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65 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Unidade II 3 GOVERNO CONSTITUCIONAL DE GETÚLIO VARGAS – 1934‑1937 O país, a partir de 1934, finalmente viveria a democracia tão aguardada. As leis estavam de volta e, até mesmo, os opositores mais ferrenhos não podiam fazer qualquer acusação de que Vargas concentrava poder. Mais do que isso, acreditava‑se que a modernização proposta pela ruptura de 1930 seria bastante desenvolvida e o progresso tomaria conta das grandes capitais. Os trabalhadores urbanos já eram alvo de políticas governamentais e até mesmo a educação pública, conforme o Manifesto dos Pioneiros da Educação tanto ambicionava, estava concretizada na Lei Magna. No entanto, o mundo estava em passos diferentes. A polarização ideológica da Europa pós Primeira Guerra Mundial estava, cada vez mais, evidente. A crise de 1929 escancarou os problemas da democracia liberal daquele contexto. Seus reflexos não demorariam a serem vistos do outro lado do Atlântico. De um lado, a esquerda via o exemplo soviético como a demonstração real de outra via capaz de acabar com as desigualdades sociais, com o lucro desenfreado da burguesia e também com a penúria em que boa parte da população se mantinha. Figura 21 – Josef Stalin, líder da URSS de 1928‑1956, promoveu um governo totalitário e voltado ao desenvolvimento industrial Do outro lado, a direita estampava com satisfação a ascensão nazifascista no mundo. Seus modelos de nacionalismo exacerbado, de defesa do monopartidarismo pelo uso do militarismo e da violência eram admirados. Afinal, trazia ordem e a presença de um Estado forte. 66 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Figura 22 – O nazismo de Adolf Hitler e seu rápido crescimento econômico passou a ser admirado pelos fascistas em todo o mundo Logo essa polarização se evidenciou no Brasil. O fascismo deu seus primeiros sinais no país já na década de 1920. Vargas recebeu uma comitiva fascista na década de 1930. No ano de 1932, logo após a Revolução Constitucionalista, em outubro, foi criada a Ação Integralista Brasileira (AIB) por Plínio Salgado. Plínio Salgado era um jornalista importante e escritor do modernismo. Foi conhecer a Itália fascista e dali, impressionado com tudo que viu e ouviu, passou a ser ferrenho defensor das ideias da extrema direita de sua época. Figura 23 – A figura de Plínio Salgado passou a ser sinônimo da AIB 67 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Seu partido, rapidamente ganhou força: Era o primeiro partido político de massas do Brasil, com capacidade de inserção nacional, crença corporativa, culto à liderança política e ao domínio do Estado,e disposição para fazer ecoar o discurso antissemita uma oitava acima do que já era corrente na sociedade brasileira. Os integralistas arrebanharam apoio nos setores das classes médias urbanas, sobretudo entre funcionários públicos, padres, profissionais liberais, poetas, comerciantes, industriais e nas áreas de colonização alemã e italiana. Recebiam assessoria e ajuda financeira da embaixada da Itália, dispunham em seus quadros de um grupo de intelectuais pronto a reproduzir a ideologia fascista em moldura de brasilidade – Plínio Salgado, Miguel Reale, Gustavo Barroso – e contavam com uma militância ativa (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 367‑368). Chegaram a reunir em um único evento, uma marcha em São Paulo, mais de 40 mil pessoas, em desfile de estilo militar. Eram os chamados Camisas Verdes – abertamente inspirados nos Camisas Negras do fascismo italiano. Seu símbolo era o sigma (Σ), letra grega que significa soma, trazendo a ideia de que o movimento aglutinava a todos. O grupo chegou a ter, no seu auge, cerca de 150 mil integrantes (talvez até mesmo 200 mil). O lema abarcava o que consideravam central: “Deus, pátria e a família”. Eram radicalmente contrários ao liberalismo, ao socialismo ou mesmo ao capitalismo financeiro, considerado como elemento dominado pelos judeus. Claro que não faltavam outros elementos tão caros aos fascistas italianos: os ataques violentos de rua aos homens de esquerda que encontrassem. Cumprimentavam‑se com a palavra anauê (que significa, em tupi, “você é meu irmão”) e o esticar do braço direito: Figura 24 68 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Figura 25 – As propagandas integralistas incitavam o nacionalismo exacerbado para o país. No primeiro cartaz, são evidentes, mais uma vez, a semelhança do cartaz da Revolução paulista de 1932 e a influência da imagem americana do Tio Sam chamando os rapazes para a luta, em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial A sua ideologia ficava evidente no manifesto lançado em 7 de outubro de 1932: À Nação Brasileira – Ao operariado do país e aos sindicatos de classe – Aos homens de cultura e pensamento – À mocidade das escolas e das trincheiras – Às classes armadas! 1º Concepção do Homem e do Universo Deus dirige os destinos dos povos. O Homem deve praticar sobre a terra as virtudes que o elevam e o aperfeiçoam. O homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade. Vale pelo estudo, pela inteligência, pela honestidade, pelo progresso nas ciências, nas artes, na capacidade técnica, tendo por fim o bem‑estar da Nação e o elevamento moral das pessoas. A riqueza é bem passageiro, que não engrandece ninguém, desde que não sejam cumpridos pelos seus detentores os deveres que rigorosamente impõe, para com a Sociedade e a Pátria. Todos podem e devem viver em harmonia, uns respeitando e estimando os outros, cada qual distinguindo‑se nas suas aptidões, pois cada homem tem uma vocação própria e é o conjunto dessas vocações que realiza a grandeza da Nacionalidade e a felicidade social. Os homens e as classes, pois, podem e devem viver em harmonia. É possível ao mais modesto operário galgar uma elevada posição financeira ou intelectual. Cumpre que cada um se eleve segundo sua vocação. Todos os homens são 69 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL susceptíveis de harmonização social e toda superioridade provém de uma só superioridade que existe acima dos homens: a sua comum e sobrenatural finalidade. Esse é um pensamento profundamente brasileiro, que vem das raízes cristãs da nossa História e está no íntimo de todos os corações. 2º Como entendemos a Nação Brasileira A Nação Brasileira deve ser organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica, próspera e feliz. Para isso precisamos de que todos os brasileiros estejam unidos. Mas o Brasil não pode realizar a união intima e perfeita de seus filhos, enquanto existirem Estados dentro do Estado, partidos políticos fracionando a Nação, classes lutando contra classes, indivíduos isolados, exercendo a ação pessoal nas decisões do governo; enfim todo e qualquer processo de divisão do povo brasileiro. Por isso, a Nação precisa de organizar‑se em classes profissionais. Cada brasileiro se inscreverá na sua classe. Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e o prefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da Província. Os eleitos para os Congressos Nacionais elegem o Chefe da Nação, perante o qual respondem os ministros de sua livre escolha. 3º Princípio da Autoridade Uma Nação, para progredir em paz, para ver frutificar seus esforços, para lograr prestígio no Interior e no Exterior, precisa ter uma perfeita consciência do Princípio de Autoridade. Precisamos de Autoridade capaz de tomar iniciativas em benefício de todos e de cada um; capazde evitar que os ricos, os poderosos, os estrangeiros, os grupos políticos exerçam influência nas decisões do governo, prejudicando os interesses fundamentais da Nação. Precisamos de hierarquia, de disciplina, sem o que só haverá desordem. Um governo que saia da livre vontade de todas as classes é representativo da Pátria: como tal deve ser auxiliado, respeitado, estimado e prestigiado. Nele deve repousar a confiança do povo. A ele devem ser facultados os meios de manter a justiça social, a harmonia de todas as classes, visando sempre os superiores interesses da coletividade brasileira. Hierarquia, confiança, ordem, paz, respeito, eis o de que precisamos no Brasil. [...] 10º O Estado Integralista Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e qualquer princípio de divisão: partidos políticos; estadualismos em luta pela hegemonia; lutas de 70 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II classes; facções locais; caudilhismos; economia desorganizada; antagonismos de militares e civis; antagonismos entre milícias estaduais e o Exército; entre o governo e o povo; entre o governo e os intelectuais; entre estes e a massa popular. Pretendemos fazer funcionar os poderes clássicos (Executivo, Legislativo e Judiciário), segundo os impositivos da Nação Organizada, com bases nas suas Classes Produtoras, no Município e na Família (BONAVIDES; AMARAL, 2002a, p. 482‑489). São notórios no documento os elementos relativos à ideologia fascista: a relação do lema “Deus, pátria e a família” repete‑se ao longo dos pontos em questão; evidencia‑se a força de um “princípio de autoridade” que garanta “hierarquia e disciplina” dentro de um “Estado integralista” capaz de angariar a “harmonização social” desestruturando qualquer pluralidade política e social, apenas garantindo as “classes profissionais”. Figura 26 – A foto demonstra a passeata integralista. Perceba o uniforme e a ordem estabelecida na manifestação. Na ideologia nacionalista da AIB, a ordem militar era um termo central Saiba mais Apesar da ideologia completamente diferente do mundo contemporâneo, com a força da democracia, os ideais do integralismo de Plínio Salgado ainda possuem defensores no Brasil. <http://www.integralismo.org.br/>. Observe o amplo material disponível nessa associação que rememora seu fundador e os projetos nacionalistas. 71 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL É muito comum pensar que Getúlio Vargas sempre apoiou a AIB pela sua evidente simpatia ao movimento fascista italiano, inclusive com sua inspiração corporativista. No entanto, é fundamental perceber que Vargas era um amante do poder concentrado em torno de si mesmo. Ou seja, não desejava compartilhá‑lo com mais ninguém. Via no integralismo uma forma orgânica de governo com exacerbação dos valores da nacionalidade, exaltação da colaboração de classes e crença no ideal do corporativismo – pontos que reforçavam suas próprias convicções autoritárias. Mas simpatia tinha limites: [...] Vargas não estava disposto a confiar num movimento que deixava explícita a intenção de governar o país, no seu lugar, o mais rapidamente possível. [...] Sabia que era impossível ignorar o movimento. Pragmático, ele pretendia usar a máquina fascista de acordo com suas próprias conveniências e fazer do integralismo um aliado tático contra as novas forças que se organizavam na oposição (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 368). O outro lado ideológico, a esquerda, também se organizou por aqui. O Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922, estava operando na ilegalidade, mas, como vimos, agora tinha a participação do mais importante tenente, Luís Carlos Prestes. Logo, em março de 1935, seguindo a orientação geral do Partido Comunista, em suas linhas da Internacional Comunista, formava‑se no Brasil a Aliança Nacional Libertadora (ANL). A formação da ANL se ajustou à nova orientação dada ao PCB que vinha da Internacional Comunista (I.C.), organização que em Moscou determinava a linha do movimento comunista. Depois de sustentar uma orientação de combate aos socialistas, chamados de social‑fascistas, contribuindo com isto para a vitória do nazismo na Alemanha, a Internacional Comunista começara a mudar de orientação em meados de 1934. A nova linha se tornou vitoriosa no VII Congresso da organização, iniciado em Moscou em fins de julho de 1935. O congresso considerou que a crise mundial abalara o capitalismo em seus fundamentos, mas permitiria, ao mesmo tempo, a consolidação do fascismo. Para defender a União Soviética diante da ameaça fascista, justificava‑se a formação de frentes populares, em cada país capitalista. A ANL seria o exemplo de uma frente popular adaptada às características do chamado mundo semicolonial, reunindo vários setores sociais dispostos a enfrentar o fascismo e o imperialismo (FAUSTO, 2004, p. 359‑360). Eram exatamente esses os pontos centrais do manifesto da ANL em 1935: O Brasil cada vez mais se vê escravizado aos magnatas estrangeiros. Cada vez mais a independência nacional é reduzida a uma simples ficção legal. Cada vez mais o nosso país e o nosso povo são explorados, até os últimos limites, pela voracidade insaciável do imperialismo. 72 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II [...] Os juros pagos pelo Brasil a seus credores já se elevam a mais do dobro da importância que ele recebera como empréstimo. Os lucros fabulosos das companhias imperialistas já ultrapassam, de muito, o capital por elas invertido. E, entretanto, continua o país com uma fabulosa “dívida” externa; continuam os capitalistas estrangeiros a dominar nossas fontes de energia e nossos meios de comunicação _ – numa palavra – todas as partes fundamentais e básicas da economia moderna. O imperialismo, procurando obter mão de obra por preço vil, protegeu, como ainda hoje protege, os latifundistas, o feudalismo. [...] O imperialismo, dominando o país, explorou‑o, para seu único proveito: reduziu‑o a um simples fornecedor de matérias primas, deixando inexploradas as nossas minas de ferro, níquel etc. as nossas maiores fontes de riqueza. O imperialismo impediu, como ainda impede, o desenvolvimento da metalurgia, da indústria pesada, de tudo, enfim, que possa fazer concorrência à sua própria produção. O imperialismo reduz o povo brasileiro à ignorância e a miséria. O analfabetismo atinge a 75% da nossa população. [...] Em suma, é completa a escravização nacional. É o Brasil reduzido a verdadeira máquina de lucros dos capitais estrangeiros. Entretanto, neste momento, a Nação já se começa a erguer em defesa de seus direitos e da sua independência, da sua liberdade. E a Aliança Nacional Libertadora surge, justamente, como o coordenador deste gigantesco e invencível movimento. [...] A Aliança Nacional Libertadora tem um programa claro e definido. Ela quer o cancelamento das dívidas imperialistas; a nacionalização das empresas imperialistas; a liberdade em toda a sua plenitude; o direito do povo manifestar‑se livremente; a entrega dos latifúndios ao povo laborioso que os cultive; a libertação de todas as camadas camponesas da exploração dos tributos feudais pagos pelo aforamento, pelo arrendamento da terra 73 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL etc.; a anulação total das dívidas agrícolas; a defesa da pequena e média propriedade contra a agiotagem, contra qualquer execução hipotecária. [...] Queremos uma Pátria livre! Queremos o Brasil emancipado da escravidão imperialista! Queremos a libertação social e nacional do povo brasileiro! Rio de Janeiro, Março de 1935 Comissão Provisória de Organização (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 90‑93). É evidente, portanto, o programa anti‑imperialista, dentro deum histórico colonial do país, se materializando no fim do pagamento da dívida externa e na necessidade da promoção industrial, de nacionalização das empresas estrangeiras e de ajuda ao desenvolvimento dos pequenos e médios produtores. Há de se destacar ainda que o movimento ganhou forte apoio dos tenentes de 1920. Uma ação fundamental, nesse sentido, foi a introdução de Luís Carlos Prestes como presidente do grupo: Prestes era a liderança política de maior prestígio no país, um herói popular e personagem de inegável carisma. Tinha charme, suas maneiras eram suaves, a voz firme dominava qualquer interlocutor e o brilho dos olhos convencia pela sinceridade – era, igualmente, um homem duro, vaidoso e intolerante, mas isso os brasileiros não sabiam. Seja como for, naquele momento seu nome era imbatível. Na avaliação dos comunistas, tratava‑se de uma jogada decisiva para viabilizar sua própria adesão à ANL (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 369). Figura 27 – A figura de Luís Carlos Prestes tornou‑se um ícone fundamental da esquerda no Brasil 74 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Logo a ANL contava com um grupo próximo a 100 mil pessoas. A agitação era intensa. A polarização, cada vez mais, evidente. E Vargas, no meio desse processo, aguardava as próximas cenas. A democratização trouxe consigo os polos ideológicos do outro lado do Atlântico rapidamente para os auspícios de boa parte da população. No dia 5 de julho de 1935, aniversário do movimento tenentista de 1922 e 1924, Prestes fez um forte discurso: A todo povo do Brasil! Aos aliancistas de todo o Brasil! 5 de julho de 1922 e 5 de julho de 1924. Troam os canhões de Copacabana. Tombam os heróis companheiros de Siqueira Campos! Levantam‑se, com Joaquim Távora, os soldados de São Paulo e, durante 20 dias é a cidade operária barbaramente bombardeada pelos generais a serviço de Bernardes! Depois a retirada. A luta heroica nos sertões do Paraná! Os levantes do Rio Grande do Sul! A marcha da coluna pelo interior de todo o país, despertando a população dos mais ínvios sertões, para a luta contra os tiranos, que vão vendendo o Brasil ao capital estrangeiro. Quanta energia! Quanta bravura! As lutas continuam – São 13 anos de lutas cruentas, de combates sucessivos e vitórias seguidas das mais negras traições, ilusões que se desfazem, como bolhas de sabão, ao sopro da realidade! Mas as lutas continuam, porque a vitória ainda não foi alcançada e o lutador heroico é incapaz de ficar a meio do caminho, porque o objetivo a atingir é a libertação nacional do Brasil, a sua unificação nacional e o seu progresso e o bem‑estar e a liberdade de seu povo e o lutador persistente e heroico é esse mesmo povo, que do Amazonas ao Rio Grande do Sul, que do litoral às fronteiras da Bolívia, está unificado mais pelo sofrimento, pela miséria e pela humilhação em que vegeta do que por uma unidade nacional impossível nas condições semicoloniais e semifeudais de hoje! [...] A Aliança Nacional Libertadora é hoje constituída pela massa de milhões que continua as lutas de ontem! A Aliança Nacional Libertadora é hoje a continuadora dos combates que, pela libertação do Brasil, do jugo imperialista, iniciaram Siqueira Campos, Joaquim Távora, Portela, Benévolo, Cleto Campello, Janson de Mello, Djalma Dutra, e milhares de soldados operários e camponeses em todo o Brasil. 75 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Somos herdeiros das melhores tradições revolucionárias de nosso povo e é, recordando a memória de nossos heróis, que marchamos para a luta e para a vitória! [...] O programa da Aliança Liberal – “A revolução brasileira não pode ser feita com o programa anódino da Aliança Liberal”, dizia eu em maio de 1930, chamando a atenção dos companheiros da coluna para a luta contra o imperialismo e o feudalismo, sem a destruição dos quais tudo mais seria superficial, irrisório e mentiroso. [...] O integralismo – Mesmo entre os fascistas tal estado de coisas se verifica. Apesar de toda a demagogia sobre a unificação nacional, o integralismo é bem uma fotografia da podridão, da decomposição, da divisão dos interesses revolucionários entre as cliques das classes dominantes de um ou de outro Estado. E por isso a tragédia do Sr. Plínio Salgado, obrigado a dizer hoje aqui uma coisa, amanhã ali ao contrário. Daí o engraçado do disse que não disse dos chefes integralistas. É que todos os partidos das classes dominantes do Brasil refletem, queiram ou não queiram, a divisão regional que tem suas origens no feudalismo e se agrava com a penetração imperialista. Essa desagregação, por sua vez, acelera a venda do país ao imperialismo que penetra por todas as brechas e por todos os lados, porque o bando que está no poder, para não perdê‑lo, precisa satisfazer às menores exigências de qualquer de suas facções. O governo de Vargas tem por isso satisfeito os interesses, os mais contraditórios, de todos os magnatas estrangeiros e de seus lacaios nacionais. Despedaçando o Brasil, sufocando na miséria o povo. [...] Um apelo – População trabalhadora de todo o país! Em guarda, na defesa de seus interesses! Venha ocupar o seu posto com os libertadores do Brasil! Soldado do Brasil! Atenção! Os tiranos querem jogar‑te contra os teus irmãos. Em luta pela liberdade do Brasil! Soldado do Rio Grande do Sul, heroico herdeiro das melhores tradições revolucionárias da terra gaúcha! Prepara‑te! Organiza‑te! Porque só assim poderás voltar contra os tiranos que te oprimem às armas com que eles querem eternizar a vergonha dos dias de hoje! 76 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Democratas honestos de todo o Brasil! Heroico povo de Minas Gerais, terra tradicional das grandes lutas pela democracia! Só com a Aliança Nacional Libertadora poderás continuar as lutas iniciadas pelos seus antepassados! Nortistas e nordestinos! Reserva formidável das grandes energias nacionais! Organiza‑te para a defesa de um Brasil que te pertence! Camponês de todo o Brasil, lutador do sertão do Nordeste! O governo popular revolucionário te garantirá a posse das terras e dos açudes que tomares! Prepara‑te para defendê‑la! Brasileiros! Todos vós que estais unidos pela ideia, pelo sofrimento e pela humilhação de todo Brasil! Organizai o vosso ódio contra os dominadores transformando‑o na força irresistível e invencível da Revolução brasileira! Vós que nada tendes para perder, e a riqueza imensa de todo Brasil a ganhar! Arrancai o Brasil da guerra do imperialismo e dos seus lacaios! Todos à luta para a libertação nacional do Brasil! Abaixo o fascismo! Abaixo o governo odioso de Vargas! Por um governo popular nacional revolucionário. Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora. Luís Carlos Prestes (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 102‑111). Observação É extremamente interessante perceber aqui a apropriação da história que Luís Carlos Prestes faz de si mesmo e do movimento da ANL. Por meio da análise evidente de sua importância para a esquerda e com seu histórico no tenentismo, lança um forte apelo relacionado à Coluna Prestes e à incompletude da Revolução de 1930, que, inclusive, demonstra o seu manifesto de maio, contra o integralismo símbolo da “podridão” e da “decomposição” e relacionado às disputas regionais e ao imperialismo. Nesse mesmo sentido, Prestes tenta conciliar o inconciliável “despedaçando o Brasil, sufocando na miséria o povo”. Por fim, reunindo os regionalismos, em busca da riqueza para os brasileiros, defende o “governo popular nacional revolucionário” e alude diretamente às teses de Abril de Lênin em 1917: “todo o poder à Aliança Nacional Libertadora”. As palavras de Prestes rapidamente chegaram aos ouvidos de Getúlio Vargas – a relação direta com o socialismo soviético ficava evidente nas palavras finais“todo o poder à Aliança Nacional Libertadora”. Miguel Costa, outro importante tenente, critica a ação de Prestes: “Você [...] pouco ou mal informado [...] lançou seu manifesto dando a palavra de 77 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL ordem ‘todo o poder à ANL’”. [...] Tal ordem só deveria ter sido dada quando o governo já se encontrasse na impossibilidade material de reagir (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 370). Na verdade, Prestes estava amparado diretamente pelo movimento de Moscou. Havia chegado ao Brasil na clandestinidade, em 1935, junto com Olga Benário, com quem veio a se casar. Figura 28 – Olga Benário, 1908‑1942 – judia e militante comunista, teve um filho com Luís Carlos Prestes e se tornou símbolo da opressão que Vargas promoveria no Estado Novo No entanto, Vargas já havia sido alertado acerca da presença dos comunistas no país: O embaixador inglês no Brasil, Sir William Seeds, de viagem marcada para o retorno a Londres, foi despedir‑se de Getúlio no Palácio Guanabara e aproveitou para levar informações ultraconfidenciais ao governo. O setor de inteligência do serviço secreto britânico, mais conhecido como Military Intelligence, Section 6 (MI6), possuía indícios seguros de uma conflagração comunista a ponto de arrebentar no Brasil. Um espião do MI6, na verdade um agente duplo cooptado pelo Reino Unido e infiltrado nos quadros do inimigo, dera ciência do plano aos seus superiores, alertando‑os para o estado avançado da operação. Um grupo de terroristas enviados pelo Komintern já se encontrava em território brasileiro, treinando pessoal e articulando o golpe subversivo. Um verdadeiro “comitê russo” estaria agindo no Rio de Janeiro, em estreita articulação com o clandestino Partido Comunista do Brasil (PCB), informou o embaixador a Getúlio (NETO, 2013, p. 226). 78 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II O presidente não perdeu tempo e logo reagiu. Em menos de uma semana após o discurso de Prestes, Getúlio, utilizando a Lei de Segurança Nacional, fechou a ANL por seis meses e iniciou a caçada para a prisão dos líderes. Afinal, agora não restava mais motivos para permitir as práticas da ANL, evidentemente associada ao comunismo, segundo os partidários do governo. Em poucos meses, os comunistas partiram para a tentativa de tomada de poder. O projeto central era promover ações simultâneas no litoral para, progressivamente, dominarem o interior. Surgiu assim, a intentona comunista. O movimento começou no dia 23 de novembro de 1935 quando cerca de 3 mil homens, entre soldados e trabalhadores conseguiram conquistar a cidade de Natal com relativa facilidade. Em seu manifesto diziam: É a vitória do socialismo sobre a decantada Liberal‑Democracia dos políticos profissionais: é a vitória da Aliança Nacional Libertadora; é a vitória de Carlos Prestes; é a vitória do direito do mais fraco, que nunca terá direito! Direito ao que é seu, usurpado pelo mais forte; direito ao Pão com suficiência: direito às Terras; direito à Liberdade. [...] Povo! Conquistastes com sangue um direito: Rio Grande do Norte, sois o marco iniciante, a fé, o orgulho de uma geração redimida (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 112‑113). Conseguiram manter o controle da cidade por quatro dias. Instalava‑se o primeiro governo socialista do hemisfério Sul. Já no dia 24 de novembro, a ofensiva surgiu no Recife. Ali a luta foi contínua. Rapidamente, Vargas respondeu, no dia 25 de novembro, com a implantação de um Estado de Sítio. No dia 27, o movimento rebelde foi vencido no Nordeste, mas, nesse mesmo dia, liderados por Prestes, passaram também a atacar o Rio de Janeiro. Tentavam um ataque rápido que compreendia a tomada de aviões para acelerar a ação e a prisão do presidente. Nada deu certo. Em algumas horas, suas tropas estavam cercadas. O alarde comunista fez com que o presidente obtivesse apoio enorme do Congresso. Em dezembro, foi aprovada a implantação de um estado de guerra, que foi perdurando até a metade de 1937, pois era concedido por 30 dias, e depois foi garantida sua prorrogação por mais 90 dias. A partir daqui, ficava evidente uma verdadeira histeria anticomunismo. Afinal, se estavam prontos para promover ataques, seria possível que outros ainda estivessem em planejamento. O governo chamou o movimento de “intentona comunista” desmerecendo a ação e garantindo que usaria todos os meios necessários para extirpar quaisquer elementos contrários à ordem democrática. Mas nunca perdeu de vista que a ameaça poderia ser utilizada para objetivos maiores. No dia 31 de dezembro de 1935, no seu pronunciamento de ano novo, Vargas disse no rádio: “O comunismo constitui‑se o inimigo mais perigoso da civilização cristã” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 373). 79 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Não demorou muito para que os líderes dos movimentos comunistas fossem presos. Prestes e Olga foram encontrados e levados à prisão em 1936. Para alguns, o país poderia seguir seu curso democrático, mas para Vargas, não. Foi uma época de terror. Seu governo manda prender milhares de pessoas, jornalistas, sindicalistas e professores, como o socialista Rodolfo Coutinho, presidente do Sindicato dos Professores. O jornal The New York Times informa que o regime tem 7 mil presos políticos no país; o L´Humanité fala em 17 mil. Dentre eles, Graciliano Ramos, que começa seu calvário de um presídio a outro, com cabeça raspada e uniforme de prisioneiro. As prisões ficam famosas, como a de Ilha Grande (Rio de Janeiro), a Maria Zélia (São Paulo), e a da ilha de Fernando de Noronha (então Território), além do navio Pedro I (LOPEZ; MOTA, 2015, p. 653). No meio de toda essa efervescência do ano de 1935, em agosto, houve a campanha estudantil pela meia entrada que começou a ganhar força e se espalhar pelo país quando, inesperadamente, os acontecimentos políticos interromperam tudo. De qualquer forma, conseguiram obter certo abatimento em determinados espetáculos, como cinema e teatro, mas seus ideais foram mantidos fortes e acabaram por ser o núcleo da União Nacional dos Estudantes (UNE), que se formaria em 1938. Alguma tentativa de desenvolvimento econômico e social ainda foi vista nos primeiros anos do governo constitucional. Em especial destaque, havia uma força cultural impressionante. De início, podemos dar relevo à criação do dia do professor, em 15 de outubro de 1933. Tudo começou com a Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC‑DF), que escolheu esse dia devido à criação, no Primeiro Reinado, em 1827, das escolas de primeiras letras, e o dia foi ganhando em importância paulatinamente. Nesse período, estabelecem‑se grandes obras historiográficas que, até hoje, balizam grande parte da constituição do modelo de interpretação da História. Como analisam Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota: Os anos 1930 foram marcados por um clima de grande efervescência cultural. Vivia‑se como que um redescobrimento do Brasil, como se constata em (quando menos) duas análises inovadoras que surgem nesse momento, com os livros‑fundadores Casa‑grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Jr. Essas obras inauguram as duas principais matrizes do pensamento brasileiro contemporâneo: a culturalista liberal moderna e a marxista não dogmática (LOPEZ; MOTA, 2015, p. 645). Em 1936, surgiram os trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, de Gilberto Freyre, Sobrados & Mocambos, e de Monteiro Lobato, O Escândalo do Petróleo, na defesa da exploração dos recursos naturais do país. 80 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Observação Para se compreender a obra de um historiador e, sobretudo, suas interpretações,é interessante analisar também seu contexto de produção, ou seja, quais perguntas estavam sendo feitas para o passado ou, se assim for preferível, quais hipóteses e problemas eram os mais fortes a serem descortinados. A história, como ciência humana, dialoga diretamente com o passado e o seu presente de produção. Afinal, ninguém que a produza está imune às demandas de sua época. Acreditar em uma pretensa neutralidade de produção não passa de uma doença infantil na historiografia, já bastante superada. Podemos citar também as obras de Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade ou mesmo de Villa‑Lobos. Outro destaque ainda foi a criação, em 5 de janeiro de 1934, da Universidade de São Paulo. Esse foi o projeto central do interventor Paulo de Salles Oliveira, apoiado pelo jornalista Júlio de Mesquita Filho e contando com o apoio do empresariado – o marco inicial foi a união da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) com a Escola Politécnica, a Escola Superior de Agricultura, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Direito, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, a Escola de Medicina Veterinária, a Escola de Belas Artes, o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais e o Instituto de Educação. Somava‑se ainda uma série de centros de pesquisa como o Instituto Butantã e o Instituto Astronômico e Geográfico. Para fortalecer a Universidade, uma série de professores estrangeiros vieram trabalhar por aqui. Em especial, deve‑se destacar Claude Lévi‑Strauss, Roger Bastide e Fernand Braudel – esse último, de importantíssima obra para o desenvolvimento da historiografia com a Escola dos Annales. Apesar do grande avanço cultural, a política continuou extremamente forte nos anos derradeiros da democracia proposta por 1934. As eleições de 3 de janeiro de 1938 aproximavam‑se e os candidatos à presidência estavam definidos. Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, era o candidato da ala do constitucionalismo liberal. José Américo de Almeida, antigo tenente, era considerado o candidato do governo, apesar de Getúlio jamais ter declarado efetivamente apoio. Plínio Salgado apresentou‑se como candidato da AIB e utilizava a propaganda eleitoral para enaltecer seus valores patrióticos e cristãos. Em 30 de setembro de 1937, a histeria anticomunista voltou a ganhar contornos bastante fortes. Surgia nos jornais um Plano Cohen: O movimento revolucionário, em hipótese alguma, poderá repetir os erros de 1935, no sentido de que, o mesmo, em lugar de ser começado ou tentado com a quartelada, tendo em vista arrastar as massas para as ruas em atitude de adesão, pelo contrário, o movimento de quartéis e tropas será o coroamento dos movimentos das massas. 81 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Estas, agitadas tecnicamente por vários modos estudados abundantemente do capítulo anterior, e que resumiremos adiante, criarão o clima político necessário e suficiente para o pronunciamento militar, levando o ambiente político a um ponto de fusão tal que determine influências revolucionárias de tamanha amplitude no âmbito social, que, não se torne possível ser solucionado sem o apelo às armas, visto como será impossível às Forças Armadas permanecerem estanques e fechadas em si mesmas. Além disso, é necessário criar nos meios revolucionários os reflexos necessários para a violência útil e completa, em oposição à violência inútil e insuficiente. Em princípio é preciso muito cuidado para se estudar o que seja uma violência inútil, pelo fato de que muitas vezes as violências inúteis da primeira hora criam o tônus psíquico necessário para executar as grandes violência inúteis, sofrendo solução de continuidade, em lugar de excitar as massas, a fatiguem, quebrando‑lhes as resistências e fazendo‑as cair em si. Nesse caso, as violências inúteis a serem praticadas por indivíduos e não por massas criam graves inconvenientes de fatalmente fazê‑los cair em si antes do tempo. Entretanto, é necessário considerar ainda que certos atos praticados por determinados indivíduos os agrilhoam à revolução pela necessidade que ele terá da vitória da mesma, a fim de escapar incólume. Se, na Revolução de 1935, nossos camaradas não cometeram o erro das violências inúteis, cometeram o erro das violências inúteis, cometeram, e em grande escala, o das violências insuficientes. A violência deve ser planificada, deixando de lado qualquer sentimentalismo não só favorável, aparentemente, ao ideal revolucionário, como também à piedade comum; isso significa que certos indivíduos, por exemplo, devem ser eliminados só pelo fato de serem contrários à nossa revolução. [...] Nessas condições, o que é necessário, ao fim de evitar as violências inúteis, incompletas e insuficientes, é um estudo meticuloso de todas as que devem ser realizadas, sua planificação no tempo e no espaço, com os mínimos detalhes, a fim de afastar ao máximo as possibilidades de fracasso, e o seu cumprimento estreito e exato por parte dos órgãos executores, os quais, por um princípio de economia de forças, ficam proibidos de executar as não planificadas, salvo os casos imprevistos que as coloquem na posição de objetivos intermediários. [...] Especialmente no que se refere às Forças Armadas (quartéis ou navios), é necessário, no plano de ação, descer ao detalhe mínimo; cada oficial suspeito à revolução deverá ter um homem encarregado de sua eliminação, 82 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II eliminação essa que será feita sob pena de morte do encarregado, na hora aprazada (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 199‑213). Depois desse início, demonstrando um grande cuidado na elaboração, nos mínimos detalhes do plano e, inclusive, remetendo às ações que faltaram para a Intentona de 1935, com especial cuidado com os militares, já que são eles que detêm o monopólio do uso da força no país, o texto prossegue analisando as ações contra os integralistas: O trabalho contra o integralismo nas classes militares deve ser feito nos dois sentidos hierárquicos: de cima para baixo – procurando convencer os chefes do Exército do perigo imenso que será para o Brasil em geral, e especialmente para as classes armadas, o triunfo do integralismo, visto como, naturalmente, por uma necessidade de segurança política, o integralismo terá de modificar profundamente os quadros do Exército e da Marinha, afastando deles os honrados militares que não comungavam com suas ideias e substituindo‑os pelos oficiais que eles estão formando nas suas fileiras, da milícia integralista, trazendo assim o desprestígio do Exército e a confusão no seio das classes armadas. [...] De baixo para cima – por todos os meios possíveis de doutrinação e propaganda em prol da democracia. Quanto ao clero, meio onde o integralismo vem fazendo um progresso formidável, é absolutamente necessário, no atual momento político, de plena campanha eleitoral, canalizar a sua parte ainda não contaminada com o referido movimento. A técnica a ser utilizada repousa sobre as seguintes bases essenciais e que necessitam ser observadas com o máximo cuidado, sob pena de só produzir maus resultados: a) Procurar identificar o mais possível o movimento integralista com o nazismo – atualmente o maior perseguidor da Igreja Católica, propugnado por um fatalmente futuro inimigo desta igreja. Chamar a atenção do clero e dos católicos para o fato específico de que Plínio Salgado, que não é católico, mas fala em cristianismo com muita insistência, é que não pode tolerar a Igreja Católica devido a seu caráter internacionalista, e que necessita de uma religião para poder explorar a boa‑fé do povo, fatalmente, seguirá as pegadas de Hitler. b) Interessar as forças maçônicas na mesma campanha (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 199‑213). É muito interessante perceber que o plano envolveria conduzir as Forças Armadas e a Igreja contrao Integralismo. No primeiro caso, em defesa da segurança nacional e da democracia. Já no segundo grupo, pela associação com a perseguição promovida pelos nazistas e pelo uso da maçonaria. Assim, meticulosamente, o plano estava elaborado para ações bastante plausíveis e bem perceptíveis do mundo da década de 1930 e suas raízes históricas de conflitos. 83 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL A seguir, detalha ainda como conduzir as manifestações da massa e como promover um amplo processo de greve com viés político, até classificar as forças armadas e terminar com a garantia de reféns para o sucesso do plano: No plano de violências, deverão figurar, como já foi dito atrás, os homens a serem eliminados e o pessoal encarregado dessa missão. Todavia, tão importantes quanto esses serão os reféns, que, em caso de fracasso parcial, servirão para colocar em xeque as autoridades. Serão reféns: os ministros de Estado, o residente do Supremo Tribunal, e os presidentes da Câmara e Senado, bem como, nas demais cidades, duas ou três autoridades ou pessoas gradas. [...] Os comitês centrais farão seus planos detalhados de ação divididos em muitos documentos, com todos os nomes de pessoas convencionadas a fim de evitar a ação da polícia caso a mesma venha a se apoderar dos documentos. Os planos deverão ser submetidos ao schert até o dia 28 de outubro de 1937. Os planos provindos dos Estados deverão ser entregues pessoalmente a Bangu e Barreto (BONAVIDES;. AMARAL, 2002b, p. 199‑213). Como se percebe, a ação afetaria diretamente os poderes Legislativo e Judiciário. E estava prestes a ocorrer – faltaria um mês para o final de sua elaboração por estes “comitês” para, a seguir, em bem pouco tempo, ser executado. Portanto, o temor foi imediato e se espalhou com velocidade incrível. A rememoração de 1935 foi rápida e produziu o efeito desejado. Atualmente, sabe‑se que o plano Cohen (típico sobrenome judeu do período) foi completamente forjado. Foi produzido pelo capitão Olympio Mourão Filho (o mesmo que conduziu o golpe militar de 31 de março de 1964), que era, na época, chefe do serviço secreto da AIB, sob os auspícios diretos das mais altas patentes do exército no país Vargas desejava impedir as eleições de 1938 e se garantir no poder. Tinha apoio dos generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, pois o corpo militar estava temeroso de que o governo constitucional fosse incapaz de impedir a real ameaça comunista. Esse apoio ficou evidente na solicitação ao presidente da decretação de uma “comoção intestina grave” pelos ministros militares, ainda no dia 29 de setembro de 1937: “O comunismo está condenado a manter‑se em atitude de permanente violência”, afirmou Vossa Excelência nos primeiros minutos de 1936. Sangravam ainda, como continuam sangrando, as feridas abertas pelo rude golpe que feriu a nação em novembro de 1935. Displicência ou desleixo, ignorância ou incredulidade, o comunismo medrou nas diversas camadas da sociedade brasileira, para explodir violentamente, 84 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II apanhando de surpresa exatamente aqueles que mais precavidos se deveriam manter. [...] Impõe‑se, contra a ação nefasta eminente, a ação honesta e salvadora das instituições nacionais. [...] Assim, é preciso agir, e agir imediatamente, sem parar ante as mais respeitáveis considerações. Acima de tudo está a salvação da Pátria. [...] Excelentíssimo senhor presidente da República, a confiança com que vossa excelência nos honra, o orgulho que temos de dirigir as tropas que são a garantia da autoridade do chefe da nação brasileira, tropas que obedecem ao superior comando de vossa excelência, e obrigam‑nos, escudada na força das razões expendidas, a volta imediata ao estado de guerra, o estado de guerra que em mão de vossa excelência e sob a guarda de seus fiéis colaboradores foi tão benigno como o mais edificante estado de paz de que tem gozado o Brasil. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1937 (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 215‑220). O documento revela que todas as condições necessárias estavam nas mãos de Getúlio Vargas. A democracia estava longe de ser vista. O presidente precisava apenas executar o sistema constitucional da Lei de Segurança Nacional, afinal, a polarização ideológica do mundo refletia em boas condições para a perpetuação do líder populista no país. E foi isso que ocorreu. No dia 10 de novembro de 1937, Vargas publicou uma nova constituição e fechou o Senado e a Câmara dos Deputados. Era o Estado Novo que surgia. 4 A ESTRUTURAÇÃO DO ESTADO NOVO Quando Vargas decidiu manter o poder em suas mãos aproveitando‑se da histeria anticomunismo, habilmente, estruturou sua ação. Garantiu o total apoio do Exército, a partir dos grandes generais de então, além de promover o continuísmo dos ideais que ainda falavam da Revolução de 1930 – mesmo que agora a democracia não pudesse mais continuar frente à ameaça interna tão grave. Vargas justificava: 85 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL A contingência de tal ordem chegamos, infelizmente, como resultante de acontecimentos conhecidos, estranhos à ação governamental, que não os provocou nem dispunha de meios adequados para evitá‑los ou remover‑lhes as funestas consequências. Oriundo de um movimento revolucionário de amplitude nacional e mantido pelo poder constituinte da nação, o governo continuou, no período legal, a tarefa encetada de restauração econômica e financeira e, fiel às convenções do regime, procurou criar, pelo alheamento às competições partidárias, uma atmosfera de serenidade e confiança, propícia ao desenvolvimento das instituições democráticas. [...] Os preparativos eleitorais foram substituídos, em alguns estados, pelos preparativos militares, agravando os prejuízos que já vinha sofrendo a nação, em consequência da incerteza e instabilidade criadas pela agitação facciosa. O caudilhismo regional, dissimulado sob aparência de organização partidária, armava‑se para impor à nação as suas decisões, constituindo‑se, assim, em ameaça ostensiva à unidade nacional. [...] Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração. A tanto havia chegado o país. A complicada máquina de que dispunha para governar‑se não funcionava. Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade. Restauremos a nação na sua autoridade e liberdade de ação: na sua autoridade, dando‑lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobrepor‑se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do governo e deixando‑a construir livremente a sua história e o seu destino (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 264‑272). 86 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Figura 29 – O cartaz estampa a criação do Estado Novo. Fica evidente a relação direta do poder de Vargas, mas ainda com uma ideia democrática, já que Vargas segura a nova Constituição. No entanto, a Carta Magna de 1937 era extremamente autoritária e concentrava o poder completamente na figura do presidente Praticamente não ocorreu qualquer protesto. Muitos congressistas enviaram mensagens de agradecimento ao presidente por não eximir‑se de sua responsabilidade nesse momento sombrio e temeroso do país. O coronel Eduardo Gomes foi o militar de destaque em oposição. Dos civis, os paulistas Júlio de Mesquita Neto e o governador Armando de Sales Oliveira também foram contrários à ação de 10 de novembro. O sucesso do golpe estava diretamenteassociado às variações políticas expressas ao longo do tumultuado (e curto) período democrático da década de 1930 no Brasil. No fim das contas, o golpe de 1937 foi possível porque a classe média, esse pequeno, mas importante grupo social, capaz de assegurar o equilíbrio de qualquer sistema de eleições livres restrito a eleitores alfabetizados, estava confusa e dividida. Alguns eleitores de classe média continuavam leais a seu tradicional constitucionalismo liberal, e depositaram suas esperanças em Armando de Salles Oliveira na campanha de 1937. Outros, perdida a confiança em seu liberalismo original, voltaram‑se para o radicalismo de esquerda ou de direita. Ao fazer isso, admitiram na prática que a fórmula liberal já não se aplicava ao Brasil e que estavam, portanto, preparados, ainda que inconscientemente, a aceitar, quase sem protesto, o tipo especial de autoritarismo que Vargas impôs, de súbito, em novembro de 1937. O golpe de novembro de 1937 fechou o sistema político. E todas as questões de força eleitoral nas eleições marcadas para janeiro de 1938 se tornaram acadêmicas (SKIDMORE, 2010, p. 62). A Constituição de 1937 recebeu o apelido de “A Polaca”. Era inspirada no autoritarismo da Carta Magna da Polônia. No entanto, o nome foi dado pela oposição também porque “era então um termo depreciativo aplicado às prostitutas provenientes da Europa do leste” (FAUSTO, 2013, p. 101). 87 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Seu preâmbulo justifica a mudança rápida da formação política do país: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver‑se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem‑estar do povo; Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem‑estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País (BRASIL, 1937). A seguir garantia‑se, sobretudo, o poder completamente voltado à Presidência da República: Art. 73. o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do País. Art. 74. Compete privativamente ao Presidente da República: a) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua execução; b) expedir decretos‑leis, nos termos dos arts. 12 e 13; 88 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II c) manter relações com os Estados estrangeiros; d) celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder Legislativo; e) exercer a chefia suprema das forças armadas da União, administradas por intermédio dos órgãos do alto comando; f) decretar a mobilização das forças armadas; g) declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira; h) fazer a paz ad referendum do Poder Legislativo; i) permitir, após autorização do Poder Legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo território nacional; j) intervir nos Estados e neles executar a intervenção, nos termos constitucionais; k) decretar o estado de emergência e o estado de guerra nos termos do art. 166; l) prover os cargos federais, salvo as exceções previstas na Constituição e nas leis; m) autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; n) determinar que entrem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isto o aconselharem os interesses do País. [...] Art. 75. São prerrogativas do Presidente da República: a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados no caso do parágrafo único cio art. 167; c) nomear os Ministros de Estado; 89 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL d) designar os membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; e) adiar, prorrogar e convocar o Parlamento; f) exercer o direito de graça (BRASIL, 1937). Ficava evidente a força do poder do Executivo – o presidente poderia, e assim o fez, governar o país em estado de emergência (o que já foi declarado na própria Constituição, no artigo 186) e sem a formação do Poder Legislativo. Seus decretos‑lei perpetuavam sua autoridade, inclusive tendo poder para aposentar funcionários civis ou militares. Outro ponto importante foi o direito de instituir os interventores federais nos estados. Assim, além da autoridade federal, Vargas poderia garantir suas decisões em cada um dos estados do país. A Constituição de 1937 ainda mantinha, dentro das linhas gerais do populismo de Vargas, as leis trabalhistas e a nacionalização dos recursos. No entanto, ficavam proibidas as greves e era instituída a pena de morte para aqueles que viessem a tentar subverter a ordem. A ideologia da nova Carta Magna foi formulada por Francisco de Campos e misturava o tradicional centralismo de Vargas com o fascismo e o nacionalismo. Claro que, ao mesmo tempo, havia algumas interseções liberais, para manter certa valorização dos ideais democráticos. Figura 30 – A charge faz uma crítica aos interesses das elites relacionados ao apoio ao fascismo, como modelo a ser implantado no país em virtude da sua forte aceitação na Europa pós‑Primeira Guerra 90 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Diferente de 1930, Vargas procurou garantir interventores que comtemplassem valores regionais e não abrissem espaço para disputas. Assim: A escolha dos interventores obedeceu a diferentes critérios. Parentes de Getúlio (seu genro Amaral Peixoto, no Estado do Rio), militares (o antigo tenente Cordeiro de Farias, no Rio Grande do Sul) receberam a designação. De um modo geral, porém, nos maiores estados algum setor da oligarquia regional foi contemplado. Em Minas Gerais, Benedito Valadares permaneceu no poder; Agamenon Magalhães foi durante certo tempo interventor em seu estado (Pernambuco) e, em São Paulo, o estilo surpreendente dos primeiros anos da década de 1930 também não se repetiu. Os três interventores entre 1937 e 1945 provieram da elite regional, e dois deles tinham sido membros do PRP (FAUSTO, 2004, p. 366). Uma das grandes preocupações do governo foi, justamente, de levar a cabo a força da união nacional contra qualquer tipo de dissidência regional. Emblemática, nesse sentido, foi a cerimônia de queima de bandeiras promovida ainda em novembro de 1937. Prevista para ocorrer no dia 19, ficou para o dia 27 em virtude das fortes chuvassobre o Rio de Janeiro. Vinte e duas jovens levaram as bandeiras regionais para a chama e, em um forte discurso de defesa nacional, unitarista, o ministro da Justiça, Francisco Campos, se levantou: Não há lugar para outro pensamento no Brasil, nem espaço para outra bandeira que não seja esta hasteada hoje por entre as bênçãos da Igreja e a continência das espadas, a veneração do povo e os cânticos da juventude. [...] Honrai a vossa bandeira, juventude do Brasil. A vocação da juventude deve ser a vocação do soldado. Que cada um, na sua escola, seja um soldado possuído do seu dever, obediente à disciplina, sóbrio e vigilante, duro para consigo mesmo. Isto é o que o Brasil pedia – e é isto o que o Brasil conquistou (LIRA NETO, 2013, p. 314). Lembrete Há de se destacar que a concepção de Vargas, ao chegar ao poder, mudou muito. É bastante provável que ele foi arquitetando suas ações ao longo do tempo. Em 1930, quando chegou ao Rio de Janeiro, fez questão de demonstrar, com seu traje e cavalo, a força do Rio Grande do Sul e o desejo de que o poder federal contemplasse os valores federalistas em busca de interesses plurais aos da elite cafeicultora. Com o passar do tempo, no entanto, passou a desejar muito mais a unidade nacional, contra qualquer regionalismo, que, inclusive, foi o símbolo da oposição paulista pelo país. 91 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL Assim, a cerimônia da queima de bandeiras foi o marco extremamente preciso dessa nova visão de Getúlio em torno de seu poder e força na ditadura do Estado Novo. Estruturando, no plano ideológico, a força unitária da Nação, restava ainda angariar meios para que a população fizesse parte desse sistema – o alvo maior dessa participação seria um plebiscito para garantir a aceitação da Constituição, mas nunca foi posto em prática e nem sequer comentado. A roupagem da nova Carta Magna até vestia valores democráticos, porém foram ficando distantes com o passar do tempo. No nível político mais elevado, Vargas contou com os membros mais próximos dele para compor seus ministérios. Assim, o apoio de Dutra ao golpe de 1937 o manteve como ministro da Guerra até o fim do Estado Novo. Francisco Campos, o ideólogo do Regime, era o ministro da Justiça. Oswaldo Aranha, bastante ligado aos EUA, foi mantido no cardo de ministro das Relações Exteriores. No Ministério da Educação e Saúde, Gustavo Capanema continuou no cargo e promoveu uma série de ações culturais e nacionalistas. E o caso mais interessante ficou por conta do Ministério da Fazenda, nas mãos de Arthur de Sousa Costa, desde 1934. [...] de origem humildade, sem formação universitária, Sousa Costa chegou ao ministério passando pelo Banco do Brasil. Visou sempre o equilíbrio das contas públicas, fato que não o impediu de conceder generosos créditos aos industriais. Ao mesmo tempo, vários órgãos técnicos foram criados como canal de aproximação entre o governo e os interesses privados (FAUSTO, 2013, p. 101). Quem acreditava que teria participação no novo governo de Vargas eram os integralistas, inclusive, pelo apoio de Plínio Salgado a Vargas e à força de um Estado ditatorial. No entanto, Getúlio não estava interessado em dividir seu poder com ninguém. E, com isso, em 2 de dezembro de 1937, pelo Decreto‑lei nº 37, foram suprimidos todos os partidos políticos, inclusive, qualquer tipo de “milícia cívica” para garantir a “paz social”, pois “os partidos até então existentes não possuíam conteúdo programático nacional ou esposavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime” e ainda era “vedado o uso de uniformes, estandartes, distintivos e outros símbolos dos partidos políticos e organizações auxiliares”. Boa parte dos integralistas viu nessa decisão um ataque direto ao seu grupo. Os integralistas planejaram, a partir daí, um ataque a Vargas. A tomada de poder à força era a única alternativa depois da truculência das leis atingi‑los. A elaboração contou com a participação de militares descontentes e também de liberais opositores, como Euclides Figueiredo, Aureliano Leite, Castro Júnior ou ainda Otávio Mangabeira e Júlio de Mesquita Filho, todos sob a liderança do tenente Severo Fournier. Ajudados pelos militares opositores de Vargas, e até por alguns membros da guarda do palácio, cerca de 30 homens atacaram, à noite, o Palácio do Catete, no dia 10 de maio de 1938. Era o Putsch Integralista. As Forças Armadas demoraram a ir ajudar o presidente. O ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, foi o único comandante militar a ir ao local e se deparou com a força de metralhadoras contra a residência da Presidência da República. Vargas, por sua vez, com a arma em punho, protegia sua filha Alzira e seu 92 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II filho Maneco e assim ficaram por mais de três horas. Por fim, os rebeldes iam sendo dominados e, muito provavelmente, os que não conseguiram fugir foram fuzilados no dia seguinte nos fundos do jardim do palácio. Severo Fournier foi preso o condenado a 10 anos de prisão (e lá morreu de tuberculose). Plínio Salgado se refugiou em São Paulo, mas, em 1939, foi convidado a se autoexilar. Foi para Portugal. A partir daqui fica evidente que o Estado Novo, apesar de sua forte influência, não era fascista, como os de modelo europeu. Vargas não se apoiava em nenhum grupo político, não tinha um partido de apoio, mas estruturava em torno dele toda a sua força. Na prática: [...] todo grupo político significativo tinha sido enganado e suprimido. Os comunistas e esquerdistas radicais sofreram a mais brutal repressão. Os integralistas desapareceram, em parte por causa da repressão, em parte porque a lógica de seu autoritarismo foi enfraquecida pela forma mais brasileira da ditadura de Vargas. Os constitucionalistas liberais foram os que mais perderam. Enquanto os comunistas podiam alegar que seu sofrimento demonstrava a dialética da história, e esperar que a ditadura de Vargas ajudasse a preparar as massas para a revolução, os liberais viram seus ideais de eleições livres, liberdades civis e justiça imparcial serem repudiados sem que houvesse protestos significativos (SKIDMORE, 2010, p. 64). Para garantir suas determinações e acompanhar de perto as atuações estaduais, Vargas criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), em 30 de julho de 1938. Assim, organizava‑se o serviço público, a burocracia estatal, em busca de sua racionalização e controle – um dos seus importantes instrumentos foi o uso de concursos para, através do mérito, selecionar os melhores ao serviço do país. Além disso, elaborava as planilhas orçamentárias e fiscalizava seus gastos, ainda que, de início, o Dasp estivesse bastante atrelado ao Ministério da Fazenda. Seu presidente foi Luís Simões Lopes. Estabeleciam‑se as bases da tecnocracia estatal. Apesar de todos os esforços, nada era mais significativo do que trazer o povo para a aceitação e perpetuação do regime. O populismo, faceta central da Era Vargas, precisava demonstrar todos os seus aspectos. Assim, foi criado em dezembro de 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ligado diretamente ao presidente, sob a liderança do jornalista Lourival Fontes, funcionava para garantir apoio irrestrito ao Estado Novo através de duas áreas centrais: censura e propaganda oficial. Os seus espaços envolviam todos os aspectos culturais do país (rádio, cinema, teatro e imprensa). Procurou explorar, ao máximo, todos os valores possíveis para garantir a força do regime. Ou seja, na prática, patrocinava obras voltadas à exaltação do Brasil e de suas grandes qualidades. De qualquer forma, não há como negar que os novos meios de comunicação acabaram sendo os mais importantes do novo departamento: Os funcionários do DIP foram especialmente hábeis em aproveitar o impacto tecnológico operado pelos novosveículos de comunicação – rádio e cinema – e propagandear as ações e iniciativas do governo. O rádio já era, na época, um fenômeno de massa: atendia à demanda de entretenimento 93 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL de uma audiência crescente, estava consolidado como veículo publicitário e conseguia fazer brotar o sucesso (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 377). E foi assim que o programa diário A Hora do Brasil passou a fazer parte da vida dos cidadãos. Às 19 horas, o presidente Vargas falava diretamente, sem a necessidade de jornalistas. E depois o sistema foi ampliando suas funções: Em 1942, a agência ampliou o foco, e tratou de associar a mensagem do governo a uma programação humorística e de musicais. Eficiente, ela investiu no formidável sucesso dos “programas de auditório”, idealizados para tornar a Rádio Nacional uma espécie de casa de teatro acessível à população pobre, e onde torcidas – os fã‑clubes – assistiam aos cantores de sucesso (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 377). Figura 31 – A Era do Rádio no Brasil foi habilmente utilizada pelo DIP para garantir a propaganda do governo e, aos poucos, trazer programas de entretenimento para boa parte da população Outra área cultural importante, apropriada pelo regime, foi a música popular e o próprio carnaval. Durante o Estado Novo, o samba – embora causasse algumas inquietações ao regime devido à sua irreverência, origem boêmia e ao elogio que fazia à malandragem com sua suposta vocação para a indisciplina e insubmissão – acabou sendo eleito o gênero musical brasileiro por excelência. Mesmo assim, se viu às voltas com a censura e o padrão ético buscado pelo regime para formar o cidadão trabalhador. Seus compositores tiveram que se submeter e fazer adaptações nas letras de suas composições para que ficassem conforme as exigências do DIP. [...] As palavras de ordem no samba deveriam ser as de moral, trabalho e exaltação da natureza e das tradições 94 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II cívico‑patrióticas brasileiras. O mesmo se passou com as marchinhas e músicas de Carnaval, compostas para aquela que se tornaria a festa mais popular do país, oficializada e regulada pelo DIP, através do serviço de turismo (DUTRA, 2013, p. 263‑264). Um dos exemplos mais significativos da ação do DIP em torno da doutrinação do país, afetando diretamente a produção cultural, foi a canção “O bonde de São Januário” de Wilson Batista. A letra original e a nova versão são muito diferentes, pois o DIP determinou que a letra fosse reescrita, já que fazia uma associação negativa à imagem do trabalhador: O Bonde de São Januário O bonde de São Januário Leva mais um sócio otário Só eu não vou trabalhar O Bonde de São Januário Quem trabalha É quem tem razão Eu digo E não tenho medo De errar Quem trabalha... O Bonde de São Januário Leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar O Bonde de São Januário... Antigamente eu não tinha juízo Mas hoje eu penso melhor no futuro Graças a Deus Sou feliz, vivo muito bem A boemia não dá camisa a ninguém Passe bem! Fonte: Batista (1940). O serviço ideológico do DIP cumpria, desse modo, enormes funções caracterizadas pela doutrinação em várias áreas culturais, mas também havia uma enorme formação doutrinária para outras áreas, como as esportivas. Em torno de um amplo arcabouço de preconceito, o futebol era visto como um espaço de dedicação para o homem e como algo longe das “funções naturais” para as mulheres. Como analisa: À mulher caberia, entre outras obrigações, contribuir de forma decisiva com o fortalecimento da nação e o depuramento da raça gerando filhos saudáveis, algo que, pensava‑se, só seria alcançado se a mulher preservasse sua própria saúde. Se esta condição não excluía a prática de esporte, é certo que nem todo esporte a ela se adequava. O futebol feminino, portanto, só poderia mesmo representar um “desvio de conduta” inadmissível aos olhos do Estado Novo e da sociedade brasileira do período, pois abria possibilidades outras além daquelas consagradas 95 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL pelo estereótipo da “rainha do lar”, que incensava a “boa mãe” e a “boa esposa” (de preferência seguindo os padrões hollywoodianos de beleza), principalmente, restrita ao espaço doméstico. Desvio tão inadmissível que a Subdivisão de Medicina Especializada recomendava que se fizesse uma “campanha de propaganda mostrando os malefícios causados pelo futebol praticado pelas mulheres, a fim de evitar lamentáveis consequências enquanto se aguarde medidas tendentes a permitir a interferência dos Poderes Públicos em tais questões, medidas estas que muito bem poderiam constar na Regulamentação dos Desportos, presentemente em estudos (FRANZINI, 2005, p. 321‑322). E assim, foi criado o Conselho Nacional de Desportos (CND), em abril de 1941, que garantia que [...] às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país (FRANZINI, 2005, p. 322). Evidencia‑se, portanto, que o arcabouço ideológico do Estado Novo permeava a sociedade na mais variada gama de valores imprimindo preconceitos que, muitas vezes, se perpetuaram no país. Mais do que isso, cristalizou valores considerados até hoje, para boa parcela tradicional da população, “naturais” e longe de uma mudança de paradigma. Observação A História é uma fantástica disciplina para demonstrar que existem formulações que se perpetuam na sociedade que são pura construção ideológica. O futebol ser coisa “para homem” como muitos ainda entendem no país, precisa ser colocado sob uma perspectiva histórica produzida a partir do Estado Novo. Até hoje o futebol feminino é incomparavelmente pouco valorizado no chamado “país do futebol”. A liga não consegue patrocínios eficientes e os resultados obtidos pelas jogadoras são, muito mais, frutos da habilidade excepcional de algumas atletas brasileiras, do que da capacidade desenvolvida nos treinos etc. Assim, o professor de História adquire uma função extremamente importante: de mostrar os processos históricos que se formam e se perpetuam com enorme facilidade, em alguns casos. E, com isso, é capaz de problematizar o aluno para o respeito e tolerância nos mais variados aspectos. 96 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Um último exemplo de ação, ainda no campo cultural, foi o continuísmo da política reformista da educação, iniciada com Francisco Campos e que, no Estado Novo, se manteve com Gustavo Capanema. Em 9 de abril de 1942, foi criada a Lei Orgânica do Ensino Secundário, também conhecida como “Reforma Capanema”. Estabelecia‑se o ensino secundário com quatro anos de duração, o famoso “ginásio”, e depois um ciclo de três anos com opção de escolha entre o clássico e o científico, o também famoso “colegial”. O caráter elitista do ensino secundário de formação geral foi escancaradamente explicitado na lei. Haveria uma adolescência (diga‑se da classe burguesa) predestinada à condução da sociedade e que teria acesso a um ensino específico, que não se limitasse ao simples desenvolvimento dos atributos naturais do ser humano, mas que tivesse a força de ir além dos estudos de mera informação literária, científica ou filosófica, que fosse capaz de dar aos adolescentes uma concepção de homem e do ideal de vida humana, formando assim as individualidades dirigentes, esclarecidas de sua missão social e patriótica, sendo eles os responsáveis pela divulgação ideológica desses princípios ao povo. Dessa forma, a estrutura da sociedade capitalista que se consolidava, sob o comandoda ditadura do Estado Novo, reproduzia a dicotomia da estrutura de classes também na educação. Permitia, em contrapartida, a “ascensão dos menos favorecidos através do ensino profissionalizante” (ZOTTI, 2004, p. 108). Do Manifesto dos Pioneiros, a Reforma trazia o ideal de valorização da ciência. Ao mesmo tempo, trazia a obrigatoriedade da educação militar aos homens, a continuidade do ensino religioso como facultativo e a obrigatoriedade da educação moral e cívica. Nesse último aspecto, vale destacar o quanto o ensino profissional estava relacionado aos valores da pátria e do desenvolvimento propiciado por Getúlio Vargas. Não é à toa, portanto, que Vargas não perdeu de vista sua política trabalhista: “[...] a partir de 1937, ganharam maiores proporções as iniciativas materiais do governo em favor das massas, seguidas da construção da figura de Vargas como grande protetor dos trabalhadores” (FAUSTO, 2013, p. 102). A relação do regime do Estado Novo com o fascismo ficou evidente com o retorno da unicidade sindical e com a proibição de greves, pois tudo girava em torno da subordinação direta ao Estado. O imposto sindical foi estabelecido em 1940. Daí surgiu o famoso peleguismo na política sindical: A expressão deriva de um de seus significados. “Pelego” é uma cobertura de pano ou couro colocada sob a sela de um animal de montaria para amortecer o choque produzido pelo movimento do animal no corpo do cavaleiro. A ideia de amortecedor se mostrou bastante adequada. “Pelego” passou a ser o dirigente sindical que na direção do sindicato atua mais no interesse próprio e do Estado do que no interesse dos trabalhadores, agindo como amortecedor de atritos. Sua existência foi facilitada na medida em 97 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL que não precisava atrair ao sindicato uma grande massa de trabalhadores. O imposto garantia a sobrevivência da organização, sendo o número de sindicalizados, sob esse aspecto, um fator de grande importância secundária (FAUSTO, 2004, p. 374). Foi também assim que Vargas garantiu a formação de um salário mínimo: O Presidente da República, considerando o que expõe o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio em cumprimento ao art. 12 da Lei n° 185, de 14 de Janeiro de 1946 e 45 do Decreto‑lei n° 399, de 30 de abril de 1938, e usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, resolve: Art. 1° Fica instituído em todo país, o salário mínimo a que tem direito, pelo serviço prestado, todo trabalhador sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, como capaz de satisfazer, na época atual e nos pontos do país determinado na tabela anexa, às suas necessidades normais de alimentação, habilitação, vestuário, higiene, e transporte. O salário mínimo será pago na conformidade da tabela a que se refere o artigo anterior e que vigorará pelo os três anos, podendo ser modificado ou confirmado por novo triênio e assim, seguidamente, salva a hipótese do artigo (BRASIL, 1940). Há de se destacar que a ideia de um “salário mínimo” não significa, como alguns patrões passaram a promover, que aquele deve ser o valor adotado de salário. Na verdade, a ideia seria do mínimo necessário para a vida não impedindo a atribuição de salários maiores e, ao mesmo tempo, garantindo as necessidades básicas de “alimentação, habilitação, vestuário, higiene e transporte”. No entanto, na lógica burguesa, para que oferecer um salário maior se o trabalhador consegue viver com aquele? E não é à toa que o valor do salário mínimo foi se perdendo ao longo de nossa história. Para garantir a força do “pai dos trabalhadores do Brasil”, Vargas, ano a ano, passou a fazer célebres discursos na comemoração do dia 1º de maio, no estádio de São Januário – o maior estádio do Rio de Janeiro até então, a partir de 1939. No entanto, antes desse ano já realizava inflamados discursos, como em 1938: Operários do Brasil: No momento em que festeja o “Dia do Trabalho”, não desejei que esta comemoração se limitasse a palavras, mas que fosse traduzida em fatos e atos que constituíssem marcos imperecíveis, assinalando pontos luminosos na marcha e na evolução das leis sociais do Brasil. Nenhum governo, nos dias presentes, pode desempenhar a sua função sem satisfazer as justas aspirações das massas trabalhadoras (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 350). 98 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 Unidade II Em 1939, já elaborou o seu famoso início: Trabalhadores do Brasil: ouvi com particular agrado a eloquência e expressiva saudação que o ministro do Trabalho, em vosso nome e a vosso pedido, acaba de me dirigir. Melhor do que em palavras de agradecimento, testemunho‑vos o meu apreço, compartilhando das vossas comemorações do “Dia do Trabalho”, assim reafirmando o sentido de cooperação e confiança mútua que temos mantido, inalteravelmente, na solução dos problemas sociais. Desde 1930, conservamos a mesma linha de ação, e, sempre que surgiram obstáculos e dificuldades, os trabalhadores manifestaram ao Governo Nacional, de inequívoco, a sua confortadora e espontânea solidariedade, numa eficiente atitude de repulsa aos surtos de anarquia e aos golpes extremistas (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 402). Em 1940, visando a perpetuação de sua imagem e a associação direta aos trabalhadores, dizia: Trabalhadores do Brasil: Aqui estou, como de outras vezes, para compartilhar as vossas comemorações e testemunhar o apreço em que tenho o homem de trabalho como colaborador direto da obra de reconstrução política e econômica da Pátria. Não distingo, na valorização do esforço construtivo, o operário fabril do técnico de direção, do engenheiro especializado, do médico, do advogado, do industrial ou do agricultor. O salário, ou outra forma de remuneração, não constitui mais do que um meio próprio a um fim, e esse fim é, objetivamente, a criação da riqueza nacional e o surto de maiores possibilidades à nossa civilização (BONAVIDES; AMARAL, 2002b, p. 406). Nota‑se, evidentemente, a exaltação do trabalhismo, que caminhava de mãos dadas com toda a propaganda política produzida pelo DIP. Ao mesmo tempo, a busca constante de associar o regime de Vargas ao trabalhador resultaria em conquistas e transformações progressivas. Por fim, é possível perceber também que a força da relação de cada um dos trabalhadores coopera, diretamente, para a “riqueza nacional e o surto de maiores possibilidades”, evidenciando a relação corporativista de que todos contribuem para o progresso da pátria. E toda essa ideologia foi sintetizada em 1943, quando foi estabelecida a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que sistematizou as relações entre patrões e empregados e se mantém no país, em linhas gerais, até hoje. Inegavelmente, estava completada a obra de controle sobre os trabalhadores e de seu uso político para as lideranças populistas. Em boa medida, as ideias de esquerda perderam enorme força. Por parte dos patrões, esse controle ideológico era bem visto para garantir a estabilização da mão de obra barata, facilitando novos investimentos. 99 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 8/ 02 /1 6 REPÚBLICA NOVA E REPÚBLICA LIBERAL No Estado Novo, ficou evidente o projeto econômico de Getúlio para o país. Era nacionalista, já que defendia que as riquezas nacionais, traduzidas como os recursos do país, precisam ser exploradas pelo Estado. Daqui o segundo sentido de suas ações: a intervenção do Estado na economia, baseada na criação de empresas para o setor da indústria pesada. Assim, haveria condições para que, posteriormente, fosse possível surgir a produção dos bens de consumos duráveis e não duráveis. O nacionalismo intervencionista, para o desenvolvimento industrial, foi a principal forma de promover o projeto de modernização que Vargas sempre defendeu ao longo de seu governo. Observação
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