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SINTESE DO ARTIGO PROPOSTO Acadêmica – Leina Gabrielle Almeida Curso de Arquitetura e Urbanismo – Instituto Educacional Santo Agostinho – AFYA Professora de Paisagismo I – Cláudia Cruz A modernidade em Burle Marx: a ambiguidade do jardim pictórico “Sua visão futurista, sua ousadia, sua imaginação criativa e indômita e seu patriotismo o transformaram no reformulador do paisagismo brasileiro” (Rômulo Cavalcanti Braga). Entre as décadas de 30 a 50, Burle Marx desenvolveu um processo no desenho de seus jardins, que logo após se concretizaram e se tornaram uma marca do artista. Ele adotou como referências nas obras de Picasso, Henry Moore, Van Gogh, dentre outros artistas. Pode-se dizer então que Burle Marx busca o lado mais importante das coisas, coleciona coletâneas, associando as vantagens e circunstâncias da combinação destes, através de um processo criativo, original e autêntico. Ele coloca em prática frequentemente uma leitura minuciosa das obras, adaptando as variadas influências aos diferentes contextos culturais, ele olha, capta, transforma e aplica. Seus projetos paisagísticos e pinturas eram originados a partir de um complexo e variado processo de pesquisa. Burle Marx compreendeu e reformulou o processo de utilização dos exemplares da nossa flora, compreendendo as plantas como componentes plásticos capazes de serem conjugados para expressar uma forma de arte autônoma. Suas obras paisagísticas são identificadas inicialmente como pintura, uma experimentação livre de cores e formas sobre diversas superfícies, aplicando diversas técnicas. Na sua arte paisagística são somados aos valores meramente pictóricos (que se diz respeito à pintura), os atributos tridimensionais e volumétricos que determinam a criação dos espaços. Na década de 30 sua pintura é representada a partir de naturezas mortas, retratos, algumas paisagens – é presente a referencia de elementos naturais. Próximo à década de 40 ele testa formas de executar uma menor complexidade assimilando aos valores cubistas. Seu emprenho se limita à geometrização das formas naturais, numa clara dificuldade de abstração do mundo natural. Nesta mesma época, talvez pelas possibilidades de auxilio – árvores, arbustos, ervas, pedras, água – esse desligamento da representação da realidade ocorreu de maneira mais direta. Seus jardins são compostos como um plano pictórico, próximo dos princípios estéticos da pintura moderna. Formas e cores são extremamente visíveis, ao utilizar as formas ele harmoniza valores geométricos e de ordem com os valores instáveis da natureza. A cor assume um caráter construtivo na composição, a força de cada elemento – água, árvore isolada, conjunto de plantas, forrações, pisos - atinge valores estruturais que agem na totalidade da paisagem como se fosse uma construção. Estas composições paisagísticas possibilita um novo espaço, assumindo uma estrutura moderna, uma experiência própria e autônoma possuidora de lógica interna. Burle Marx, através de um olhar apurado, buscou na pintura moderna suas características intrínsecas transfigurando-as para os projetos dos jardins, como se utilizasse as plantas como meras pinceladas de cor. Porem, não deve- se considerar sua obra paisagística como uma simples transposição bidimensional das suas representações projetuais, pois desta maneira, se estaria excluindo uma característica fundamental das suas composições. Para aplicar estes conceitos projetivos, mesmo que inspirados em teorias de pinturas eram necessários conhecimentos botânicos das espécies e suas associações. Para isso, Burle Marx descobriu a riqueza da flora nativa do Brasil. A matéria natural utilizada para compor estes jardins se torna também abstrata, pois é a criação de uma nova situação - conceito este também amplamente conectado aos princípios da arte moderna. Os elementos vegetais, utilizados como matéria prima, são variáveis, possibilitam diversas percepções. Cada planta que constitui uma mancha de cor na composição burlemarxiana é analisada como um fenômeno abstrato que está sujeito a mudanças ou permanente de cores e volumes. O jardim é uma realidade frágil uma vez que lida com o mundo transitório e efêmero das plantas, com o ciclo de vida, com a mutabilidade, com a temporalidade bem marcada, diferente da obra de arte estática. Sua obra vai gerando, através desses mecanismos, uma complexidade de relações e vai mostrando o extrato intelectual que há por trás de sua concepção. O valor do todo vai se tornando mais aparente e também mais problemático. Os jardins da residência Odette Monteiro em Correias (1948) é um dos maiores representantes desta complexidade pictórica expressada nos jardins de Burle Marx. A propriedade se localiza em um vale circundado pelas sinuosas montanhas da Serra dos Órgãos e por trechos de florestas da Mata Atlântica, certamente um cenário natural exuberante. Em um ponto suavemente elevado do vale se encontra a sede da residência, a tradicional e sólida casa neocolonial projetada por Wladimir Alves de Souza, de onde se tem a visão da propriedade e do entorno, propondo um certo domínio do homem sobre a paisagem. Em outras obras Marx, incorpora os elementos e as características da natureza circundante potencializando-os através da intervenção: a água corrente presente na propriedade é represada de maneira a conformar um lago, que se torna um elemento central no projeto do jardim. O jardim assume assim uma grande força pictórica com suas linhas envolventes e seu cromatismo intenso. Com relação a aplicação das cores e suas inter-relações, o conjunto de cada elementos na composição dos jardins e a complexidade pictórica, podemos aproximar o pensamento de Burle Marx ao de diversos artistas. São criadas novas realidades conforme as mudanças das estações do ano, de acordo com as transformações sazonais no cromatismo das espécies. Burle Marx se utiliza de estratégias plásticas de distribuição de espécies com florescências em diversas estações do ano, fazendo com que o alto cromatismo e os contrastes permaneçam o ano todo, alterando-se pelo jardim. Não se trata de um jardim que seja capaz se ser descoberto a partir de uma única visada: ele acontece a partir de um movimento de descobertas sucessivas do observador em direção ao infinito, incorporando o espaço imaginativo ao movimento do corpo nesse processo. É inegável que por sua força este jardim possibilita uma experiência individualizada em relação à arquitetura. A condição do projeto paisagístico não é mais potencializar a arquitetura nem ser potencializado por ela, mas se construir como um evento autônomo, não mais centrado ou dependente da arquitetura. A arte dos jardins comparada com as outras artes é extremamente ambígua: ela se constrói com a própria natureza, e, no entanto, desta deve se afastar por intermédio de um gesto que a torna jardim e que a isola da extensão que o cerca. Há um intercâmbio de vertentes na noção da paisagem: o ordenamento construído através da arte, numa coexistência com o princípio eterno de natureza. Através da manobra de introduzir a natureza estetizada na arquitetura, se estabelecia uma maneira de realizar a conciliação entre arquitetura e natureza, ora possibilitando uma unidade compositiva, ora ressaltando a distância entre os dois elementos insistindo em sua recíproca exterioridade. Burle Marx realizou trabalhos em Recife (1934-37) no setor de parques e jardins. Seu foco era, assim, a experimentação através do uso da vegetação até então pouco explorada – como cactos, vitórias régias, palmeiras e coqueiros - ressaltando as dimensões recreativa, artística, educativa e ambiental. Seus jardins desta época, no entanto, resultavam de uma compreensão da composição clássica do paisagismo, onde ressaltava a presença monumental de alguns elementos vegetais centrais em uma estrutura compositiva baseada na delimitação préviade canteiros, que eram então preenchidos por elementos vegetais. O traçado ordenador dos projetos de jardim em Recife era baseado no arranjo simétrico de canteiros de plantas, espelhos d'água e passeios, valorizando as grandes perspectivas e os elementos que pontuavam o espaço (fontes, volumes de vegetação). Estas simetria e ordem da definição espacial dos jardins de Recife, no entanto, eram acrescidas da variedade e a extravagância das espécies vegetais utilizadas, numa tentativa de manter racionalmente sob controle o reino irracional da vegetação. A partir dos anos 40, mais especificamente entre os anos 1942 e 1945, Burle Marx foi encarregado de uma série de parques e praças em Minas Gerais, onde explora a flora local realizando ambientes típicos da paisagem mineira, valorizando o potencial de aproveitamento das associações vegetais existentes na própria natureza. Burle Marx alia o perfil experimental-científico na metodologia da escolha das espécies (através do seu profundo entendimento do ciclo de vida das mesmas e das associações possíveis), com o perfil experimental-artístico que busca um foco extremamente visual na composição, como numa tela em que os elementos possuem uma lógica intrínseca: "Eu não quero criar um jardim que seja uma imitação da natureza. Um jardim tem que ser sempre um evento estético", afirma Burle Marx.
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