para ele, são improváveis de darem conta desse objeto porque o fenômeno de grupo se torna inteligível quando se consegue praticar neste fenômeno cortes analíticos sociais concretos. Quanto menor a área de corte, maior a possibilidade de se entender a dinâmica porque há o acompanhamento do funcionamento sem destruir o objeto. Segundo Lewin, para ser válida a exploração científica dos grupos relativa ao campo da psicologia das relações intergrupais, deve se dar em constante referência à sociedade global, na qual o fenômeno do grupo se manifesta. Assim, nunca deve-se trabalhar um grupo como se ele existisse independente da sociedade. E, ao abordar e interpretar cientificamente os fenômenos da magnitude destes que o grupo envolve e desta complexidade, deve-se realizar uma aproximação complementar com todas as ciências sociais. O que faz a dinâmica do grupo são as relações intergrupais, e estas relações estão calcadas na comunicação que se estabelece dentro deste. Porém, Lewin afirma que 29 estas comunicações são precárias. Quando a compreensão é comum no grupo, as pessoas compreendem o que as outras estão falando e, então, a relação é sincera, imediata, e isso cria a possibilidade do grupo liberar a sua capacidade de criar e agir, porque ele já não tem mais estas quebras comunicacionais. A comunicação é o aspecto mais relevante dentro das relações interpessoais em um grupo. Ele afirma que a produtividade e a eficiência de um grupo estão estreitamente relacionadas não apenas com a competência de seus membros, mas com a solidariedade de suas relações interpessoais. A partir das experiências de Lewin com grupos, Shultz – um psicólogo norte- americano, professor da Universidade de Harvard – descreve as suas idéias sobre comportamentos interpessoais. Ele afirma que um membro só aceita fazer parte de um grupo a partir do momento em que tem “necessidades fundamentais” satisfeitas dentro desse grupo, caso contrário, ou ele se recusa a participar, ou é eliminado do grupo (Shultz apud Mailhiot, 1977, p.66). Considerando grupo como um conjunto de indivíduos que se inter-relacionam por sua interdependência, considera-se que o mesmo é o terreno onde o indivíduo se sustenta e satisfaz as suas necessidades, sendo o alicerce sobre o qual ele se mantém e o apoio que lhe concede ou nega status social, segurança e auxílio. O grupo ao qual o indivíduo pertence não é somente uma fonte de segurança ou proteção, como também determina o que o indivíduo considera certo ou errado, seus desejos e seus objetivos. As necessidades do indivíduo no grupo são interpessoais, pois só são satisfeitas em e pelo grupo. Podem ser resumidas em três: necessidade de inclusão, de controle e de afeição. A forma como o indivíduo satisfaz essas necessidades depende do seu comportamento dentro do grupo; os dependentes quanto à sua inclusão, demonstram ser mais abdicadores quanto ao controle e hiperpessoais quanto à afeição; os contradependentes, mais autocratas e hipopessoais; e finalmente os interdependentes, que são mais democratas e interpessoais. Segundo Bavelas (apud Mailhiot,1977), a comunicação só existe quando se estabelece entre duas ou mais pessoas um contato psicológico, sendo que este último só surge em uma relação autêntica, em que se tem bem definido o que sabe, sente e pensa um grupo organizado para que se alcance determinado objetivo. Em diversas pesquisas, compreende-se diversos tipos de comunicação humana, que variam segundo os instrumentos de contato, pessoas e objetivos. Segundo os instrumentos, têm-se as comunicações verbais e não-verbais, sendo que uma não pode sobressair à outra, complementando-se reciprocamente. Quanto às 30 pessoais, ela pode ser a dois, de modo pessoal ou profissional, ou de grupo em relações intragrupo ou intergrupo. E finalmente, quanto aos seus objetivos, a comunicação pode ser consumatória, quando é gratuita e espontânea, ou instrumental, quando a utiliza o sujeito da comunicação com objetivo de assegurar ganhos e satisfazer interesses. Uma comunicação autêntica não existirá ou será impedida quando houver distâncias físicas ou psicológicas. Para que isso não ocorra, deve-se identificar as vias de acesso à comunicação. São mencionados como vias de acesso, os meios de comunicação e os canais de comunicação (divididos em formais, espontâneos ou clandestinos), ambos constituindo uma rede de comunicação. Segundo Bavelas, “quanto mais forem espontâneas as vias de acesso ao outro e menos formais os canais de comunicação, mais a comunicação com ele tem possibilidade de tornar-se adequada e autêntica” (apud Mailhiot,1977, p.75). Em um grupo, também é importante que se observe a forma de relacionamento, que pode ser igualitária ou horizontal (em círculo, quando o grupo é democrático, ou em cadeia, quando o grupo se caracteriza pelo modo “laissez-faire”), ou pode ser hierarquizada ou vertical (em “y”, quando o grupo é democrático, mas em vias de tornar-se autocrático, ou em roda, quando o grupo é especificamente autocrático). Neste aspecto,Bavelas conclui que “quanto mais a autoridade se exerce de modo democrático, mais o clima de grupo torna-se e se mantém igualitário e, em conseqüência, as comunicações tornam-se e permanecem mais abertas” (Idem, p.77). A comunicação possui os seguintes componentes: o emissor; o receptor; a mensagem, que pode ser ideacional, quando se trata de informação, afetiva, podendo ser positiva ou negativa, ou vital quando possui conteúdos intelectuais e afetivos; o código, que pode ser público ou secreto; e o destaque ou camuflagem quanto ao conteúdo constante na mensagem e o código utilizado. Em uma comunicação problemática, podem haver bloqueios provisórios (ruídos) ou permanentes, que interrompem completamente a comunicação, ou também há filtragens, em que se interrompe parcialmente a comunicação. Os bloqueios e filtragens perturbam as percepções do sujeito quanto a si mesmo e aos outros, tornando falsas as atitudes e os comportamentos interpessoais. As perturbações e distorções provisórias ou temporárias na comunicação podem provir de seis fontes diferentes: do emissor, como inibições interiores ou tabus exteriores; do código, quando há diferenças culturais; e quando há percepção seletiva do receptor, estados de alienação ou sensibilidade exclusiva para a comunicação verbal. 31 Quando se trata de grupos autocráticos, dois modos de perturbação ou distorção são identificados: a hostilidade autista de quem detém o poder e a transmissão seletiva do subordinado. Segundo Mailhiot (1977), as relações interpessoais podem ser acentuadamente prejudicadas pelos preconceitos, pelas distâncias sociais (em uma relação intergrupal) e pelas barreiras psicológicas (na relação intragrupal, quando há uma percepção vertical do outro, onde alguns dos membros de um grupo são vistos de baixo para cima). Ainda de acordo com Mailhiot (idem), “para chegar ao altruísmo e tornar-se capaz de abertura em suas comunicações humanas, o ser humano, qualquer que seja seu grau de socialização, deve liberar-se dessa falsa obsessão de que só aqueles que nos parecem semelhantes nos são próximos e que para serem fraternais conosco, os outros devem ser idênticos a nós”. Dessa forma, está dado o primeiro passo no aprendizado da autenticidade, que é a especificidade desenvolvida para que o grupo alcance o seu objetivo. 32 3.1.4 Sistema, Grupo e Poder – Ignácio Martin-Baró Em geral, os autores definem grupo como sendo uma unidade que se dá quando os indivíduos interagem entre si e compartilham algumas normas e objetivos. Muitos são os aspectos indicados como relevantes para diferenciar um grupo de outras situações em que verificamos a presença de várias pessoas em uma mesma atividade. Neste sentido, Martín-Baró fala em processo grupal e não em grupo ou dinâmica de grupo. Não se trata apenas de diferença na denominação, mas uma diferença profunda no fenômeno estudado. Ao falar em processo, os autores remetem ao fato do próprio grupo ser uma experiência histórica, que se constrói num determinado espaço e tempo, fruto das relações que vão ocorrendo no cotidiano, ao mesmo tempo, que traz para a experiência presente vários aspectos gerais da sociedade, expressos nas contradições que emergem no grupo. O autor define grupo como "uma estrutura de vínculos e relações entre pessoas que canaliza, em cada circunstância, suas necessidades individuais e/ou interesses coletivos" (1989, p.206). Ressalta ainda que um grupo é uma estrutura social, “é uma realidade total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de seus membros” e que "a totalidade do grupo supõe alguns vínculos entre os indivíduos, uma relação de interdependência que é a que estabelece o caráter de estrutura e faz das pessoas membros" (Idem, ibidem). Assim, segundo o autor, um grupo constitui um canal de necessidades e interesses em uma situação e circunstância específicas, afirmando, com isso, o caráter concreto e histórico de cada grupo. O autor considera seis fatores que são necessários para a caracterização de um grupo: 1. A percepção dos membros – pois, somente quando os indivíduos se percebem como relacionados uns com os outros, podem atuar em função dessas relações. Para que isto ocorra, deve também existir a percepção da totalidade das ações unitárias; 2. Uma motivação compatível - a condição essencial para existência de um grupo se encontra na necessidade e motivação das pessoas, que as levam a buscar sua satisfação através da relação com outras pessoas; 33 3. Possuir um objetivo comum – Diferentemente da motivação, o objetivo comum será o que irá garantir a unidade grupal, fortalecendo o grupo. 4. Uma organização - a natureza do grupo não está nas partes, e sim no todo; o elemento unitário não se dá pela característica comum a todos os indivíduos, e sim, por um ordenamento peculiar e mais ou menos estável dos vínculos entre eles; 5. Interdependência – a vinculação dos indivíduos entre si faz com que eles se tornem dependentes um dos outros, e esse fato é o que garante a unidade; 6. Interação entre os membros – é essencial para a existência do grupo, tal qual a norma, e implica em dizer que a ação de um deve estar necessariamente ligada à ação do outro. Apresenta ainda, três parâmetros principais para a análise do processo grupal: a identidade do grupo, ou seja, a definição do que é e o que o caracteriza como tal frente a outros grupos; o poder de que dispõe o grupo em suas relações com os demais grupos e a atividade grupal e mais a significação social do que produz essa atividade grupal (1989, p. 208), pontuando que não são aspectos grupais independentes. Um dos fatores para análise do grupo é a identidade, que se define pelo grau e pelo caráter da formação organizativa do grupo, pela relação com outros grupos e pela consciência que seus membros têm acerca de seu próprio grupo. Entretanto, a Identidade demanda a existência de uma totalidade, uma unidade de conjunto, que acaba por gerar uma peculiaridade que a diferencia dos outros grupos. A identidade do grupo acaba por transcender e condicionar a identidade individual dos membros. A identidade se formará tendo em vista os seguintes critérios: • Forma de organização – é o grau de estruturação interna, a institucionalização ou normatização do grupo. Ela é a primeira organização a surgir, pois determina as condições para que os indivíduos pertençam aos grupos. Essas normas vão traduzir a identidade do grupo; • Relação com outros grupos – são as relações com outros grupos que configurarão a identidade, primeiro criando-a e depois a mantendo; • A consciência de pertencer a um grupo – quando a pessoa pertence à um grupo ela toma como referência para sua própria identidade a identidade do grupo e isso requer que ela interiorize o pensamento do grupo. O poder é a capacidade de obter diferenciais vantajosos em relação a outros grupos que lhe permitem alcançar seus objetivos, inclusive impondo sua vontade à 34 outros grupos sociais, ainda que não seja de forma coercitiva. O que garante o poder é a superioridade que os grupos possuem em suas relações sociais. O grupo que possuir mais recursos (sejam de qualquer natureza), será o grupo dominante. Um grupo pode ser poderoso por ter a capacidade técnica e cientifica ou por conhecer a práxis, entretanto, os recursos serão definidos pela sociedade em que eles vivem. Para entender um grupo é necessário compreender sua dinâmica de funcionamento e sua atividade, o que faz, que tarefa desenvolve, quais suas metas. Já o Conhecimento, é aquilo que entendemos do mundo e de nós mesmos e que utilizamos psicologicamente para realizarmos as ações necessárias para as nossas vidas, sendo adquirido através das nossas próprias atividades. Cada grupo tem que ser capaz de produzir um efeito real da vida social para afirmar sua identidade, e a ação
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