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© desta edição [2017] LUIZ GUILHERME MARINONI Pós-Doutorado na Università degli Studi di Milano e na Columbia University. Visiting Scholar na Columbia University. Professor Titular de Direito Processual Civil nos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor Visitante em várias universidades da América Latina e da Europa. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional. Membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP e da International Association of Procedural Law – IAPL. Diretor do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal – IIBDP. Tem mais de uma dezena de livros publicados no exterior. Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009 e foi indicado ao mesmo prêmio nos anos de 2007 e 2010. Ex-Procurador da República. Ex-Presidente da OAB-Curitiba. Advogado e Parecerista, com intensa atuação nas Cortes Supremas. SÉRGIO CRUZ ARENHART Pós-Doutorado pela Università degli Studi di Firenze. Doutor e Mestre em Direito pela Federal do Paraná – UFPR. Professor-Adjunto de Direito Processual Civil nos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Publicou 10 livros – um deles no exterior – e diversos artigos em revistas especializadas. Foi o mais jovem Juiz Federal do Brasil e atualmente é Procurador Regional da República na 4.ª Região, tendo ingressado no Ministério Público Federal mediante concurso nacional, sendo aprovado em 1.º lugar. DANIEL MITIDIERO Pós-Doutorado pela Università degli Studi di Pavia. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor-Adjunto de Direito Processual Civil nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Publicou 25 livros – quatro deles no exterior – e diversos artigos em revistas especializadas nacionais e internacionais, dentre as quais a Zeitschrift für Zivilprozess International e o International Journal of Procedural Law. Membro da International Association of Procedural Law – IAPL, do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal – IIBDP e do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009. Advogado e Parecerista, com intensa atuação nas Cortes Supremas. APRESENTAÇÃO Uma adequada ligação da teoria do direito, do Estado Constitucional e da teoria dos direitos fundamentais com a teoria do processo civil – especialmente para sua compreensão como um meio para tutela dos direitos – depende de uma doutrina consciente da relatividade histórica do direito e do processo e capaz de traduzir a cultura de seu tempo na sua interpretação. O fato de termos um novo Código de Processo Civil promulgado recentemente, portanto, por si só não constitui senão a promessa de um novo processo civil. Isso porque, como é pouco mais que evidente, sem que as fontes recebam uma interpretação capaz de gerar significados normativos novos e sem que esses significados possam ser apropriadamente ordenados em uma unidade sistemática, pouco se pode esperar de uma nova legislação. Um primeiro volume, voltado integralmente à teoria do processo civil, é imprescindível para se desenvolver e compreender as elaborações dogmáticas destinadas a explicar o novo Código, na medida em que toda e qualquer afirmação técnico-processual, despida de base teórica, é uma opinião vã. Essa teoria, porém, não mais pode estar ligada aos velhos pressupostos do Estado legislativo, como ainda é comum nas obras que supõem ser possível construir uma única teoria a serviço do processo civil, penal e trabalhista. A teoria do processo que pode hoje interessar é a que mergulha o direito processual nos espaços da teoria do direito e do direito constitucional, especialmente das teorias dos direitos fundamentais. Embora teoricamente aprofundado, este livro foi escrito de maneira didática, visando a facilitar a compreensão dos estudantes e dos operadores do direito. O seu objetivo é dar suporte teórico capaz de permitir ao estudioso compreender e trabalhar o processo civil de forma crítica e criativa, evidenciando que o trabalho do juiz, do advogado, do Ministério Público, da defensoria pública, do doutrinador, do professor e do estudante não pode ficar limitado a uma aplicação mecânica e fria do processo civil, como desejou o processualismo legalista, que, lamentavelmente, mesmo após a transformação do Estado e das Constituições, continuou de forma acrítica a dominar as obras de teoria do processo não só no Brasil, como em grande parte da América Latina e da Europa. Este é o primeiro volume do nosso Curso. Esperamos que suas linhas possam colaborar na composição de um horizonte idôneo para uma adequada, efetiva e tempestiva tutela jurisdicional dos direitos em nosso país. Por fim, agradecemos aos colegas Marcella Pereira Ferraro, Jordão Violin e Leandro Rutano, pelo minucioso trabalho de revisão realizado e pela constante disposição na verificação das várias versões do novo Código de Processo Civil ao longo de sua elaboração e da construção desta obra. Verão de 2015. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero © desta edição [2017] INTRODUÇÃO Por força de um notório exercício de abstração realizado pela doutrina italiana da primeira metade de Novecentos,1 cujo resultado foi a transformação da Rivista di Diritto Processuale Civile em Rivista di Diritto Processuale, a criação de uma disciplina nos currículos universitários e o fomento de um modo de ver o processo civil inconscientemente despreocupado com as particularidades do direito material que esse deveria se encontrar preordenado a efetivar, tornou-se lugar-comum o estudo do processo civil ser precedido pelo estudo da teoria geral do processo. Essa tradição foi importada pela doutrina brasileira na segunda metade de Novecentos2 e mesmo no início do nosso século contou com entusiasmadas adesões e criativas tentativas de desenvolvimento.3 A expressão teoria geral – cuja aplicação à teoria do direito foi feita pela primeira vez em Oitocentos tanto na tradição romano-germânica (Allgemeine Rechtslehre) como na tradição do Common Law (general jurisprudence)4 – pode ser compreendida no mínimo de três maneiras diferentes. A ambiguidade da expressão reside especificamente na adjetivação geral que acompanha o substantivo teoria. Em primeiro lugar, pode-se falar em teoria geral para designar-se uma teoria universal, isto é, uma teoria que se propõe a identificar os conceitos suscetíveis de emprego e os institutos comuns para compreensão de qualquer ordenamento jurídico sem nenhuma distinção de espaço e de tempo5 – isto é, com a abstração de qualquer elemento jurídico-cultural. Trata-se de acepção em grande parte ligada ao estilo cientificista do jusnaturalismo racionalista de Setecentos.6 Nessa perspectiva, a teoria geral acaba se convertendo em uma teoria simplesmente preocupada com a terminologia jurídica.7 O problema é que os ordenamentos jurídicos não se valem invariavelmente dos mesmos conceitos e institutos jurídicos. Nem sempre às mesmas palavras correspondem os mesmos conceitos, assim como os ordenamentos não contam necessariamente com institutos comuns.8 A expressão jurisdiction, no âmbito da doutrina estadunidense, por exemplo, significa competência, sendo que o nosso conceito de jurisdição encontra adequada tradução naquela doutrina com o termo adjudication. Ainda, o processo civil brasileiro conhece o instituto dos embargos de declaração como um recurso (art. 1.022 do CPC), ao passo que o direito alemão trata como simples requerimento opedido de correção da decisão por obscuridade ou contradição (§ 320, ZPO). No mais, a própria ideia de conceitos lógico- jurídicos a priori e universais deixa de lado o fato de que não é possível conceber a existência de conceitos jurídicos independentes de determinada ordem jurídica. Daí que a pretensão de universalidade conceitual e institucional vinculada à teoria geral como teoria universal não se sustenta. Em segundo lugar, pode-se cogitar de teoria geral como teoria transordenamental, isto é, uma teoria que tem por objetivo construir os conceitos suscetíveis de utilização em determinados ordenamentos jurídicos que contam com características semelhantes.9 Cuida-se de acepção notoriamente ligada ao positivismo jurídico kelseniano de Novecentos.10 Nessa linha, porém, a teoria geral termina esfumaçando-se no âmbito de um simples exercício de comparação jurídica.11 Em terceiro lugar, é possível falar em teoria geral como teoria transsetorial, isto é, como uma teoria encarregada de reconstruir os fundamentos e os conceitos que são comuns aos diferentes setores de um mesmo ordenamento jurídico.12 Essa é uma maneira apropriada de compreender o significado de uma teoria geral – que, no entanto, não nos parece adequado para viabilizar o estudo do processo.13 Embora a tradição possa legitimar o uso em determinados contextos da expressão teoria geral do processo para uma melhor comunicação com a comunidade acadêmica,14 é certo que existem diferenças funcionais entre o processo civil e o processo penal15 – isso para não falarmos nas diferenças entre os processos jurisdicionais e não jurisdicionais16 – que desautorizam sua teorização conjunta. E como essas diferenças funcionais acabam ecoando nas grandes linhas do processo civil, na formulação dos seus conceitos e na estruturação do processo como um todo, o ideal é que o processo civil seja teorizado autonomamente. Essa é a razão pela qual este volume de nosso Curso cuida apenas da teoria do processo civil. Neste, examinamos os conceitos básicos do processo – jurisdição, ação, defesa e processo – na perspectiva do processo civil, bem como o modo pelo qual o nosso novo Código de Processo Civil está estruturado para prestação da tutela jurisdicional dos direitos. Nos próximos volumes estudaremos a tutela dos direitos mediante procedimento comum e a tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. footnotesfootnotes 1 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema del Diritto Processuale Civile, v. I, p. 3-6. 2 Com a publicação em 1974 do livro Teoria geral do processo, de ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, hoje na 30. ed., 2014. 3 FREDIE DIDIER JÚNIOR. Sobre a teoria geral do processo – essa desconhecida. 4 PIERLUIGI CHIASSONI, L´indirizzo analitico nella filosofial del diritto. I. Da bentham a kelsen, p. 125-128 e p. 192- 197; GUIDO FASSÒ, Storia della filosofia del diritto, v. III, atualizada por Carla Faralli, p. 183-185. A expressão general jurisprudence é devida a JOHN AUSTIN, The uses of the study of jurisprudence (1863), The province of jurisprudence determined and the uses of the study of jurisprudence, com introdução de Herbert Hart, p. 367, cuja notória inspiração é a universal unauthoritative expository jurisprudence de JEREMY BENTHAM, An introduction to the principles of morals and legislation (1789), editado por J. H. Burns e Herbert Hart e com ensaios de F. Rosen e Herbert Hart, p. 293-295, apontada como verdadeira certidão de nascimento da teoria do direito (PIERLUIGI CHIASSONI, L´indirizzo analitico nella filosofia del diritto, p. 15). A expressão Allgemeine Rechtslehre é própria do final de Oitocentos no âmbito da cultura jurídica germânica e pode ser encontrada, por exemplo, na obra de August Thon, Rechtsnorm und subjectives Recht. 5 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto – approccio metodologico, p. 28. Nessa linha, FREDIE DIDIER JÚNIOR, Sobre a teoria geral do processo, p. 36 (“uma teoria é geral quando reúne enunciados que possuem pretensão universal, invariável”) e 64 (“a teoria geral do processo, teoria do processo, teoria geral do direito processual ou teoria do direito processual é uma disciplina jurídica dedicada à elaboração, à organização e à articulação dos conceitos jurídicos fundamentais (lógico-jurídicos) processuais. São conceitos lógico-jurídicos processuais todos aqueles indispensáveis à compreensão jurídica do fenômeno processual, onde quer que ele ocorra. (...). A teoria geral do processo pode ser compreendida como uma teoria geral, pois os conceitos lógico-jurídicos processuais, que compõem o seu conteúdo, têm pretensão universal. Convém adjetivá-la como ‘geral’ exatamente para que possa ser distinguida das teorias individuais do processo, que têm pretensão de servir à compreensão de determinadas realidades normativas”). 6 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 28. Sobre o estilo cientificista do jusnaturalismo racionalista, sinteticamente, NORBERTO BOBBIO, Teoria generale del diritto, p. 206; extensamente, FRANZ WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit unter besonderer Berücksichting der deutschen Entwicklung, p. 249-347 (há tradução portuguesa: FRANZ WIEACKER, História do direito privado moderno, trad. Antônio Manuel Hespanha, p. 279-395). 7 JEREMY BENTHAM, An introduction to the principles of morals and legislation, p. 295. 8 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 28. 9 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 29. 10 Como observa HANS KELSEN, no prefácio à sua Teoria geral do direito e do estado (1945), “a teoria que será exposta na primeira parte deste livro é uma teoria geral do Direito positivo. O direito positivo é sempre o Direito de uma comunidade definida: o Direito dos Estados Unidos, o Direito da França, o Direito mexicano, o Direito internacional. Conseguir uma exposição científica dessas ordens jurídicas parciais que constituem as comunidades jurídicas correspondentes é o intuito da teoria geral do Direito aqui exposta. Esta teoria, resultado de uma análise comparativa das diversas ordens jurídicas positivas, fornece os conceitos fundamentais por meio dos quais o Direito positivo de uma comunidade jurídica definida pode ser descrito” (Teoria geral do direito e do estado, trad. Luís Carlos Borges, p. XXVII). 11 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 29. 12 RICCARDO GUASTINI, Teoria del diritto, p. 31. Por essa razão, dada a necessidade de transversalidade como algo inerente à caracterização da teoria geral, parece-nos inapropriado falar em teoria geral do processo civil (como está, por exemplo, em OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA e FÁBIO GOMES, Teoria geral do processo civil), porque aí a teoria geral acaba sendo reportada apenas a um único setor da dogmática jurídica. 13 Contra, entendendo possível a existência de uma teoria geral do processo capaz de amalgamar o estudo do processo civil e do processo penal, FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema del diritto processuale civile, p. 3-6; Diritto e processo, p. 47-48; ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Teoria geral do processo, p. 48; contra, entendendo possível a existência de uma teoria geral do processo capaz de enfeixar não só o estudo dos processos jurisdicionais civil, trabalhista e penal, mas também dos processos não jurisdicionais administrativo e legislativo, ELIO FAZZALARI, Istituzioni di diritto processuale, p. 67-69; Fredie Didier Júnior, Sobre a teoria geral do processo, p. 76. 14 E precisamente por isso – para facilitar o diálogo acadêmico – um de nós intitulou um de seus livros anteriores © desta edição [2017] como Teoria geral do processo, nada obstante o seu conteúdo facilmente denotassese tratar de um livro voltado especificamente para a teoria do processo civil (Luiz Guilherme Marinoni, Curso de processo civil – teoria geral do processo, v. I). 15 O processo civil é um meio para tutela adequada, efetiva e tempestiva dos direitos mediante processo justo. O direito de ação e o direito de defesa estão, como regra, em equilíbrio. O processo penal, embora sirva para efetiva realização da pretensão punitiva alegada pelo Estado mediante processo justo, constitui em primeiro lugar um anteparo ao arbítrio do Estado e instrumento de salvaguarda da liberdade do acusado. As posições ocupadas pelo demandante e pelo demandado não estão, como regra, em equilíbrio. Essas diferenças funcionais entre o processo civil e o processo penal demandam diferentes adequações em termos de técnica processual para promoção de sua justa estruturação. Nessa linha, frisando as diferenças entre o processo civil e o processo penal, HEITOR SICA, Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil, p. 432. 16 As diferenças são ainda mais flagrantes entre os processos jurisdicionais e os processos não jurisdicionais. O processo legislativo, por exemplo, não tem a necessidade de terminar com uma decisão justificada, bastando como meio de sua legitimação a composição de maioria parlamentar. O processo judicial obedece à outra lógica: sem decisão justificada não há exercício legítimo do poder estatal. © desta edição [2017] PARTE I - A JURISDIÇÃO NO ESTADO CONSTITUCIONAL Introdução Ainda são sustentadas, depois de aproximadamente cem anos, as teorias de que a jurisdição tem a função de atuar a vontade concreta da lei – atribuída a Chiovenda1 – e de que o juiz cria a norma individual para o caso concreto, relacionada com a tese da “justa composição da lide” – formulada por Carnelutti.2 E isso após a própria concepção de direito ter sido completamente transformada. A lei, que na época do Estado legislativo valia em razão da autoridade que a proclamava, independentemente da sua correlação com os princípios de justiça, não existe mais. A lei, como é sabido, perdeu o seu posto de supremacia e hoje é subordinada à Constituição.3 Agora é amarrada substancialmente aos direitos positivados na Constituição e, por isso, já constitui slogan dizer que as leis devem estar em conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei.4 A assunção do Estado constitucional deu novo conteúdo ao princípio da legalidade. Em primeiro lugar, esse evidenciou a necessidade de o direito ser trabalhado como um problema que demanda para a sua solução um empreendimento de colaboração entre o legislador, o juiz e a doutrina.5 Em segundo lugar, esse princípio incorporou o qualificativo “substancial” para evidenciar que exige a conformação da lei com a Constituição e, especialmente, com os direitos fundamentais. Não se pense, porém, que o princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, trocando-se a lei pelas normas constitucionais, ou expressa apenas uma mera “continuação” do princípio da legalidade formal, característico do Estado legislativo. Na verdade, o princípio da legalidade substancial significa uma “transformação” que afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição e, assim, representa uma quebra de paradigma.6 Se as teorias da jurisdição constituem espelhos dos valores e das ideias das épocas e, assim, não podem ser ditas equivocadas – uma vez que isso seria um erro derivado de uma falsa compreensão de história –, certamente devem ser deixadas de lado quando não mais revelam a função exercida pelo juiz. Isso significa que as teorias de Chiovenda e Carnelutti, se não podem ser contestadas em sua lógica, certamente não têm – nem poderiam ter – mais relação alguma com a realidade do Estado contemporâneo. Por isso, são importantes apenas quando se faz uma abordagem crítica do direito atual, considerando-se a sua relação com os valores e concepções do instante em que foram construídas. Assim, antes de constituírem teorias capazes de dar lugar à compreensão do processo civil no Estado Constitucional, pertencem apenas à história da cultura jurídica processual civil. A transformação da concepção de direito fez surgir um positivismo crítico, que passou a desenvolver teorias destinadas a dar ao juiz a real possibilidade de afirmar o conteúdo da lei comprometido com a Constituição7 mediante adequada interpretação e idônea aplicação da ordem jurídica.8 Nessa linha podem ser mencionadas a teoria das normas, inclusive no que tange ao próprio conceito de norma e à incorporação da teorização dos princípios e dos postulados normativos em seu âmbito, as teorias dos direitos fundamentais, a técnica da interpretação de acordo, as novas técnicas de controle da constitucionalidade – que conferem ao juiz uma função em © desta edição [2017] grande medida “produtiva”, e não mais apenas de declaração de inconstitucionalidade – e a própria possibilidade de controle da inconstitucionalidade por omissão no caso concreto. Ora, é pouco mais do que evidente que isso tudo fez surgir outro modelo de jurisdição, sendo apenas necessário, agora, que o direito processual civil se dê conta disso e proponha um conceito de jurisdição que seja capaz de abarcar a nova realidade que se criou. footnotesfootnotes 1 GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 55. 2 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema di diritto processuale civile, v. 1, p. 40. Tão importantes e tradicionais como estas, podem ser mencionadas, na doutrina alemã, as teorias de BERNARD WINDSCHEID, Die Actio – Abwehr gegen Dr. Theodor Muther, p. 1-3, e OSCAR BÜLOW, Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen, p. V-VII, e Klage und Urteil – Eine Grundfrage des Verhältnisses zwischen Privatrecht und Prozess, p. 68 e ss. 3 Ver Marbury versus Madison, 5 U.S (1Cranch) 137 (1803). 4 JAMES FLEMING, Constructing the substantive constitution. Texas Law Review, v. 72, n. 2, p. 211. 5 GUSTAVO ZAGREBELSKY, Il Diritto Mite, p. 45. 6 LUIGI FERRAJOLI, Derechos fundamentales. Los fundamentos de los derechos fundamentales, p. 53. 7 Nesse sentido, LUIGI FERRAJOLI, Derecho y razón. 8 RICCARDO GUASTINI, Interpretare e Argomentare, p. 13 e ss.; PIERLUIGI CHIASSONI, Tecnica dell´Interpretazione Giuridica, p. 11 e ss.; Humberto Ávila, Teoria dos Princípios, p. 50 e ss. 1. A influência dos valores do Estado Liberal de Direito e do positivismo jurídico sobre os conceitos clássicos de jurisdição 1.1. A concepção de direito no Estado Liberal O Estado Liberal de Direito, diante da necessidade de frear os desmandos do regime que lhe antecedeu, erigiu o princípio da legalidade como fundamento para a sua imposição. Esse princípio elevou a lei a um ato supremo, objetivando eliminar as tradições jurídicas do absolutismo e do ancien régime. A administração e os juízes, a partir dele, ficaram impedidos de invocar qualquer direito ou razão pública que se chocasse com a lei.1 O princípio da legalidade, porém, constituiu apenas a forma, encontrada pela burguesia, de substituir o absolutismo do regime deposto. É preciso ter em conta que uma das ideias fundamentais implantadas pelo princípio da legalidade foi a de que uma qualidade essencial de toda lei é pôr limites à liberdade individual. Para haver intromissão na liberdade dos indivíduos, seria necessária uma lei aprovada com a cooperação da representação popular. Não bastaria uma ordenação do rei. Como adverte Carl Schmitt, para entender esse conceito de lei (lei como limite da liberdade) é necessário considerar a situaçãopolítica em que se originou. Na luta política contra um forte governo monárquico, a cooperação da representação popular tinha que ser acentuada cada vez com mais força, até converter-se em critério decisivo de conceituação da lei. De tal modo a lei passou a ser definida como o ato produzido mediante a cooperação da representação popular. E o império da lei converteu-se em império da representação popular.2 Nesse sentido se pode dizer que na Europa continental o absolutismo do rei foi substituído pelo absolutismo da assembleia parlamentar. Daí a impossibilidade de confundir o Rule of Law inglês com o princípio da legalidade.3 O parlamento inglês eliminou o absolutismo, ao passo que a assembleia parlamentar do direito francês, embora substituindo o rei, manteve o absolutismo através do princípio da legalidade.4 Diante disso, e grosso modo, no direito inglês a lei (o Statutory Law) pôde ser conjugada com outros valores e elementos, dando origem a um sistema jurídico complexo – o Common Law –, enquanto nos países marcados pelo princípio da legalidade o direito foi reduzido à lei.5 Se – como diz Carl Schmitt – na idealização do Estado de Direito Liberal a burguesia adotou um conceito de lei que repousa em uma velha tradição europeia – herança da filosofia grega, que passou à Idade Moderna através da escolástica –, conforme o qual a lei não é uma vontade de um ou de muitos homens, mas uma coisa geral-racional (não é voluntas, mas ratio),6 no processo histórico de afirmação da burguesia, esta noção de lei cedeu espaço para o seu oposto, isto é, para a noção de lei defendida pelos representantes do absolutismo de Estado, segundo a qual, na fórmula clássica cunhada por Hobbes, auctoritas, non veritas facit legem – a lei é vontade, não vale por qualidades morais e lógicas, mas precisamente como ordem. O princípio da legalidade, assim, acabou por constituir um critério de identificação do direito: o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua correspondência com a justiça, mas somente de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência normativa. Nessa linha, Ferrajoli qualifica o princípio da legalidade como metanorma de reconhecimento das normas vigentes, acrescentando que, segundo esse princípio, uma norma jurídica existe e é válida apenas em razão das formas de sua produção. Ou melhor, nessa dimensão a juridicidade da norma está desligada de sua justiça intrínseca, importando somente se foi editada por uma autoridade competente e segundo um procedimento regular.7 No Estado Liberal de Direito, os parlamentos da Europa continental reservaram a si o poder político mediante a fórmula do princípio da legalidade. Diante da hegemonia do parlamento, o Executivo e o Judiciário assumiram posições óbvias de subordinação: o Executivo somente poderia atuar se autorizado pela lei e nos seus exatos limites, sendo que o Judiciário poderia apenas aplicá- la, sem mesmo poder interpretá-la. O Legislativo, assim, assumia uma nítida posição de superioridade. Na teoria da separação dos poderes, a criação do direito era tarefa única e exclusiva do Legislativo. Para Montesquieu – autor da obra8 que idealizou a teoria da separação dos poderes recepcionada pelo Estado liberal –, o “poder de julgar” deveria ser exercido por meio de uma atividade puramente intelectual, meramente cognitiva e logicista, não produtiva de “direitos novos”. Essa atividade não seria limitada apenas pela legislação, mas também pela atividade executiva, que teria também o poder de executar materialmente as decisões que constituem o “poder de julgar”. Nesse sentido, o poder dos juízes ficaria limitado a afirmar o que já havia sido dito pelo Legislativo, pois o julgamento deveria ser apenas “um texto exato da lei”.9 Por isso, Montesquieu acabou concluindo que o “poder de julgar” era, de qualquer modo, um “poder nulo” (en quelque façon, nulle).10 Antes do Estado legislativo, ou do advento do princípio da legalidade, o direito não decorria da lei, mas sim da jurisprudência e das teses dos doutores, e por esse motivo existia uma grande pluralidade de fontes, procedentes de instituições não só diversas, mas também concorrentes, como o império, a igreja etc. A criação do Estado legislativo, portanto, implicou significativa transformação das concepções de direito e de jurisdição.11 A transformação operada pelo Estado legislativo teve a intenção de conter os abusos da administração e da jurisdição. Com isso, obviamente, não se está dizendo que o sistema anterior ao do Estado legislativo era melhor. Não há dúvida de que a supremacia da lei sobre o Judiciário teve o mérito de conter as arbitrariedades de um corpo de juízes imoral e corrupto. Os juízes anteriores à Revolução Francesa eram tão comprometidos com o poder feudal que se recusavam a admitir qualquer inovação introduzida pelo legislador que pudesse prejudicar o regime. Os cargos de juízes não apenas eram hereditários, como também podiam ser comprados e vendidos, sendo daí oriunda a explicação natural para o vínculo dos tribunais judiciários com ideias conservadoras e próprias do poder instituído e para a consequente repulsa devotada aos magistrados pelas classes populares.12 Montesquieu, ao afirmar a tese de que não poderia haver liberdade caso o “poder de julgar” não estivesse separado dos poderes Legislativo e Executivo, partia da sua própria experiência pessoal, pois conhecia muito bem os juízes da França da sua época. Montesquieu nasceu Charles-Louis de Secondat em uma família de magistrados, tendo herdado do seu tio não apenas o cargo de Président à mortier no Parlement de Bordeaux, bem como o nome de Montesquieu.13 Mas ele não se deixou seduzir pelas facilidades dessa posição social, como ainda teve a coragem de denunciar as relações espúrias dos juízes com o poder, nessa dimensão idealizando a teoria da separação dos poderes,14 e assim propondo que os magistrados deveriam se limitar a dizer as palavras da lei.15 Porém, como o direito foi resumido à lei e a sua validade conectada exclusivamente com a autoridade da fonte da sua produção, restou impossível controlar os abusos da legislação. Se a lei vale em razão da autoridade que a edita, independentemente da sua correlação com os princípios de justiça, não há como direcionar a produção do direito aos reais valores da sociedade.16 Daí se ter como certo que a teoria de Montesquieu, embora se voltando contra os abusos do ancien régime, lançou as sementes da tirania do Legislativo.17 Por outro lado, o princípio da legalidade tinha estreita ligação com o princípio da liberdade, valor perseguido pelo Estado liberal a partir das ideias de que a Administração apenas podia fazer o que a lei autorizasse e de que os cidadãos podiam fazer tudo aquilo que a lei não vedasse. Conforme anota Carl Schmitt, da ideia fundamental da liberdade burguesa – proteção dos cidadãos contra os abusos do poder público – deduzem-se duas consequências, que integram os dois princípios típicos do Estado de Direito Liberal. Primeiro, um princípio de distribuição: a esfera de liberdade do indivíduo é suposta como um dado anterior ao Estado, restando a liberdade do indivíduo ilimitada a princípio, enquanto a faculdade do Estado de invadi-la é limitada a princípio. Segundo, um princípio de organização, que serve para pôr em prática aquele princípio de distribuição: o poder do Estado (limitado em princípio) reparte-se e encerra-se em um sistema de competências circunscritas.18 O império da lei, como instrumento a serviço da liberdade burguesa, ganha conteúdo em contraposição à ideia de império de homens. Império da lei significa, antes de tudo, que o próprio legislador está vinculado àsleis que edita. A vinculação do legislador à lei só é possível, todavia, enquanto a lei é uma norma com certas propriedades.19 Essas são sintetizadas na expressão da lei geral e abstrata. Para não violar a liberdade e a igualdade – formal – dos cidadãos, a lei deveria guardar as características da generalidade e da abstração. A norma não poderia tomar em consideração alguém em específico ou ser feita para determinada hipótese. A generalidade era pensada como garantia de imparcialidade do poder perante os cidadãos – que, por serem “iguais”, deveriam ser tratados sem discriminação – e a abstração como garantia da estabilidade – de longa vida – do ordenamento jurídico.20 A igualdade, que não tomava em conta a vida real das pessoas, era vista como simples projeção da garantia da liberdade, isto é, da não discriminação das posições sociais, pouco importando se entre elas existissem gritantes distinções concretas. O Estado liberal tinha preocupação com a defesa do cidadão contra as eventuais agressões da autoridade estatal e não com as diferentes necessidades sociais.21 A impossibilidade de o Estado interferir na sociedade,22 de modo a proteger as posições sociais menos favorecidas, constituía consequência natural da suposição de que para se conservar a liberdade de todos era necessário não discriminar ninguém, pois qualquer tratamento diferenciado era visto como violador da igualdade – logicamente formal.23 Ademais, para o desenvolvimento da sociedade em meio à liberdade, aspirava-se a um direito previsível ou à chamada “certeza do direito” – aí entendida como garantia de certeza de um significado prévio e determinado atribuído à norma.24 Desejava-se uma lei abstrata, que pudesse albergar quaisquer situações concretas futuras, e assim eliminasse a necessidade da edição de novas leis e especialmente a possibilidade de o juiz, ao aplicá-la, ser levado a tomar em conta especificidades próprias e características de determinada situação. A generalidade e a abstração evidentemente também apontavam para a impossibilidade de o juiz aplicar a lei ou considerar circunstâncias especiais ou concretas. Como é óbvio, de nada adiantaria uma lei marcada pela generalidade e pela abstração se o juiz pudesse conformá-la às diferentes situações concretas. Isso, segundo os valores liberais, obscureceria a previsibilidade e a certeza do direito, pensados como indispensáveis para a manutenção da liberdade. Compreende-se, nessa dimensão, a razão pela qual Montesquieu disse que, se “os julgamentos fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos”.25 Não há dúvida de que essa afirmação de Montesquieu revela uma ideologia política ligada à ideia de que a liberdade política, vista como segurança psicológica do sujeito, realiza-se mediante a “certeza do direito”.26 Mas tudo isso leva ainda às questões da sistematicidade e da plenitude do direito. O ideal da supremacia do legislativo era o de que a lei e os códigos deveriam ser tão claros e completos que apenas poderiam gerar uma única interpretação, inquestionavelmente correta.27 O resultado da interpretação só poderia ser um único resultado possível.28 A lei era bastante e suficiente para que o juiz pudesse solucionar os conflitos29 sem que precisasse recorrer às normas constitucionais. Como explica Zagrebelsky, “com base nessas premissas a ciência do direito podia afirmar que as disposições legislativas nada mais eram do que partículas constitutivas de um edifício jurídico coerente e que, portanto, o intérprete podia retirar delas, indutivamente ou mediante uma operação intelectiva, as estruturas que o sustentavam, isto é, os seus princípios. Esse é o fundamento da interpretação sistemática e da analogia, dos métodos de interpretação que, na presença de uma lacuna, isto é, da falta de uma disposição expressa para resolver uma controvérsia jurídica, permitiam individualizar a norma precisa em coerência com o sistema. A sistematicidade acompanhava, portanto, a plenitude do direito”.30 1.2. O positivismo jurídico O positivismo jurídico é solidário a essa concepção de direito, pois, partindo da ideia de que o direito se resume à lei e, assim, é fruto exclusivo das casas legislativas, limita a atividade do jurista à descrição da lei e à busca da vontade do legislador.31 O positivismo jurídico nada mais é do que uma tentativa de adaptação do positivismo filosófico ao domínio do direito.32 Imaginou-se, sob o rótulo de positivismo jurídico, que seria possível criar uma ciência jurídica a partir dos métodos das ciências naturais, basicamente da objetividade da observação e da experimentação. Se o investigador das ciências naturais pode realizar experimentos com base em procedimentos lógicos até concluir a respeito da verdade ou da falsidade de uma proposição, supôs-se que a tarefa do jurista poderia ser submetida a essa mesma lógica. Nessa linha, os juristas sempre chegariam a um resultado correto ou falso na descrição do direito positivo, como se físicos ou químicos fossem. A mera observação e descrição da norma constituem o ponto caracterizador do positivismo jurídico, que dessa forma pode ser visto como uma ciência cognoscitiva ou explicativa de um objeto, isto é, da norma positivada. Por constituir explicação da norma, o positivismo difere nitidamente da atividade de produção do direito, ou da atividade normativa, pois a tarefa do jurista positivista é completamente autônoma em relação à atividade de produção do direito, sendo simplesmente descritiva, ao contrário do que acontecia à época em que a atividade da jurisprudência e dos doutores criava o direito.33 O positivismo não se preocupava com o conteúdo da norma, uma vez que a validade da lei estava apenas na dependência da observância do procedimento estabelecido para a sua criação. Além do mais, tal forma de pensar o direito não via lacuna no ordenamento jurídico, afirmando a sua plenitude. A lei, compreendida como corpo de lei ou como Código, era dotada de plenitude e, portanto, sempre teria que dar resposta aos conflitos de interesses. Contudo, o positivismo jurídico não apenas aceitou a ideia de que o direito deveria ser reduzido à lei, mas também foi o responsável por uma inconcebível simplificação das tarefas e das responsabilidades dos juízes, promotores, advogados, professores e juristas, limitando-as a uma aplicação mecânica das normas jurídicas na prática forense, na universidade e na elaboração doutrinária.34 Isso significa que o positivismo jurídico, originariamente concebido para manter a ideologia do Estado liberal, transformou-se, ele mesmo, em ideologia.35 Nessa dimensão, passou a constituir a bandeira dos defensores do status quo ou dos interessados em manter a situação consolidada pela lei. Isso permitiu que a sociedade se desenvolvesse sob um asséptico e indiferente sistema legal ou mediante a proteção de uma lei que, sem tratar de modo adequado os desiguais, tornou os iguais em carne e osso mais desiguais ainda.36 1.3. A jurisdição como função dirigida a tutelar os direitos subjetivos privados violados Se é certo que a jurisdição, no final do século XIX, encontrava-se totalmente comprometida com os valores do Estado liberal e do positivismo jurídico, passa a importar agora a relação entre esses valores e a concepção de jurisdição como função voltada a dar atuação aos direitos subjetivos privados violados. Os processualistas que definiram essa ideia de jurisdição estavam sob a influência ideológica do modelo do Estado Liberal de Direito e, por isso, submetidosaos valores da igualdade formal, da liberdade individual mediante a não interferência do Estado nas relações privadas e do princípio da separação de poderes como mecanismo de subordinação do Executivo e do Judiciário à lei.37 Na época, na área de influência franco-italiana, atuava a chamada escola exegética, que, além de ter sido influenciada pelo iluminismo, foi acentuadamente marcada pelo positivismo jurídico e, assim, pela ideia de submissão do juiz à lei.38 A tendência de defesa da esfera de liberdade do particular aliada à tese de que apenas a supremacia da lei seria capaz de proteger esses direitos deram naturalmente à jurisdição a função de proteger os direitos subjetivos dos particulares mediante a aplicação da lei. Mais precisamente, a jurisdição tinha a função de viabilizar a reparação do dano, uma vez que, nessa época, não se admitia que o juiz pudesse atuar antes de uma ação humana ter violado o ordenamento jurídico. Se a liberdade era garantida na medida em que o Estado não interferia nas relações privadas, obviamente não se podia dar ao juiz o poder de evitar a prática de uma conduta sob o argumento de que ela poderia violar a lei. Na verdade, qualquer ingerência do juiz, sem que houvesse sido violada uma lei, seria vista como um atentado à liberdade individual. Giuseppe Manfredini – um doutrinador italiano da época –, ao escrever, em 1884, o seu Programma del corso di diritto giudiziario civile, destacou entre os princípios informadores da procedura civile aquele que sintetizaria a necessidade de se conferir aos direitos privados a máxima garantia social com o mínimo de sacrifício de liberdade individual. Disse Manfredini que “cada restrição à liberdade do indivíduo é superior ao poder de todas as leis positivas humanas, e que consequentemente também a de ‘procedura’ deve respeitar esse limite”.39 Não é de se admirar, assim, que o conceito de jurisdição, nessa época, não englobasse a necessidade de tutela preventiva, ficando restrita à reparação do direito violado.40 Mas a conotação repressiva da jurisdição não foi simplesmente influenciada pelo valor da liberdade individual, pois o princípio da separação dos poderes também serviu para negar à jurisdição o poder de dar tutela preventiva aos direitos, uma vez que, no quadro deste princípio, a função de prevenção diante da ameaça de não observância da lei era da Administração. Esse seria um poder exclusivo de “polícia administrativa”, evitando-se, desse modo, uma sobreposição de poderes: a Administração exerceria a prevenção e o Judiciário apenas a repressão. Ademais, a ideia de igualdade formal, ao refletir a impossibilidade de tratamento diferenciado às diferentes posições sociais e aos bens, unificou o valor dos direitos, permitindo a sua expressão em dinheiro e, assim, que a jurisdição pudesse conferir a todos eles um significado em pecúnia. Foi quando surgiu a ideia de reparação do dano pelo equivalente, o que obviamente também teve influência sobre a concepção de jurisdição como função dirigida a dar tutela aos direitos privados violados. Ora, se todos os direitos podiam ser convertidos em pecúnia, e a jurisdição então não se preocupava com a tutela da integridade do direito material, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, logicamente não era necessária a prestação jurisdicional preventiva, bastando aquela que pudesse colocar no bolso do particular o equivalente monetário. 1.4. Da teoria da proteção dos direitos subjetivos privados à teoria da atuação da vontade da lei Após a análise realizada no item anterior, cabe verificar o que separa e o que identifica as teorias da proteção dos direitos subjetivos privados e da atuação da vontade da lei. A atuação da vontade da lei revela a preocupação em salientar que a jurisdição exerce um poder voltado à afirmação do direito objetivo ou do ordenamento jurídico. O objetivo da jurisdição, nessa linha, passa a ter, antes de tudo, uma conotação publicista, e não apenas um compromisso com a proteção dos particulares, isto é, um compromisso privatista. São de Lodovico Mortara as primeiras lições endereçadas a essa concepção de jurisdição, as quais levaram os próprios processualistas chiovendianos a confessar o seu papel de jurista de transição entre a escola exegética e a escola histórico-dogmática, fundada por Giuseppe Chiovenda. É possível dizer que o Commentario del codice e delle leggi di procedura civile41 de Mortara afirmou, pela primeira vez, a natureza pública do processo civil. Como reconheceu Chiovenda,42 o grande mérito de Mortara foi o de ter pensado o processo civil como instituto de direito público, “o qual foi o ponto de partida dos progressos sucessivamente obtidos no nosso campo”.43 Não obstante, ainda que o pensamento de Mortara tenha sido importante para afirmar a natureza pública do processo, o fato é que a sua concepção de jurisdição, ao frisar a defesa do direito objetivo, não se livrou do peso dos valores do Estado liberal, mantendo-se absolutamente fiel à ideia de que o juiz, diante da sua posição de subordinação ao legislador, deveria apenas atuar a vontade da lei. Quando Mortara afirma que a jurisdição tem o fim de defender o direito objetivo, fica claro que esse objetivo deve ser realizado mediante a declaração ou a atuação da lei. Portanto, a doutrina de Mortara se diferenciou, em relação às lições dos processualistas que sustentaram a concepção de jurisdição vista no item anterior, apenas em razão de ter revelado a natureza pública do processo, mas se manteve presa aos valores culturais e ideológicos do Estado liberal. 1.5. A teoria de Chiovenda: a jurisdição como atuação da vontade concreta da lei Giuseppe Chiovenda, em 1903, proferiu uma conferência – que se tornou famosa nos estudos do processo civil – demonstrando a autonomia conceitual da ação em face do direito subjetivo material.44 Essa conferência, ao relativamente desvincular a ação do direito material, marcou o fim da era privatista do processo e reafirmou a tendência – já inaugurada por Mortara – do realce da natureza publicista do processo civil. A jurisdição, mergulhada no sistema de Chiovenda, é vista como função voltada à atuação da vontade concreta da lei. Segundo Chiovenda, a jurisdição, no processo de conhecimento, “consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade intelectual não só das partes, mas de todos os cidadãos, pela atividade intelectual do juiz, ao afirmar existente ou não existente uma vontade concreta da lei em relação às partes”.45 Chiovenda chegou a dizer que, como a jurisdição significa a atuação da lei, “não pode haver sujeição à jurisdição senão onde pode haver sujeição à lei”.46 Essa passagem da doutrina chiovendiana é bastante expressiva no sentido de que o verdadeiro poder estatal estava na lei e de que a jurisdição somente se manifestava a partir da revelação da vontade do legislador. É verdade que Chiovenda afirmou que a função do juiz é aplicar a vontade da lei “ao caso concreto”. Com isso, no entanto, jamais desejou dizer que o juiz cria a norma individual ou a norma do caso concreto, à semelhança do que fizeram Carnelutti e todos os adeptos da teoria unitária do ordenamento jurídico. Lembre-se de que, para Kelsen – certamente o grande projetor dessa última teoria –, o juiz, além de aplicar a lei, cria a norma individual (ou a sentença).47 Chiovenda é um verdadeiro adepto da doutrina que, inspirada no iluminismo e nos valores da Revolução Francesa, separava radicalmente as funções do legislador e do juiz, ou melhor, atribuía ao legislador a criação do direito e ao juiz a sua aplicação. Recorde-se que, na doutrina do Estado liberal, aos juízesrestava simplesmente aplicar a lei ditada pelo legislador. Nessa época, o direito constituía as normas gerais, isto é, a lei. Portanto, o Legislativo criava as normas gerais e o Judiciário as aplicava. Enquanto o Legislativo constituía o poder político por excelência, o Judiciário, visto com desconfiança, resumia-se a um corpo de profissionais que nada podia criar.48 De modo que não se pode confundir aplicação da norma geral ao caso concreto com criação da norma individual do caso concreto. Quando se sustenta, na linha da lição de Kelsen, que o juiz cria a norma individual, admite-se que o direito é o conjunto das normas gerais e das normas individuais e, por consequência, que o direito também é criado pelo juiz.49 Embora a doutrina da criação da norma individual não signifique que o juiz não esteja preso ao texto da lei – como ficará claro quando se estudar a concepção de jurisdição de Carnelutti –, é inegável que tal doutrina, ao sustentar que o juiz cria a norma individual, representou uma crítica à posição que enxergava na função do juiz uma simples aplicação das normas gerais. Contudo, não se pode obscurecer que a doutrina de Chiovenda deu origem a uma escola que desvinculou o processo do direito material, manchando-se com características que a diferenciaram da escola exegética. Porém, os princípios básicos da escola chiovendiana – sobre os quais, aliás, formaram-se a moderna doutrina processual italiana e a doutrina processual brasileira, especialmente aquela ligada à formação do Código Buzaid de 1973 – foram inspirados no modelo institucional do Estado de Direito de matriz liberal, revelando, de tal modo, uma continuidade ideológica em relação ao pensamento dos juristas do século XIX.50 A mudança que se verificou em relação à natureza do processo, que de algo posto a serviço dos particulares passou a ser visto como meio pelo qual se exprime a autoridade do Estado, nada teve a ver com o surgimento de uma ideologia diversa da liberal, e muito menos com uma tentativa de inserção do processo civil em uma dimensão social, constituindo apenas o resultado da evolução da cultura jurídica.51 Deixe-se claro que a escola chiovendiana, ainda que preocupada com a investigação das raízes históricas dos institutos processuais, bem como com uma maior problematização da dogmática processual civil, jamais chegou a questionar, por exemplo, o acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário e a efetividade dos procedimentos para atender aos direitos das classes desprivilegiadas. Como está claro, a escola chiovendiana, apesar de ter contribuído para desenvolver a natureza publicista do processo, manteve-se fiel ao positivismo clássico. 1.6. A doutrina de Carnelutti: a justa composição da lide Carnelutti atribuiu à jurisdição a função de justa composição da lide, entendida como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro interessado.52 A lide, no sistema de Carnelutti, ocupa o lugar da ação no sistema chiovendiano. Como visto, Chiovenda, ao desenvolver o estudo da ação, demonstrou a sua relativa autonomia em relação ao direito material. Porém, esse trabalho de separação entre a ação e o direito subjetivo material teve o nítido objetivo de demonstrar a superação da concepção privatista de processo. Como fez questão de frisar Cristina Rapisarda, a teoria chiovendiana da jurisdição, como função voltada à atuação da vontade concreta da lei, era estritamente conexa, no plano conceitual, com o princípio da autonomia da ação.53 Ou seja, se a ação não se confunde com o direito material, constituindo um poder de provocar a atividade do juiz, é lógico que essa atividade é voltada à atuação da lei e não à realização do direito material. De modo que o conceito chiovendiano de ação se colocou ao centro do sistema que revelou a natureza publicista do processo. A partir desse conceito, a jurisdição foi, por consequência, pensada no quadro das funções do Estado, considerada, então, a tripartição dos poderes. Carnelutti, entretanto, partiu da ideia de lide entre duas pessoas – compreendida como conflito de interesses individual ou, mais precisamente, marcada pela ideia de litigiosidade, conflituosidade ou contenciosidade – para definir a existência de jurisdição. A lide, dentro do sistema carneluttiano, é característica essencial para a presença de jurisdição. Havendo lide, a atividade do juiz é jurisdicional, mas não há jurisdição quando não existe um conflito de interesses para ser resolvido ou uma lide para ser composta pelo juiz.54 É evidente que o ângulo visual de Carnelutti revela uma compreensão privatista da relação entre a lei, os conflitos e o juiz, além de uma imagem puramente individualista dos conflitos sociais. Enquanto Chiovenda procurava a essência da jurisdição dentro do quadro das funções do Estado, Carnelutti via na especial razão pela qual as partes precisavam do juiz – no conflito de interesses – a característica que deveria conferir corpo à jurisdição. Carnelutti estava preocupado com a finalidade das partes; Chiovenda, com a atividade do juiz. Por isso, é possível dizer que Carnelutti enxergava o processo a partir de um interesse privado e Chiovenda em uma perspectiva publicista. De qualquer maneira, a fórmula da “composição da lide” também pode ser analisada a partir da ideia, que está presente no sistema de Carnelutti, de que a lei é, por si só, insuficiente para compor a lide, sendo necessária para tanto a atividade do juiz. A sentença, nessa linha, integra o ordenamento jurídico, tendo a missão de fazer concreta a norma abstrata, isto é, a lei. A sentença, ao tornar a lei particular para as partes, comporia a lide.55 As concepções de “justa composição da lide”, de Carnelutti, e de “atuação da vontade concreta do direito”, elaborada por Chiovenda, são ligadas a uma tomada de posição em face da teoria do ordenamento jurídico, ou melhor, à função da sentença diante do ordenamento jurídico. Para Chiovenda, a função da jurisdição é meramente declaratória; o juiz declara ou atua a vontade da lei. Carnelutti, ao contrário, entende que a sentença torna concreta a norma abstrata e genérica, isto é, faz particular a lei para os litigantes. Para Carnelutti, a sentença cria uma regra ou norma individual, particular para o caso concreto, que passa a integrar o ordenamento jurídico, enquanto, na teoria de Chiovenda, a sentença é externa (está fora) à ordem normativa, tendo a função de simplesmente declarar a lei, e não de completar o ordenamento jurídico. A primeira concepção é considerada adepta da teoria unitária e a segunda, da teoria dualista do ordenamento jurídico, sendo que essas teorias também são chamadas de constitutiva (unitária) e declaratória (dualista). Alguém pode indagar, diante disso, se Carnelutti, quando adere à teoria unitária, admite que a sentença cria um direito que ainda não existia. Para tanto é preciso esclarecer se, diante da teoria unitária, devida especialmente a Kelsen, o qual afirma que o juiz produz uma norma jurídica concreta, desejou-se concluir que o juiz pode, ao proferir a sentença, criar uma norma individual que não tenha base em uma norma jurídica já existente. A resposta não é animadora para quem pretenda ver algo mais na definição de jurisdição. Para Kelsen todo ato jurídico constitui, em um só tempo, aplicação e criação do direito, com exceção da Constituição e da execução da sentença, pois a primeira seria pura criação e a segunda pura aplicação do direito.56 Por isso, o legislador aplica a Constituição e cria a norma geral e o juiz aplica a norma geral e cria a norma individual.57 A teoria de Kelsen afirma a ideia de que toda norma tem como base uma norma superior, até se chegar à norma fundamental, queestaria no ápice do ordenamento. De modo que a norma individual, fixada na sentença, liga-se necessariamente a uma norma superior. A norma individual faria parte do ordenamento, ou teria natureza constitutiva, apenas por individualizar a norma superior para as partes.58 Contudo, ao individualizar a norma superior, o juiz a declara. Quando torna a norma concreta, ou compõe a lide no sentido da doutrina de Carnelutti, faz apenas um processo de adequação da norma – já existente – ao caso concreto. É certo que a norma jurídica, genérica e abstrata, pode ser concretizada ainda que sem a necessidade do processo. Para tanto, basta que um fato se enquadre perfeitamente à previsão da norma abstrata. Mas se isso não ocorre – até mesmo porque não é fácil, à primeira vista e de comum acordo, concluir se um fato se adapta à previsão da norma abstrata –, surge como necessária a jurisdição para dizer se o fato ocorrido está por ela albergado. Mediante uma atividade de conhecimento do fato e de intelecção da norma, o juiz, ao proferir a sentença, individualiza a norma, tornando-a concreta para os litigantes. Isso quer dizer que as concepções de que o juiz atua a vontade da lei e de que o juiz edita a norma do caso concreto beberam na mesma fonte, pois a segunda, ao afirmar que a sentença produz a norma individual, quer dizer apenas que o juiz, depois de raciocinar, concretiza a norma já existente, a qual, dessa forma, também é declarada.59 Quando os processualistas clássicos sustentam que a sentença fixa a lei do caso concreto, obviamente não querem dizer que a sentença não é fiel à lei que preexiste ao processo, mas apenas que a sentença, após o processo ter encerrado – e produzido o que se chama de coisa julgada material –, vale como lei para as partes. Dizia, por exemplo, Calamandrei, já em obra madura60 – um dos mais importantes processualistas do século passado – que “a lei abstrata se individualiza por obra do juiz”.61 Isso ocorreria após o término do processo, quando a sentença não pudesse mais ser discutida, ocasião em que não se admitiria mais nem falta de certeza nem conflito sobre a relação jurídica julgada. Eis a lição do ilustre jurista italiano: “Assim como a lei vale, enquanto está em vigor, não porque corresponda à justiça social, senão unicamente pela autoridade de que está revestida (dura lex sed lex), assim também a sentença, uma vez transitada em julgado, vale não porque seja justa, senão porque tem, para o caso concreto, a mesma força da lei (lex specialis). Em um certo ponto, já não é legalmente possível examinar se a sentença corresponde ou não à lei: a sentença é a lei, e a lei é a que o juiz proclama como tal. Mas com isto não se quer dizer que a passagem à coisa julgada crie o direito: a sentença (ou a coisa julgada material ou declaração de certeza), no sistema da legalidade, tem sempre caráter declarativo, não criativo do direito”.62 Frise-se que Calamandrei é adepto da teoria unitária do ordenamento jurídico, sustentando que a lei se individualiza através da sentença. Mas, ainda assim, não nega que a tarefa jurisdicional tenha função declaratória. Aliás, afirma expressamente que “a lei vale, enquanto está em vigor, não porque corresponda à justiça social, senão unicamente pela autoridade de que está revestida”. Essa afirmação de Calamandrei é imprescindível para se compreender e demonstrar que a adesão à teoria unitária não representa, por si só, qualquer rompimento com o positivismo clássico. Deixe-se claro, portanto, que as concepções de Carnelutti e Calamandrei, apesar de filiadas à teoria unitária do ordenamento jurídico, não se desligaram da ideia de que a função do juiz está estritamente subordinada à do legislador, devendo declarar a lei. Na verdade, a distinção entre a formulação de Chiovenda e as de Carnelutti e Calamandrei está em que, para a primeira, a jurisdição declara a lei, mas não produz uma nova regra, que integra o ordenamento jurídico, enquanto, para as demais, a jurisdição, apesar de não deixar de declarar a lei, cria uma regra individual que passa a integrar o ordenamento jurídico. footnotesfootnotes 1 MARTIN RAYMOND, A nouveau siècle nouveau procès civil, p. 40: “Cette neutralite decoulait, au moins dans la procédure suivie devant le tribunal civil representant le droit commun procedural, de la representation obligatoire des parties par des avoués, successeurs des procureurs d’Ancien Regime. La procedure était faite par les avoues. Le juge n’en connaissait qu’à l’occasion des incidents qui étaient portés devant lui, circonstance rare, car les avoués préféraient regler ces incidents en famillie. (...) Les avocats ne se safissaient pas alors les mains à ces jeux proceduriers. La neutralité du juge était faite de factivité des avoues. Cetait une neutralité de tous les jours, coupée de quelques incidents recueillis par de rares professeurs, et non une affirmation de principe”. 2 CARL SCHMITT, Teoría de la Constitución, p. 157. 3 A. V. DICEY, Introduction to the study of the law of the constitution, p. 202-203, caracteriza o rule of law por três notas: ausência de poder arbitrário, igualdade perante a lei e, por fim, o fato de que os princípios gerais da Constituição constituem resultados do direito comum, ou seja, revelam-se na forma como os tribunais reconhecem direitos individuais. Ver, ainda, para um estudo comparativo das noções de rule of law, État de droit e Rechtstaat, MICHEL ROSENFELD, The rule of law and the legitimacy of constitutional democracy, Southern California Law Review, v. 74, n. 5, p. 1307-1351; LUC HEUSCHLING, Etat de Droit, Rechtsstaat, Rule of Law. No direito brasileiro e, em particular, diante do processo civil, ver DANIEL MITIDIERO, Processo civil e Estado constitucional. 4 GUSTAVO ZAGREBELSKY, A lei, o direito e a Constituição, texto apresentado no colóquio comemorativo do XX Aniversário do Tribunal Constitucional Português, realizado em Lisboa, em 28.11.2003. Sobre a importância da história constitucional, ou melhor, de uma história crítica para uma melhor compreensão do direito constitucional contemporâneo, ver GUSTAVO ZAGREBELSKY, Historia y Constitución (com introdução de MIGUEL CARBONELL). 5 GUSTAVO ZAGREBELSKY, El derecho dúctil, p. 25. 6 CARL SCHMITT, Teoría de la constitución, cit., p. 150. 7 LUIGI FERRAJOLI, Derechos fundamentales, cit., p. 52. 8 De l’esprit des lois (Do espírito das leis), publicada pela primeira vez em 1748. 9 MONTESQUIEU, Do espírito das leis, p. 158. 10 Ver GIOVANNI TARELLO, Storia della cultura giuridica moderna (assolustismo e codificazione del diritto), p. 291. 11 LUIGI FERRAJOLI, Pasado e futuro del estado de derecho, Neoconstitucionalismo(s), p. 15-17. 12 MAURO CAPPELLETTI, Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da “justiça constitucional”, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, p. 268. 13 Idem, p. 269. 14 Na obra Do espírito das leis. 15 A Lei Revolucionária de agosto de 1790 afirmou expressamente que “os tribunais judiciários não tomarão parte, direta ou indiretamente, no exercício do poder legislativo, nem impedirão ou suspenderão a execução das decisões do poder legislativo (...)” (Título II, art. 10); que os tribunais “reportar-se-ão ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessário, a fim de interpretar ou editar uma nova lei” (Título II, art. 12); e que “as funções judiciárias são distintas e sempre permanecerão separadas das funções administrativas. Sob pena de perda de seus cargos, os juízes de nenhuma maneira interferirão com a administração pública, nem convocarão os administradores à prestação de contas com respeito ao exercício de suas funções” (Título II, art. 12) (cf. MAUROCAPPELLETTI, Repudiando Montesquieu?..., cit., p. 272). 16 Ver GUSTAVO ZAGREBELSKY, A lei, o direito e a Constituição. Colóquio comemorativo do XX Aniversário do Tribunal Constitucional Português; Kathleen M. Sullivan, The Supreme Court, 1991 Term – Foreword: The justice of rules and standards, Harvard Law Review, v. 106, p. 22; RONALD DWORKIN, A Bill of Rights for Britain. 17 MAURO CAPPELLETTI, Repudiando Montesquieu?..., cit., p. 272. 18 CARL SCHMITT, Teoría de la Constitución, cit., p. 138. 19 Idem, p. 150. 20 GUSTAVO ZAGREBELSKY, El derecho dúctil, cit., p. 29; ver EDWARDS S. CORWIN, The establishment of judicial review, Michigan Law Review, v. 9, n. 2, p. 102-125. 21 Ver JÜRGEN HABERMAS, Direito e democracia, p. 305: “Esse modelo parte da premissa segundo a qual a constituição do Estado de direito democrático deve repelir primariamente os perigos que podem surgir na dimensão que envolve o Estado e o cidadão, portanto nas relações entre o aparelho administrativo que detém o monopólio do poder e as pessoas privadas desarmadas. Ao passo que as relações horizontais entre as pessoas privadas, especialmente as relações intersubjetivas, não têm nenhuma força estruturadora para o esquema liberal de divisão dos poderes”. 22 Ver CARL SCHMITT, Teoría de la constitución, cit., que define o Estado de Direito oriundo do liberalismo clássico como “todo Estado que respete sin condiciones el Derecho objetivo vigente y los derechos subjetivos que existan”, e adverte que tal concepção tem por consequência “legitimar y eternizar el status quo vigente”. 23 Exemplar, nesse sentido, o pronunciamento da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Adkins versus Childrens Hospital 261 U.S. 525 (1923), decisão de 1923 que invalidou uma legislação que estabelecia salário mínimo para mulheres e crianças: “To the extent that the sum fixed [by the minimum wage statute] exceeds the fair value of the services rendered, it amounts to a compulsory exaction from the employer for the support of a partially indigent person, for whose condition there rests upon him no peculiar responsibility, and therefore, in effect, arbitrarily shifts to his shoulders a burden which, if it belongs to anybody, belongs to society as a whole” (Na extensão em que a soma fixada [pela lei do salário mínimo] excede o valor justo dos serviços prestados, equivale a uma exação compulsória do empregador para o sustento de uma pessoa parcialmente indigente, por cuja condição ele não tem nenhuma responsabilidade especial, e por isso, de fato, transfere arbitrariamente para os seus ombros um fardo que, se pertence a alguém, pertence à sociedade como um todo). Ver CASS SUNSTEIN, The partial constitution, p. 45. 24 Sobre esse conceito de certeza jurídica e sobre a sua superação, HUMBERTO ÁVILA, Segurança jurídica, p. 250-252. 25 MONTESQUIEU, Do espírito das leis, cit., p. 158. 26 GIOVANNI TARELLO, Storia della cultura giuridica moderna..., cit., p. 294; ver GeoffreyC. HAZARD JR., Reflections on the substance of finality, Cornell Law Review, v. 70, p. 642, 646-647. 27 MAURO CAPPELLETTI, Repudiando Montesquieu?..., cit., p. 271. 28 Para um quadro da teoria do direito em Oitocentos, em que se inserem os dogmas do cognitivismo interpretativo e do logicisimo aplicativo dos quais decorrem a tese da única resposta correta para os problemas interpretativos naquele ambiente cultural, PIERLUIGI CHIASSONI, L´Indirizzo Analitico nella Filosofia del Diritto, p. 116-117. 29 JÜRGEN HABERMAS, Direito e democracia, cit., p. 313: “O paradigma liberal do direito expressou, até as primeiras décadas do século XX, um consenso de fundo muito difundido entre os especialistas em direito, preparando, assim, um contexto de máximas de interpretação não questionadas para a aplicação do direito. Essa circunstância explica por que muitos pensavam que o direito podia ser aplicado a seu tempo, sem o recurso a princípios necessitados de interpretação ou a ‘conceitos-chave’ duvidosos”. 30 GUSTAVO ZAGREBELSKY, El derecho dúctil, cit., p. 32. Referindo-se ao Código Civil italiano de 1865, diz NATALINO IRTI: “Na idade liberal – a idade que se encerra em 1914 entre os esplendores da grande guerra –, o sistema normativo gravita completamente em torno ao Código Civil. O Código Civil de 1865 contém os princípios gerais, que orientam a regulação das particulares instituições ou matérias, e que, em última instância, servem para colmatar as lacunas do ordenamento” (Leyes especiales (del mono-sistema al poli- sistema), La edad de la descodificación, p. 93). 31 Ver, sobre o positivismo jurídico oitocentista, PIERLUIGI CHIASSONI, L´Indirizzo Analitico nella Filosofia del diritto, p. 177 e seguintes; NORBERTO BOBBIO, O positivismo jurídico;KARL LARENZ,Metodologia da ciência do direito, p. 21 e seguintes; sobre o positivismo jurídico em Novecentos, HANS KELSEN, Teoria pura do direito; HERBERT L. A. HART, O conceito de direito; ALF ROSS, On Law and Justice; CLÁUDIO MICHELON, Aceitação e objetividade – Uma comparação entre as teses de HART e do positivismo precedente sobre a linguagem e o conhecimento do direito; LUÍS FERNANDO BARZOTTO, O positivismo jurídico contemporâneo – Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart; RONALDOPORTO MACEDO JÚNIOR. Do xadrez à cortesia – Dworkin e a teoria do direito contemporânea; Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously; RONALD DWORKIN, Justice for Hedgehogs; JOSEPH RAZ, The authority of law; JULES COLEMAN, Negative and positive positivism, Oxford Journal of Legal Studies, v. 11, p. 139. Para um vigoroso argumento positivista sustentando a importância das intenções do legislador para a interpretação, LARRY ALEXANDER. Tudo ou nada? As intenções das autoridades e a autoridade das intenções, Direito e interpretação, p. 537-608. 32 Como observa TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., o termo positivismo não é unívoco, servindo para designar “tanto a doutrina de AUGUSTE COMTE, como também aquelas que se ligam à sua doutrina ou a ela se assemelham. COMTE entende por ‘ciência positiva’ coordination de faits. Devemos, segundo ele, reconhecer a impossibilidade de atingir as causas imanentes dos fenômenos, aceitando os fatos e suas relações recíprocas como o único objeto possível de investigação científica. A physique sociale deveria, neste sentido, tornar-se uma estigmatização dos dogmas e dos pressupostos da filosofia do século XVIII. COMTE afirma que, numa ordem qualquer de fenômenos, a ação humana é sempre bastante limitada, isto é, a intensidade dos fenômenos pode ser perturbada, mas nunca a sua natureza. O estreitamento na margem de mutabilidade da natureza humana, que COMTE recolhe do modelo da biologia antievolucionista, dá condições de possibilidade a uma sociologia. Supõe-se que o desenvolvimento humano é sempre o mesmo, apenas modificado na desigualdade da sua velocidade (vitesse de developpement). Em célebre disputa entre Lamarque e Cuvier, COMTE colocou-se ao lado do último. Foi da biologia fixista que saiu o seu ‘princípio das condições de existência’, garantia da positividade da Sociologia. A adoção da problemática da biologia positiva (‘étant donné l´organe, trouver la fonction et réciproquement’) implicou a recusa do método teleológico e o predomínio da explicação causal. Daí a luta, na segunda metade do século XIX, contra a teleologia nas ciências da natureza e mais tarde, com KELSEN, na Ciência do Direito; daí o determinismo e a negação da liberdade da vontade. Todos os fenômenos vitais humanos deviam ser explicados a partir de suas ‘causas sociológicas’. Era uma ‘conformité spontanée’ dos fenômenos políticos com uma fase determinada do desenvolvimentoda civilização. Todas essas teses de Comte foram base comum para o positivismo do século XIX. Daí surgiu, finalmente, a negação de toda metafísica, a preferência dada às ciências experimentais, a confiança exclusiva no conhecimento dos fatos etc.” (A ciência do direito, p. 31). 33 LUIGI FERRAJOLI, Pasado e futuro..., cit., p. 16; ver HANS KELSEN, Teoria pura do direito, cit. 34 MAURO CAPPELLETTI, Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, p. 72. O que se pretende evidenciar aqui é que o positivismo clássico não dá conta de alguma forma de raciocínio jurídico que não seja uma simples dedução, ou que deixe de encaixar um caso especial dentro do molde de uma regra geral prefixada. Para uma comparação do papel da doutrina oitocentista e da primeira metade de Novecentos com o papel da doutrina contemporânea, HUMBERTO ÁVILA, Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao estruturalismo argumentativo, Revista Direito Tributário Atual. 35 NORBERTO BOBBIO, Il positivismo giuridico, p. 233 e ss. 36 PETER HÄBERLE, Die Wesengehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz, p. 90-91: “O pensamento individualista e o liberalismo constituem as causas adicionais para o desprezo da parte institucional dos direitos fundamentais. (...) O formalismo e o positivismo não têm nenhum sentido para a relação imanente dos direitos fundamentais como institutos. Creem que a essência da liberdade se esgota com as liberdades negativas diante da coerção do Estado”. 37 RUDOLF WASSERMANN, Der soziale Zivilprozess, p. 44: “Na crença de que o juiz está sujeito às amarras da lei, sente-se a utopia do desconfiante liberalismo contra todo poder estatal, imaginando-se com isso se ter solucionado o problema do controle do poder. Quem pode dizer o que a lei afirma não exerce poder algum. É apenas um guardião, que por sua vez não requer qualquer outro guardião sobre si. O perigo de que as instâncias políticas possam influir na jurisprudência conduz também ao princípio do juiz natural”. 38 Sobre o assunto, GIOVANNI TARELLO, “La Scuola dell´Esegesi e sua Diffusione in Italia”, Cultura Giuridica e Politica del Diritto, p. 69 e ss.; Pierluigi Chiassoni, L´Indirizzo Analitico nella Filosofia del Diritto, pp. 243 e ss.; ALF ROSS, Theorie der Rechtsquellen, p. 34 e ss. 39 GIUSEPPE MANFREDINI, Programma del corso di diritto giudiziario civile, p. 44. 40 Ver LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela inibitória, p. 312 e ss. 41 LODOVICO MORTARA, Commentario del Codice e delle leggi di procedura civile. Ainda, PAOLO GROSSI, Scienza Giuridica Italiana – Un Profilo Storico (1860 – 1950), p. 61-66. 42 Em homenagem póstuma a MORTARA. 43 GIUSEPPE CHIOVENDA, LODOVICO MORTARA. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p. 101. 44 GIUSEPPE CHIOVENDA, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, p. 3 e ss. 45 GIUSEPPE CHIOVENDA, Principios del derecho procesal, p. 365. 46 GIUSEPPE CHIOVENDA, Instituições..., cit., v. 2, p. 55. 47 HANSKELSEN, Teoria geral do direito e do estado, p. 165; ver ULISES SCHMILL ORDÓÑEZ, Observaciones a “inconstitucionalidad y derogación”. Discusiones, p. 79-83; CARLOS NINO, El concepto de validez jurídica en la teoría de Kelsen. La validez del derecho, p. 7-40. 48 EUGENIO BULYGIN, ¿Los jueces crean derecho?, texto apresentado ao XII Seminário Eduardo García Maynez sobre teoria e filosofia do direito, organizado pelo Instituto de Investigaciones Jurídicas y el Instituto de Investigaciones Filosóficas de la Unam, p. 8. 49 HANS KELSEN, Reine Rechtslehre – Einleitung in die rechtswissenschaftliche Problematik, 1934, p. 3-5, 197, 237; em senso crítico Horst Dreier, HANS KELSEN (1881-1973) – Jurist des Jahrhunderts? Deutsche Juristen jüdischer Herkunft, 1993, p. 705-733. 50 CRISTINA RAPISARDA, Profili della tutela civile inibitoria, p. 70. 51 MICHELE TARUFFO, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, p. 186. 52 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema..., cit., v. 1, p. 40. 53 CRISTINA RAPISARDA, Profili..., cit., p. 52. 54 FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema..., cit., v. 1, p. 130 e ss. 55 FRANCESCO CARNELUTTI, Diritto e processo, p. 18 e ss. 56 Cf. EUGENIO BULYGIN, ¿Los jueces crean derecho?, cit., p. 10. 57 “Criar uma norma é, portanto, ao mesmo tempo, aplicar uma outra norma; o mesmo ato é, simultaneamente, de criação e de aplicação do direito” (HANS KELSEN, Teoria geral do estado, p. 105); ver também Hans KELSEN, La garantie jurisdictionnelle de la constitution. La justice constitutionnelle. Revue de Droit Public, 1928, p. 204. 58 HANS KELSEN, Teoria geral do Estado, cit., p. 109 e ss. “El tribunal tiene que declarar la existencia de tal norma del mismo modo que está obligado a establecer la existencia del acto violatorio. Pero no solo los tribunales: todos los órganos jurídicos se encuentran en la necesidad de decidir si la norma que ‘prima facie’ les exige ejecución es una norma perteneciente al orden jurídico. Para ello, colocándose en el punto de vista interno o inmanente al derecho, tiene que determinar si la norma respectiva es una norma existente y regular, si ha sido creada con arreglo a los procedimientos y con los contenidos establecidos por las normas condicionantes (superiores)” (ULISES SCHMILL ORDÓÑEZ, Observaciones..., cit., p. 109); “La norma básica de KELSEN establece la obligatoriedad de un sistema jurídico; su identidad está determinada por un criterio que toma en cuenta el hecho de que la misma norma básica es presupuesta cuando adscribimos obligatoriedad a todas las normas del sistema. De cualquier manera, como criterio de identidad el anterior es vacuo, ya que el contenido de cada norma básica (y, consecuentemente, su propia identidad) no puede, ser establecido, en el contexto de la teoría de KELSEN, antes de circunscribir las normas que pertenecen al sistema jurídico. (...) Si se dan por correctas las © desta edição [2017] objeciones precedentes, seria el caso de preguntarse cuáles son los obstáculos que KELSEN pretende superar integrando a su teoría la hipótesis de autorización abierta que hemos examinado. Es obvio que el concepto de validez que la Teoría pura parece formular en forma explícita, implica trivialmente que no son válidas aquellas normas que contradicen las condiciones para su creación prescriptas por normas de nivel superior. Por otra parte, esa supuesta definición kelseniana de ‘validez’ es incompatible con el reconocimiento de que la validez o invalidez de una norma dependa de la declaración en uno u otro sentido por un órgano competente” (CARLOS NINO, El concepto..., cit., p. 14 e p. 35). 59 Não se olvide, entretanto, que, ao menos no modelo de criação da norma individual pelo juiz reconhecido por KELSEN, existe um componente criativo originário na atuação do juiz. Como explica o autor: “A relação entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica, como a relação entre Constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de determinação ou vinculação: a norma do escalão superior regula o ato através do qual é produzida a norma do escalão inferior. (...) Essa determinação nunca é, porém, completa. A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa, (...) o caráter de um quadro ou moldura a preencher por esse ato” (HANS KELSEN, Teoria pura do direito, cit., p. 388). “Se por ‘interpretação’ se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa
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