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Entomologia Forense Fa fl'ícia /acque#n e fhyssen o contexto forense, o estudo de insetos e outros artrópodes, associado aos demais procedimentos periciais, tem como principal propósito le- vantar informaçóes e vestígios que possam ter valia para o andamento ou conclusão de um processo investigativo, mostrando quão útil pode ser a interação ciência e meio legal. Sobretudo nos mais recentes anos, os insetos ditos necrófagos, isto é, que se alimentam de matéria orgânica em decomposição, têm sido foco crescente em um grande número de estudos presentes na literatura. Isso porque, após a morte, os tecidos de animais, inclusive de humanos, atraem uma grande varie- dade de espécies que procuram tal substrato como fonte alimentar primária ou para garantir subsistência para o desenvolvimento de sua prole, constituindo, assim, parte regular da fauna cadavérica, quando nenhum obstáculo concorre para impedir o estabelecimento desse processo natural. Dado o interesse progressivo em relação a essa área, serão discutidos a seguir o avanço e as aplicaçóes da Entomologia Forense nos âmbitos científico, civil, legal e na prâtica pericial, em busca de caminhos que possam promover maior acurácia para auxiliar o trabalho judiciário. I BREVE HISTORICO A associação do responsável por um homicídio produzido pelos golpes de uma foice, citado no livro intitulado The washing away of wrongs, do chinês Sung Tz'u, de 1235t, é um dos primeiros relatos que apontam a contribuição de um inseto na resolução do caso. Segundo o autor, solicitou-se a todos os mora- dores da aldeia que depositassem suas foices à frente e no solo, e a que prova- velmente continha resíduos de sangue denunciou o assassino pela atração que as moscas sentiam por ela. Embora os investigadores tivessem se baseado no conhecimento empírico, esse relato despertou o início das pesquisas científicas. Em 1855, o médico francês Bergeret relatou suas conclusôes sobre o inter- valo de morte, com base no tempo de desenvolvimento de insetos encontrados no cadáver de um recém-nascido, que contribuiu para absolver a família que o encontrou durante a reforma da residênciapara a qual tinham se mudado recentementel. Entretanto, foi Mégnin2, a partir da publicação de La faune de cadavres, o responsável por destacar o papel dos insetos no âmbito médico- -legal e por difundir a entomologia forense como ciência. L2 )' Entomologia Médica e Veterinária No Brasil, Roquete-Pinto3 e Freirea foram os primeiros a desenvolver trabalhos nes- sa área seguidos por Lüderwaldt, em 1911, Mattos, em 1919, e Pessoa e Lane, em 19415. De 1980 até o momento, um grande número de estudos foi realizado usando animais mortos e considerando os aspectos relativos aos processos de decomposição e sucessão ecológica em diferentes ambientes e tamanhos corporais6-11, à biologia, à ecologia, ao comportamento e à identificação de espécies necrófagasr2 22 e à detecção e observação so- bre o efeito de substâncias tóxicas no desenvolvimento de larvas de dípteros23-26. Estudos como o de Oliveira-Costa e Mello-Patiu2'e Pujol-Luz et a1.28 figuram entre os primeiros no Brasil a aplicarem a entomologia forense na prática pericial para solucionar questões a respeito do tempo e causa de morte. r APLTCAçÔES DA ENTOMOLOGTA FORENSE Ovos, larvas, pupas e espécimes adultos de insetos coletados em cadáveres têm sido usados como vestígio ou evidência não somente para estimar o intervalo pós-morte (IPM)'?e, tempo decorrido entre o óbito e a descoberta do corpo, mas também para obter uma série de parâmetros relacionados às circunstâncias da morte. Sem dúvida, essa é uma das aplicaçoes mais bem exploradas no campo científico, desde quando os primei- ros estudos se iniciaram. Outras aplicações podem ser ainda enumeradas, como foram feitas por diversos autores30-33; determinação do local de óbito ou movimentação do cadáver; aferir sobre o modo ou causa da morte, incluindo investigação de substâncias tóxicas; casos envolven- do possível morte súbita e acidentes de trânsito; evidência de negligência no cuidado de crianças e idosos; associação dos suspeitos com a cena do crime; identificação de suspei- tos ou vítimas; investigação da origem da contaminação alimentar ou da infestação de insetos que ocasionam danos econômicos ou estruturais. lntervalo pós-moÍte O IPM pode ser estimado usando metodologias que correntemente estão vincula- das aos fenômenos cadavéricos, aqueles que se iniciam logo após o óbito, como evapo- ração tegumentar, rigide z cadavérica (rigor mortis), resfriamento do corpo (algor mortis) e livores cadavéricos (livor mortis). Quando comparada a outros métodos, a entomolo- gia forense é usualmente o instrumento mais efrcazpara estimar esse intervalo3l'34.Por meio dos dados entomológicos, discriminam-se duas formas para determinar o IPM: uma dada pela determinação da idade dos espécimes imaturos que se criam no corpo depois da morte e que nele são coletados, denominada limite mínimo35; e outra por previsão da sequência acerca da fauna de insetos que irá aparecer (sucessão) no cadáver, denominada limite máximo2. O limite mínimo somente é aplicável a corpos que se encontram no estágio inicial de decomposição, em especial entre o intervalo de 72 e 120 horas, em que ocorreram poucas posturas, preferencialmente da mesma ou de poucas espécies, priorizando- -se a coleta de insetos que aparentam maior tempo de desenvolvimento. fá o limite máximo é calculado a partir de cadáveres que se encontram em avançado estágio de decomposição ou que, ao menos, ultrapassem o período de uma semana de óbito. No entanto, as condiçoes ambientais locais onde o corpo foi encontrado exercem gran- de influência sobre o processo de decomposição e a fauna associada, além de outros parâmetros que eventualmente possam impedir ou retardar o acesso e a colonização dos insetos, o que pode gerar restrita uniformização e padronizaçáo de informações relativas a essa metodologia. 230 12 r Entomologia Forens Tanto em um procedimento quanto em outro há de se considerar a influêncla dos fatores ambientais (temperatura, umidade relativa, latitude e altitude) sobre os processos fisiológicos dos insetos que podem levar a alterações em suas taxas de desenvolr-imento ovariano, fertilidade, sobrevivência e mortalidade. A densidade larval, a competição en- tre espécies e a presença de substâncias tóxicas também devem ser levadas em conta por, ocasionalmente, interferir no desenvolvimento, tamanho e peso das espécies relaciona- das36-3e. Assim, o entomologista forense deve dar atenção especial à coleta e ao registro do maior número de informações possíveis sobre as condiçoes nas quais os insetos esta- vam sujeitos no local em que o corpo foi encontradoao. Dentro da classe dos insetos, os dípteros são considerados os mais importantes, pois chegam rapidamente a um corpo, em razáo dos órgãos sensitivos altamente espe- cializados para detectar odores, podendo ovipor e/ou larvipor aproximadamente de 10 a 30 minutos após a morte4t. Não obstante, a identificação precisa dos insetos associados ao processo de decom- posição é um passo primordial e essencial, tanto quanto o conhecimento do ciclo de vida e das características biológicas e ecológicas inerentes a cada espécie. O mínimo erro de identificação pode gerar problemas irreparáveis em toda a cadeia de custódiaa2. De modo geral, os insetos imaturos, em especial a fase de ovo e o primeiro estádio larval, são muito mais difíceis de serem identificados do que os adultos por conta das discretas diferenças morfológicas que há entre as várias espécies e pelo reduzido número de chaves taxonômicas disponíveis para muitos gruposa3-4S. A padronização de dietas artificiais tem sido uma das alternativas propostas para dar continuidade ao desenvolvi- mento de imaturos necrófagos retirados dos corpos em laboratórioae, visando alcançar a vida adulta e, consequentemente, facilitar o processo de diagnóstico. Na impossibilidade de manter os exemplares vivos, o entomologista forense pode fazer uso de ferramentasmoleculares que atualmente permitem o acesso mais rápido à identificação em qualquer estágio de vida e independentemente do estado de preservação2o. Local do óhito ou deslocamento de um corpo Os insetos ou parte do corpo deles, com o conhecimento de sua distribuição geo- grâfica, podem ser muito úteis ainda para determinar o deslocamento do corpo depois que a morte ocorreu, já que o transporte do corpo do local onde ocorreu o óbito fre- quentemente pode resultar na condução da fauna adquirida no mesmo local. Assim, a discrepância entre a composição de insetos presentes no corpo e a composição de espécies situadas na região geográfica onde o corpo foi descoberto podem fornecer evi- dências de que a vítima foi deslocada3T. (ausa da morte - Toxicologia Nem sempre é fácil determinar a real causa da morte e quando esta envolve o uso abusivo ou ilícito de certas substâncias podem ocorrer, muitas vezes, erros no cálculo do IPM. Um exemplo prático disso pode ser assinalado em relação ao tempo de desenvol- vimento de algumas espécies de importância forense, que pode ser afetado pela ação de fármacos ou de seus metabólitos eventualmente presentes no corpo, gerando conclusões imprecisas5o. Espécimes imaturos, incluindo os pupários das espécies que se criam no cadáver, têm sido muito utilizados como alternativa para detectar substâncias tóxicas, principal- mente quando os métodos convencionais nãô permitem isso5l. Tal importânciiresidê no fato de que esses organismos, ao incorporarem em seus tecidos larvais compostos me- 231 Entomologia Médica e Veterinária tabolizados ou não provenientes dos fármacos ou eventuais contaminantes encontrados em um cadáver, durante seu processo de alimentação, garantem a possibilidade de identi- frcaçáo da causa morte, por meio de análises toxicológicas, dias e até anos após a mortes2. Análises toxicológicas em insetos têm sido realizadas por meio de métodos como cromatografia23'26 e imuno-histoquímicas3, sendo que essa última metodologia não difere significativamente da utilizada em mamíferossa. Negligência e maus-tÍatos A relação de insetos com alguns casos de tratamento inadequado a idosos em casas de repouso e asilos, além de negligência e maus-tratos com relação a crianças, tem sido documentada na literatuÍa55'56. Casos como estes merecem especial atenção por poderem gerar erros significativos quanto ao cálculo do IPM. Por exemplo, relatou-se o encontro de larvas de uma espécie de varejeira, Chrysomya megacephala (Diptera: Calliphoridae), que comumente se asso- ciam às fezes, na fralda de uma criança morta57. Ao conhecer o comportamento desse díptero, concluiu-se que o IPM estimado poderia ter sido significativamente maior do que o era realmente, devido ao desenvolvimento da larva no interior dafraldada criança ainda viva, caso houvessem ignorado ou não encontrassem mais restos de fezes ainda presentes nas vestes. Contaminação alimêntaÍ ê danos materiais Envolvem casos em que a justiça na parte civil pode ser acionada pela ocorrência de infestação de insetos, ou partes destes, em alimentos e outros produtos armazenados. É comum, nesse âmbito, o encontro de restos de insetos (besouios, moscas ou baratas) em biscoitos, cereais em barra ou matinais, farináceos e grãos em geral, o que denota problemas em relação à higiene na preparação e conservação do alimento. Larvas de moscas vivas também já foram observadas em lanches naturais, em lanches naturais que continham embutidos, peixes preparados, frango assado, macarrão e doce de creme, e muitos desses problemas envolyiam descuido do consumidor em armazenar o produto em sua própria residência. Nesses casos, a comprovação é feita pela estimativa da idade dos insetos em laboratório, confrontando-a com informaçóes contidas em cupons fiscais emitidos pelo estabelecimento fornecedor em relação à data em que o produto foi ad- quirido. Esse tipo de perícia é importante para evitar fraudes por parte do consumidor a padarias, restaurantes, mercados e empresas. Certos insetos podem causar danos estruturais ou econômicos e são classificados coÍno pragas, pois costumam ser numerosos e o ataque a móveis, batentes de porta, tapetes, alvenaria e arquivos de bibliotecas, em geral, passa despercebido. Tais contami- nações podem decorrer de negligência ou ineficiência dos métodos de controle, quando serviços assim são solicitados por clientes individuais, instituições, autarquias ou empre- sas. Na maioria dos casos, os cupins são os insetos mais comumente associados a esses danos, acompanhados em menor número por baratas e formigas. Artefatos Baratas e formigas podem ser responsáveis por criar ou dispersar marcas de sangue pelo ambiente, criando artefatos que podem vir a confundir a busca por eventos asso- ciados a uma morte suspeita em um dado localss. Algumas espécies de moscas podem ainda se alimentar de sangue fresco e regurgitá-lo posteriormente em outros locais, difi- 232 cultando a interpretação de um casose. Outro exemplo significativo foi relatado:r obser- vando a capacidade de movimento e deslocamento de um corpo feito por um besouro Coprophanaeus lancifer (Coleoptera: Scarabaeidae). Outro erro comum vinculado ao IPM deriva do mau uso de líquidos fixadores e do processo de fixação de larvas recolhidas em um corpo, tendo em vista que o comprimen- to de imaturos é um dos parâmetros que podem fornecer dados que são ajustados ao cálculo dessa estimativa. Etanol a 70o/o tem menor chance de provocar o encolhimento das larvas do que formalina, porém ambos podem ser utilizados. No entanto, deve-se primeiro submetê-las e matá-las pela imersâo por alguns segundos em água fervente, de modo a evitar a retração dos segmentos corporais, implicando erros de intervalo que podem chegar a mais de 24 horas6o. I PRINCIPAIS ESPÉCIES DE IMPORTÂNCIA FORENSE Dentre as famílias de dípteros e coleópteros associados a corpos em decomposi- çáo e a casos de contaminação alimentar no Brasil, não sendo esta uma lista exaustiva por falta de levantamento faunístico em certas regiões do Brasil, pode-se destacar An- thomyiidae, Calliphoridae, Cleridae, Dermestidae, Drosophilidae, Fanniidae, Muscidae, Piophilidae, Phoridae, Sarcophagidae, Scarabaeidae, Silphidae, Staphylinidae, Stratio- myidae, Syrphidae e Tachinidae. Alguns gêneros e espécies mais importantes podem ser vistos na tabela 12.i. 233 Éntorrologia fuiédica e Veterinaria Tabela 1 2.1 . Espécies de insetos mais frequentemente encontradas em corpos em decomposição210 Coleoptera ,, !PP: Necrobia rufipes Dermestidae H isteridae Euspilotus spp. , Omqlodes spp, Diptera Scarabaeidae Anthomyiidae .,C!,o19pl{9e rFanniidae Muscidae Phoridae Canthon spp. Coprophanaeus ensifer Deltoch i I u m brasi I iensis E u ryste r n u s paral I el u s Craspedochaeta spp. H yl e my io i de au r i faci es lsls Chrysomya albiceps Chrysomya putoria t. Ch rysomya megaceph ala : Cochliomyia macellaria ', H em i I ucilia segmentari a ', Hem i luci I i a semi d i aph ana Lucilia eximia Lucilia sericata Fannia scalaris Atherigona orientalis Biopyrellia spp. Morellia humeralis Ophyra aenescens Ophyra chalcogaster Meg,aselia scalaris l Sarcophagidae Oxysarcodexia spp. Peckia (Pattonella) i1!9yy;tyt111; Copesthylum larei Ornidia obesa Hermetia illucens Chrysops spp. . -T-abanus spp. 234 sPPr Ordem Família Cênero/espécie Carabidae Cleridae Dermestes maculatus Staphylinidae sDo. Silphidae Calliphoridae Liohipellates spo. Micropezidae sllll. Neriidae spp. Otitidae so0. Syrph idae Stratiomvidae Tabanidae Tachinidae
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