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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA MOEMA LAVÍNIA PUGA DE GODOY AA MMÚÚSSIICCAA,, OO EENNSSIINNOO EE AA GGEEOOGGRRAAFFIIAA Monografia de graduação apresentada ao Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientação: Prof. Dr. Sérgio Luiz Miranda Uberlândia-MG Julho / 2009 GODOY, Moema Lavínia Puga de. (1981) A MÚSICA, O ENSINO E A GEOGRAFIA. Moema Lavínia Puga de Godoy – Uberlândia, 2009. 44 fls. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Luiz Miranda Monografia (Bacharelado) – Universidade Federal de Uberlândia, Curso de Graduação em Geografia. Inclui Bibliografia Música; Ensino; Geografia. MOEMA LAVÍNIA PUGA DE GODOY A MÚSICA, O ENSINO E A GEOGRAFIA Banca Examinadora _________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Luiz Miranda (Orientador) _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vânia Rúbia Farias Vlach _________________________________________ Prof. Ms. Tulio Barbosa I Dedico esta monografia a quem a vida toda sonhou com ela, não como está, mas com o que esta significa; o término do meu curso de graduação. Esta dedicatória não poderia ser para mais ninguém que não para meus amados pais. Á vocês mãe e pai, com um enorme carinho e sincero agradecimento por toda uma vida de amor, companheirismo, respeito e dedicação. Amo vocês. II AGRADECIMENTOS Agradecer é de certa maneira um exercício complicado, pois uma pessoa se forma ao longo de anos de convivência, com ligações fortuitas ou intensas, longas ou inesperadamente rápidas. Enfim, a nossa construção pessoal é um grande quebra- cabeças do qual fazem parte infindas pessoas. Esta monografia, sendo um fragmento da minha formação, foi também construída com auxílio direto e indireto de grande parte das pessoas que passaram por minha vida. Mesmo com tamanha dificuldade, começo agradecendo o meu professor e orientador Dr. Sérgio Luiz Miranda pela enorme paciência com meus conflitos acerca do tema e metodologia e, também, por me guiar com tamanha competência, desempenhando de fato o papel de orientador, desde a etapa da prática na escola até os caminhos finais da monografia. Agradeço à minha primeira orientadora e professora de todo o curso, Prof.ª Dr.ª Vânia Rúbia Farías Vlach, que me guiou nos primeiros passos da escolha do tema e que, além disso, me ensinou muito sobre a Geografia, sobre a profissão de Professor e, sobretudo, a importância de se construir uma nova Geografia, que envolva todos os seres humanos. Não poderia deixar de agradecer à minha querida tia/madrinha e grande historiadora Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Puga que, além de me influenciar cultural, intelectual e afetivamente durante toda a vida, também me ajudou muito na finalização da monografia, com dicas e questionamentos, as quais fizeram meu trabalho mais rico e consistente. À minha querida prima e também grande historiadora Dolores Puga Alves de Sousa agradeço pelo carinho e dedicação na finalização da monografia. Foi ela que, juntamente com a Talitta Tatiane Martins Freitas, se prontificaram a ajudar com correções gramaticais e de formatação. Sem vocês, minhas queridas, meu trabalho estaria um tanto fora de eixo. III Agradeço também a duas pessoas que foram fundamentais na minha formação. Duas pessoas que conheci em situações adversas, mas que se tornaram grandes amigos e companheiros de inquietude diante do mundo. Meu sincero obrigada aos sociólogos, Prof. Cristhian Lima e Prof. Dr. Leonardo Barbosa e Silva, pela oportunidade de ver a vida com olhos diferentes. Devo agradecimentos eternos às minhas amigas-irmãs que desde minha adolescência cercaram-me de muita inquietude, questionamentos, música, poesia, tristezas e alegrias. Foi ao lado delas que me tornei cidadã do mundo. Obrigada Caruliny, Fernanda, Ingrid, Larissa, Lia, Mariana, Michele, Miramaya e Raquel. Agradeço imensamente ao meu companheiro e grande amigo Bernardo, que foi quem agüentou todos os meus dias de histeria e, além disso, ouviu meus incontáveis questionamentos acerca do meu tema e da monografia. Ao final de tudo, mesmo cheio de trabalho, foi ele o responsável pela arte. Obrigada meu amor. Por fim, agradeço a todos os professores que passaram pela minha história, dentro e fora da Geografia. A todos os amigos e amigas que foram e vieram durante a vida e que deixaram um pouco de si em mim. Agradeço à minha enorme e amada família: pais, irmãos, tios, tias, madrinhas, padrinho, primos, vovó – que apesar de não estar mais aqui foi a mais maravilhosa possível – e vovô, meu amor. Desde pequena, vocês me ensinaram sobre respeito, amor, dedicação e companheirismo. Obrigada! IV SUMÁRIO Resumo................................................................................. V Introdução............................................................................ 01 Capítulo I DO USO DA MÚSICA........................................................... 04 Capítulo II DA PRÁTICA COM A MÚSICA NA ESCOLA..................... 10 Capítulo III DOS RESULTADOS EM SALA DE AULA........................... 28 Considerações Finais........................................................... 41 Referências Bibliográficas.................................................. 43 Anexos.................................................................................. 46 V RESUMO O trabalho trata da música como instrumento didático no ensino de Geografia, trazendo, além da abordagem teórico-conceitual, uma vivência experimental em sala de aula abordando o tema globalização durante um estágio em uma escola de ensino médio. Essa monografia, enfocando a utilização da música no ensino de Geografia, não se opõe à utilização de outras metodologias ou materias de ensino, como o tradicional livro didático, e tem como objetivo principal inserir e tratar da música como mais uma possibilidade didática para o ensino de conteúdos geográficos do currículo escolar. Os resultados desse trabalho apontam possibilidades para a música na aula de Geografia, as quais proporcionaram melhor participação e compreensão pelos alunos de um tópico dos conteúdos curriculares de Geografia do ensino médio. A música aqui nos serve como um espelho da sociedade e de suas relações com o meio. Com suas letras, suas construções sonoras, seus instrumentos, a música nos fala, muito além da simples distração e diversão, a música pode ensinar, pode levar alunos a vivenciar sentimentos e experiências, pode enfim apresentar aos alunos e professores uma nova Geografia, capaz de produzir além de conhecimentos puros, uma educação plena, completa. VI Música para ouvir Música para ouvir no trabalho Música para jogar baralho Música para arrastar corrente Música para subir serpente Música para girar bambolê Música para querer morrer Música para escutar no campo Música para baixar o santo Música para ouvir Música para ouvir Música para ouvir Música para compor o ambiente Música para escovar o dente Música para fazer chover Música para ninar nenê Música para tocar novela Música de passarela Música para vestir veludo Música pra surdo-mudo Música para estar distante Música para estourar falante Música para tocar no estádio Música para escutar rádio Música para ouvir no dentista Música para dançar na pista Música para cantar no chuveiro Música para ganhar dinheiro Música para ouvir Música para ouvir Música para ouvir Música pra fazersexo Música para fazer sucesso Música pra funeral Música para pular carnaval Música para esquecer de si Música pra boi dormir Música para tocar na parada Música pra dar risada Música para ouvir Música para ouvir Música para ouvir Arnaldo Antunes e Edgar Scandurra (FAIXA 1 - CD) Introdução 1 INTRODUÇÃO O trabalho a seguir trata do tema da música como instrumento didático no ensino de Geografia, trazendo uma abordagem teórcio-conceitual e uma vivência experimental em sala de aula durante o estágio supervisionado no ensino. Esta vivência foi realizada com uma turma de terceiro colegial do ensino público noturno de uma escola de Uberlândia – MG, no período de 10/2008 a 12/2008. A metodologia utilizada, por opção, está escrita no corpo do trabalho, não sendo, portanto, encontrada em um tópico específico. Foi difícil definir um tema para minha monografia, tendo em vista as diversas áreas e os diferentes temas interessantes, os quais tive contato no decorrer do curso de Geografia. Este curso nos permite viajar pelos temas físicos até os antropológicos e por melhor que isso seja, na hora de definir um rumo para a pesquisa, a indecisão toma conta de nossa cabeça. Ao pensar sobre as mais diferentes possibilidades acabei por perceber aquilo que move minha vida, a música. E, desta forma, pensei unir o “útil ao agradável”. A música entrou em minha vida via percussão desde 2000. A partir daí comecei a dar aulas de musicalização para crianças, além de fazer matérias no curso de música, uma inclusive com o nome “musicalização para bebês”. Foi aí que teve início a junção das duas vertentes: Geografia e Música. Uma grande influência que tive foi de duas oficinas1 de prática e história da música nordestina com o extinto grupo cearense SoulZé. Uma dessas oficinas durou uma semana e possibilitou a mim um maior contato com os propositores e, depois de muitas conversas com o grupo de música, após encontros com minha primeira orientadora, tive certeza de que minha pesquisa passaria pelo meio ambiente descrito nas composições musicais. Porém, até vincular meio ambiente, música e ensino ainda demorou certo tempo. Por diversas vezes me confrontei com este tema, porém existem 1 Oficina de percussão e história da música nordestina, ministrada pelo grupo SoulZé de 08 a 10 de novembro de 2004 e Oficina Dos Cariris ao Mangue Beat – Música Nordestina: Uma Constante Evolução, coordenada por Reneé Muringa e Cezar Xavier de 07 a 12 de agosto de 2006. Introdução 2 pouquíssimas coisas escritas sobre o assunto. Assim, foi com extrema dificuldade que comecei a pesquisa e com muito temor de errar que eu iniciei minha monografia. Bem, tudo foi encaminhando. Nas aulas de Didática Geral, em 2006, fiz um seminário que tratava a música como instrumento didático na sala de aula e, para isso, usei o material de um pedagogo da USP, Martins Ferreira. Após a definição do meu tema acabei por encontrar o livro do pedagogo para comprar. Quando o livro chegou, fui olhar o referencial bibliográfico na esperança de encontrar algo que pudesse me ajudar mais. Bem, não encontrei diretamente. Sempre os assuntos circundam meu tema, mas nunca falam nele/dele diretamente. Num ato, digamos desesperado, mandei um e-mail para o autor, Ferreira Martins, dizendo a ele sobre meu tema, minha monografia, minhas escolhas, mas não achei que ele fosse me responder. Eu estava enganada. Dois dias depois recebi um e- mail, ao qual fui sedenta. No entanto, nele o autor dizia que estava muito feliz com o meu contato, que me parabenizava pelo tema, mas que tinha uma boa e uma má notícia. A boa notícia era que eu seria uma das primeiras pessoas a falar sobre esse tema de forma direta, mas, que por isso eu não teria muita bibliografia a pesquisar. E, desta forma, me senti mais responsável ainda diante da monografia. Então, desde aquele e- mail ponderei muito sobre o meu tema, porém aceitei o desafio comigo mesma de começar a falar sobre a música como recurso didático ao ensino de geografia. Assim, defini como objetivo geral deste trabalho a busca de alternativas que melhorem a apreensão da disciplina geográfica incorporando a esta, a música, como uma importante aliada, levando às salas de aula composições musicais que tenham conteúdos de ensino da geografia cantados em seus versos e construções sonoras. É óbvio que tenho, ao longo desta monografia, que conhecer e indicar composições musicais importantes para o estudo da geografia, além de demonstrar como abordar em sala de aula os conteúdos específicos do ensino de geografia através das composições musicais selecionadas. Não posso deixar de esclarecer que esta monografia foi desenvolvida com base na experiência que tive na disciplina Prática de Ensino em Geografia. Mesmo com dificuldades em encontrar pesquisadores que se dediquem ao estudo da música no ensino de geografia, alguns deles me ajudaram a superar Introdução 3 determinados obstáculos, a rever conceitos, a me dedicar com afinco nesta temática difícil, mas altamente sedutora para mim. Entre eles, gostaria de citar: Martins Ferreira, meu principal referencial e professor do Departamento de Pedagogia da USP; Vânia Vlach, professora aposentada do Instituto de Geografia da UFU; Professor Alexander Josef Sá Tobias da Costa, do Departamento de Geografia da UFRJ e seu companheiro de pesquisa, José Nazareno da Silva, professor do ensino fundamental e médio da rede pública e particular no município do Rio de Janeiro. Essa monografia foi estruturada em três capítulos, além dessa introdução e das considerações finais. No capítulo I, são abordados aspectos que revelam a importância da música na nossa vida em geral e como ela pode contribuir para a educação, em particular para o ensino de Geografia. No capítulo II, é feito o relato da vivência experimental com a música em sala de aula para tratar do tema globalização como conteúdo curricular de Geografia no ensino médio, cujos resultados são apresentados e discutidos no capítulo III. As músicas utilizadas e citadas aqui foram copiadas no formato digital e incluídas no CD (Anexo) para que, além de lidas suas letras no corpo deste trabalho, possam ser também ouvidas e sentidas pelo leitor ou leitora, o que é essencial em se tratando de linguagem musical, o que também se espera demonstrar ao longo desse trabalho. Capítulo I: Do uso da música 4 Capítulo I DO USO DA MÚSICA “A música é a ginástica da alma”, afirmou o filósofo Platão. Há séculos se entende a importância da música no desenvolvimento cognitivo de um indivíduo. Também por se entender isso e por força das circunstâncias, nos anos de ditadura militar, se extinguiu a educação musical nas escolas brasileiras tendo, há muito pouco tempo, sido retomado este assunto, passando a fazer parte primeiramente da realidade das escolas particulares, sobretudo as das elites, e agora se expandindo com a lei que torna obrigatório novamente o ensino de música nas escolas.2 Uma grande notícia para os professores e amantes da música, conscientes do poder da mesma para uma formação integral e sólida da criança e do adolescente. Desde a gestação, a criança pode e deve ser alimentada de música, musicalidade, pois desde esta etapa se desenvolve a percepção e a formação do ser humano como um todo. Por isso cresce cada vez mais o número de aulas de musicalização para gestantes, bebês e crianças, para que estes se cerquem das melhores condições de desenvolvimento. Em nenhum momento defenderei a “genialização” das crianças, ou seja, utilizar todos os recursos possíveis para transformar uma criança despretensiosa em gênio. Pelo contrário, existe um completo repúdio por este tipo de intervenção, ao menos quando se trata com profissionais sérios, competentes e preocupados com o crescimento integralda criança. A música aqui é utilizada de forma saudável, lúdica. Simplesmente fazendo com que as pessoas, independente da idade, se valham dos seus direitos, pois a música é uma construção cultural da sociedade e todos têm o direito de poder conhecê-la e entendê-la melhor. 2 Lei nº 11.769 de 18 de agosto de 2008, que torna obrigatório o ensino de música na educação básica de escolas particulares e públicas, tendo três anos a partir de 2008 para se adaptarem à nova lei. Capítulo I: Do uso da música 5 Mesmo que no Brasil ainda não se dê a devida importância ao ensino de música na escola, pesquisas mostram o quanto o aprendizado musical é estimulante no que se refere à cognição, concentração, criatividade, criticidade e sensibilidade do aluno. Habilidades lógico-matemáticas, por exemplo, foram estudadas pela Universidade de Wisconsin, onde os pesquisadores Shaw, Irvine e Rausher, concluíram que alunos que receberam aulas de música apresentavam resultados de 15 a 41% superiores em testes de proporções e frações do que outras crianças. (NOGUEIRA, 2004, p. 3). Dito isso, o ensino de forma geral tem muito que aproveitar da música. No caso desta monografia incluiremos a música e sua criação na aprendizagem do ensino de Geografia. Os novos licenciados em Geografia enfrentam um grande desafio: encontrar uma didática capaz de acompanhar a nova configuração do mundo e que dê respostas satisfatórias aos estudantes. Hoje, de posse da internet, as crianças desde cedo viajam o mundo todo num clicar de mouse, deixando o tradicional método de ensino um tanto desinteressante. Como então fazer com que os alunos, “cabeças frescas”, adolescentes, jovens, com ímpeto de mudanças e transgressões das regras, se interessem pelo aprendizado de Geografia? Não o aprendizado linear já proposto, carregado de capitais de estados e países a serem decorados. Mas a Geografia intrínseca ao cotidiano e à realidade da juventude estudantil. Como afinal, acabar com o abismo entre os professores e seus alunos? Sabe-se que a mídia, em suas diferentes acepções, têm um grau de aceitação muito grande no cotidiano das pessoas, especialmente dos jovens. Estão presentes nos momentos de lazer, de reflexão e até mesmo contribuem para a definição do “estilo de vida” de muitos indivíduos, como é o caso dos “cowboys”, “punks”, e especialmente dos roqueiros (CORRÊA; OLIVEIRA Apud VLACH; OLIVEIRA; SILVA, 2003, p. 405). Portanto, proponho a introdução da música em sala de aula para que seja o elo que aproxima alunos e professores, conteúdos e estudantes. Várias outras formas de mídia e meios de comunicação poderiam ser utilizados, juntos ou separados, como imagens com música, filmes associados às músicas, pinturas e músicas, entre outras inúmeras possibilidades. Capítulo I: Do uso da música 6 A linguagem musical está presente em todas as sociedades do globo e, mesmo não sendo universal, tal qual muitos pesquisadores como Nogueira (2004, p. 1.) insistem em dizer, pode ser uma ferramenta valiosa na busca de novas formas de educar com a Geografia.3 A música é esta ferramenta, esta linguagem, esta expressão artística que fala de um tempo, de uma ideologia, de uma paisagem, de uma cultura, um universo. A principal vantagem que obtemos ao utilizar a música para nos auxiliar no ensino de uma determinada disciplina é a abertura, poderíamos dizer assim, de um segundo caminho comunicativo que não o verbal – mais comumente utilizado. (FERREIRA, 2007, p. 13.) Sendo assim, nesta monografia vejo a música como uma aliada da educação, fazendo com que o ensino de Geografia se torne mais rico, mais diversificado, mais criativo, muitas vezes possibilitando aos alunos a oportunidade de descobrir e explorar universos musicais ainda não explorados, como a música regional ou a música popular brasileira, da qual pouco ou nada se ouve no circuito da indústria cultural, músicas que cantam além de refrões repetitivos; cantam a política, a cultura, a paisagem, os lugares, regiões e assim descrevem a sociedade, o meio em que vivemos e o dos outros. [...] o Brasil, sem dúvida uma das grandes usinas sonoras do planeta, é um lugar privilegiado não apenas para ouvir música, mas também para pensar a música. (NAPOLITANO, 2002, p. 7.) A música serviria à Geografia tanto com suas letras, quanto com suas propriedades e características como ritmo, timbre, intensidade, altura, duração, entre outros. (LACERDA, 1966, p.01). O compositor da música também deve fazer parte do estudo, sendo inserido em seu contexto social, cultural e regional. O autor diz sobre o que quer realçar, fala de tempos, de lugares, de acontecimentos. Um bom exemplo de se citar é Dorival Caymmi, com sua composição Peguei um Ita no Norte (FAIXA 2 - CD), para trabalhar a questão da migração do norte do país para o sudeste, no século XX. Nesta música, o compositor faz alusão clara à 3 Entendendo-se que objetivo principal da música é comunicar, como pode a música ser uma linguagem universal? Como pode uma música tribal se comunicar com a maioria das pessoas, totalmente cosmopolitas e que não entendem a cultura, os costumes e o cotidiano da tribo de onde provem a música? Outro exemplo é a música erudita, que pode ser ouvida por todos, mas não comunica com todos, a não ser com as pessoas que têm o “ouvido educado”, como se diz no meio musical, para esse tipo de música. Portando, quando se nega a universalidade da música, se nega a possibilidade de comunicação verdadeira de qualquer música com quaisquer indivíduos ou sociedades, apesar de todas produzirem música. Capítulo I: Do uso da música 7 migração, o que colaboraria em muito para ilustrar este assunto, trazendo-o para uma linguagem mais próxima à juventude, permitindo aos jovens pensar no lamento cantado na música, lamento este carregado pelo imigrante. Peguei um Ita no Norte, e vim pro Rio morar. Adeus, meu pai, minha mãe, adeus Belém do Pará [...] O referencial às cidades é explícito, mas denota que o migrante ainda é o jovem que abandona o pai e a mãe em busca de um progresso na vida, aventurando-se por meio da migração. (FERREIRA, 2007, p. 49-50). A música de Sá e Guarabira Sobradinho (FAIXA 3 - CD) também fala de um tema rico para a Geografia; o represamento do Rio São Francisco, que nasce no Sudeste e deságua na região Nordeste, com a conseqüente submersão de cidades, casas e muitos sonhos. Este trecho da música deixa claro o discurso dos compositores. O homem chega, já desfaz a natureza Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar O São Francisco lá pra cima da Bahia Diz que dia menos dia vai subir bem devagar E passo a passo vai cumprindo a profecia Do beato que dizia que o sertão ia alagar. (SÁ; GUARABIRA, 1977). Desta forma, o papel da música no ensino da geografia é elucidar, clarear e enfatizar os assuntos relativos à Geografia, aumentando o interesse dos jovens e, portanto sua compreensão dos temas. De acordo com Silva, Oliveira e Vlach: Aliar essa facilidade de assimilação encontrada nos mais diversos gêneros musicais às propostas metodológicas e curriculares da Geografia pode gerar bons resultados. Dificilmente se encontrará algo mais atrativo, entre crianças e jovens, do que o compartilhar suas preferências, sua reprovação ou aprovação às obras musicais, com seus colegas e professores (SILVA; OLIVEIRA; VLACH, 2003, p. 405-406). O conhecimento, quando é passado com sensações, fica mais interessante e mais fácil de ser internalizado e entendido. Assim, quando se quer dizer de crises políticas na época da ditadura, é necessário que os estudantes entrem em contado com os sentimentos daquela época, que para eles ficou num passado distante. Este é o papel da música (ou pelo menos, um deles), a arte que não conhece barreiras temporais e espaciais,pode com clareza descrever e fazer os estudantes de hoje sentirem um pouco do que era viver na ditadura e assim, o professor pode tornar o trabalho pedagógico mais prazeroso e instigante. Um dos incontáveis exemplos de música que retrata a época Capítulo I: Do uso da música 8 da ditadura e seus horrores é a música Não Chores Mais (FAIXA 4 - CD) do compositor Gilberto Gil, 1970. Esta música “retrata de maneira sutil, prisões e exílios dos artistas. Inspira-se no espírito da esperança”. (FREITAS; MOREIRA; PUGA, 2007, p. 193-211). Não não chores mais Não não chores mais Não não chores mais Não não chores mais Bem que eu me lembro, da gente sentado ali Na grama do aterro sob o sol Ob ob servando.. hipócritas Desfarçados rodando ao redor amigos presos amigos sumindo assim pra nunca mais as recordações, retratam do meu em si melhor é deixar pra trás e vamo lá vamo lá Não não chores mais Não não chores mais Não não chores mais Não não chores mais Bem que eu me lembro que Da gente sentado ali Na grama do aterro Sob o céu Ob ob servando estrelas Junto a fogueirinha de papel Esquentar o frio Requentar o pão E come com você Os pés de manhã Pisam no chão Eu sei A barra de vive Mas se Deus quiser. Tudo tudo tudo vai dar pé Tudo tudo tudo vai dar pé Mas Tudo tudo tudo vai dar pé Tudo tudo tudo vai dar pé Não não chores mais...não chore menina Não não chores mais Não não chores mais...não chore menina..menina Não não chore mais Capítulo I: Do uso da música 9 Esquentar o frio Requentar o pão E come com você Os pés de manhã Pisam no chão Eu sei A barra de vive Mas se Deus quiser... Tudo tudo tudo vai dar pé Tudo tudo tudo vai dar pé Mas Tudo tudo tudo vai dar pé Tudo tudo tudo vai dar pé Não não chores mais...não chore menina Não não chores mais Não não chores mais...não chore não chore menina Não não chore mais. (GILBERTO GIL, 1970). Na música existe uma imensidão de temas que não podem ser entendidos se separados de seu contexto histórico e ideológico, para isto se faz necessário o estudo do todo de sua construção, dando à música sentido e riqueza, além de abrir várias possibilidades de estudo aliados a ela. Os professores da área de Geografia podem usar a música de diversas formas, tanto sua letra, quanto seu ritmo, seu compositor, para facilitar a compreensão dos alunos em determinados temas abordados. A música terá a função de trazer às aulas de Geografia novas possibilidades e sensações, tornando-as mais atraentes e de fácil assimilação. É o que se verificou também em uma vivência experimental em sala de aula tratando do tema globalização como conteúdo curricular de Geografia no ensino médio, da qual se começa a tratar no capítulo seguinte. Capítulo II: Da prática com a música na escola 10 CAPÍTULO II DA PRÁTICA COM A MÚSICA NA ESCOLA O desafio, na época, era fazer a junção entre o estágio de Prática de Ensino de Geografia na Licenciatura e a monografia de conclusão do Bacharelado. Fui então a uma escola pública e tirando os vários problemas estruturais da escola, me deparei, por sorte, com uma professora disposta às novas experiências didáticas. Acabei realizando este trabalho, em mais de uma sala, apesar de a pesquisa estar focada para uma turma específica. Por razões éticas, achamos por bem não revelar os nomes da escola, da professora e de seus alunos aqui citados, preservando as identidades dos sujeitos, já que não solicitamos autorização dos mesmos para identificá-los aqui. O tema da aula que caberia a mim foi escolhido pela professora de geografia da escola, de acordo com seu programa de ensino para a disciplina. Foi indicado então o tema globalização. Porém a professora não queria que eu tratasse de nada específico, como os blocos econômicos, por exemplo. O enfoque do tema seria o que é globalização e o que esta implica em nossa vida de forma direta e indireta. A partir daí comecei a pensar como poderia mostrar aos alunos, com a música como elemento didático, o que era a globalização. A música foi colocada como principal instrumento didático pelo fato de ser uma fonte rica de informações e que se aproxima da linguagem dos jovens inseridos no mundo moderno e por que não, globalizado. A abordagem do tema foi feita em três etapas: A primeira seria uma introdução ao conceito de globalização. Esta etapa foi de descobrimento do termo, seu significado e sua relação com a geografia. Falamos ainda sobre a relação do espaço-tempo na globalização. Na segunda etapa do plano foi tratada a relação entre globalização e política. Nesta fase foram discutidos temas como: o Estado Nação, seu conceito, o papel que cumpre e qual a sua realidade dentro de um mundo globalizado. Sobre a realidade do Capítulo II: Da prática com a música na escola 11 Estado Nação no mundo contemporâneo existem muitas opiniões divergentes e por isso promovi discussões em torno deste tema para que, no final, os alunos tivessem condição de fazer uma reflexão que os levasse a uma conclusão própria, individual. Para tanto passei por temas como o estado do bem estar social, o liberalismo político e econômico, leis de mercado, sindicatos e por fim desigualdade de poder, este último voltado principalmente para os EUA e Japão. A terceira e última parte do plano didático tratou da ideologia da globalização e para desenvolver este tema passei pelo conceito de ideologia. Após a abordagem de tantos aspectos relacionados ao tema principal, investiguei, com a participação dos estudantes, qual a ideologia em torno da globalização e como esta atinge a cada um de nós. Foi discutida também a dialética do mundo único, global, versus fronteiras, levantando a questão dos preconceitos, xenofobia, etnocentrismo, entre outros. A cada etapa do plano de aula eram dadas em média duas horas – aula e ao final de cada uma das partes acima descritas era apresentada uma música que tratava do tema explicado. As aulas foram expostas da seguinte maneira: a princípio era feita uma explanação geral sobre o assunto a ser tratado e como seria a ordem de discussão destes. Depois de explicada cada pequena parte do todo, enfim era a hora da música. Os alunos, antes de ouvirem a música, recebiam sua letra, para que todas as palavras pudessem ser entendidas sem equívoco e também as questões pertinentes a cada composição, que dirigiriam o entendimento das questões políticas, sociais e culturais das respectivas letras. Assim eram apresentadas as composições aos estudantes. Um aparelho de som pequeno, da própria escola, foi o nosso equipamento, o que prejudicou um pouco o trabalho, pois a potência baixa dificultava o entendimento dos alunos, dentro de uma sala cheia, com barulhos internos e externos. Mesmo com todos os contras, as músicas foram apresentadas. Depois da primeira audição era proposto um debate livre sobre a música, sem focar no direcionamento dado previamente, mas sempre voltado para o tema. Nesta hora o objetivo era observar o que eles tinham entendido da música e se tinham conseguido cruzar as informações desta com o assunto tratado na aula. Ainda era falado sobre a composição musical, arranjo, instrumentos e sensações causadas pelas músicas. Capítulo II: Da prática com a música na escola 12 Após a análise primeira, passamos a nos ater às questões e solicitações entregues juntamente com as letras das músicas. Neste momento era a hora de questionar, avaliar e aprofundar a pesquisa das músicas com os temas. As discussões começavam por mim, muitas vezes com as próprias questões antes colocadas, mas se estendiam pela sala no decorrer da aula. Depois do debate as músicas eram ouvidas de novo, desta vez, mais carregadas de significados. Com a terceira e última música passada; Disneylândia (TITÃS; ARNALDO ANTUNES, 1993), foi um pouco diferente, pois já havia observado que precisava de algumasmodificações no plano de aula que até então estava seguindo. Duas questões (Anexo III) foram propostas como direcionamento do estudo, assim como nas outras músicas, porém o debate foi encerrado com a entrega destas duas referidas questões por escrito. Uma maneira de obter dos alunos os resultados do debate de uma forma mais contundente e eficaz para o meu trabalho. Depois de passado todo o processo com as três músicas, pela terceira vez a turma ouviu as três composições, desta vez com o objetivo de estabelecer uma relação entre estas. Passadas na mesma seqüência de outrora, o momento era de rever o que tinha sido deixado para trás e de estabelecer relações entre as partes para que enfim se formasse um todo do conteúdo. Ao final das duas primeiras etapas do plano foi dada uma avaliação escrita e mais uma após a parte final do trabalho. Porém, a principal forma de avaliação da compreensão dos alunos sobre os conteúdos tratados foi através das suas falas nas discussões durante as aulas. Dito isso, partiremos agora para o detalhamento de cada etapa especificamente. Para a introdução à globalização, na primeira parte do plano foi utilizada a música Parabolicamará (FAIXA 5 - CD) do compositor Gilberto Gil. Este momento foi de muita importância, pois as fases decorrentes só fariam sentido se este primeiro contexto tivesse sido bem entendido. E, para a apresentação da música foram dadas algumas questões previamente (dispostas abaixo), com o intuito de que os alunos pudessem se guiar de forma mais eficaz em relação à composição. Porém, as questões podem não ser necessárias em uma turma que já tenha uma relação mais íntima com este processo didático – ou seja, entender a Geografia ligada à música –, pois isto poderá ser uma Capítulo II: Da prática com a música na escola 13 forma de instigar os alunos intelectualmente. Em relação à primeira música as questões propostas foram: • Em que sentido o autor diz mundo? • E a terra, qual o sentido dela? • Parabolicamará é referência a quê? • Quais frases da música te remetem ao desenvolvimento tecnológico? • A música mostra para você a mudança da percepção do espaço tempo? Em quais frases isso fica claro? • O que a música diz do tema globalização para você? Na seqüência, foi feita uma explanação acerca do compositor, que participou da Tropicália (1967 – 1968), um movimento de vanguarda de influência modernista antropofágica, designação dada pelos próprios participantes, que também incluíam Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, o grupo Mutantes, entre outros. A Tropicália representa uma grande inovação da música brasileira quanto ao uso da eletrificação e sincretismo. Os tropicalistas deram um histórico passo à frente no meio musical brasileiro. A música brasileira pós- Bossa Nova e a definição da “qualidade musical” no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais e nacionalistas de movimentos lidados à esquerda. Contra essas tendências, o grupo baiano e seus colaboradores procuram universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Ao mesmo tempo, sintonizaram a eletricidade com as informações da vanguarda erudita por meio dos inovadores arranjos de maestros [...]. (OLIVEIRA, 2009) Gilberto Gil é um nome dos mais importantes no cenário da música brasileira contemporânea. Foi um dos exilados nos anos da ditadura militar e teve participação fundamental na consolidação da Música Popular Brasileira, “MPB”. Um músico que já tinha falado da ditadura, da repressão da expressão política e criativa e já tinha, com seus colegas, revolucionado a música brasileira. Recentemente, na década de 1990, fala de sua percepção do mundo dentro da globalização. Sua visão na música carrega muita ideologia, e por isso não tece críticas diretas à globalização, faz apenas uma Capítulo II: Da prática com a música na escola 14 constatação, uma reflexão acerca das mudanças do mundo diante da tecnologia, da globalização, enfim, da noção de tempo e espaço. Parabolicamará traz como principal tema a televisão, que foi uma aliada indispensável ao desenvolvimento da globalização e sua fluidez. O compositor perplexo fala da grandiosidade, do deslumbre e estranhamento do que esta tela colorida pode trazer para dentro de casa, como esta pode tornar o mundo pequeno, dando notícias do globo em um caixa, trazendo lugares antes impensáveis para dentro do nosso cotidiano. De fato esta música transcende a abordagem do tema no ensino médio e nos faz pensar em trazê-la inclusive para o curso superior de Geografia, como uma forma de analisar o espaço e o tempo, como podem ter várias dimensões e significações, dependendo do referencial de quem os vê. Enfim, um recurso riquíssimo para nós geógrafos. Dentro da estrutura da música na versão com a qual trabalhamos em aula,3 já percebemos efeitos da globalização, com a miscelânea de instrumentos e ritmos. O compositor mistura o baixo acústico, instrumento na maioria das vezes utilizado em músicas eruditas, com o berimbau, um instrumento produzido artesanalmente e que vem da cultura escrava, mais o violão, a bateria, instrumento símbolo do “rock and roll” e, portanto, símbolo da globalização, da mistura, das trocas culturais e mercantis, dos fluxos. O ritmo da música também é uma mistura de tendências, como capoeira, reagge, e ritmos nordestinos, referências fortes do trabalho do Gilberto Gil. É, durante toda a música, um som suave, “suingado”,4 leve, sem a presença de peso, porém todo tempo firme e bem marcado. A melodia da voz é bem ondulante, segue também o padrão dos instrumentos, buscando dar ao conjunto uma harmonização redonda, sem rupturas bruscas ou rigidez seca. Destes aspectos das características da música vê-se que esta não é tensa, não está comprometida com confrontos diretos com o tema, apesar de sutilmente falar da dialética da globalização, dos tempos modernos, da tecnologia. Abaixo a letra da música Parabolicamará – FAIXA 5 – CD (GILBERTO GIL, 1991). 3 Gilberto Gil Unplugged, gravado pela emissora MTV. 4 “Suingado” é a música que tem batidas latinas e africanas, carregada de sons no contratempo, o que chamam no mundo da música de ritmo quebrado, ritmos “bons de dançar” de se mexer. Capítulo II: Da prática com a música na escola 15 Antes mundo era pequeno Porque Terra era grande Hoje mundo é muito grande Porque Terra é pequena Do tamanho da antena Parabolicamará Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará Antes longe era distante Perto só quando dava Quando muito ali defronte E o horizonte acabava Hoje lá trás dos montes den’de casa camará Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará De jangada leva uma eternidade De saveiro leva uma encarnação Pela onda luminosa Leva o tempo de um raio Tempo que levava Rosa Pra aprumar o balaio Quando sentia Que o balaio ía escorregar Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará Esse tempo nunca passa Não é de ontem nem de hoje Mora no som da cabaça Nem tá preso nem foge No instante que tange o berimbau Meu camará Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará De jangada leva uma eternidade De saveiro leva uma encarnação De avião o tempo de uma saudade Esse tempo não tem rédea Vem nas asas do vento O momento da tragédia Capítulo II: Da prática com a música na escola 16 Chico Ferreira e Bento Só souberam na hora do destino Apresentar Ê volta do mundo, camará Ê, ê, mundo dá volta, camará. (GILBERTO GIL, 1991). As aulas referentes ao primeiro tópico foram tranqüilas, apesar de que na hora de apresentar a música os alunos não terem gostado, dizendo que o Gilberto Gil era muito velho e que não tinham a menor vontade de ouvir suas músicas. Rebati dizendo oquão atual ele e suas músicas são. Pedi então que eles primeiro ouvissem e depois dissessem o que acharam. Será que realmente estava ultrapassado? Depois de ouvir e discutir a música eles se retrataram e disseram que “até gostaram da música”. Senti dificuldade de inserir a música num primeiro momento; os alunos contestaram, bateram o pé e disseram que não queriam ouvir “música de velho”. Mas a situação foi contornada e os adolescentes acabaram aceitando ouvir e interpretar a música. Em relação à discussão, achei essa primeira parte a mais difícil. Os alunos ainda estavam se acostumando comigo, não tinham perdido a timidez e percebi um medo enorme de falar o que pensavam e, portanto, serem ridicularizados. Tive que ir lentamente, primeiro falando eu, dizendo das minhas observações e reflexões acerca do tema e música. Devagar fui levantando algumas questões e eles, um tanto desconfiados, começaram a falar. No final consegui até relatos de vida, da avó, da mãe, as quais serviram de referência dos alunos quando tratamos das mudanças que o mundo sofreu com a globalização. Os relatos diziam de como os familiares se espantavam com toda a tecnologia do mundo contemporâneo e como sentiam dificuldade de se inserir, já que tinham passado a vida toda “na roça” sem sequer um telefone. Esses depoimentos são interessantes, pois, se os alunos fizeram este paralelo, significa que entenderam o que eu propunha na aula através da música. Neste momento se verificou que grande parte dos alunos vinham de famílias ligadas ao campo, os quais, por isso, se deslumbravam e contraditoriamente se assustavam com a velocidade das informações e tecnologias da contemporaneidade. Capítulo II: Da prática com a música na escola 17 Na segunda fase do trabalho, a discussão sobre globalização e política foi mais forte, mais pesada. A princípio me parecia que os alunos nunca tinham ouvido falar de Estado Nação, ou sequer tinham pensado a respeito destes termos separados, o que remediei, porém com bastante dificuldade devido à falta de interesse dos alunos. O início desta segunda etapa foi a mais complexa para mim, que tentava trabalhar um assunto difícil e denso, porém, quando o assunto ultrapassava as questões históricas e conceituais, os alunos se entregavam à temática, participando, de forma surpreendente, nas aulas. Não houve aluno que tenha passado ileso desta etapa, mesmo os mais desinteressados uma hora olhavam e se indignavam ou davam sua opinião sobre o assunto, afinal, impossível se manter, mesmo para os adolescentes mais indisciplinados, imparciais ou sem atitude diante deste tema. As aulas desta etapa tinham como objetivo final discutir a relação, hoje, do Estado com sua Nação, se este ainda tem poder ou se com a globalização e as organizações supranacionais o Estado já não tem muita influência, já não tem mais poder individual e autônomo com sua nação, seu país. De fato, as organizações supranacionais tomaram um tanto do poder autônomo dos governos nacionais, porém falar do seu fim, em minha opinião, é negar toda a realidade que nos cerca, dentro e fora do nosso país. Foi nesta linha que conduzi as aulas deste tópico, querendo mostrar aos alunos como os neoliberais, apesar do discurso, tomam conta de seus países com “mãos de ferro”, deixando o neoliberalismo para os países que são manipulados, como o Brasil. Para elucidar esta questão fiz uso da música Ninguém regula América (FAIXA 6 - CD) do grupo musical Rappa, composição de Marcelo Yuca. Seguindo a mesma didática empregada com a música anterior, dirigi a atenção dos alunos para as questões que teriam que ser observadas nessa segunda música: • Sobre o nome, de que América o compositor fala? • O que o compositor que dizer com o nome e o refrão da música? • Qual avaliação você faz da letra, quanto aos seguintes pontos: 1. Protocolo de kioto 2. Armas exportadas Capítulo II: Da prática com a música na escola 18 3. A relação entre o que estamos estudando e estas frases: a) “forçando a porta da Colômbia com uma hipocrisia que vicia o intelecto de Brasília e outras capitais”. b) “o W. Bush de plantão limite que engatilha um novo míssil sobre o céu de Wall Street arriscando a todos com o medo de perder mais uma guerra”. Em seguida, passamos para a música Ninguém Regula a América – FAIXA 6 – CD (MARCELO YUCA, 2001) Ninguém regula a América nobody fucks with América Satélites de cima vigiando todos os atos de rebeldia MST observado pela CIA um avião cara-de-pau preso na China painel de controle cidades sem culpa na sensação do protocolo de Kioto carbonizado em plena chuva de armas exportadas sangrando no dólar o dólar dos outros coagulado e globalizado nas veias abertas de outra dívida externa Satellites from above controling all the rebel act nosy plane cought in China pushing doors in Colômbia carbonized under the rain globalized bleeding the dollar under the Wall Street sky risking everybody’s lives Forçando a porta da Colômbia com uma hipocrisia que vicia o intelecto de Brasília e outras capitais estreladas deixando a bandeira de fardas que segue na arrogância independente de quem for O W. Bush de plantão que engatilha um novo missel sem limites sobre o céu de Wall Street arriscando a todos com o medo de perder Capítulo II: Da prática com a música na escola 19 mais uma guerra ninguém regula a América nobody fucks with América. (MARCELO YUCA, 2001). “O Rappa” é um grupo de músicos jovens que mistura principalmente rock com hip-hop, reagge e samba. Esta banda teve início em 1993 e suas músicas são, em sua maioria, de apelo social, falando das mazelas da sociedade, da política e da vida de forma geral. São músicas sempre muito densas e não foi diferente com esta que estamos tratando, Ninguém regula a América. A versão que tomamos como referência e que foi a mais divulgada está no CD Instinto Coletivo e foi gravada com uma parceria do grupo com o Sepultura, uma banda de rock pesado, que apesar de ser brasileiro canta suas músicas em inglês, até pela intimidade do rock com a língua. Esta música acabou se transformando em uma das músicas mais “pesadas” do grupo O Rappa, pois, por influência do Sepultura, um grupo de death metal,6 acabou virando um “rock” com marcações fortes e insistentes. Este rock se caracteriza por harmonias e melodias7 pesadas, todo o tempo carregadas de notas e acordes; muitos dissonantes.8 A bateria desempenha um dos papeis mais importantes carregando nas batidas, se tornando instrumento de destaque durante toda a execução musical. Dito da estrutura da composição musical, fundamental na mensagem da poesia da música, a letra é um relato da realidade dos Estados Unidos e sua autoridade arrogante sobre todo o mundo, o que confronta com a idéia de que talvez o Estado esteja enfraquecido com a globalização e suas organizações Supra-Nacionais. Isso pode até fazer sentido dentro de países como o nosso, ou todos os países pobres que são o tempo todo, subjugados pelos países dominantes. Mas com os Estados Unidos da América ninguém mexe, ninguém manda, ninguém consegue subjugá-lo ou “regulá-lo”. 6 Death metal surge nos anos 1980 com uma vertente do heave metal e se difunde em vários países ao mesmo tempo, sinal da globalização. O Brasil e EUA são uns dos berços deste estilo de música, que tratam temas mais “pesados”, mais agressivos que seus antecessores. Suas letras falam de morte, fragilidades humanas, entre outros. 7 “Harmonia é a ciência que estuda os acordes e a maneira de concatená-los”. A harmonia da música é o encadeamento dos acordes dentro da mesma. “Melodia é a sucessão de sons de alturas e valores diferentes, que obedece a um sentido lógico musical”. “Acorde é uma cominação simultânea de três ou mais sons diferentes”. (LACERDA, 1966, p. 79.) 8 Acordes dissonantessão acordes “cujas notas não se fundem, produzindo uma sensação de movimento”. (LACERDA, 1966, p. 100.) Causam uma sensação de “estranheza”, de desconforto, quando tocados. Capítulo II: Da prática com a música na escola 20 Exatamente é esta a mensagem que a música passa; que os EUA não se cansam de invadir o espaço dos outros com um discurso repetitivo do liberalismo econômico, mas ao mesmo tempo quando assunto é o próprio país a prática fica longe do discurso ideológico elaborado para os outros. Além da questão do Estado a música fala das negociações globais com o protocolo de Kioto9 que não foi assinado pelo Governo Bush e a exportação de armas que financiam as guerras civis no oriente. No final da música ainda tem uma denúncia de que o ex-presidente Bush seria capaz de arriscar a vida dos cidadãos de seu próprio país para não perder mais uma guerra. A música foi feita antes, mas veio a calhar com a acusação de que o governo norte americano tivesse armado o famoso atentado e 11 de setembro.10 Enfim, esta música está cheia de mensagens diretas e nas entrelinhas e pode ser usada com profundidade nas questões geopolíticas, o que, em parte, foi feito em sala de aula. A primeira reação dos alunos à música foi de irritação, o que estava dentro do previsto, por causa do intenso “rock”. Mas passada a primeira reação, à medida que a letra foi sendo desenrolada os alunos foram se interessando e achando todas aquelas revelações inquietantes, o que definitivamente, me empolgou, pois era essa sensação que eu queria que a música deixasse. Enfim, a música cumpriu esse papel também. Além do mais, percebi que grande parte dos alunos não dava crédito para a banda “O Rappa”. Em meio a jovens que tem predileção por funk, axé, pagode e sertanejo, foi de grande importância, como educadora, apresentar-lhes um grupo que fala em suas músicas de conteúdos sociais, muito além da simples diversão. Com a finalização de duas partes do tema, apliquei em sala uma avaliação escrita, com questões (Anexo II) que se referiam aos temas já discutidos em aula. 9 O Protocolo de Kioto é um acordo internacional que tem como principal objetivo a redução da emissão de gases derivados do carbono que potencializam o efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global. Este protocolo não foi assinado pelos Estados Unidas da América justificado pelo fato de este país, governado na época por W. Bush, questionar a teoria de o aquecimento global ter suas raízes de fato em ações humanas, além de alegar que a assinatura deste protocolo acabaria por enfraquecer a economia estadunidense. 10 Documentário Farenheit 911 de Michael Moore. Capítulo II: Da prática com a música na escola 21 Questão 01: “Toda a história pré-capitalista da humanidade se desenrola no contexto de quadras espaciais restritas. Isso significa que inexiste, até o advento do capitalismo, uma história universal. São modos de produção inscritos em quadros particulares, em histórias ímpares e autônomas. Os contatos entre as civilizações são inexistentes, tênues ou esporádicos”. (MORAES; COSTA Apud SENE, 2003, p. 130) Com base nesta frase e seus conhecimentos fale o que você entende sobre a globalização e seus desdobramentos na sociedade. Questão 02: “Um aspecto central da globalização, que é detectado por vários pesquisadores que crêem em sua existência é a aceleração em todos os setores da vida. Essa aceleração, especialmente dos fluxos, tem provocado mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e espaciais, mudando mesmo a percepção das pessoas e das empresas em relação ao espaço geográfico local e mundial. Isto não seria possível sem os enormes avanços dos sistemas técnicos, como conseqüência da revolução técnico-científica ou informacional”. (SENE, 2003, p. 39.) Diante desta frase e pelo seu conhecimento diga qual a relação, em todos os setores da vida, que estabelecemos hoje com o espaço e o tempo. E qual a influência da globalização? Questão 03: “É verdade que esse fenômeno tem enfraquecido os Estados Nacionais, mas daí a pregar sua total imobilidade, ou, pior, proclamar o seu fim, já é exagero. Sem contar que o enfraquecimento dos Estados, além de desigual, é relativo. Como conseqüência da globalização os Estados Unidos estão, na verdade, se fortalecendo frente aos outro Estados Nacionais” (SENE, 2003, p. 62) Comente esta frase lembrando-se do que foi falado dos Estados Nação. Questão 04: Qual a sua avaliação sobre a globalização e seus desdobramentos? Lembrando-se das questões culturais, políticas, sociais, além de econômicas. Deixei que utilizassem as anotações que cada um tinha feito em seus cadernos, as letras das músicas, além de um texto11 que entreguei no momento da avaliação. Este texto tratava de tudo que tínhamos debatido até então. (Anexo I) Fiz questões pertinentes, porém um tanto audaciosas quanto as que os alunos estavam acostumados. Isto foi me dito pela professora e pelos próprios alunos. Mais tarde constatei o fato pelas inúmeras dúvidas que surgiram em torno das questões e pelas respostas escritas que obtive por parte dos alunos. Considero essa avaliação dentro da parte prática da minha pesquisa como um equívoco, pois não soube neste momento me adaptar à realidade da escola e, muito menos dos estudantes. 11 Este texto foi escrito por mim resumindo as principais idéias sobre globalização para facilitar o entendimento de conceito tão complexo. Capítulo II: Da prática com a música na escola 22 Encontrei muitos problemas com a escrita, por parte dos alunos, além de questões básicas de interpretação. Enfim, eu estava dando aula para jovens do terceiro colegial, com mais ou menos entre 16 a 19 anos, porém eles não conseguiam muito bem interpretar, ler e entender. Estavam acostumados com questões avaliativas de completar frases, como as que se dá para estudantes de quarta série do ensino fundamental. Erro estrutural da escola, da sociedade e que acabou refletindo na minha pesquisa. Afora este erro de planejamento, li as respostas das avaliações e mais uma vez, lá na frente do processo, retomei as questões que a meu ver ficaram sem muito entendimento. Depois disso, fiz uma segunda avaliação buscando traçar um paralelo entre todas as músicas. Estes dados serão abordados mais à frente. Cumprida a etapa mais difícil do trabalho, iniciei a última fase, em que trabalhei a ideologia do mundo globalizado. A primeira abordagem, nesta parte do trabalho, foi o conceito de ideologia e, antes mesmo que eu pudesse citar, um aluno se lembrou da música ideologia do Cazuza. Apesar de não ter trabalhado esta música, cantarolei sua letra em sala para que o conceito de ideologia ficasse claro. Não achei prudente usar mais uma música devido ao pouco tempo que teria com eles em sala de aula, portanto, decidi ficar com três músicas e não quatro. Ainda que não trabalhasse com esta música da mesma forma que utilizei as outras três, fiz menção à mesma, por isso considero importante colocar aqui sua letra como registro que comprove como esta música pode colaborar no entendimento do que é ideologia. A seguir, então, Ideologia – FAIXA 7 – CD (Cazuza, 1988) Meu partido É um coração partido E as ilusões estão todas perdidas Os meus sonhos foram todos vendidos Tão barato que eu nem acredito Eu nem acredito Que aquele garoto que ia mudar o mundo (Mudar o mundo) Freqüenta agora as festas do “Grand Monde” Meus heróis morreram de overdose Meus inimigos estão no poder Ideologia Eu quero uma pra viver Ideologia Eu quero uma pra viver Capítulo II: Da prática com a música na escola 23 O meu prazer Agora é risco de vida Meu sex and drugs não tem nenhum rock ‘n’ roll Eu vou pagar a conta do analista Pra nunca mais ter que saber quem sou eu Pois aquele garotoque ia mudar o mundo (Mudar o mundo) Agora assiste a tudo em cima do muro Meus heróis morreram de overdose Meus inimigos estão no poder Ideologia Eu quero uma pra viver Ideologia Eu quero uma pra viver. (CAZUZA, 1988). Depois de falar sobre o tema e ampliarmos o olhar da ideologia em torno da globalização apresentei a eles a música Disneylândia (FAIXA 8 - CD) da banda Titãs, grupo primordialmente de rock and roll, que, como O Rappa, tem letras profundas e cheias de questionamentos sociais e políticos, principalmente as músicas mais antigas da banda. Este grupo, especificamente, tem ainda hoje um diálogo grande com os jovens, apesar de terem surgido no final da década de 1970, início dos anos 1980, no fim da ditadura militar brasileira. A composição musical é tipicamente “roqueira”, com a guitarra “gritando” e mostrando sua presença durante toda música, bateria bem marcada e cheia de “viradas”12, ou seja, toques de bateria, na maioria das vezes feitas de improvisação, que vão além da rotina das notas da música, porém sem sair da marcação do tempo. Disneylândia tem uma característica estrutural interessante e faz muita referência ao assunto da letra. A harmonia musical forma ciclos fechados que dão a impressão de algo redondo que vai e vem do início ao fim, ou seja, a composição da música é, desde o começo até próximo do final, a mesma, formando este ciclo repetitivo ao qual me referi antes, o que na música é chamado de forma. Esta composição teria, na linguagem musical, a mesma forma do começo até quase seu fim. Durante a execução musical cíclica a letra fala dos fluxos da globalização; pessoas, mercadorias, animais, entre outras, como mostra a letra de Disneylândia - FAIXA 8 – CD (TITÃS; ARNALDO ANTUNES, 1993). 12 Virada: Variação de notas distribuídas nos tambores/ peças da bateria Capítulo II: Da prática com a música na escola 24 Filho de imigrantes russos casado na Argentina com uma pintora judia, casou-se pela segunda vez com uma princesa africana no México. Música hindú contrabandiada por ciganos poloneses faz sucesso no interior da Bolívia. Zebras africanas e cangurus australianos no zoológico de Londres. Múmias egípcias e artefatos íncas no museu de Nova York. Lanternas japonesas e chicletes americanos nos bazares coreanos de São Paulo. Imagens de um vulcão nas Filipinas passam na rede de televisão em Moçambique Armênios naturalizados no Chile procuram familiares na Etiópia, Casas pré-fabricadas canadenses feitas com madeira colombiana, Multinacionais japonesas instalam empresas em Hong-Kong e produzem com matéria prima brasileira para competir no mercado americano. Literatura grega adaptada para crianças chinesas da comunidade européia. Relógios suiços falsificados no Paraguay vendidos por camelôs no bairro mexicano de Los Angeles. Turista francesa fotografada semi-nua com o namorado árabe na baixada fluminense. Filmes italianos dublados em inglês com legendas em espanhol nos cinemas da Turquia. Pilhas americanas alimentam eletrodomésticos ingleses na Nova Guiné. Gasolina árabe alimenta automóveis americanos na África do Sul. Pizza italiana alimenta italianos na Itália. Crianças iraquianas fugidas da guerra não obtém visto no consulado americano do Egito para entrarem na Disneylândia. (TITÃS; ARNALDO ANTUNES, 1993). Os fluxos da globalização são simplesmente descritos no decorrer da música sem qualquer interrupção ou crítica. A melodia que acompanha esta forma da harmonia musical, através do canto, tem uma estrutura quase falada e ininterrupta, como se o cantor não pudesse respirar, parecendo querer reproduzir notícias de jornal, como se jogadas umas sobre as outras de forma desenfreada. Esta música causa de certa forma um incômodo devido à sua estrutura e este é o objetivo, ou melhor, este era o “meu” objetivo e foi exatamente esta reação que os alunos tiveram à ela. Uma inquietude tomou conta da sala, parecia que eles também prenderam a respiração, tudo parece ter ficado suspenso com a música. Capítulo II: Da prática com a música na escola 25 Esta característica da música é típica de um dos compositores, Arnaldo Antunes, ex-Titãs. Ele costuma construir suas músicas de forma a entrelaçar arranjo musical e letra. Por exemplo, tem uma música do compositor que fala do vento e, então, toda ela tem uivos de ventos e sua voz quando canta a palavra, faz sons que lembram o vento. Mas voltando à música Disneylândia, essa característica de jornal flui até quase o final da música, quando o arranjo é quebrado para que seja dita as cinco últimas palavras da música “... Egito para entrarem na Disneylândia”. Esta é a parte mais cruel e dura da música, é onde, de fato, os compositores queriam chegar e para que isto acontecesse, eles construíram uma música linear, mas que seria bruscamente quebrada no final, pela batida firme da bateria, para que aquela frase ficasse em destaque das outras, dizendo que apesar de todos aqueles fluxos, trocas e convivências internacionais, ainda assim, crianças excluídas dentro de seus próprios países, mais uma vez seriam “personas non gratas” na “Disneylândia”. Ou seja, ainda existe exclusão, pré-conceito e, portanto estamos longe de uma realidade tal como apresenta o discurso ideológico da globalização. Esta música é a desconstrução da ideologia global de que somos um só mundo, um só povo, que podemos ir sem barreiras ou fronteiras para qualquer lugar do planeta. Esta ideologia não corresponde à realidade. As fronteiras estão cada vez maiores e mais rígidas, não se aceita o diferente, as “minorias” (que geralmente são maioria), o que não é de sua própria cultura. Portanto esse discurso da globalização é demagogia e a intenção com esta música foi mostrar o quão frágil é o discurso do mundo sem fronteira, falácia muito usada pelo marketing de empresas globalizadas. Tomo como exemplo a propaganda da Tim, operadora de telefonia, que tem como slogan “Tim, viver sem fronteiras”. Capítulo II: Da prática com a música na escola 26 Fonte: http://info.abril.com.br/aberto/infonews/fotos/tim_campanha_090309-20090309153538.jpg Fonte: http://www.lupaonline.com.br/blog/wp-content/uploads/2009/04/picture-7.gif Ainda existem várias empresas que se valem desse discurso do mundo sem fronteiras e que podem ser utilizados como referência juntamente com as músicas. Aqui ficará registrado mais uma imagem de propaganda, que foi utilizada em sala de aula, no trabalho, com uma das músicas. Essa propaganda trata especificamente do mundo se tornando pequeno diante das modificações tecnológicas. Neste caso em específico a publicidade é da Cargo Varig. Capítulo II: Da prática com a música na escola 27 Fonte: Revista Ícaro Brasil, apud SENE, 2003, anexo fig.4 Nesta parte do trabalho houve bastante participação dos alunos. Em relação à música não houve oposição, em parte porque o grupo Titãs é ainda hoje bastante influente entre os jovens, apesar de que a composição proposta nunca tinha sido ouvida antes por estes estudantes. Não tive problemas em explicar a eles sobre exclusão. Os próprios estudantes já se sentiam excluídos em muitas situações e entenderam prontamente o que era a ideologia em torno do mundo global. Identificaram-se com o tema já que também sentiam que não podiam fazer parte deste mundo, que este não pertencia a eles, pois são adolescentes pobres que estudam à noite por terem que trabalhar durante o dia para ajudar com as contas da casa. Portanto, esse discurso que afirma que o planeta ficou pequeno e o mundo maior, sem fronteiras, não condizia com a realidade destes alunos, não dizia nada a eles, não fazia parte de seus cotidianos. Depois de terminada esta última parte do trabalho, mais uma vez foi feita a audição de todas as músicas e após estas execuçõesmais um debate, desta vez construindo uma relação entre as músicas e os temas tratados. A participação da classe toda foi produtiva e eficiente. Percebi que desta vez vários alunos anotavam o que ia Capítulo II: Da prática com a música na escola 28 sendo dito por mim e pelos colegas durante o debate, o que não havia se observado até então. Ao final, mais uma avaliação (Anexo IV) escrita foi aplicada com apoio das anotações nos cadernos e as letras das músicas. Questão 01: Para você qual a relação que existe entre a música Disneylândia dos Titãs e Parabolicamará do Gilberto Gil? E em que elas se diferenciam? Questão 02: Agora construa a relação da música Disneylândia dos Titãs com a música Ninguém Regula a América do Marcelo Yuca (Rappa). Questão 03: “O que você achou da utilização de músicas na sala de aula, como um recurso didático? Comente”. Apesar da dificuldade que os alunos com os quais trabalhei tinham de estabelecer ligações entre os assuntos, achei a última prova mais proveitosa do que a primeira. Pude perceber com isso que os assuntos reforçados mais uma vez fizeram muita diferença no aproveitamento das aulas como um todo. Notei, ao final do trabalho, que mesmo com todas as dificuldades minhas como o planejamento da aula e com a falta de experiência em sala, e as dificuldades deles, alunos, em relação ao aprendizado e à escrita, ainda assim o trabalho teve saldo muito positivo, pois com as músicas como instrumento didático consegui chamar a atenção dos alunos e então, passar todo o conteúdo proposto. Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 29 CAPÍTULO III DOS RESULTADOS EM SALA DE AULA Em primeiro lugar falarei da música Parabolicamará de Gilberto Gil, a primeira música a ser apresentada aos alunos. As questões propostas, para esta música, foram anteriormente colocadas como forma de direcionar o trabalho para que no final obtivéssemos melhores resultados. Foram elas: 1. Em que sentido o autor diz mundo? 2. E a terra, qual o sentido dela, dentro da música? 3. Parabolicamará faz referência a que? 4. Quais frases da música te remetem ao desenvolvimento tecnológico? 5. A música mostra pra você a mudança da percepção do espaço tempo? Em quais frases isso fica claro? 6. O que a música diz do tema globalização para você? Nesta etapa do trabalho não foram cobradas respostas escritas, esta foram debatidas entre os alunos, a professora da turma e eu, estagiária. A primeira questão não foi respondida por eles, alunos. Como já me referi anteriormente, este trabalho de debate não era proposto com freqüência dentro de sala, portanto os alunos não estavam acostumados a emitir suas opiniões e a serem cobrados desta forma. Assim, com a primeira música, tive bastante dificuldade de ouvir dos alunos o que tinham entendido sobre a composição. A não ser a postura, já antes citada, preconceituosa a respeito do compositor Gilberto Gil. Diante de um silêncio e de uma imensa apreensão dos alunos e minha também, devido à falta de experiência em sala de aula, resolvi soltar a minha voz e começar o debate. Assim comecei dizendo que o mundo a que o compositor se referia não era o mundo espacial, o planeta, a parte física do mundo. Ali naquela frase, ele (autor) queria dizer das possibilidades do mundo, das mentalidades das pessoas que viviam no Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 30 “antes”, sem ter muitas alternativas de deslocamento, de conhecimento do mundo, das notícias do mundo, por isso ele era pequeno, mais restrito ao lugar, à região. Só fazia parte deste o próprio pedaço de solo, onde residia uma pessoa. Sair de lá, saber além do que acontecia lá era tarefa difícil e demorada. Portanto, sem as tecnologias que temos hoje, o mundo era pequeno, pois não se sabia muito além de seu próprio território, não se sabia muito além do horizonte, pelas dificuldades do transcorrer das informações e das pessoas. “Hoje o mundo é muito grande...”. Aqui o autor da música já diz que o mundo é grande por causa das tecnologias hoje incorporadas. Hoje, saber do mundo, andar no mundo, para o compositor da música é fácil e, portanto o mundo ficou pequeno em comparação com o tempo anterior, tempo em que as pessoas não contavam com recursos tecnológicos suficientes para levá-las de um lugar a outro distante com tanta velocidade, ou até mesmo sem sair de casa. Continuei então dizendo que a terra, por sua vez, na música dizia da questão física, porém a relação do espaço físico com o referencial que o analisa, ou seja, a terra era grande quando o mundo era pequeno, justamente porque não se sabe muito do “lado de lá”, não se vai com facilidade a outros lugares, todos os lugares são muito distantes e se demora muito para chegar, assim as pessoas tinham a idéia de que a terra era enorme. Hoje para o compositor a “Terra é pequena”, porque viajamos por ela rapidamente, temos notícias de todas as partes do globo em tempo real. O tempo que se gastava antes para chegar à cidade vizinha foi reduzindo drasticamente, e nem se precisa ir fisicamente a um lugar, basta ligar a televisão, o rádio, a internet e as notícias chegam do outro lado do mundo, ou vêem rapidamente de lá para cá. A partir daí, os alunos começaram a se soltar e falar sobre outras questões, até com outras perguntas. Sobre a questão três, os alunos conseguiram estabelecer a conexão entre esta e as questões anteriores. Vários disseram que Gilberto Gil estava falando da televisão, da antena parabólica. “Professora, ele quis dizer que foi a televisão que deixou o mundo pequeno, porque a gente viaja com ela”. Esta aluna citou uma propaganda da Rede Globo que passava na época. Segundo a aluna a propaganda entrevistava pessoas falando o quanto a emissora com suas novelas e programas fazia as pessoas viajarem pelo mundo sem sair de casa. Assim, ela concluiu: “então o compositor está dizendo Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 31 que nós viajamos no mundo por causa da televisão, por isso o mundo hoje cabe na televisão e por isso a terra ficou pequena. Viajo em toda ela (a terra) sentada na minha sala”. Eu me recordava da propaganda e achei fantástica a relação. Outros alunos entraram na discussão a partir daí, se recordando da televisão e concordando com a opinião da colega. A quarta questão teve participação maciça. Depois de já descontraídos, os alunos me disseram várias frases que se referiam ao desenvolvimento tecnológico: “de jangada leva uma eternidade, de saveiro leva uma encarnação”; foi a que os alunos mais disseram, como já era de se esperar. Também um aluno disse as primeiras frases da música: “Antes mundo era pequeno porque Terra era grande. Hoje mundo é muito grande porque Terra é pequena [...]”. (GIL, 1991). Perguntei por que ele estava dizendo esta frase e ele respondeu que eu tinha explicado porque o mundo ficou pequeno por causa da tecnologia, então aquela frase falava de desenvolvimento tecnológico. A questão cinco falava da percepção do tempo e do espaço. Nesta questão a resposta veio rapidamente de um aluno, o mesmo que na questão anterior tinha citado as primeiras frases. Ele disse que a música falava dessa mudança porque as pessoas hoje diziam que o tempo ficou curto e diziam que o mundo é pequeno. Que ele ouvia o pai falar isso. Então eu perguntei, porque o tempo é pequeno? Ele respondeu: “[...] uai, porque tem que trabalhar pra comprar a televisão, meu pai fala que trabalha pra comprar as coisas lá de casa, televisão, geladeira e o meu computador”. Outra aluna disse que não era só porque a gente trabalha muito, ela disse que o tempo mudou porque todas as notícias chegam até nós muito rápido, então “a gente acha que o tempo tá menor, mas não tá”. Perguntei para esta mesma aluna: mas o que a música esta dizendo do espaço tempo? Ela respondeu: “que a terra tá pequena porque a gentechega rápido nos lugares, porque vamos de avião e não de carroça”. Não quis entrar na questão das contradições de quem anda mesmo de avião, deixei então este assunto mais para frente. A última questão pedia para os alunos falarem o que a música diz do tema globalização para eles. Após a leitura da pergunta e, depois do debate, algumas respostas vieram rapidamente. Alguns alunos disseram, com palavras diferentes, que a Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 32 música fala de desenvolvimento tecnológico, portanto falava de globalização. Outros disseram que a música tratava da globalização à medida que falava dos fluxos de informações através da televisão e fluxo de pessoas pelo mundo com as novas tecnologias de transporte.13 Sobre a segunda parte da aula, globalização e política, as questões colocadas foram acerca da música “ninguém regula a América” do grupo Rappa, também como uma forma de direcionar o trabalho, facilitando a compreensão dos alunos sobre o tema e a música. Depois da audição as questões deveriam ser respondidas em um debate. A primeira questão perguntava o nome da música: Sobre o nome, de que América a música fala? Uma questão simples, mas de fundamental importância para o entendimento completo da música. Logo as respostas vieram corretas, dizendo que o autor falava dos Estados Unidos da América. Completei dizendo do quanto as pessoas se valiam deste nome para se referir aos Estados Unidos, em uma demonstração da submissão, muitas vezes inconsciente do mundo a este país. Disse do descarte dos outros inúmeros países, inclusive o nosso, quando se refere a um único país pelo nome América. Esta música faz então uma crítica a esta forma de se referir aos Estados Unidos da América. A segunda pergunta foi: o que o autor quis dizer com o nome e o refrão da música? Esta questão não foi respondida de imediato. Para que os alunos conseguissem responder, tive que ir além com o debate para que depois eles conseguissem falar com clareza sobre esta questão. Depois de o debate ter superado a terceira questão, ficou mais fácil para os alunos responderem sobre o nome e o refrão da música. Os alunos conseguiram entender e verbalizar com clareza que a música dizia da América: que ninguém regulava os Estados Unidos, ninguém conseguia lhes conter, colocar “freios” em suas decisões, ou até mesmo interferir antes das decisões tomadas, mesmo que essas fossem de interesse mundial. A terceira questão era uma avaliação da letra de acordo com esses referenciais: 1. protocolo de kioto; 13 Todas as falas entre aspas estão da maneira que os alunos disseram; outras citadas por mim foram falas dos alunos, porém transcritas por mim em meu diário de campo. Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 33 2. Armas exportadas; 3. a relação entre o que estamos estudando e estas frases: a) “forçando a porta da Colômbia com uma hipocrisia que vicia o intelecto de Brasília e outras capitais”. b) “o W. Bush de plantão limite que engatilha um novo míssil sobre o céu de Wall Street arriscando a todos com o medo de perder mais uma guerra”. Diante desta última questão os alunos não responderam nada, como já era previsto, perguntaram somente: “o que é protocolo de Kioto?” Sobre o protocolo respondi que era um acordo internacional para reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera, mas que os EUA não assinaram. Mais uma vez provando que o nome da música está de acordo com a realidade. Sobre as armas exportadas expliquei que os EUA vendiam armas para o oriente, culminando em grandes massacres. Ao invés de usar sua influência para apartar as constantes guerras, este país lucra sobre os dolorosos conflitos orientais. Diante destas revelações os alunos se indignaram, ficaram curiosos a respeito como estas vendas de armas eram feitas, como eles tinham tamanha coragem? Como eles não se importavam com tantas mortes? O debate então por um tempo ficou em torno destas questões e eu deixei-os a vontade para este momento já que achei muito produtivo o estado de indignação dos alunos. Acredito que esse sentimento é o melhor incentivo para o aprendizado, para a investigação e pesquisa, pois contrariando o positivismo, a ciência a meu ver tem que se envolver de muita paixão, de um sentimento forte, de uma fome, uma sede de saber e isto só é possível com uma inquietude anterior. Bem, voltando aos resultados, fiquei impressionada com o envolvimento dos alunos nesta fase das aulas, pude acompanhar os questionamentos que surgiram através desta aula, desta música. Sobre o último item da última questão e que passava por duas frases, os alunos falaram sobre o poder, a influência dos Estados Unidos sobre os outros países da América, principalmente sobre o Brasil. Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 34 Quanto à última frase, falei das fortes desconfianças de que o W. Bush tenha sido responsável pelo ataque dos “11 de Setembro”, apesar de esta música ter sido lançada antes. Mas esta faz menção, sobre tudo, à incontestável capacidade do então presidente dos Estados Unidos da América arriscar seu próprio povo em prol de uma vitória em uma batalha, seja por dinheiro, por terras, por petróleo, por controle econômico ou intelectual. O próximo passo foi aplicar uma avaliação escrita aos alunos, uma avaliação que considerei, como já disse anteriormente, inadequada. Não tive, por falta de experiência, o discernimento de aplicar uma prova adequada aos alunos, quis dentro de minha própria ideologia fazer uma prova brilhante, porém descobri que uma prova ideal inserida dentro de um dado contexto real pode se transformar em uma ferramenta frágil de avaliação. Assim foi com esta prova, que para realizá-la os alunos puderam consultar as letras das músicas e os cadernos de anotações e o texto que lhes dei no momento da prova.14 (Anexo I). A primeira questão tratava do conceito de globalização e seus desdobramentos na sociedade: Questão 01: “Toda a história pré-capitalista da humanidade se desenrola no contexto de quadras espaciais restritas. Isso significa que inexiste, até o advento do capitalismo, uma história universal. São modos de produção inscritos em quadros particulares, em histórias ímpares e autônomas. Os contatos entre as civilizações são inexistentes, tênues ou esporádicos”. (MORAES; COSTA Apud SENE, 1987, p. 82.) “Com base nesta frase e seus conhecimentos fale o que você entende sobre a globalização e seus desdobramentos na sociedade”. Em relação a estas questões obtive respostas como as seguintes: O mundo inteiro resumia-se a pequenos povos ocultos dos demais existentes no restante do mundo, porém após a idéia da globalização entrar em vigor notou-se a união e a aproximação de povos com base na tecnologia facilitando assim o contato contínuo com esses outros povos, fazendo o mundo parecer pequeno, social, cultural, econômico e político. (Aluno 1) Globalização é uma mundialização do capitalismo, com impacto na economia, na política, na cultura e no espaço geográfico, então pode se dizer que a globalização seria uma aceleração em todos os setores da vida. Uma aceleração na tecnologia onde você pode ter acesso a 14 A partir daqui os textos entre aspas foram escritos pelos alunos, portanto não serão corrigidos gramaticalmente. Capítulo III: Dos resultados em sala de aula 35 todo o mundo, sem se mover, pede estar em lugares distantes em pouco tempo. (Aluno 2) Globalização é um fenômeno que vem se desenrolando há séculos e , afeta a cultura, a política, a sociedade, além das economias. A globalização torna os países mais desenvolvidos, devido às inovações tecnológicas, gerando sustentabilidade, oportunidades para a população. A globalização afeta completamente a vida das pessoas, pois devido a ela, passamos a ter influências
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