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FACULDADE INTEGRAL DIFERENCIAL CURSO DE PSICOLOGIA MATHEUS BANDEIRA MIRANDA O INCONSCIENTE E O GOZO TERESINA 2019 O INCONSCIENTE E O GOZO A TRÍADE SINTOMA, INCONSCIENTE E GOZO Os dois princípios fundamentais da teoria psicanalítica de Jacques Lacan. Um relativo ao inconsciente. Outro relativo ao gozo. O primeiro princípio se anuncia: “O inconsciente é estruturado como linguagem"; e o segundo: "Não existe relação sexual." Inicialmente é interessante abordar o conceito de sintoma, para, através da tríade sintoma-inconsciente-gozo, chegarmos ao nosso objetivo principal, o inconsciente e o gozo. Comumente, o sintoma é um distúrbio que causa dor e sofrimento e remete a um estado doentio do qual constitui a expressão. Mas em psicanálise o sintoma nos surge de maneira diferente de um distúrbio que causa sofrimento: ele e acima de tudo um mal-estar que se impõe a nós, além de nós, e nos interpela. AS TRÊS CARACTERÍSTICAS DO SINTOMA Um sintoma reverte- se de três características: 1º A primeira e a maneira como paciente anuncia seu sofrimento. 2º A teoria formulada pelo analisando para compreender seu mal-estar. 3º O sintoma conclama e inclui a presença do psicanalista. UM SINTOMA É UM SIGNO As características do sintoma podem ainda ser vistas por outro ângulo conceitual, distinguindo duas faces do sintoma: uma face de signo e uma face de significante. A face de signo está estreitamente ligada à suposição de que acabamos de falar. Um sintoma de signo nos diz: ocorre um evento doloroso e o paciente o explica e coloca o analista no papel de ser, ao mesmo tempo, o outro do sintoma e a causa do sintoma. Lacan define o signo como aquilo que representa algo para alguém. Um dado sintoma representa algo para aquele que sofre e, às vezes, para aquele que escuta. Ele constitui o fator que favorece a instalação e o desenvolvimento da transferência. O QUE É UM SIGNIFICANTE Dentre as duas faces, a face de significante é a mais importante para nós, pois nos levará a compreender em que consiste a estrutura do inconsciente. O significante é uma categoria formal, e não descritiva. Pouco importa o que ele designa; por exemplo, tomamos aqui a figura do sintoma, mas o significante pode, da mesma forma, ser um lapso, um sonho, o relato do sonho, um detalhe desse relato, ou mesmo um gesto, um som, ou até um silêncio ou uma interpretação do psicanalista. Ele se faz por meio de três critérios não linguísticos: ●O significante é sempre a expressão involuntária de um ser falante. ●O significante é desprovido de sentido, logo não entra na alternativa de ser explicado ou inexplicado. ●O significante é, desde que permaneça ligado a um conjunto de significantes. Um significante só é significante para outros significantes. É justamente por essa razão que podemos afirmar que o sintoma tem duas faces: tanto uma face de significante, fora de nós, quanto uma face de signo conosco. Mas, não nos deixemos enganar. Apesar de radicalmente heterogêneas, essas duas faces não existem uma sem a outra. O significante é, sim, desde que permaneça ligado a um conjunto de outros significantes, ou seja, um entre outros com os quais se articula. Estes significantes podem ser virtuais atualizados no passado ou não. A articulação entre eles é tão estreita que, ao se pensar num significante, jamais se deve imaginá-lo sozinho. Do ponto de vista de sua realidade individual, todos os sintomas são distintos e nunca se repetem idênticos a eles mesmos, ao passo, que ao contrário, do ponto de vista de seu valor formal e significante, todos os sintomas são idênticos por que aparecem um por um, no lugar do Um. O conceito de repetição lacaniana se trata: que todos os acontecimentos que ocupam o lugar do Um se repetem, idênticos, sejam quais forem suas diferentes realidades materiais. O aspecto primordial do significante do sintoma, é que ele se trata de um acontecimento involuntário, desprovido de sentido e pronto para se repetir. Lembremos que um sintoma pode ser um significante, porém nem todo significante é um sintoma. O sintoma dará origem aos outros significantes. O SABER INCONSCIENTE O inconsciente é na verdade, a ordem de um saber que o sujeito veicula, mas o ignora. Não se trata apenas de um saber que leva o sujeito a dizer a palavra exata, na hora exata, mas também o saber que ordena a repetição da mesma palavra, mais tarde e em outro lugar. O saber inconsciente é um processo constantemente ativo, que não para de se exteriorizar através de atos, acontecimentos ou palavras que reúnam as condições definidoras do significante, ou seja, será uma expressão involuntária, oportuna, desprovida de sentido, e sendo identificável como um acontecimento ligado a outros acontecimentos ausentes e virtuais. O significante salta de um sujeito para outro, de tal sorte que a sequência repetitiva, a cadeia dos significantes, ou seja, a ronda ordenada dos elementos já repetidos ou por se repetir não pertencem nominalmente a alguém. Não há estrutura em si, e não há inconsciente em si. O inconsciente é a trama tecida pelo trabalho da repetição significante, ou, mais exatamente, o inconsciente é uma cadeia virtual de acontecimentos ou "dizeres" que sabe atualizar num "dito" oportuno, que o sujeito diz sem saber o que está dizendo. O INCONSCIENTE DO ENTRE-DOIS O inconsciente é uma linguagem que liga os parceiros da análise: a linguagem liga, enquanto o corpo separa; o inconsciente ata, ao passo que o gozo afasta. É uma estrutura de significantes repetitivos que se atualizam num "dito" do entre-dois enunciado por um ou outro dos sujeitos analíticos. O inconsciente não é individual nem coletivo, mas produzido no espaço do entre-dois. O SINTOMA É AO MESMO TEMPO DOR E ALÍVIO O sintoma significa para o indivíduo, essencialmente, padecer com o significante, para o inconsciente, em contrapartida, significa desfrutar de uma satisfação. Gozar uma satisfação, pois o sintoma é tanto dor quanto alívio, tanto sofrimento para o eu quanto alívio para o inconsciente, é precisamente esse efeito libertador e apaziguador do sintoma que tomamos como uma das imagens principais do gozo. OS TRÊS DESTINOS DA ENERGIA PSÍQUICA Outro princípio fundamental na teoria analítica é o de que “Não existe relação sexual.” Mas antes de explicar o conceito de gozo propriamente dito, é necessário compreender o que originou essa teoria proposta por Jacques Lacan. Em sua tese sobre a energia psíquica, Freud diz que o ser humano é perpassado pela aspiração, sempre constante e inalcançável, de atingir a felicidade absoluta. Essa aspiração, chamada desejo, nascido das zonas erógenas, gera um estado doloroso de tensão psíquica. Quanto mais o desejo é refreado pelo recalque, mais aumenta a tensão. Ao encontrar com o recalque, o impulso do desejo toma, simultaneamente, duas vias opostas: a via da descarga e a via da retenção. Na via da descarga, parte da energiaé libertada, atravessando o recalcamento, e se dissipa, sendo descarregada no exterior, sob forma de dispêndio energético e acompanha as manifestações do inconsciente (sonho, lapso ou sintoma). Tal descarga incompleta diminui a tensão psíquica que, por sua vez, proporciona o alívio do sintoma. Em contrapartida, temos a energia que fica retida no sistema psíquico, que não consegue transpor o recalcamento. Essa energia superexcita constantemente as zonas erógenas, que por sua vez gera mais desejo e, consequentemente, um aumento da tensão interna. Existe, também, uma terceira possibilidade, ideal e hipotética, onde a tensão psíquica seria liberada, não em partes, mas completamente, sem entrave de limite algum. Lacan propõe a designação do termo gozo como correspondente à energia psíquica apontada por Freud. OS TRÊS ESTADOS DO GOZAR Lacan caracteriza os três estados do gozar: o gozo fálico, o mais-gozar e o gozo do Outro. O gozo fálico corresponderia à energia dissipada durante a descarga parcial, tendo como efeito um alívio relativo da tensão inconsciente. Esse gozo é chamado fálico, por que o limite que abre e fecha o acesso à descarga é o falo; para Freud é o recalcamento. O mais-gozar, é o gozo que fica retido no interior do sistema psíquico, cuja saída é impedida pelo falo. Esse "mais" indica o gozo residual, que aumenta constantemente a intensidade da tensão interna. Ele fica ancorado nas zonas erógenas e orificiais do corpo (boca, ânus, vagina, canal peniano etc.) O impulso do desejo nasce nessas zonas e em contrapartida, o mais-gozar as estimula constantemente. Há uma terceiro destino para onde a energia psíquica é impulsionada, ela é absolutamente hipotética e ideal, uma vez que nunca é realizada pelo desejo, a saber, a descarga total da energia. Esse é o campo do gozo do Outro, onde o sujeito supõe no Outro, sendo o próprio o Outro, igualmente, um ser suposto. É a partir da relação edipiana, que a criança percebe que a relação sexual incestuosa é impossível. NÃO EXISTE RELAÇÃO SEXUAL Foi nesse sentido que Lacan propôs uma fórmula que provocou um escândalo, na época: "Não existe relação sexual.". A fórmula significa que não existe relação simbólica entre um suposto significante do gozo masculino e um suposto significante do gozo feminino, porque, no inconsciente, não há significantes que signifiquem o gozo de um e do outro, cada qual imaginado como gozo absoluto e não conhecemos o gozo absoluto. Não existem significantes que o signifiquem e, por conseguinte, não pode haver relação entre dois significantes ausentes. O significante deve ser compreendido, aqui, em termos de borda corporal. Em suma, a psicanálise não conhece a natureza do gozo, a essência mesma da energia psíquica, seja ela global, "do Outro", ou local, "fálica" ou "residual": a psicanálise conhece apenas a s fronteiras significantes que delimitam as regiões do corpo que são focos de gozo. Em suma, quando a psicanálise delimita o gozo, é sempre, de fato, de um gozo local que se trata. O FALO, BALIZA DO GOZO Na teoria Lacaniana, a palavra falo não designa o órgão genital. É o nome de um significante muito particular, diferente de todos os outros significantes, que tem por função significar tudo o que depende, de perto ou de longe, da dimensão sexual. O falo não é o significante do gozo, este resiste a ser representado. Não, o falo não significa a própria natureza do gozo, mas a baliza, o trajeto do gozo. O falo é o significante que marca e significa cada uma das etapas desse trajeto. Ele marca a origem do gozo, materializada pelos orifícios erógenos, marca o obstáculo com que se depara o gozo (recalcamento); marca ainda as exteriorizações do gozo, sob a forma do sintoma, das fantasias ou da ação; e por último, o falo é o limiar para além do qual se descortina o mundo místico. O GOZO É A ENERGIA DO INCONSCIENTE Lacan não toma o gozo por uma entidade energética, na medida em que ele não corresponde à definição física da energia como constante numérica: ‘’ A energia não é uma substância”, lembra Lacan, “é uma constante numérica que cabe ao físico descobrir em seus cálculos’’, e mais adiante: “qualquer físico sabe, claramente que a energia não é nada além da cifra de uma constância’’. Exatamente por essa razão o gozo... “não constitui energia, não pode inscrever-se como tal’’. Então para Lacan, não sendo o gozo matematizável por uma combinação de cálculo, ele não pode ser energia. O gozo certamente não é uma energia, caso, seguindo Lacan, o confrontemos com a concepção física do termo energia. Do ponto de vista da física, portanto, o gozo não pode ser qualificado de energia. Mas, ao contrário, o gozo seria uma ‘’energia’’ se, seguindo a metáfora freudiana, o considerássemos um impulso que, nascido numa zona erógena do corpo, tende para um objetivo, esbarra em obstáculos, abre saídas para si e se acumula. Mas ainda há outro argumento que confere ao gozo um estatuto energético, a saber, sua qualidade de força permanente do trabalho do inconsciente. O gozo é a energia do inconsciente quando o inconsciente trabalha, isto é, quando o inconsciente está ativo - e ele o está constantemente - , assegurando a repetição e se externalizando sem parar em produções psíquicas, (S1), como o sintoma ou qualquer outro acontecimento significante. Freud sempre nos lembra que o indivíduo busca a felicidade. E depois, que ele ergue obstáculos para não atingi-la. Então, que é que ele encontra, afinal? … A psicanálise descobre que nós, os seres falantes, afinal nos contentamos com muito pouco. Vocês sabem, a felicidade efetiva, quero dizer, a felicidade concretamente encontrada, é, de fato, uma satisfação extremamente limitada, obtida com poucos meios. Qualquer outra satisfação que ultrapasse esse limite é o que a psicanálise lacaniana chama de gozo do Outro. De um ponto de vista ético, a posição psicanalítica é subversiva. A psicanálise diz: certo, o ser humano aspira ao bem supremo, desde que admitamos que, mal iniciada a busca do ideal, este se transforma na realidade concreta de uma satisfação muito reduzida. Época, interpretando erroneamente uma célebre máxima lacaniana: "não cederem seu desejo". Como se isso fosse uma palavra de ordem para incentivar o desejo e obter o gozo. No entanto, é um erro interpretá-la assim, pois essa máxima não é uma proclamação corajosa para enaltecer o desejo no caminho do gozo supremo, mas é, ao contrário, um lembrete prudente de que não se abandone o desejo, única defesa contra o gozo. É que, sem dúvida, nunca se deve deixar de desejar, para fazer oposição ao gozo. Ao nos satisfazermos de maneira limitada e parcial com sintomas e fantasias, garantimos nunca encontrar o pleno gozo máximo. Em síntese, para não alcançar o gozo do Outro, apesar de sonhado, o melhor é não pararmos de desejar e nos contentarmos com substitutos e telas, sintomas e fantasias. Como entender a fórmula "onde fracassa a fala, Aparece o gozo" ? Não somos apenas seres falantes, somos seres habitados pela linguagem. E poderíamos ter dado mais um passo suplementar e dito: somos não apenas seres habitados pela linguagem, mas, principalmente, seres ultrapassados pela linguagem, portadores de uma fala que nos antecede, nos revira e nos atinge. Quando afirmamos que "o corpo é atingido por uma fala que nos ultrapassa", isso significa que o corpo goza. E dizer que o corpo goza significa ainda que, à parte qualquer sensação de dor ou prazer conscientemente sentida pelo sujeito, produz-se no momento da manifestação do inconsciente — um duplo fenômeno energético: de um lado, a energia é descarregada (gozo fálico), e de outro, simultaneamente, a tensão psíquica interna é reativada (mais gozar). Mas, por que dizer que o desejo nunca é satisfeito, como se a psicanálise tivesse uma visão pouco otimista das aspirações do homem ? O desejo nunca será satisfeito, pela simples razão de que falamos. E, enquanto falarmos, enquanto estivermos imersos no mundo simbólico, enquanto pertencermos a esse universo em que tudo assume mil e um sentidos, jamais chegaremos à plena satisfação do desejo, porque, daqui até a Satisfação plena, estendesse um campo infinito, constituído de mil e um labirintos. Já que falo, basta que, no caminho de meu desejo, eu enuncie uma palavra ou execute um ato, inclusive o mais autêntico, para esbarrar Imediatamente numa multidão de equívocos, na origem de todos os mal-entendidos possíveis. O ato, então, pode ser criador, porém o mais puro dos atos, ou a mais exata das palavras, jamais poderá evitar o aparecimento de um Outro ato ou de uma outra palavra que me desvie do caminho mais curto para a satisfação do desejo. Uma vez dita a palavra ou executado o ato, o caminho para essa satisfação torna a se abrir. O GOZO DO PERVERSO O perverso é aquele que está próximo ao gozo porém, falsamente próximo porque ele imita o gesto de gozar. O GOZO NA ANÁLISE Primeiramente o autor coloca que o gozo, em particular, o mais gozar que é o gozo retido jogo aparelho psíquico é o motor da análise. O gozo se apresenta na análise revestido em imagens corporais que encontram lugar nas fantasias construídas pelo analisando. Outra observação é que o analista deve ocupar a posição que mais se identifica com o gozo, na modalidade do mais-gozar. O CONCEITO LACANIANO DE GOZO À LUZ DO CONCEITO FREUDIANO DE ENERGIA O conceito lacaniano de gozo pode ser considerado como uma fecunda reformulação da metapsicologia freudiana. O autor aproxima o conceito de gozo com o de energia psíquica para explicar os dois conceitos fundamentais introduzidos por Lacan: o de "falo" e o de "relação sexual impossível". Lacan aproxima e afasta o conceito de sujeito/gozo quando propõe que o inconsciente trabalha e ao trabalhar, o inconsciente goza, logo após Lacan afirma que se o inconsciente goza, nem por isso há um sujeito gozador. REFERÊNCIAS NASIO, J-D. Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Tradução: Vera Ribeiro Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1993.
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