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G4 Processo Penal - sistematizada

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DIREITO PROCESSUAL PENAL
GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018
Organizado por Valdir Monteiro Oliveira Júnior
Sumário
1.PRINCÍPIOS E SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS	4
1A. Teoria do processo. Princípios constitucionais do processo penal.	4
2A. Sistemas processuais	7
2C. Os reflexos do Pacto de São José da Costa Rica no processo penal brasileiro	9
2. LEI PROCESSUAL PENAL	11
20A. Normas de direito processual penal no tempo e no espaço. Interpretação e integração da lei processual penal.	11
3.INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS	13
4A. Princípios e questões relativas aos Inquéritos Policiais e Investigações Criminais. Atribuições da Polícia Federal.	13
6A. Hipóteses e requisitos para arquivamento de inquéritos e investigações criminais.	17
7B. Controle externo da atividade policial.	23
4.AÇÃO PENAL	25
3A. Princípios da Ação Penal	25
5A. Ação Penal: espécie. Denúncia. Queixa.	27
8A. Condições da ação e pressupostos processuais.	31
5.JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA	34
11A. Jurisdição e competência.	34
13A. Competência da Justiça Federal.	41
16C. Competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral em matéria penal	46
10A. Conflito de Atribuições entre Membros do Ministério Público. Declínio de Atribuições	49
6.QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES	51
14A. Questões prejudiciais. Exceções. Conflitos. Incompatibilidades e impedimentos no processo penal. Incidentes de falsidade e de insanidade mental.	51
17A. Restituição de coisas apreendidas. Perdimento de bens.	56
6B. Medidas assecuratórias ou acautelatórias do CPP e leis especiais.	58
7.PROVA PENAL	62
7C. Prova no processo penal: princípios e questões gerais.	62
11C. Provas Ilícitas	65
10B. Interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas.	67
5C. Sigilos bancário e fiscal	69
1B. Provas no processo penal: documental e testemunhal. Reconhecimentos (pessoas e coisas). Acareação. Buscas e apreensões. Prova pericial. Peritos e intérpretes.	72
20B. Interrogatório do réu, confissão e perguntas. Procedimentos. Ordem da instrução processual.	79
18B. Proteção e benefícios legais a réus ou investigados colaboradores.	80
16A. Proteção especial a vítimas e testemunhas.	83
3B. Indícios e Questões Probatórias.	85
8.SUJEITOS NO PROCESSO PENAL	87
9A. O Ministério Público no processo penal brasileiro	87
15A. O juiz no processo penal brasileiro. Funcionários da Justiça.	88
5B. O defensor e o assistente no processo penal brasileiro	89
9.PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA	92
8B. Prisões. Espécies, requisitos e cabimento.	92
9B. Medidas cautelares e liberdade provisória no CPP em leis especiais.	95
10.ATOS PROCESSUAIS	98
17C. Atos processuais: lugar, forma de realização, prazos e sanções.	98
11B. Citações, notificações e intimações no CPP e em leis especiais. Cartas: precatória, de ordem e rogatória.	100
11.SENTENÇA PENAL	101
12B. Sentenças, decisões e outros atos judiciais.	101
2B. Coisa julgada e preclusão.	106
7A. Efeitos da condenação. Reparação do dano.	108
12.PROCEDIMENTOS	111
16B. Procedimentos Comum (ordinário, sumário e sumaríssimo) e Especiais.	111
4B. Procedimentos especiais.	114
18A. Ação penal originária. Competência, legitimidade, procedimento e requisitos em geral.	116
15B. Procedimentos relativos aos crimes de competência do Tribunal do Júri	119
19C. Procedimento relativo aos crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/50 e Decreto-Lei nº 201/67).	121
6C. Procedimento relativo aos crimes de tráfico ilícito e uso indevido de drogas.	122
17B. Organizações criminosas: conceito. Investigação e meios de obtenção de prova. Lei nº 12.850/2013 e Lei 12.694/2012.	124
13.JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS	127
14C. Juizados Especiais Criminais.	127
13B. Transação penal e suspensão condicional do processo.	129
14.RECURSOS	133
14B. Recursos: Questões Gerais, Princípios, Pressupostos, Requisitos, Efeitos e Espécies.	133
20C. Recurso em sentido estrito. Agravos. Correição parcial.	138
1C. Recursos no Processo Penal: Apelação.	140
3C. Recursos no Processo Penal: Embargos de Declaração, Embargos Infringentes e de Nulidade e Embargos de Divergência	144
19B. Recursos especial, extraordinário e ordinário. Questões gerais e regras específicas da Lei nº 13.256/2016.	146
15.NULIDADES	149
12C. Nulidades no Processo Penal	149
16.AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO	153
8C. Habeas Corpus e Mandado de Segurança em matéria penal.	153
4C. Revisão criminal	155
17.EXECUÇÃO PENAL	157
12A. Execução penal: objeto e aplicação da Lei de Execução Penal. Direitos e Deveres da pessoa presa. Órgãos da execução penal. Questões processuais gerais referentes à execução penal. Estabelecimentos penais.	157
13C. Execução das penas privativas de liberdade. Regimes, progressão, autorizações de saída, remição, monitoração eletrônica.	159
10C. Indulto, Graça e Anistia: Procedimento.	164
9C. Execução das penas rest. de direitos: espécies, forma de cumprimento, incidentes. Execução da pena de multa.	166
18C. Regulamento Penitenciário Federal	168
18.RELAÇÕES JURISDICIONAIS COM AUTORIDADE ESTRANGEIRA	171
15C. Cooperação internacional: espécies e procedimentos. Convenções internacionais contra a corrupção e contra o crime organizado transnacional.	171
19A. Questões processuais relacionadas ao Estatuto do Estrangeiro.	179
1.PRINCÍPIOS E SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 
1.1 Teoria do Processo. Princı́pios constitucionais do processo penal. (1.a) 
1.2 Sistemas processuais. (2.a) 
1.3 Princı́pios processuais no pacto de São José da Costa Rica. (2.c) 
1A. Teoria do processo. Princípios constitucionais do processo penal.
Responsável: Ícaro Gomes Coelho
Método: Revisão do Graal Alternativo do 28º CPR e atualização com novidades doutrinárias e jurisprudenciais
Pacelli adota uma noção de Estado Democrático de Direito orientada pela necessidade de reconhecimento e de afirmação dos direitos fundamentais, não só como meta política, mas como critério de interpretação do Direito, e, de modo especial, do Direito Penal e do Direito Processual Penal. “E isso não só é possível como necessário, na medida em que a intervenção penal vem explicitamente admitida no texto constitucional (ver, por exemplo, referência expressa aos crimes de racismo, de tortura, de drogas e entorpecentes, aos crimes hediondos, bem como à garantia processual da ação privada subsidiária da pública no caso de inércia do Ministério Público – art. 5º, XLII, XLIII, LIX, CF)” (2014, p. 32). A partir dessa noção, defende que a tutela penal deve ser dirigida à proteção dos direitos fundamentais no marco do Direito Penal de Intervenção Mínima, tendo como postulados de interpretação constitucional a máxima efetividade dos direitos fundamentais e a proibição de excesso (übermassverbot) (desdobramentos do princípio da proporcionalidade sistematizados pelo direito alemão). Para o autor, os postulados são abstrações deduzidas do sistema dos direitos fundamentais que configuram a base do nosso ordenamento, como métodos de interpretação e aplicação das normas jurídicas; já os princípios, tais como as regras, são normas jurídicas implícita ou explicitamente positivadas nos textos constitucionais ou legais, cuja correta interpretação só pode ser alcançada se em consonância com os postulados (2014, p. 32-33). Como o CPP é um Decreto-lei (3.689/41) que tem nítida inspiração fascista, imperioso proceder à sua ressignificação à luz dos princípios da CRFB/88. Natureza jurídica dos princípios: normas jurídicas (pós-positivismo/ neoconstitucionalismo). Para Pacelli, os princípios se apresentam como normas fundantes do sistema processual, sem os quais não se cumpriria a tarefa de proteção dos direitos fundamentais, visto que o Direito Processual Penal é essencialmente de fundo constitucional (2010, p. 37).
Princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV, CRFB/88): a) procedimental ou formal: a pretensão punitiva deve perfazer-se dentro de um procedimento regular, perante autoridade competente, tendo como alicerce provas validamente colhidas, respeitando-se o princípio do contraditório e da ampla defesa; b) material: obediência à razoabilidade (STF, HC nº 45.232), se divide em duas vertentes:I) negativa (proibição do excesso): essa restrição é adequada a alcançar o fim desejado (adequação)? A restrição é menos gravosa (necessidade)?; o valor protegido é mais importante que o restringido (proporcionalidade em sentido estrito)?; e II) positiva (dever de proteção ou “proibição de proteção insuficiente – STF: RE nº 418.376 e ADI 3112): a Constituição prevê, como forma de proteger os cidadãos, alguns mandados de criminalização; o Estado não é mais inimigo, mas antropologicamente um amigo. O Direito Penal é locus propício de proteção aos Direitos Fundamentais. Conferir STF, HC nº 104.410/RS, (descriminalização do crime de porte de arma desmuniciada x Princípio da proibição de proteção insuficiente). Garantismo integral x Garantismo penal hiperbólico monocular: interesse particular e persecução penal por meio da proporcionalidade (Douglas Fischer). OBS (atualização): Douglas fala, em seu livro Obrigações Processuais Penais Positivas (2018), em deveres fundamentais, fazendo uma espécie de contraponto aos direitos fundamentais, tão invocados, geralmente, para se eximir do cumprimento de obrigações (o rechaçado garantismo monocular hiperbólico). Em síntese, na referida obra é bastante ressaltado o dever do Estado de dar uma resposta efetiva à sociedade quando se está diante de um crime, notadamente os decorrentes da criminalidade organizada, evidenciando a face positiva do garantismo, como forma de equilibrar com a cega abstenção que geralmente se costuma exigir do Estado sob o fundamento do respeito aos direitos fundamentais de primeira dimensão.
Princípio acusatório: consiste na divisão das funções de acusar, defender e julgar entre diferentes órgãos. Opõe- se ao Princípio inquisitório, em que há a concentração de duas ou mais dessas funções nas mãos do mesmo órgão. No Brasil, há o predomínio do Princípio acusatório (art. 129, I e art. 5°, LIII, CRFB/88 – conferir ADI 1570/2004), porém com algumas mitigações. O art. 40, CPP, deve ser analisado sob a luz deste princípio e do da independência funcional do MP (art. 127, §1º, CRFB/88), no sentido de que a atuação do MP não está vinculada à análise do magistrado. DOUGLAS FISHCER (O SISTEMA ACUSATÓRIO BRASILEIRO À LUZ DA CF/1988 E O PL 156): o “sistema acusatório se caracteriza por contar com dois elementos fixos, que são: o princípio acusatório e o fato de que somente o oferecimento da acusação é que permite o início de seu processo. Os demais elementos invocados pela doutrina (p. ex., os princípios da oralidade, contraditório, publicidade e igualdade de armas) são elementos variáves desse sistema [...]”. Não há nenhum óbice de que exista a coincidência e concentração na mesma figura dos poderes de investigação e de acusação. A contrario sensu, esta circunstância de aglutinação de papéis não importará em qualquer desvirtualmento do sistema acusatório.[...] Desde já deixamos expresso e claro que, segundo nossa leitura, não há previsão expressa na Constituição Federal de 1988 de que o sistema adotado no Brasil seria o acusatório. Mas tal circunstância não impede que, a partir da compreensão (aberta e sistêmica) dos princípios, regras e valores insertos na Carta dirigente, possa ser extraída conclusão que o nosso sistema se pauta pelo princípio acusatório. Com efeito, nos termos do art. 129, I, CF, compete ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública. Portanto, o titular da ação penal (ressalvado os casos específicos), de regra, é o parquet. E a função de julgar pertence ao Judiciário, observado o princípio (fundamental) do juiz natural.
Princípio da igualdade ou da “paridade de armas”: corolário do devido processo legal, consiste na concessão de tratamento isonômico às partes no curso do processo. A igualdade deve ser analisada no aspecto material (“tratar os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades”). DOUGLAS FISHCER (O SISTEMA ACUSATÓRIO BRASILEIRO À LUZ DA CF/1988 E O PL 156): a imparcialidade do julgador (fundamental para a manutenção da paridade de armas) deve ser vista como (e unicamente) um meio de impedir que o juízo adote uma postura acusatória no sentido de ele, sem qualquer iniciativa do titular da ação penal, atue de forma substitutiva na produção da prova que entenda deva ser feita. Numa síntese, compreendemos haver vedação ao Juiz de iniciativa judicial de produção de prova na fase investigatória, mas não visualizamos qualquer incompatibilidade para que, inclusive de ofício, e sempre excepcionalmente, determine diligência probatória para o fim (único) de esclarecer dúvidas sobre a prova já produzida pelas partes.
Princípio do juiz natural: Origem: direito anglo-saxão, ligado à proibição de criação de tribunal de exceção; já o direito norte-americano acrescentou a exigência de regra de competência previamente estabelecida ao fato. O Direito brasileiro adota o princípio em suas duas vertentes fundamentais: a) vedação ao tribunal de exceção (CRFB/88, art. 5º, XXXVII); e b) competência para julgamento atribuída pela Constituição (em razão da matéria e em razão da prerrogativa de função – ex.: art. 5º, XXXVIII, “d” e art. 52, I).
Juiz legal: conforme definido em lei. STF (HC nº 91.253): a criação de varas especializadas não fere o principio do juiz natural. STJ (HC nº 109.456 – mudança de entendimento) /STF (RE nº 597.133/RS, Repercussão Geral): o julgamento por Colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados não viola o princípio do juiz natural nem o duplo grau de jurisdição, já que o recurso se dirige ao Tribunal e não aos juízes/desembargadores que nele estejam atuando. Também pode contemplar a obrigatoriedade do Juiz Imparcial. Identidade física do juiz no Processo Penal: presente no Júri e agora, como regra, para todos os processos criminais (art. 399, §2°, CPP c/c art. 132, CPC).
Princípio do promotor natural: significa a vedação à designação arbitrária de membros do MP, pela Chefia da Instituição, para patrocinar causas específicas. Tem havido uma oscilação jurisprudencial sobre a matéria. STJ: não é simétrico como o juiz natural, diz respeito a indicações manipuladoras feitas pelo Procurador-Geral (com viés político ou de forma oportunista). STF: há precedente contrário (RE nº 387.974), mas há vários outros em que reconhece a sua existência (leading case: HC nº 67.759). O princípio do promotor natural deve ser um reforço ao principio da inamovibilidade e independência funcional (MAZZILLI, p. 33).
Defensor Natural: A ideia de defensor natural consiste na vedação de nomeação de defensor diverso daquele defensor público que tem atribuição legal para atuar na causa. Vedam-se a nomeação de defensor dativo pelo juiz e designações arbitrárias do Defensor Público Geral (TÁVORA, p. 60-61).
Contraditório: Art. 5º, LV, CRFB/88. Garantia de participação informada (debater toda matéria decidida em juízo) = informação de qualquer fato contrário ao interesse da parte + possibilidade de participação ou reação + paridade de armas, ou que a oportunidade da resposta possa ser dada na mesma intensidade e extensão (aspecto substancial, Elio Fazzalari). Ex. Súmula STF nº 707. DOUGLAS FISHCER (O SISTEMA ACUSATÓRIO BRASILEIRO À LUZ DA CF/1988 E O PL 156):
É importante sobremaneira assentar que há diferenças fundamentais entre o princípio da ampla defesa (do que aqui se fala) com o do contraditório (possibilidade franqueada às partes em contraditar os argumentos e provas trazidas pela que se apresenta em pólo adverso).
Ampla defesa: Art. 5º, LV, CRFB/88. Consiste na garantia de utilização pela defesa de todos os meios admitidos em direito para provar suas alegações. Constitui-se em defesa técnica (efetuada por profissional) e autodefesa (realizada pelo próprio imputado – direito de ser ouvido em audiência e direito de presença aos atos), aspectos que se complementam (RE nº 602.543-RG-QO). Ex. súmulas STF nº 523, 705 e 707. Não basta a possibilidade em abstrato de uso de todos os meios de defesa pelo acusado – a defesa tem que ser efetiva (ver observação sobre o aspecto substancialdo contraditório). DOUGLAS FISHCER - SV14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. A súmula era desnecessária, pois o artigo 7º, inciso XIII, do Estatuo da OAB, já disciplinava satisfatoriamente a matéria. Ainda, o teor da súmula é restritivo, pois limitas-se a inquéritos, quando na verdade o direito se estende a qualquer tipo de procedimento investigatório de responsabilidade de qualquer autoridade, em atenção à ampla defesa (e não ao contraditório).
Inocência presumida (“In dubio pro Reo” e “Favor Rei”): Tem três aspectos: a) quanto à prova: ônus da prova do fato e autoria é da acusação (Pacelli entende que as excludentes de ilicitude e culpabilidade devem ser provadas pelo réu); b) quanto ao tratamento: o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação – parcimônia no manejo da prisão processual e do indiciamento do investigado – desconsideração de processo em que não haja condenação definitiva para fins civis; c) quanto à restrição da liberdade: não há prisão cautelar obrigatória – vedação de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. OBS.: Atualização. O STF, no julgamento da medida cautelar nas ADCs 43 e 44 pacificou a possibilidade de execução provisória da pena. Lembrar que o STJ, logo em seguida (HC nº 431242 / SP, Relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 15/5/2018), negou execução provisória de pena restritiva de direitos sob o fundamento de que o entendimento do STF dizia respeito apenas à pena de prisão.
Direito ao silêncio e não autoincriminação (“Nemo tenetur se detegere”): origem histórica no direito anglo-saxão. Permite que o acusado permaneça em silêncio durante toda investigação e em juízo e impede que ele seja compelido a produzir ou contribuir com a prova contrária ao seu interesse (art. 5°, LXIII, CRFB/88). Extensão e limites no direito brasileiro: o interrogatório como meio de defesa (STF: HC 94.016) – a mera recusa de manifestação por parte do paciente não pode ser interpretada em seu desfavor para fins de decretação de prisão preventiva (STF: HC nº 91.514); proteção contra o interrogatório sub-reptício; proteção contra a mentira em interrogatório – permite o réu selecionar as perguntas que vai responder; não protege contra elementos de prova real que se tenha tornado, por livre vontade do sujeito passivo, rei derelictae (ex.: é possível fazer DNA a partir de copo jogado no lixo). O STF/STJ entendem que o uso de documento falso não está abrangido pela não autoincriminação, configurando-se, assim, o crime do artigo 304 CP (STF: HC nº 1.003.314/MS, HC 111706/SP; STJ: AgRg no REsp 1369983/RS, HC 176405/RO). A vedação à autoincriminação não pode ser oposta em relação à identificação falsa do acusado, hipótese em que poderá responder pelo crime de identidade falsa (STF, RE 640.139; STJ, HC 151.866; Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.). Em suma, tanto o STF como o STJ entendem que a alegação de autodefesa não serve para descaracterizar a prática dos delitos do art. 304 ou do art. 307 do CP. “Direito de mentir”: bastante polêmico. Há doutrinadores que defendem que, por conta do direito ao silêncio, o acusado teria direito de mentir em juízo; para outros doutrinadores, há apenas a inexigibilidade da verdade, pois, no Brasil, o perjúrio (mentira contada pelo acusado) não é tipificado – contudo, se a mentira do acusado incriminar terceiro inocente, deverá responder pelo crime denunciação caluniosa. Também é crime a conduta de acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem, nos termos do art. 341 do CP – crime de autoacusação falsa – (Renato Brasileiro, 2014, p. 81). DOUGLAS FISHCER: não se admite a condução coercitiva do réu para fins de interrogatório, pois, se ele pode se recusar a depor, pode, também, deixar de comparecer. Todavia, para o ato de reconhecimento (artigo 226 do CPP), o réu pode ser conduzido coercitivamente, sendo que não há que se falar, com isso, em ofensa ao direito ao silêncio (Comentários, página 462). De acordo com Pacelli e Fischer, “para o ato de reconhecimento, se o acusado, regularmente intimado, não comparecer, poderá ele ser conduzido coercitivamente, para que a testemunha ou testemunhas (e o ofendido) façam – ou não – a identificação de autoria do delito” (p. 433), inexistindo qualquer ofensa ao chamado direito ao silêncio. Atualização: no mesmo sentido o entendimento do STF (ADPFs 395 e 444, julgadas em 14/6/2018)
Vedação de revisão pro societate: impede que alguém possa ser julgado mais de uma vez pelo mesmo fato do qual já tenha sido absolvido, por decisão passada em julgado. Consagrado no Pacto do São José da Costa Rica (art. 8.4). STF: não se aplica o princípio no caso de extinção de punibilidade baseada em certidão falsa de óbito, podendo ser retomado o processo (HC nº 84.525). Arquivamento (por atipicidade) proferido por juiz absolutamente incompetente faz coisa julgada material (HC nº 83.346).
Proibição de prova ilícita (art. 157, CPP): Prova ilícita: violação do direito material. Prova ilegítima: violação do direito processual. Fonte independente: a prova é ilícita por derivação, mas, se for possível chegar ao mesmo resultado por outra fonte de prova, não haverá qualquer ilicitude (STF: HC nº 83.921). Descoberta inevitável: por juízo de probabilidade, se demonstrada que a prova seria descoberta independentemente da prática de ato ilícito/ilegítimo (não é considerada ilícita. STJ: HC nº 52.995). STF: admite a utilização de provas ilícitas/ilegítimas no processo penal em caráter excepcional e exclusivamente em favor da defesa, após efetuada a ponderação de interesses com outros princípios constitucionais (ex.: dignidade da pessoa humana).
Princípio da demanda: Correlação entre acusação e sentença – impossibilidade de o juiz imputar ao réu, de ofício, fatos não descritos na peça acusatória. Fundamenta o instituto da mutatio libelli. O STF admite que o MP pode “redenunciar” um acusado por outros fatos ocorridos no mesmo contexto, ao argumento de que “a ofensa à coisa julgada exige a identidade de causa, caracterizada pela identidade do fato, sendo que esta não se verifica no caso de alteração de um dos elementos que o constitui (tempo, lugar, conduta imputada ao agente)” (HC nº 82.980). OBS.: Atualização. Lembrar do julgado do STJ divulgado no Informativo 569, segundo o qual O agente que, numa primeira ação penal, tenha sido condenado pela prática de crime de roubo contra uma instituição bancária não poderá ser, numa segunda ação penal, condenado por crime de roubo supostamente cometido contra o gerente do banco no mesmo contexto fático considerado na primeira ação penal, ainda que a conduta referente a este suposto roubo contra o gerente não tenha sido sequer levada ao conhecimento do juízo da primeira ação penal, vindo à tona somente no segundo processo. STJ. 5ª Turma. HC 285.589-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/8/2015 (Dizer o Direito).
2A. Sistemas processuais
Isadora Carvalho
A caracterização de um sistema processual depende do exame dos seguintes pontos: a) quem exerce a jurisdição; b) se o juiz pode iniciar um processo de ofício; c) quem é legitimado a propor a ação penal e se ela é popular, privada ou pública; d) se as funções de julgar e acusar são atribuídas a órgãos distintos; e) se o réu é sujeito de direitos ou não; f) se o procedimento é escrito, oral, público ou secreto; g) se o contraditório é observado; h) como é feita a valoração das provas e i) se há recurso. Com base nestes pontos e na evolução histórica do processo penal, a doutrina distingue, basicamente, três sistemas processuais: inquisitório, acusatório e misto.
	CARACTERÍSTICA
	ACUSATÓRIO(Adversarial System)
	INQUISITÓRIO
	DIVISÃO DE FUNÇÕES (ACUSAR E JULGAR)*
	SIM, a acusação compete ao MP; o julgamento, ao Juiz
	NÃO, o órgão que investiga, acusa e julga
	GESTÃO DA PROVA**
	Cabe às partes produzirem as suas provas, o Juiz decide
	O órgão que irá julgar também realiza a produção das provas
	PARTICIPAÇÃO DAS PARTES, SOBRETUDO DO ACUSADO
	SIM, o acusado é sujeito do processo, tem garantias e participa do contraditório
	NÃO, o acusado é objeto do processo, não tem garantias, não há contraditório, processo é sigiloso
	Para Paccelli / Douglas Fischer:
* O fundamental para caracterizar os sistemas é a divisão das funções: pode-se distinguir os sistemas processuais penais segundo a atribuição das funções essenciais da persecução penal. (a) Sistema inquisitório: único órgão para investigação, acusação e julgamento; (b) sistema acusatório: traço essencial é a existência de um órgão (público ou privado) para a acusação e outro para julgamento, tendo-se, então, duas fases bem distintas: 1º investigação preliminar, de natureza administrativa; 2º fase processual propriamente dita, só a partir da qual se exerce a jurisdição.
** A iniciativa probatória do juiz não desvirtua, formal e automaticamente, o sistema acusatório, desde que haja balizas. Entretanto, o abuso desse tipo de atuação pode levar a um desvirtuamento material no caso concreto, pois o magistrado poderia virtualmente substituir as funções do MP e aproximar-se da atividade acusatória.
Sistema Acusatório: surge na antiguidade clássica (Grécia e Roma). Funções de acusar e julgar são exercidas por sujeitos processuais distintos. O processo é iniciado pelo exercício da ação penal, deduzida por órgão de acusação. O acusado é sujeito de direitos, não objeto de investigação probatória. A verdade é obtida pelo debate em contraditório, não pela pesquisa. Vigem os princípios da oralidade e publicidade (Pacelli fala que o processo verbal é característico do sistema inquisitório). A valoração das provas segue o sistema da persuasão racional, salvo no tribunal do júri (íntima convicção). Há forte conexão entre o sistema acusatório e o regime democrático. EUA e Inglaterra adotam um sistema acusatório puro ou de partes, no qual o juiz assume posição absolutamente inerte e imparcial. Para Pacelli, o sistema acusatório brasileiro “Por certo que não se trata de um modelo adversary, ou de partes, tal como é o modelo estadunidense, em que o juiz se afasta completamente de quaisquer funções probatórias, limitando-se ao controle de legalidade na instrução judicial. Tal modelo parece-nos medieval, tomando como premissa legitimadora uma suposta igualdade de partes. Essa igualdade, ainda que abstratamente comprovada, não pode justificar uma decisão condenatória fundada em uma insuficiência da defesa. Igualdade processual, abstrata ou concreta, justifica um processo de partes exclusivamente em matéria não-penal, no bojo do qual se discute a titularidade de direitos subjetivos. Em processo penal, jamais”. Segundo Pacelli, a CF, ao consagrar direitos fundamentais do réu, ao impor a fundamentação das decisões judiciais e ao erigir instituição autônoma e independente como titular da ação penal (MP), adotou o sistema acusatório. Porém, diz ele, nosso sistema não é o acusatório puro ou de partes, pois o juiz não é absolutamente inerte, possuindo iniciativa probatória subsidiária (saneamento de dúvidas) e, também, em favor do réu (isonomia material). A título de exemplo, vale lembrar que o STF já assentou, “por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido” (HC 82507/SE, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10.12.2002). Delegado de polícia, no inquérito, pode representar ao juiz para uma prisão ou qualquer medida cautelar e o juiz deferir sem ouvir o MP? Não, pois as disposições infraconstitucionais devem ser interpretadas de acordo com a CF. As normas que autorizam o delegado a pedir essa medida cautelar sem a oitiva do MP são contrárias ao sistema acusatório, pois o MP é o titular da ação penal, então a ele cabe avaliar e, se for o caso, postular pelas medidas acessórias, instrumentais, que são as medidas cautelares, não podendo ser essas medidas deferidas sem a oitiva dele. O delegado não pode requerer diligências porque ele não é titular da ação penal, do contrário, os delegados estariam substituindo o MP. O delegado tampouco possui capacidade postulatória, tanto que ele não requer, ele representa, tanto é que, se a representação for negada, ele não pode recorrer. Essa é a posição da 2ª CCR: A restrição ao direito à intimidade do suspeito, quanto aos dados bancários, telefônicos ou tributários, também só podem ser requerida, pela mesma razão, pelo titular da ação penal, que tem legitimidade e capacidade postulatória e atribuição para verificar se a restrição de direito é necessária para a persecução penal ou se a prova já coligida é suficiente para embasar ação penal ou mesmo se há excludente de culpabilidade que impeça a persecução penal, tornando desnecessária a medida assecuratória. Decisão: Acolhido por unanimidade o voto da Relatora.
OBS: Um Subprocurador-Geral da República, após autorização do STJ, instaurou procedimento de investigação contra um Governador do Estado (art. 105, I, “a”, da CF/88). Ao final das diligências, o membro do MPF concluiu que não havia elementos para oferecer a denúncia e requereu ao STJ o arquivamento do procedimento. O STJ poderá discordar do pedido? NÃO. Não existe esta possibilidade de remessa para o PGR. Não se aplica o art. 28 do CPP neste caso. Isso porque os membros do MPF que funcionam no STJ atuam por delegação do Procurador-Geral da República. Assim, em decorrência do sistema acusatório, nos casos em que o titular da ação penal se manifesta pelo arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação, não há alternativa, senão acolher o pedido e determinar o arquivamento. Em suma, não há que se falar em aplicação do art. 28 do CPP nos procedimentos de competência originária do STJ. O MPF pediu o arquivamento, este terá que ser homologado pela Corte. STJ. Corte Especial. Inq 967-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/3/2015 (Info 558).
Fischer: Não há previsão expressa na CF/88 de que o sistema adotado no Brasil seria acusatório. Mas tal circunstância não impede que, a partir da compreensão (aberta e sistêmica) dos princípios, regras e valores insertos na Carta dirigente, se extraia a conclusão de que o nosso sistema se pauta pelo princípio acusatório. Com efeito, nos termos do art.129, I, CF, compete ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública. Portanto, o titular da ação penal ( ressalvado os casos específicos), de regra, é o Parquet . E a função de julgar pertence ao Judiciário, observado o princípio fundamental do juiz natural. Além disso, o inciso IX do art.129 da Constituição assenta também que poderá o Parquet “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (...)” (ex. poderes investigatórios e teoria dos poderes implícitos), sendo vedado ao Judiciário qualquer ato investigatório. No âmbito das investigações, o juiz deve ser o juiz das garantias (tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais). 
Sistema Inquisitório/inquisitivo: surge no fim da Idade Média e se estabelece no Estado Absolutista. Como reflexo do poder absoluto do soberano, a figura do inquisidor reúne todas as funções processuais. As funções de acusar e julgar são exercidas pelo inquisidor. O processo é iniciado pelo próprio inquisidor, que também possui ampla iniciativa probatória. O acusado é mero objeto de prova, sem direito ao contraditório ou à ampla defesa. O processo é predominantemente escrito e sigiloso (para Pacelli, é verbal e em segredo, p. 10, ed. 2012). A valoração das provas segue o sistema de provas tarifadas, sendo a confissão a prova máxima, normalmente obtida mediante tortura. O nosso CPP,em sua redação original e antes de receber os influxos da CRFB, possuía forte perfil inquisitório. Influenciado pelo processo penal fascista italiano, o CPP assentava-se na presunção de culpabilidade do réu – apregoada por Manzini –, na ampla iniciativa probatória do juiz, inclusive na fase investigativa, justificada pela busca da verdade real, e no interrogatório como simples meio de prova. Prova oral do 25o CPR: Dê exemplos de resquícios inquisitivos no processo penal brasileiro. Para Pacelli, o sistema inquisitório foi inteiramente superado. Entretanto, traz crítica ao art. 156, o qual faculta ao juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, e o considera violação patente – e recente – do sistema acusatório (p. 11 e 12, ed. 2012). Ademais, ainda segundo Pacelli, somente se pode entender sistemas processuais a partir da deflagração do processo, tudo antes são meros procedimentos informativos, de modo que a atuação do juiz será examinada no curso do processo. Assim, a atuação do juiz na fase pré-processual se limitará a tutela das liberdades públicas, não podendo determinar a prisão cautelar, antes de ajuizada a respectiva ação penal (Pacelli, p. 14 e 15, ed. 2014).
Resquícios sistema inquisitório: produção de provas pelo Juiz (polêmica quanto à constitucionalidade do art. 156, I, CPP, que admite que o Juiz determine a produção de provas consideradas urgentes mesmo durante a fase pré-processual); disposições do CPP no sentido de que a Autoridade Policial deve encaminhar os pedidos de dilação de prazo para conclusão do IPL (art. 10, §3º), ou os IPL´s relatados (art. 10, §1º), ao Poder Judiciário (obs: há na JF a Res. CJF 63/2009 que permite a tramitação direta dos inquéritos policiais entre PF e MPF); controle do Juiz sobre a Promoção de Arquivamento (art. 28, CPP), sendo que a 2ª CCR entende que cabe a esta o controle da promoção de arquivamento; impossibilidade de o MP desistir da ação penal (art. 42, CPP).
Sistema Misto ou de Fases: surge no século XIX, tendo como marco o Código de Instrução Criminal da França, de 1808. O processo é dividido em fases: investigação, de caráter predominantemente inquisitivo, a cargo de um juízo de instrução, e julgamento, na qual prevalecem os cânones do sistema acusatório. Pacelli adverte que nossa doutrina, levando em consideração a existência da fase investigativa inquisitiva (inquérito policial ou outras investigações administrativas), erroneamente classifica como misto o nosso sistema. Ora, diz ele, inquérito policial não é processo, é procedimento e servirá como meros elementos informativos, logo não pode servir de critério de caracterização do sistema processual. Nosso sistema não é misto, mas acusatório.
Prova oral MPF: Explique os sistemas processuais penais inquisitivo e acusatório; Natureza jurídica do arquivamento: decisão judicial que tem o condão de produzir coisa julgada formal, já que a reabertura das investigações está condicionada ao surgimento de novas provas; Quais as características do sistema inquisitório no CPP?
2C. Os reflexos do Pacto de São José da Costa Rica no processo penal brasileiro
Gilberto Batista Naves Filho 02/09/18
	A CIDH, conforme a orientação do STF posterior à EC 45, de 2004, possui status supralegal, porém abaixo da CRFB. Parte da doutrina (minoritária) defende que chegaria a integrar o bloco de constitucionalidade por ser tratado internacional que dispõe sobre direitos humanos. A jurisprudência majoritária, contudo, se limita a reconhecer o status supralegal (e infraconstitucional), vez que não foi aprovado na forma do art. 5º, § 3º, da CF (em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros).
	Jurisprudência. “PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão.” (RE 349703, Relator o Ministro CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 de 5.6.2009).
	O pacto é fonte imediata de direitos aos acusados e investigados, haja vista a aplicabilidade imediata imposta pela CRFB no art. 5º, §1º. Com base nesse dispositivo, os operadores do direito devem aplicar as normas garantidoras de direitos fundamentais, como é o caso da CIDH, independentemente de lei mediadora.
Traz a CIDH várias garantias aos acusados que são repetidas pelo ordenamento interno, seja em nível constitucional, seja no próprio CPP. Com isso, o Brasil já implementa um dos deveres de direito internacional previsto pelo pacto, em seu art. 2º, que é o dever de adequar o ordenamento interno de modo a tornar efetivos os direitos previstos no instrumento internacional.
Assim, a CIDH traz, para o processo penal, garantias elencadas nos artigos 7º e 8º, como: a) devido processo legal; b) direito de petição de toda pessoa privada de liberdade a um órgão judicial; c) direito de audiência (“one day in court”); d) conhecimento da acusação pormenorizadamente e do seu acusador, bem como de tempo e meios para elaborar sua defesa; e) duração razoável do processo “ou de ser posta em liberdade”; f) direito a um julgador competente, independente e imparcial, anteriormente estabelecido por lei; g) presunção de inocência; h) assistência gratuita de tradutor ou intérprete, se necessário; i) defesa técnica, por defensor de sua escolha ou proporcionado pelo Estado, bem como direito de autodefesa; j) comunicação livre e em particular com seu defensor; k) direito a recurso (duplo grau de jurisdição); l) direito de inquirir as testemunhas presentes e de obter o comparecimento de testemunhas e peritos; m) direito a não auto-incriminação (nemo tenetur se detegere), que o STF esclareceu recentemente que se restringe apenas à garantia de não ser coagido, moral ou
fisicamente, a produzir provas contra si; n) direito do absolvido a não ser processado novamente pelo mesmo fato; o) publicidade do processo penal.
	
Jurisprudência. “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PENAL. CÓDIGO PENAL MILITAR. DESACATO. CRIMINALIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGADA INCOMPATIBILIDADE DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO COM OS DIREITOS PREVISTOS NA DECLARAÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. PREVALÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DA SOBERANIA NACIONAL. HIERARQUIA E DISCIPLINA COMO PILARES CONSTITUCIONAIS DA ORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS (ART. 142 DA CF/1988). RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO COMBATEM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (HC 143968 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 29/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 03-08-2018 PUBLIC 06-08-2018)
CASO ESCHER. Condenação do Brasil na CORTE IDH. Violação dos direitos às garantias judiciais, à vida privada, à liberdade de associação e à proteção judicial previstos nos artigos 8, 11, 16 e 25 da Convenção Americana. LFG (https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1771907/brasil-e-condenado-novamente-pela-cidh-caso-escher-violacao-a-privacidade-parte-i) ensina sobre o caso “Em maio de 1999, o então major Waldir Copetti Neves, oficial da PolíciaMilitar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, no noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza autorizou a escuta imediatamente, mas deixou de cumprir a constituição e a lei brasileiras, seja porque não fundamentou sua decisão, seja porque não notificou o Ministério Público, seja porque ignorou o fato de não competir à PM fazer investigação criminal contra civis. Durante 49 dias os telefonemas foram gravados.
(...) O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis.”
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. STF reconheceu que, mesmo antes da Resolução do CNJ regulamentando o tema, a audiência de custódia já era aplicável em razão da previsão no Pacto de São José da Costa Rica e de previsão genérica no CPP.
Dentre essas garantias, é possível que exista um tratamento mais benéfico pela norma de direito doméstico. Ocorrendo isso, o artigo 29, item 2, do pacto de São José, determina a aplicação daquela mais benéfica ao acusado. A CIDH, por exemplo, não demanda que o acusado seja advogado, caso deseje se defender em juízo sem auxílio técnico. Entretanto, isto não afasta a norma de direito interno mais protetiva, que determina a irrenunciabilidade da defesa técnica
no processo penal.
Por fim, importante ressaltar que o desrespeito a quaisquer dessas garantias, por ato de quaisquer dos três poderes da República, pode levar, a depender da gravidade do ato, à responsabilização internacional do Brasil perante a Corte Interamericana.
1 De acordo com Pacelli, o sistema acusatório brasileiro “Por certo que não se trata de um modelo adversary, ou de partes, tal como é o modelo estadunidense, em que o juiz se afasta completamente de quaisquer funções probatórias, limitando-se ao controle de legalidade na instrução judicial. Já o dissemos aqui e repetimos: tal modelo parece-nos medieval, tomando como premissa legitimadora uma suposta igualdade de partes. Essa igualdade, ainda que abstratamente comprovada, não pode justificar uma decisão condenatória fundada em uma insuficiência da defesa. Igualdade processual, abstrata ou concreta, justifica um processo de partes exclusivamente em matéria não-penal, no bojo do qual se discute a titularidade de direitos subjetivos. Em processo penal, jamais” (p. 15).
2 A título de exemplo, vale lembrar que o STF já assentou, “por imperativo do princípio acusatório, a impossibilidade de o juiz determinar de ofício novas diligências de investigação no inquérito cujo arquivamento é requerido” (HC 82507/SE, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10.12.2002).
2. LEI PROCESSUAL PENAL 
2.1 Norma de direito processual penal no tempo e no espaço. (20.a) 
2.2 Interpretação e integração da lei processual penal. (20.a) 
20A. Normas de direito processual penal no tempo e no espaço. Interpretação e integração da lei processual penal.
Daniel Medeiros Santos
I) Normas de direito processual penal no espaço:
	O art. 1º do CPP trata do tema. Pelo fato de este dispositivo conter disposições já superadas no tempo, deve ser feita uma leitura atualizada do que nele consta.
	Pacelli e Fischer expõem que o CPP deve ser aplicado no território brasileiro, em se tratando de matéria criminal. Fazem, contudo, as seguintes ressalvas: i) nos casos de procedimentos previstos em tratados e convenções internacionais, estas normas serão dotadas de especialidade, afastando a aplicação do CPP; ii) no tocante aos foros privativos por prerrogativa de função, toda a matéria atinente a eles se encontra na CRFB/88; iii) o CPP não se aplica aos crimes militares (neste caso, aplica-se o CPPM); e iv) em se tratando de procedimentos especiais, deve haver a aplicação destes, sendo o CPP aplicado somente subsidiariamente (art. 394, § 5º, CPP).
	→ Vale ressaltar que a extraterritorialidade penal pode fazer com que fatos praticados fora do território nacional possam ser objeto de persecução penal no Brasil (art. 7º do CP).
	
	Ademais, questão bastante peculiar ocorre sob a sistemática da cooperação jurídica internacional, através da chamada transferência de procedimentos criminais. Quando não se consegue a entrega de determinado acusado para fins extradicionais, transfere-se a ação penal. Este instituto é tratado no art. 4, §2º da Convenção de Viena; art. 47 da Convenção de Mérida; e art. 21 da Convenção de Palermo. O que ocorre, neste caso, é a renúncia à jurisdição local sobre um determinado ilícito penal, a fim de que ele seja objeto de persecução noutro país, que deverá firmar sua própria jurisdição sobre a causa penal. Neste caso, a competência será federal (art. 109, II, III e IV da CRFB/88) e deverão ser aplicadas as leis brasileiras ao feito.
II) Normas de direito processual no tempo:
	De acordo com o art. 2º do CPP, a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. A regra, portanto, é a sua aplicabilidade imediata, respeitando sempre os efeitos já realizados ou em curso. Não se aplica, neste caso, a regra da extra-atividade da lei, pois esta só se aplica nos casos de leis que contenham carga penal. 
	Eventuais alterações nas leis processuais penais devem incidir de imediato. Exemplo paradigmático é o dos recursos: as impugnações às decisões judiciais devem obedecer aos regramentos existentes no momento da prolação da decisão. Desta forma, em sobrevindo alteração das regras recursais após a decisão, as regras antigas devem ser aplicadas, pois se trata de prazo recursal já em curso; ao revés, em sobrevindo a dita alteração e, após, sendo proferida a decisão, o princípio do tempus regit actum impõe a sua aplicabilidade imediata.
	Pacelli e Fischer defendem que esse entendimento seja por vezes mitigado. Dizem que, quando se tratar de modificação de todo o rito procedimental, dever-se-ão respeitar as regras anteriores, se já iniciado o procedimento, com o fim de se evitar a fragmentação da lei. De toda maneira, este entendimento deve levar em conta a possibilidade de prejuízo às partes – inocorrente esse, não haverá por que não se adotar o novo rito.
II.1) Leis de natureza mista (penal e processual penal):
	
	Nos casos de leis que contenham uma carga penal e outra processual penal (ex: art. 366 do CPP, alterado pela lei 9271/96), há forte corrente doutrinária que advoga o entendimento de que deve se aproveitar cada carga da lei de natureza mista, ainda que dessa mistura seja produzida uma terceira legislação.
	Para Pacelli e Fischer, todavia essa união de leis no tempo, para fins de aplicação parcial de ambas, parece impossível, sob pena de se gerar uma contradição lógica entre os fundamentos da lei e suas consequências. Dizem que, em tais situações, deve ter primazia o aspecto penal mais favorável, ainda que, em consequência, se venha a aplicar a regra processual aparentemente menos benéfica. Em caso de não se conseguir precisar qual é a interpretação mais favorável, há de se aplicar a lei mais antiga aos fatos já ocorridos e aos processos instaurados sob sua vigência, deixando a nova lei para os fatos e processos futuros.
III) Interpretação e integração da lei processual penal:
	O art. 3º do CPP admite interpretação extensiva, o uso da analogia e o suplemento dos princípios gerais de direito. 
	Como cediço, fala-se em interpretação extensiva quando o intérprete está autorizado a estender o âmbito de aplicação previsto expressamente na forma, de tal maneira que o sentido nela explicitado seja ampliado para atingir situações não contempladas expressamente. Não deve ser confundida com a interpretação analógica, que nada mais é do que uma “técnica de redação legislativa”, em que a lei se reporta a expressões generalizantes, referindo-se a circunstâncias ou meios que podem ser encontrados em situações semelhantes (i.e., “qualquer outro modo”, “qualquer outro meio”, “ou outro meio insidioso ou cruel” e “ou por outro motivo torpe”).A analogia, ao revés, não é forma de interpretação, mas de integração. Através dela, o intérprete colmata eventuais lacunas da lei, aplicando o previsto em lei reguladora de fato análogo àquele fato não expressamente abarcado. Como cediço, só pode ocorrer diante de verdadeiras lacunas – este é o motivo pelo qual Fischer, acertadamente, defende que não deve ser aplicada a contagem de prazos em dias uteis, do NCPC, no processo penal, por já haver norma regulando o tema (art. 798 do CPP). 
	Obs: Alguns institutos, malgrado pudessem ser aplicados no processo penal à luz do art. 3º do CPP, não o serão quando a logicidade do próprio sistema processual penal obstaculizar tal expediente. De acordo com Pacelli e Fischer, é o que ocorre com o recurso adesivo. Dizem que a sistemática das preclusões no processo penal impede que seja interposto recurso adesivo para atacar decisão que, no momento oportuno, não fora objeto de irresignação. Recentemente, o STF seguiu este entendimento, impondo óbice ao recurso adesivo no processo penal.
	In fine, no que tange aos princípios gerais de direito, Pacelli e Fischer propugnam não serem estes os princípios positivados na CRFB/88, pois, à época da edição do CPP, ainda não se respirava os ares da nova hermenêutica constitucional. São, isto sim, aqueles que, embora deduzíveis do ordenamento, não se põem como normatividade expressa, mas como abstração do conjunto do sistema. Exemplos: princípio da boa-fé e pas de nulitée sans grief. 
3.INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS 
3.1 Princı́pios e questões relativas aos inquéritos Policiais e Investigações criminais. Resolução CNMP nº 13. Atribuições da Policia Federal. (4.a) 
3.2 Hipóteses e requisitos para arquivamento de inquéritos e investigações criminais. (6.a) 
3.3 Controle externo da atividade policial. (7.b) 
4A. Princípios e questões relativas aos Inquéritos Policiais e Investigações Criminais. Atribuições da Polícia Federal.
Eric Márcio Fantin
Obras consultadas: Resumo do 28º CPR (que serviu como base); 
Cunha e Roque, Rogério Sanches e Fábio, Crimes Federais. 2ª Edição. Editora JusPODIVM, 2014; 
AVENA, Norberto. Processo Penal. 10ª Edição. Editora Método. 2018.
I. Princípios e questões relativas aos Inquéritos Policiais e Investigações Criminais.
Inquérito Policial. Conceito: procedimento administrativo inquisitório e preparatório, consistente em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da infração penal e de sua autoria, presidido pela autoridade policial, a fim de fornecer elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Natureza jurídica: procedimento administrativo. Finalidade: colher elementos de informação relativos à autoria e materialidade da infração penal; destina-se à formação da opinio delicti. Presidência: a cargo da autoridade policial.
Notitia criminis apócrifa: Não é possível a instauração de inquérito policial ou procedimento investigatório, com base exclusivamente em notitia criminis apócrifa, salvo quando o documento em questão tiver sido produzido pelo acusado, ou constituir o próprio corpo de delito. (STF, Inquérito 1.957/PR). Neste caso, deve-se proceder a investigações preliminares. Enunciado nº 24, 2ª Câmara: A notitia criminis anônima é apta a desencadear investigação penal sempre que contiver elementos concretos que apontem para a ocorrência de crime.
Características do Inquérito Policial:1- É uma peça escrita – artigo 9º, CPP. 2- É instrumental – o Estado pode se valer de outros meios para obter justa causa para propositura da ação. 3 - É uma peça dispensável – o titular da ação penal pode dispensar o inquérito (art. 27, CPP). 4 - É uma peça sigilosa – artigo 20, CPP. Vale ressaltar que a Lei 12.681/2012 alterou o artigo 20 do CPP, passando a prever, expressamente, além do sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade, que a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes. O sigilo não pode ser oposto ao juiz, MP e advogado. A súmula vinculante n. 14 tem o seguinte teor: “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Observação: se, nos autos do inquérito, houve quebra de sigilo de dados, quanto a tais informações, só terá acesso o advogado com procuração nos autos (HC 82.354 e HC 90.232 STF). Referido entendimento foi positivado no inc. XIV, art. 7º, Estatuto OAB, com redação dada pela Lei n. 13.245/2016. 5- É uma peça inquisitiva – não há contraditório, tampouco ampla defesa. Entretanto, tal situação sofreu sensível mudança com a edição da 13.245/2016, que alterou o inc. XXI do Estatuto da OAB, passando a permitir ao advogado apresentar quesitos e razões durante o inquérito, sob pena de nulidade. frise-se que referida lei previa a possibilidade do advogado requisitar diligências. Neste ponto, houve veto presidencial com as seguintes razões: “Da forma como redigido, o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição a que faz referência seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e consequentes prejuízos à administração da justiça. Interpretação semelhante já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade de dispositivos da própria Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 - Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 1127/DF). Além disso, resta, de qualquer forma, assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, nos termos da alínea ‘a’, do inciso XXXIV, do art. 5o, da Constituição.” . 6- É uma peça informativa – visa à colheita de elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a participação das partes, ou seja, não há contraditório, nem ampla defesa. Prestam-se para a fundamentação das medidas cautelares e também para a estruturação de uma acusação. 7 - É uma peça indisponível – delegado não pode arquivar inquérito policial (art. 17, CPP). 8 – Oficiosidade: tendo a autoridade policial conhecimento da existência de crime de ação penal pública, deve instaurar o inquérito policial de ofício.
Formas de Instauração do Inquérito a. De ofício – quando a autoridade policial toma conhecimento direto e pessoal da infração penal. Inicia-se o inquérito por meio de portaria ou auto de prisão em flagrante; se exigível representação ou requisição do Ministro da Justiça para a ação penal, para o inquérito também o será (art. 5º, p. 4º do CPP). Se privada a ação, somente haverá inquérito a requerimento do legitimado ativo (p. 5º). b. Mediante requisição do juiz ou do MP – em face do sistema acusatório, não é aceitável a requisição da instauração do inquérito pelo juiz, que deve ficar afastado da fase pré-processual, ressalvada a tutela das garantias públicas. Fischer e Pacelli entendem pela não recepção da regra pela CF/88. c. Por requerimento do ofendido ou de seu representante legal – o delegado, diante do requerimento do ofendido, é obrigado a instaurar o inquérito? Não. Se não houver um mínimo de elementos informativos, o delegado pode indeferir o pedido de instauração do inquérito. Do despacho do delegado que indefere a instauração do inquérito, conforme artigo 5º, p. 2º, CPP, cabe recurso ao órgão hierarquicamente superior da respectiva polícia (pode ser o delegado regional ou geral, variando de estado para estado. No âmbito federal, a atribuição pertence ao Superintendente da Polícia Federal). Fischer e Pacelli defendem que o juízo da autoridade policial deve limitar-se à análise da tipicidade formal do fato; não cabe exame de excludentes.
Indiciamento. É a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal, emdecorrência de indícios convergentes de autoria, feito exclusivamente a critério da autoridade policial. A autoridade policial não pode indiciar membro do MP ou magistrado. Caso haja indícios da prática de crime por tais autoridades, deve remeter os autos ao presidente do tribunal (art. 33 da LC 35/79), ou ao PGR ou PGJ (enunciado 06 da 2ª CCR: Não cabe à autoridade policial instaurar inquérito para investigar conduta delituosa de membro do Ministério Público da União. Este trabalho investigatório é instaurado, tem curso, e é concluído no âmbito do Ministério Público Federal). Em regra, a autoridade com foro por prerrogativa de função pode ser indiciada. Existem duas exceções previstas em lei de autoridades que não podem ser indiciadas: a) Magistrados (art. 33, parágrafo único, da LC 35/79); b) Membros do Ministério Público (art. 18, parágrafo único, da LC 75/73 e art. 40, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93). Excetuadas as hipóteses legais, é plenamente possível o indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função. No entanto, para isso, é indispensável que a autoridade policial obtenha uma autorização do Tribunal competente para julgar esta autoridade. Ex: em um inquérito criminal que tramita no STJ para apurar crime praticado por Governador de Estado, o Delegado de Polícia constata que já existem elementos suficientes para realizar o indiciamento do investigado. Diante disso, a autoridade policial deverá requerer ao Ministro Relator do inquérito no STJ autorização para realizar o indiciamento do referido Governador. Chamo atenção para o fato de que não é o Ministro Relator quem irá fazer o indiciamento. Este ato é privativo da autoridade policial. O Ministro Relator irá apenas autorizar que o Delegado realize o indiciamento. STF. Decisão monocrática. HC 133835 MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/04/2016 (Info 825 – Dizer o Direito).
Incomunicabilidade do indiciado preso – Prevalece que o artigo 21 do CPP não foi recepcionado pela CF/88. Se, no estado de defesa não é possível a incomunicabilidade, o que dizer então em um período de normalidade. Em sentido contrário, estão Damásio e Vicente Greco.
Prazo para a conclusão do inquérito – No caso de réu preso, 10 dias; se o réu estiver solto, 30 dias. Na Justiça Federal, tratando-se de réu preso, o prazo é de 15 dias, prorrogável por mais 15, por força do artigo 66 da Lei 5.010/66. Esse prazo é processual ou penal? É processual, logo, a contagem é ditada pelas regras processuais. Quando falamos em prisão, tempo de prisão, aí sim esse prazo é penal! No caso do réu solto, o prazo de 30 dias para a conclusão do inquérito é impróprio, ou seja, sua inobservância não produz qualquer consequência. Se restar caracterizado um excesso abusivo, no caso de réu preso, não justificado pelas circunstâncias do delito e ou pluralidade de réus, é caso de relaxamento da prisão por excesso de prazo, sem prejuízo da continuidade do processo.
Prazos previstos em leis especiais: - CPPM – 20 dias para réu preso e 40 para réu solto; Nova lei de drogas (11.343, art. 51) – 30 dias para réu preso e 90 para réu solto, esse prazo também pode ser duplicado; - Lei da Economia Popular – 10 dias, esteja o acusado preso ou solto.
Concluído o inquérito policial, para onde ele é remetido? Pelo CPP, o inquérito é encaminhado ao Poder Judiciário (art. 10, p. 1º, CPP). Quando o juiz recebe os autos do inquérito, há duas possibilidades: a) Se o crime for de ação penal pública, os autos são remetidos ao MP; b) Se o crime for de ação penal privada, os autos ficam em cartório aguardando a iniciativa do ofendido.
Ações do MP ao receber os autos do inquérito – ao receber os autos do inquérito, o que o MP poderá: a) Oferecer denúncia; b) requerer o arquivamento; c) requisitar diligências, desde que imprescindíveis, ao seu juízo. (Enunciado nº 14, 2ª CCR: O membro do Ministério Público Federal deve, na requisição de abertura de investigação criminal, discriminar as diligências a serem executadas, fixando prazo compatível com o número e a complexidade das diligências. Da mesma forma, a manifestação pelo retorno de inquérito à Polícia deve ser fundamentada com a indicação das diligências faltantes a serem realizadas.) Diligências deverão ser requisitadas diretamente à autoridade policial. Se o juiz indeferir o encaminhamento dos autos à autoridade policial, cabe correição parcial (não cabe ao juiz, no sistema acusatório, indeferir as diligências, visto que não exerce atos de investigação e sim apenas de jurisdição); d) Declinar a competência; e) Suscitar conflito de competência; f) Suscitar conflito de atribuição – é aquele que se dá entre duas autoridades administrativas, como por exemplo, os órgãos do MP.
Obs.: o único caso de contraditório em inquérito é o instaurado pela Polícia Federal, a pedido do Min. da Justiça, visando à expulsão do estrangeiro (Lei n. 6.815, art. 70); neste caso, o contraditório é obrigatório.
Prova oral MPF: Diferencie arquivamento indireto e arquivamento implícito. R.: Arquivamento implícito: há diversos fatos ou autores, mas o MP, em sua manifestação, se omite em um ou alguns fatos ou autores. Não é admitido na doutrina e jusrisprudência. Arquivamento indireto: equivale a suscitar a incompetência do juízo (e da própria atribuição), requerendo a remessa a outras autoridades.
Poderes do relator em investigação contra magistrado.
O prosseguimento da investigação criminal em que surgiu indício da prática de crime por parte de magistrado não depende de deliberação do órgão especial do tribunal competente, cabendo ao relator a quem o inquérito foi distribuído determinar as diligências que entender cabíveis. (Informativo 540).
Autoridades com foro por prerrogativa e declarações.
As autoridades com prerrogativa de foro previstas no art. 221 do CPP, quando figurarem na condição de INVESTIGADOS no inquérito policial ou de acusados na ação penal, não têm o direito de serem inquiridas em local, dia e hora previamente ajustados com a autoridade policial ou com o juiz. (...) o art. 221 do CPP se restringe às hipóteses em que as autoridades nele elencadas participem do processo na qualidade de TESTEMUNHAS, e não como investigados ou acusados. (Informativo 547).
Resolução n.° 063/2009-CJF
Por meio da Resolução n.° 063/2009, o Conselho da Justiça Federal também determinou a tramitação direta do IP entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Por força da Resolução, atualmente, no âmbito da Justiça Federal, se o DPF pede a dilação do prazo para as investigações ou apresenta o relatório final, o IP não precisa ir para o Juiz Federal e depois ser remetido ao MPF. O caminho é direto entre a PF e o MPF, sendo o próprio membro do Parquet quem autoriza a dilação do prazo.
De igual modo, se o Procurador da República deseja a realização de outras diligências, ele não precisa, em regra, pedir isso ao juiz, bastando que devolva à PF com essa requisição.
Essa regra da tramitação direta somente é excepcionada quando há pedidos que dependam do Juiz Federal, como é o caso de busca e apreensão, interceptação telefônica, quando se tratar de investigado preso etc. 
(Dizer o Direito)
PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO: RE 593.727, 2015. “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.
Nota do resumidor: Adota-se aqui a teoria dos poderes implícitos. Segundoessa doutrina, nascida nos EUA (McCulloCh vs. Maryland – 1819), se a Constituição outorga determinada atividade-fim a um órgão, significa dizer que também concede todos os meios necessários para a realização dessa atribuição.
Lei nº 12.830/13 e Poder Investigatório do MP: O fato de o art. 2º, §1º, da Lei nº 12.830/13 dispor que cabe ao Delegado de Polícia a condução da investigação criminal retira do MP a possibilidade de investigação? Não, o verdadeiro alcance da expressão “investigação criminal” é inquérito policial. Nesse passo, as normas que autorizam as investigações pelo MP decorrem de lei complementar, na regulação de dispositivos constitucionais. Ex: art. 129, VII, CR (controle externo).
II. Atribuições da Polícia Federal.
Importante destacar que as atribuições investigativas da PF não se limitam aos crimes de competência da JF. Nos termos da CF, art. 144, § 1º, inciso I, compete à PF: apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
Para regulamentar o dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº. 10.446/02, que estabelece:
Art. 1º Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
V - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal). (Incluído pela Lei nº 12.894, de 2013)
VI - furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação. (Incluído pela Lei nº 13.124, de 2015)
VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres. (Incluído pela Lei nº 13.642, de 2018) Nota do resumidor: Crimes praticados pela internet potencializam a capacidade de produzir efeitos interestadual ou internacional, a justificar a atuação da PF.
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.
Fora essa lista, a Polícia Federal poderá investigar outros crimes?
SIM. A lista do art. 1º da Lei n.° 10.446/2002 é exemplificativa.
Assim, o Departamento de Polícia Federal poderá investigar outras infrações penais que não estejam nesta lista, desde que:
• Tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça;
• A infração tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme. (Dizer o Direito).
Mas o que vêm a ser crimes que propagam ódio ou aversão às mulheres? Bem, não existe tipificação específica para condutas que consistam unicamente em expressar algo que demonstre profundo desrespeito ou aversão ao sexo feminino. Parece-nos que a intenção do legislador é atribuir à Polícia Federal a apuração de algum crime já tipificado, contra uma ou várias mulheres específicas, que traga, explícita ou subjacentemente, conteúdo que propague ódio ou aversão às mulheres. Uma injúria, por exemplo, que, para atingir a dignidade ou o decoro de alguém, faça-o por meio de uma mensagem de aversão ao sexo feminino; ou uma ameaça na qual a promessa de mal injusto e grave propague também conteúdo de ódio ao sexo feminino (Meusitejurídico, Rogério Sanches Cunha).
Instauração de inquérito policial pela polícia federal para apuração de crime de atribuição da polícia civil.
“Em regra, a apuração de crimes de competência da Justiça Estadual deve ser realizada pela polícia civil. No entanto, o art. 144, § 1.º, I, fine, da CF, permite à polícia federal apurar, na forma da lei, “infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme (...)”. Então, com base nesse comando, poderá, sim, a polícia federal, por exceção, investigar crimes de competência da Justiça Estadual, fazendo-o na forma estabelecida pela lei que regulamenta o referido dispositivo constitucional – a Lei 10.446/2002. Para ilustrar, na situação retratada pelo mencionado artigo da CF, foi possível enquadrar os eventos ligados ao denominado jogo “baleia azul”, que, a partir de contatos realizados via aplicativos de telefone celular, conduziu crianças e adolescentes à automutilação e até ao suicídio. Essas práticas delituosas, não se enquadrando em qualquer das situações contempladas no art. 109 da CF (que definem a competência da Justiça Federal), deveriam ter sua investigação realizada no âmbito da polícia civil dos Estados onde os fatos aconteceram. Sem embargo, por se tratarem de delitos de repercussão interestadual e que, à evidência, exigiam repressão uniforme, mereceram investigação, também, pela polícia federal.” (AVENA, Norberto. Processo Penal. 10ª Edição. 2018)
Instauração de inquerito pela polícia civil em crimes de atribuição da pf.
“Em tese, a polícia civil não pode desencadear investigação de crimes de competência da Justiça Federal, pois o art. 144, § 1.º, da CF, estabelece a atribuição da polícia federal para realizar as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa em relação a infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas. No entanto, há duas situações que precisam ser examinadas:
-Crimes eleitorais: inserem-se na competência da Justiça Eleitoral que, por sua vez, é um segmento especializado da Justiça Federal. Logo, como regra geral, devem estas infrações ser investigadas pela polícia federal. Porém, considerando a inexistência de delegacia da polícia federal na maioria dos municípios brasileiros, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite o desencadeamento de inquérito policial, para a respectiva apuração, pela polícia civil, conquanto não possua esta atribuições legais e constitucionais para tanto. Sem embargo, deverão ser observadas as diretrizes das Resoluções 23.396/2013 e 23.424/2014, ambas do TSE, que assim determinam: Não sendo hipótese de flagrante: a polícia civil não pode tomar a iniciativa de instaurar o inquérito policial, cabendo-lhe encaminhar a notícia ao Juiz Eleitoral, que a remeterá ao Ministério Público, podendo um ou outro requisitar a instauração de inquérito. Em suma, o procedimento investigatório, aqui, condiciona-se à requisição prévia, não podendo o delegado proceder de ofício à sua instauração. Tratando-se de flagrante: a polícia civil, nos termos do art. 7.º da Resolução 23.396/2013, poderá, de forma supletiva,exercer as funções inerentes à polícia federal, tanto lavrando o auto de prisão e flagrante, quanto, a partir desse instrumento, dar seguimento à investigação. 
-Flagrante de crimes federais: a possibilidade de efetivação da prisão é tranquila, mesmo porque o art. 301 do CPP refere que qualquer pessoa do povo pode, e a autoridade policial deve, realizar a prisão de quem se encontre em flagrante delito. Todavia, para a lavratura do respectivo auto de prisão, em tese, não possui a polícia civil atribuições para tanto. No entanto, visando garantir a necessária celeridade, na prática, a polícia civil tem formalizado o APF, encaminhando-o, após, ao Juízo Federal competente para as providências cabíveis. Tal procedimento não acarreta a ilegalidade da autuação, uma vez que, inexistindo o Princípio do Delegado Natural, o que deve, de fato, serem assegurados é a intervenção do Ministério Público Federal e o processo e julgamento no âmbito da Justiça Federal. Ressalva-se, contudo, inexpressiva orientação em sentido oposto, compreendendo que, elaborado o auto de prisão em flagrante por autoridade sem atribuição para tanto, revela-se irregular a peça flagrancial, ensejando, via de consequência, o relaxamento.” (AVENA, Norberto. Processo Penal. 10ª Edição. 2018)
6A. Hipóteses e requisitos para arquivamento de inquéritos e investigações criminais.
André Luís Mendes – 09/09/18
I. Noções procedimentais (aspectos gerais)
Encerradas as investigações, os autos do inquérito são encaminhados ao MP (o delegado não pode desistir do inquérito ou o arquivar), que poderá adotar as seguintes providências: (a) oferecer denúncia; (b) requisitar novas diligências; ou (c) requerer o arquivamento do inquérito se entender (juízo negativo sobre a viabilidade da persecução penal): (c.1) pela inexistência de crime, por ausência manifesta de quaisquer de seus elementos analíticos (tipicidade, ilicitude, culpabilidade); (c.2) estar extinta a punibilidade do agente; (c.3) faltar justa causa, ou seja, elementos probatórios mínimos que permitam sustentar o exercício da ação penal; (c.4) pela ilegitimidade ad causam; (c.5) faltar condição de procedibilidade ou pressuposto processual negativo, ou seja, houver impedimento processual que afete a investigação criminal, como por exemplo, a litispendência.
Requerido o arquivamento, o juiz poderá adotar duas vias possíveis: (i) concordar com o pedido, determinando o arquivamento dos autos; arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do membro do MP, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas (Súmula/STF, 524); (ii) discordar do pedido (CPP, art. 28), encaminhando o requerimento à instância revisora do Ministério Público (MPE: PGJ; MPF: Câmaras de Coordenação e Revisão, salvo atribuição originária da PGR – arts. 46, parág. único, III, 48, II, e 62, IV, todos da LC 75/93), que, por sua vez, dará a última palavra sobre o ajuizamento ou não da ação penal, ou mesmo sobre a necessidade de novas investigações. A instância revisora do parquet poderá: (ii.1) designar outro membro do MP para denunciar, ou, no caso do PGJ, oferecer ele mesmo a denúncia (obs: a posição majoritária é que esse outro membro designado é obrigado a oferecer denúncia, pois funciona por delegação e nos estritos limites desta – longa manus); (ii.2) insistir no arquivamento, caso em que o juiz é obrigado a arquivar. 
Não será aplicado o procedimento do art. 28 do CPP, porém, quando se tratar de promoção de arquivamento formulada pela PGR/PGJ em ações penais originárias (isto é, da que se promove junto ao STF, STJ, TJs, TRFs e TREs). Por encerrar formulação de “juízo negativo sobre a viabilidade da persecução penal por quem detém a titularidade da ação penal”, a promoção deverá, via se regra, “ser acolhida sem outras digressões, ressalvadas as hipóteses de prescrição e atipicidade, que ensejam a formação de coisa julgada material” (STF, AO 2.033-DF, 2017). Fora essas duas situações, “o pedido fundamentado de arquivamento dos feitos de natureza investigatória, pela Chefia do Ministério Público Federal ou por Subprocurador-Geral por ato delegado, detém caráter irrecusável e vinculante” (STJ, AgRg na Rp 472/DF, 2015).
Críticas ao controle anômalo do Judiciário. Para Fischer/Pacelli, “o controle da atuação ministerial, isto é, no sentido de avaliar a correção do juízo negativo de propositura da ação penal (materializado no pedido de arquivamento), não deveria ser da competência do juiz, até mesmo de maneira a preservar, o quanto e ao máximo possível, a imparcialidade do julgador, evitando-se o seu pronunciamento antecipado sobre o caráter aparentemente ilícito do fato. Talvez, melhor seria se o citado controle coubesse ao próprio Ministério Público, de ofício, ou por provocação do ofendido”. Quanto a esta última hipótese, contudo, há que se destacar que o STJ já decidiu que, na ação penal pública incondicionada, “a vítima não tem direito líquido e certo para impedir a promoção de arquivamento de inquérito ou peças de informação por parte do Ministério Público” (MS 21.081-DF).
II. Arquivamento implícito X Arquivamento indireto
Arquivamento implícito: configura-se quando o MP omite infratores (arquivamento implícito subjetivo) ou infrações penais (arquivamento implícito objetivo) no momento em que oferta a denúncia, sem expressa manifestação ou justificação a respeito desse procedimento. O STF (RHC 95141) e o STJ (RHC 24927) não adotam o instituto, por ausência de previsão legal. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública incondicionada, de tal modo que não é o Parquet, por exemplo, obrigado a denunciar todos os investigados em uma só oportunidade.
Arquivamento indireto (atribuição/competência): ocorre quando o órgão do MP se manifesta pela incompetência do juízo no qual oficia, recusando, por isso, atribuição para a apreciação do fato investigado. Por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto. Neste caso, duas hipóteses podem ocorrer: (a) o juiz concordar com a manifestação ministerial e declinar a sua competência; (b) o juiz discordar e, neste caso, (b.1) aplicar, por analogia, o art. 28 do CPP (LC 75/93, art. 62), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet (corrente que prevalece). Para Fischer/Pacelli, outra solução seria viável: (b.2) oferecimento de denúncia, mesmo que contrariamente ao entendimento do membro do MP, acompanhada da exceção de incompetência, para resolução da questão no âmbito do Judiciário.
III. Arquivamento e incompetência do juiz
Incompetência relativa. Tratando-se de juiz relativamente incompetente, prevalecem os efeitos preclusivos, até que surjam novas provas, salvo se o arquivamento tiver por base a atipicidade, caso em que a coisa julgada será material, por se tratar de decisão relativa ao mérito do caso penal (Fischer/Pacelli).
Incompetência absoluta. O arquivamento por juiz absolutamente incompetente, por outro lado, não se subordina ao princípio da vedação de revisão pro societate, permanecendo em aberto a possibilidade de instauração da ação penal pelo órgão constitucionalmente legitimado, perante o respectivo juiz natural. Para Fischer/Pacelli, isso se justifica pelo fato de: (i) a subtração do juiz materialmente (isto é, constitucionalmente) competente somente poder ser admitida em casos excepcionais, quando o afastamento da referida norma puder ser justificado pela aplicação de outra (norma) da mesma fonte normativa (CRFB/88); (ii) o princípio da vedação da revisão pro societate, tal como previsto no Pacto da San José da Costa Rica (art. 8º, 4), ser direcionado a sentença absolutória propriamente dita – que, normalmente, pressupõe a superação de fase instrutória e ampla participação dos interessados –, situação não verificada na decisão de arquivamento. Exceção: quando a decisão de arquivamento tiver por objeto questões de mérito da infração penal (ex.: atipicidade), “estará a salvo de novas

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