Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 1 1. INTRODUÇÃO A esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica, desmielinizante, de caráter auto-imune, que acomete o sistema nervoso central em indivíduos com predisposição genética. Os indivíduos acometidos são geralmente jovens e do sexo feminino (2:1) [1]. Sua prevalência altera-se conforme a latitude, sendo mais alta em locais afastados da linha do Equador. Em Belo Horizonte, estima-se uma prevalência de 18:100.000 habitantes [2]. Apesar de pouco comum em relação a outras doenças crônicas, a esclerose múltipla constitui causa importante de incapacidade neurológica entre adultos jovens e de meia idade [3]. A presença de sintomas psiquiátricos em pacientes com esclerose múltipla é conhecida desde as primeiras descrições da doença, ainda no século XIX. Entretanto, apesar de comuns, esses sintomas são freqüentemente subdiagnosticados, gerando sofrimento e pior qualidade de vida aos doentes. Estima-se, por exemplo, que um terço dos pacientes com esclerose múltipla e depressão maior ou ideação suicida não receba nenhum tratamento para o distúrbio de humor [4]. No Brasil, não há estudos sistematizados sobre distúrbios psiquiátricos ou ideação suicida em pacientes com esclerose múltipla. Além disso, não há, na literatura nacional, qualquer estudo sobre as propriedades psicométricas do instrumento mais freqüentemente utilizado para avaliar sintomas depressivos nessa população, a saber, o Inventário de Depressão de Beck. 2 2 1.1. A CLÍNICA DA ESCLEROSE MÚLTIPLA A esclerose múltipla é definida clinicamente pelo envolvimento de diferentes partes do sistema nervoso central em momentos diferentes, desde que outros distúrbios que causem disfunção central multifocal sejam excluídos. Os sintomas iniciais surgem geralmente antes dos 55 anos de idade, com pico de incidência entre 20 e 40 anos, sendo mais comum em mulheres (2:1) [5]. O distúrbio é caracterizado por desenvolvimento de áreas focais de desmielinização, seguida de gliose reativa, podendo haver dano axonal. As lesões ocorrem na substância branca do encéfalo, medula e nervo óptico e podem ser visibilizadas à ressonância magnética como placas hiperintensas em T2, distribuídas irregularmente no sistema nervoso central [1]. A causa da esclerose múltipla é desconhecida, mas o dano tecidual e, conseqüentemente, os sintomas neurológicos, parecem resultar de um mecanismo imunológico direcionado contra antígenos mielínicos. O ataque imunológico sobre a mielina desnuda os axônios, reduzindo a velocidade de condução nervosa e levando aos sintomas neurológicos [6]. Os pacientes podem apresentar uma variedade de sintomas. As queixas iniciais comuns são fraqueza, parestesias e disestesias, perda visual subaguda, diplopia, desequilíbrio e alterações do funcionamento esfinctérico vesical ou intestinal. Em geral, os sintomas são transitórios e desaparecem após alguns dias ou semanas, mesmo que algum déficit residual possa ser encontrado ao exame neurológico cuidadoso. Subseqüentemente, pode haver um intervalo de meses ou anos após o episódio inicial antes do aparecimento de outros sintomas neurológicos. Novos sintomas podem, então, se 3 3 desenvolver, e os primeiros sintomas podem recorrer e progredir. Com o tempo – após inúmeras recaídas e, com freqüência, remissões incompletas -, o paciente pode tornar-se cada vez mais incapacitado em conseqüência da fraqueza, da espasticidade, dos distúrbios sensoriais, da instabilidade dos membros, do comprometimento da visão e da incontinência esfinctérica. Conforme o curso, a doença pode ser classificada, basicamente, em quatro formas principais: [1]. • Forma surto-remissão (ou remitente-recorrente): corresponde a 85% dos casos. Não ocorre progressão entre os ataques. • Forma progressiva primária: corresponde a 10% dos casos. Há uma progressão gradual da incapacidade desde o início. • Forma progressiva secundária: caracteriza-se por um curso gradual e progressivo após um padrão inicial de surto-remissão. Corresponde a aproximadamente 80% dos casos após 25 anos de doença. • Forma progressiva em surtos: raramente ocorre. Caracteriza-se por recaídas agudas sobrepostas a um curso progressivo primário. O diagnóstico da esclerose múltipla é uma tarefa complexa que se baseia na análise detalhada da história clínica, dos antecedentes médicos do paciente, da história familiar de doenças neurológicas, da exclusão de doenças clínicas que podem simulá-la e, cima de tudo, de um exame clínico cuidados. Além disso, diversos exames complementares como exames de sangue, líquor, neuroimagem e, eventualmente, estudo de potencial evocado visual costumam ser necessários para a confirmação do diagnóstico [7]. 4 4 1.2. ESCLEROSE MÚLTIPLA E TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS A ocorrência de sintomas neuropsiquiátricos na esclerose múltipla, como euforia, mania, humor deprimido ou ansioso e alterações da personalidade, é conhecida desde as primeiras descrições da doença. Ainda no século XIX Charcot já os referia como parte do quadro clínico. Desde então, diversos pesquisadores têm estudado a prevalência e a fisiopatologia desses sintomas, buscando estabelecer correlações clínicas, anatômicas, genéticas, imunológicas e mesmo moleculares que possam explicar sua ocorrência. Apesar disso, a diversidade dos estudos e das metodologias aplicadas faz com que, muitas vezes, os resultados não sejam comparáveis, dificultando ainda mais a compreensão dessas manifestações. 1.2.1. DEPRESSÃO E ESCLEROSE MÚLTIPLA A depressão é um dos quadros psiquiátricos mais freqüentemente associados à esclerose múltipla [8]. Os primeiros estudos sobre sua prevalência datam de 1950 [9], porém com resultados divergentes. Atualmente, tem-se considerado a prevalência/vida nesses pacientes ao redor de 40-60% e, a prevalência/ano, 15-30% [3,10]. Esses índices são maiores que os encontrados na população geral [11,12] e mesmo que os relatados em outras populações com risco particularmente elevado para depressão, como portadores de doenças crônicas [13]. A depressão, por sua vez, incapacita ainda mais o paciente, predispõe ao abandono do tratamento e, consequentemente, a novos surtos neurológicos e à piora 5 5 progressiva da doença [14]. Além disso, os transtornos de humor constituem fator de risco psiquiátrico relevante para o suicídio e podem ser modificados com intervenção apropriada [15]. Os sintomas caracteristicamente encontrados nesses pacientes são: humor deprimido, medo, irritabilidade, sentimentos de frustração e desânimo [16,17]. Sintomas melancólicos, como sentimentos de menos-valia e culpa parecem ser menos comuns nessa população que em pacientes deprimidos sem esclerose múltipla [11]. A presença de sintomas como fadiga e alterações do sono, apetite, libido, psicomotricidade, concentração e memória não indicam, por si só, a presença de depressão, uma vez que tais sintomas podem fazer parte do quadro clínico de esclerose múltipla [18]. Autores que avaliaram a relação entre intensidade dos sintomas depressivos e tempo de duração da doença ou o grau de incapacidade neurológica [19,20] não encontraram associação significativa entre os dados. Outros autores, por sua vez, relatam um risco aumentado de depressão no período subseqüente ao diagnóstico, principalmente em pacientes do sexo feminino e com idade inferior a 35 anos [21,22] No Brasil, três estudos relataram freqüências semelhantes de sintomas depressivos em pacientes com esclerose múltipla (cerca de 30%) [23-25]. Entretanto, esses estudos não utilizaram nenhum instrumento diagnóstico compatível com os critérios do DSM-IV ou CID- 10, tendo-se baseado exclusivamente nos escores obtidos por escalas, como BDI e HAD. Nos últimos anos, o uso de interferon beta 1-b na terapêutica da esclerose múltipla tem sido associadoà ocorrência e piora de sintomas depressivos [26,27]. Essa observação tornou- se especialmente importante após estudos controlados relatarem a ocorrência de tentativas de suicídio e suicídio completo em pacientes recebendo interferon beta 1b [28]. Mais recentemente, o uso de interferon beta 1-a vem sendo alvo de controvérsias e, enquanto alguns estudos apontaram maior ocorrência de sintomas depressivos em pacientes recebendo 6 6 esta medicação [29,30], outros falharam em encontrar tal associação [31-34]. A tabela 1 mostra os estudos que avaliaram a associação entre uso de interferon beta e depressão na esclerose múltipla. Ressalta-se que apenas dois estudos utilizaram, além de escalas de humor, uma entrevista psiquiátrica estruturada para confirmação diagnóstica segundo os critérios do DSM-IV. A maioria dos estudos avaliou seus resultados de acordo com os pontos de corte sugeridos para as escalas. TABELA 1 – Depressão, interferon beta e esclerose múltipla. Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados IFNB-MS Study Group. 1995. [28] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 45 a 48 meses, de 372 pacientes com EM que iniciaram uso de IFN beta-1b. Três tentativas de AE no grupo que usou doses de baixas de IFN Uma tentativa de AE no grupo que usou doses altas de IFN. Jacobs LD e cols. 1996. [35] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 2 anos, de 301 pacientes com EMRR que iniciaram uso de IFN beta-1a. Estudo multicêntrico, duplo- mascarado, randomizado, placebo-controlado. Não houve associação entre o uso de IFN beta-1a e tentativas de AE. Houve uma tentativa de AE no grupo em uso de placebo e nenhuma no grupo em uso de IFN beta-1 a. Mohr DC e cols. 1996. [36] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 6 meses, de 99 pacientes com EM que iniciaram uso de IFN beta-1b. Abandono do tratamento diretamente associado à ocorrência de depressão. Neilley LK e cols. 1996. [27] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 12 meses, de 72 pacientes com EM que iniciaram uso de IFN beta-1b. Associação significativa entre uso de IFN beta-1b e ocorrência ou piora de depressão. Depressão diretamente relacionada ao abandono do tratamento. 7 7 TABELA 1 – Depressão, interferon beta e esclerose múltipla. (continuação) Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Mohr DC e cols. 1997. [37] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 6 meses, de 85 pacientes com EM que iniciaram uso de IFN beta-1b. 41% dos pacientes evoluíram com ocorrência ou piora dos sintomas depressivos. Pacientes que receberam tratamento para depressão melhoraram a adesão ao tratamento. PRISM Study Group, 1998. [31] e Patten SB. Metz LM. 2001.[38] Estudo prospectivo multicên- trico, duplo-mascarado, rando- mizado, placebo-controlado. 560 pacientes com EMRR acompanhados por dois anos a partir do início do tratamento com IFN beta-1a. Avaliações ao início, com 12, 18 e 24 meses. Não houve evidência de aumento na incidência de sintomatologia depressiva associada ao uso de IFN beta-1a. Borras C e cols. 1999. [39] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 24 meses, de 90 pacientes com EMRR que iniciaram tratamento com IFN beta-1b. Houve melhora significativa do estado emocional após o primeiro e o segundo ano de tratamento. Autores concluem que não há associação entre uso de IFN beta-1b e depressão. Mohr DC e cols. 1999. [29] Estudo prospectivo. 56 pacientes com EMRR avaliados 2 semanas antes do início do tratamento com IFN beta-1a, ao início do tratamento e após 2 meses de uso. A piora dos sintomas depressivos após 2 meses de IFN beta-1b associou-se à presença de depressão antes do tratamento. Autores concluem que pacientes com história recente de depressão têm risco aumentado de desenvolver DM após iniciar o uso de IFN beta-1b. 8 8 TABELA 1 - Depressão, interferon beta e esclerose múltipla. (continuação) Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Leon C e cols. 2000. [40] Estudo prospectivo. 25 pacientes com EMRR acompanhados por 2 anos a partir do início do tratamento com IFN beta-1a. Depressão relatada em 31,6% dos pacientes. SPECTRIMS Study Group. 2001. [32] e Patten SB e Metz LM. 2002. [41] Estudo prospectivo multicên- trico, randomizado, duplo- mascarado, placebo-controla- do. 618 pacientes com EMPS. Acompanhamento por 36 meses a partir do início do uso de IFN beta-1a. Não houve associação entre ocorrência de depressão ou suicídio e uso de IFN beta-1a. Houve associação significativa entre depressão e abandono de tratamento. Vermersch P e cols. 2002. [42] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento, por 18 meses, de 188 pacientes com EMRR a partir do início do uso de IFN beta-1a. Abandono de tratamento associado à depressão em 3 casos. Feinstein A e cols. 2002.* [43] Estudo prospectivo. 42 pacientes com EMRR avaliados antes de iniciar tratamento com IFN beta-1b, após 3, 6 e 12 meses. Ocorrência de DM após início do tratamento com IFN beta-1b associado à história psiquiátrica prévia ao tratamento. Zephir H e cols. 2003, [33] Estudo prospectivo. 106 pacientes com EMRR avaliados antes e 12 meses após o início do tratamento com IFN beta-1a. Escores do BDI não foram significativamente diferentes antes e após o tratamento. Autores concluem que IFN beta-1a não influencia nos níveis de depressão em pacientes com EM. 9 9 TABELA 1 – Depressão, interferon beta e esclerose múltipla. (continuação) Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Zivadinov R e cols. 2003. [44] Estudo prospectivo. 27 pacientes com EMRR avaliados antes do início do tratamento com IFN beta-1a, após seis e 12 meses. Não houve diferença significa-tiva nos escores obtidos na HAM-D e HAM-A antes e após o tratamento. IFN beta-1a não alterou significativamente a função psíquica dos pacientes após um ano de tratamento. Patten SB e cols. 2003. [34] Estudo prospectivo. 163 pacientes com EM avaliados ao início e após 3 meses de tratamento com IFN beta-1a. Não houve diferença significativa na prevalência de depressão ao início e ao término do estudo. Autores concluem que uso de IFN beta-1a não está diretamente ligado à ocorrência de depressão. North American Study Group on Interferon beta-1b in Secondary Progressive MS. 2004. [45] Estudo prospectivo multicên- trico, randomizado, duplo- mascarado, placebo-contro- lado. 939 pacientes com EMPS acompanhados por 3 anos a partir do início do tratamento com IFN beta-1b. Três tentativas de AE no grupo em uso de IFN beta-1b, porém não foram consideradas relacionadas ao tratamento. Não houve associação entre uso de IFN beta-1b e ocorrência ou piora de depressão. Galeazzi GM e cols. 2005.* [46] Caso-controle. Avaliação de 50 pacientes com EMRR e de 50 controles sem EM pareados por sexo, idade e nível educacional. Maior prevalência de DM entre pacientes com EM. Não houve associação entre sintomas depressivos e uso de IFN beta ou tempo de doença. 10 10 TABELA 1 – Depressão, interferon beta e esclerose múltipla. (continuação) Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Patten SB e cols. 2005. [47] Meta-análise incluindo um total de 2819 pacientes com EM que fizeram uso de IFN beta-1a. Houve associação significativa entre depressão e IFN beta-1a nos primeiros seis meses de uso. Houve associação significativa entre depressãoe abandono de tratamento. Não houve associação entre uso de IFN beta-1a e tentativas de suicídio. Porcel J e cols. 2006. [48] Estudo prospectivo. Acompa- nhamento de 234 com EM em uso de IFN beta, entre 1995 e 1999. Não houve piora do estado emocional durante o tratamento com IFN beta. Maior incapacidade neurológica e presença de sintomas depressivos ao início do acompanhamento foram os me- lhores preditores de depressão. * Utilizaram entrevista psiquiátrica estruturada para confirmação diagnóstica de acordo com DSM-IV; AE=Auto-extermínio; BDI=Inventário de Depressão de Beck; DM=Depressão Maior; EM=Esclerose Múltipla; EMRR=Esclerose Múltipla Remitente Recorrente; EMPS=Esclerose Múltipla Progressiva Secundária; HAM-A=Escala de Ansiedade de Hamilton; HAM-D=Escala de Depressão de Hamilton; IFN=Interferon. Com relação aos aspectos psicossociais, um número crescente de estudos vem demonstrando a importância de fatores como enfrentamento do estresse e suporte social no desenvolvimento de sintomas depressivos [49]. Em neuroimagem, vários autores buscaram correlacionar sintomas depressivos à localização de lesões desmielinizantes e à carga lesional. A tabela abaixo mostra os estudos disponíveis na literatura sobre o assunto (ver tabela 2). Novamente aqui, apenas dois estudos, a saber, Berg [53] e Feinstein [58] utilizaram, além de escalas específicas, uma entrevista psiquiátrica estruturada. Os demais estudos utilizaram exclusivamente escalas e analisaram seus resultados de acordo com pontos de corte sugeridos na literatura. 11 11 TABELA 2 - Depressão, neuroimagem e esclerose múltipla. Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Rabins PV e cols. 1986. [50] Estudo transversal. 87 pacientes com EM e 16 pacientes com SCI. Prevalência de depressão EM=SCI, porém sintomas mais graves na EM. Pacientes com euforia apresentaram maior dilatação ventricular e comprometimento cognitivo. Honer WG e cols. 1987. [51] Estudo transversal. 8 pacientes com EM e distúrbio psiquiátrico e 8 com EM sem distúrbio psiquiátrico pareados por sexo, idade, tempo e gravidade da doença. Maior envolvimento dos lobos temporais no grupo com distúrbio psiquiátrico. Ausência de relação com área total das lesões. Pujol J e cols. 1997. [52] Estudo transversal. 41 pacientes com EM Maior quantidade de lesões em fascículo arqueado E no grupo com DM. Berg D e cols. 2000.* [53] Estudo transversal. 31 pacientes com EM e DM e 47 pacientes com EM eutímicos. Maior carga lesional em região temporal D no grupo com DM. Autores concluem que a DM na EM relaciona- se às lesões nas áreas de projeção do sistema límbico basal. 12 12 TABELA 2 - Depressão, neuroimagem e esclerose múltipla (continuação). Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Rohit B e cols. 2000. [54] Estudo transversal. 19 pacientes com EM e DM, 29 pacientes com EM eutímicos. Atrofia e desconexão córtico- subcortical devido a lesões na substância branca fronto-parietal podem contribuir para a depressão na EM. Zorzon M e cols. 2001. [55] Estudo transversal. 95 pacientes com EM, sendo 18 com DM. Diagnóstico de DM e gravidade dos sintomas depressivos associados à carga lesional em região frontal D e ao volume total do lobo temporal D. Ausência de relação entre sintomas ansiosos e qualquer medida de carga lesional ou localização das lesões. Zorzon M e cols. 2002. [56] Estudo prospectivo. 90 pacientes com EM avaliados ao início e após dois anos de acompanhamento. Maior atrofia cortical no lobo frontal E no grupo com DM. Gravidade dos sintomas depressivos associada à atrofia do lobo temporal D. Não houve relação com a carga lesional total. Benesova Y e cols. 2003. [57] Estudo transversal. 10 pacientes com EM e DM e 10 pacientes com EM eutímicos. Maior quantidade de lesões em região frontal D no grupo com DM. 13 13 TABELA 2 - Depressão, neuroimagem e esclerose múltipla (continuação). Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Feinstein A e cols. 2004* [58] Estudo transversal. 21 pacientes com EM e DM e 19 pacientes com EM eutímicos. Pacientes com DM apresentaram mais atrofia na região temporal anterior E; maior carga lesional na região ínfero- medial E do córtex pré-frontal e menor quantidade de substância cinzenta total. * Utilizaram entrevista psiquiátrica baseada em critérios diagnósticos do DSM-IV; DM=Depressão Maior; EM=Esclerose Múltipla; SCI=Síndrome Clínica Isolada. Apesar de resultados e conclusões variadas, as evidências parecem favorecer a hipótese de uma associação entre depressão na esclerose múltipla e lesões em regiões fronto- temporais. Todavia, outros estudos ainda são necessários para melhor esclarecimento da questão. Aspectos genéticos de pacientes com esclerose múltipla e transtornos afetivos ainda permanecem pouco conhecidos. Dois estudos [59,60] avaliaram pacientes com esclerose múltipla e transtorno bipolar comórbido e relataram uma possível associação com HLA-DR5 e HLA-DR2. Não há, até o momento, estudos semelhantes em pacientes com esclerose múltipla e depressão maior, porém uma vez que os aspectos genéticos vêm sendo alvo de investigação em pacientes psiquiátricos sem esclerose múltipla, espera-se que estudos semelhantes sejam conduzidos também em outras populações clínicas. No que tange à imunologia, alguns estudos abordaram o assunto como tentativa de explicar, ainda que em parte, os sintomas depressivos nessa população [61,62]. Em 2002, Kahl e cols. [63] encontraram associação entre escores obtidos no BDI e aumento nos níveis de expressão de fator de necrose tumoral-alfa, interferon-gama e interleucina-10 em pacientes com esclerose múltipla. Mais recentemente, em estudo de revisão, Gold e Irwing, 2006 [64], 14 14 discutiram o papel das citocinas como mediadoras de processo inflamatório e sua participação na fisiopatologia da depressão em pacientes com esclerose múltipla. 1.2.2. ANSIEDADE E ESCLEROSE MÚLTIPLA Apesar de os sintomas depressivos terem sido o grande foco de estudo na esclerose múltipla durante várias décadas, no fim dos anos 80 alguns pesquisadores começaram a questionar a presença e a importância dos sintomas ansiosos nessa população. Sabe-se que em pacientes psiquiátricos sem esclerose múltipla existe uma sobreposição considerável entre síndromes afetivas e ansiosas, embora não haja um consenso quanto à causalidade, conseqüência ou coexistência dos sintomas. Uma vez que diversos estudos mostraram taxas elevadas de depressão em pacientes com esclerose múltipla, seria esperado encontrar, também, uma elevada prevalência de transtornos ansiosos nessa população. A presença de ansiedade aumenta a percepção dos sintomas físicos, e pode ser particularmente importante em pacientes com esclerose múltipla, devido à natureza crônica e incapacitante da doença. Além disso, os transtornos ansiosos, especialmente o transtorno de pânico, encontram-se intimamente associados ao comportamento suicida e constituem fator de risco modificável mediante intervenção terapêutica [65]. A tabela 3 mostra os estudos sobre ansiedade e esclerose múltipla disponíveis na literatura. Notam-se resultados variáveis quanto à prevalência de ansiedade nessa população, bem como quanto à associação dos sintomas com características clínicas. Percebe-se que o tema é menos explorado que depressão na esclerose múltipla, sendo que até 2007 havia apenas cinco estudos na literatura internacional e, até o momento, não há nenhum estudo 15 15 brasileiro sistematizado. Cabe também pontuar que somente três autores[55,71,73] utilizaram, além de escalas específicas para quantificar a ansiedade, uma entrevista psiquiátrica estruturada para confirmação diagnóstica segundo critérios do DSM-IV. TABELA 3 – Transtornos ansiosos e esclerose múltipla (continuação). Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Colombo G, Armani M, Ferruzza E, Zuliani C. 1988. [66] Caso-controle. Avaliação de 88 pacientes com EM e comparação com grupo sem EM. Escores de ansiedade similares entre pacientes e controles. Não houve associação entre presença de ansiedade e grau de incapacidade neurológica, idade, tempo de doença ou situação laboral. Stenager E, Knudsen L, Jensen K. 1994. [67] Estudo transversal. Avalia- ção de 94 pacientes com EM. Associação significativa entre sintomas ansiosos e incapacidade física. Autores concluem que a ansiedade na EM pode indicar disfunção cognitiva, incapaci- dade física ou estresse social. Feinstein A e cols. 1999. [68] Estudo transversal. Avalia- ção consecutiva de 152 pacientes com EM. Ansiedade clinicamente signifi-cativa em 25% dos pacientes. Sexo feminino significativamente mais comprometido. Pensamentos auto-destrutivos mais comuns em pacientes com ansiedade e depressão. Ansiedade é sub-diagnosticada em pacientes com EM. Mendes MF e cols. 2000. [23] Estudo transversal. Avalia- ção consecutiva de 95 pacientes com EMRR. Associação entre sintomas ansiosos e grau de incapacidade funcional. Zorzon M e cols. 2001.* [55] Estudo transversal. Avalia- ção clínica e por neuroimagem de 95 pacientes com EM. Não houve associação entre ansiedade e fatores clínicos ou de neuroimagem. Autores sugerem que a ansiedade seja uma resposta ao estresse psicossocial sofrido pelos pacientes. 16 16 TABELA 3 – Transtornos ansiosos e esclerose múltipla (continuação). Autor e Data Delineamento e Amostra Resultados Janssens ACLW e cols. 2006. [69] Estudo prospectivo. 101 pacientes recém diagnosti- cados com EM. Avaliações ao início, com seis, 12, 18 e 24 meses. Escores de ansiedade elevados em 34% da amostra, que se mantiveram ao longo do período. Escores acima daqueles observados na população geral. Tsivgoulis G e cols. 2007. [70] Estudo transversal. Avalia- ção consecutiva de 86 pacientes com EMRR. Associação independente entre grau de incapacidade neurológica e presença de ansiedade. Korosti M e Feinstein A. 2007.* [71] Estudo transversal. Avalia- ção consecutiva de 140 pacientes ambulatoriais com EM. Transtornos de ansiedade em 35,7% da amostra, sendo pânico (10%), TOC (8,6%) e TAG (18,6%) os mais comuns. Maior prevalência em mulheres. Associação com depressão, abuso de álcool e ideação suicida. Lester K, Stepleman L, Hughes M. 2007. [72] Estudo transversal. Entre- vista, através de ques- tionários, de 90 pacientes ambulatoriais com EM. Ansiedade associada à percepção das incapacidades física e cognitiva causadas pela EM. Montel SR e Bungener C. 2007.* [73] Estudo transversal. Avalia- ção consecutiva de 135 pacientes com EM. Transtornos ansiosos em 4% da amostra e sintomas mistos (ansiedade/ depressão) em 15%. Não houve associação entre presença de ansiedade e características clínicas ou uso de medicações para EM. * Utilizaram entrevista psiquiátrica estruturada para confirmação diagnóstica de acordo com o DSM-IV; EM=Esclerose Múltipla; EMRR= Esclerose Múltipla Remitente Recorrente; TAG= Transtorno de Ansiedade Generalizada; TOC= Transtorno Obsessivo Compulsivo. 17 17 1.2.3. IDEAÇÃO SUICIDA, SUICÍDIO E ESCLEROSE MÚLTIPLA A presença de ideação suicida e o risco de auto-extermínio em portadores de esclerose múltipla vêm recebendo crescente atenção nos últimos anos. Diversos estudos mostram uma taxa aumentada de suicídio nessa população, apesar de não haver consenso em relação ao risco relativo. O desenho dos estudos, o tamanho das amostras e mesmo a metodologia utilizada muitas vezes dificultam a comparação dos resultados. Alguns estudos avaliaram a ocorrência de suicídio completo em populações de esclerose múltipla [76,77,79,81,82] de alguns países. Nesses trabalhos, a taxa de suicídio variou entre 1 e 15%, porém os autores foram unânimes em apontar taxas acima do esperado para a população geral, de acordo com as estatísticas locais. Alguns autores, inclusive, [18] são enfáticos em apontar o suicídio como uma causa de morte relevante entre pacientes com esclerose múltipla. Outros autores [78,80,83] por sua vez, avaliaram a freqüência de ideação suicida entre portadores de esclerose múltipla e encontraram números que variaram de cinco a surpreendentes 30% da amostra. Feinstein, especificamente, [80] encontrou uma associação significativa entre ideação suicida e depressão maior, transtorno misto ansioso-depressivo, abuso de álcool, história familiar de transtorno mental e residir só. Turner e colaboradores [83], por sua vez, encontraram associação entre ideação suicida e idade mais jovem, menor suporte social, não ser casado e ter menor renda mensal. Embora não se saiba ao certo a relação entre ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio consumado, parece existir uma íntima conexão entre esses fenômenos [84]. É provável que, em alguns casos, a ideação suicida evolua para uma tentativa ou mesmo o suicídio consumado, uma vez que ideação e tentativas prévias são importantes preditores de comportamento suicida. [85]. Em pacientes 18 18 adultos sem esclerose múltipla, Kessler e cols. [86] relataram que 34% dos pacientes com ideação suicida chegaram a planejar o ato, e que uma tentativa ocorreu em 72% daqueles com planejamento. Apesar de não haver estudos semelhantes em pacientes com esclerose múltipla, os dados chamam a atenção para o cuidado no manejo de pacientes com ideação suicida. Na tentativa de identificar fatores de risco para a ocorrência de ideação suicida e suicídio nessa população, alguns pesquisadores avaliaram o papel de medicações utilizadas no tratamento da esclerose múltipla [28,35,41,47]. Como mencionado previamente, é possível que a utilização de interferon beta leve a sintomas depressivos e, indiretamente, ao suicídio, uma vez que pelo menos 30% dos suicidas na população geral têm um diagnóstico de depressão [87]. No Brasil, Lana-Peixoto e colaboradores [26] relataram o caso de um paciente que evoluiu com humor deprimido e ideação suicida ao iniciar tratamento com interferon beta-1a. Ambos os fenômenos cessaram após a suspensão do fármaco. A tabela abaixo apresenta de modo sucinto os estudos disponíveis na literatura sobre suicídio, ideação suicida e esclerose múltipla (ver tabela 4). Notar que não há nenhum trabalho na literatura nacional. TABELA 4 - Ideação suicida, suicídio e esclerose múltipla. Autores e Data Delineamento e Amostra Resultados Sadovnick AD e cols. 1991. [74] Estudo retrospectivo. Avaliação da notificação de casos de suicídio entre 3.126 pacientes com EM, entre 1972 e 1988 em duas cidades do Canadá. O suicídio foi responsável por 15% do total de mortes; 7,5 vezes o número esperado para a população geral ajustada por idade. Long, DD e cols. 1992 e 1996. [76,77] Estudo transversal. Avali- ação de 147 pacientes com EM através de questioná- rios. Suporte familiar, desesperança e religiosidade foram preditores de suicídio. 19 19 TABELA 4 - Ideação suicida, suicídio e esclerose múltipla. (continuação) Autores e Data Delineamento e Amostra Resultados Stenager EN e cols. 1992 e 1996. [76-77] Estudo retrospectivo. Avaliação da notificação de casos de suicídio entre 5.525pacientes com EM, entre 1953 e 1985 na Dinamarca. 53 casos de suicídio (1%). Risco maior em homens com início da doença antes dos 30 anos e diagnóstico antes dos 40 anos. Maior risco nos primeiros cinco anos de diagnóstico. Scott TF e cols. 1996. [78] Estudo transversal. Avalia- ção de sintomas afetivos em 238 pacientes com EM. Presença de ideação suicida em 12 pacientes (5%). Sumelahti ML e cols. 2002. [79] Avaliação prospectiva da sobrevivência de 1.614 pacientes com EM entre 1964 e 1993 na Finlândia. Detectadas 219 mortes no período, sendo 5% devido a suicídio. Taxa pouco acima da observada na população geral, de 3%. Feinstein A. 2002. [80] Estudo transversal. Avalia- ção da presença de ideação suicida em 140 pacientes com EM. Presença de ideação suicida ao longo da vida detectada em 28,6% dos pacientes. Associação com morar sozinho, DM, transtornos ansiosos e abuso de álcool. Fredrikson S e cols. 2003. [81] Estudo retrospectivo sobre a causa de morte de 5.052 pacientes com EM entre 1969 e 1996, na Suécia. Suicídio foi a causa de morte em 90 casos (1,8%). Taxa significativamente maior entre homens jovens. Brønnum-Hansen H e cols. 2005. [82] Estudo retrospectivo. Avaliação da notificação de casos de suicídio entre 10.174 pacientes com EM, entre 1953 e 1996 na Dinamarca. Suicídio foi a causa de morte em 115 casos (1,1%). Taxa esperada pelos autores era 0,5%. Risco especialmente elevado no primeiro ano após o diagnóstico. 20 20 TABELA 4 - Ideação suicida, suicídio e esclerose múltipla. (continuação) Autores e Data Delineamento e Amostra Resultados Turner AP e cols. 2006. [83] Estudo transversal. Avalia- ção de 445 pacientes com EM. Ideação suicida constatada em 29,4% dos pacientes. Associação com idade mais jovem, menor suporte social, não ser casado e menor renda mensal. DM=Depressão Maior; EM=Esclerose Múltipla. 21 21 2. OBJETIVOS 2.1. OBJETIVO GERAL 2.1.1. Verificar a freqüência de transtornos ansiosos e depressivos em pacientes com esclerose múltipla. 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 2.2.1. Verificar a freqüência de transtornos depressivos em pacientes com esclerose múltipla e comparar dados sócio-demográficos, clínicos e psiquiátricos entre pacientes com e sem depressão atual; 2.2.2. Verificar a freqüência de transtornos ansiosos em pacientes com esclerose múltipla e comparar dados sócio-demográficos, clínicos e psiquiátricos entre pacientes com e sem transtornos ansiosos atuais; 2.2.3. Verificar a presença de ideação suicida em pacientes com esclerose múltipla e comparar dados sócio-demográficos, clínicos e psiquiátricos entre pacientes com e sem ideação suicida. 2.2.5. Avaliar a aplicabilidade do Inventário de Depressão de Beck em pacientes com esclerose múltipla e depressão. 22 22 3. CASUÍSTICA E MÉTODOS 3.1. DESENHO DO ESTUDO Realizou-se um estudo transversal em que 61 pacientes de ambos os gêneros com diagnóstico clínico definido de Esclerose Múltipla [88] foram submetidos a exame psiquiátrico. Todos os pacientes estavam em acompanhamento no ambulatório do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla de Minas Gerais (CIEM – MINAS), do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (processo nº. ETIC 045/2006). 3.1.1. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO • Idade igual ou superior a 16 anos • Diagnóstico clínico definido de Esclerose Múltipla [88] e estar em acompanhamento no serviço do CIEM – HC – UFMG. • Preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido. 23 23 3.1.2. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO • Presença de quadro confusional agudo (delirium) definido de acordo com os critérios de DSM-IV. • Presença de retardo mental ou demência, definidos segundo critérios clínicos do DSM-IV. • Presença de sintomatologia neurológica aguda sugerindo surto. 3.2. INSTRUMENTOS 3.2.1. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA 3.2.1.1. MINI INTERNATIONAL NEUROPSYCHIATRIC INTERVIEW - BRAZILIAN VERSION 5.0.0 O Mini International Neuropsychiatric Interview - versão Plus (MINI-PLUS) é uma versão mais detalhada do Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI) e constitui em uma entrevista diagnóstica estruturada breve, compatível com os critérios do DSM-IV e CID-10 [89,90]. Este instrumento foi utilizado para o diagnóstico de transtornos psiquiátricos na população em estudo e considerado o padrão-ouro neste trabalho com relação ao diagnóstico de transtornos ansiosos e depressivos. Uma das seções do MINI-Plus é também destinada a avaliar a presença de ideação suicida no paciente. 24 24 3.2.1.2. ESCALA DE DEPRESSÃO DE HAMILTON A Escala de Depressão de Hamilton (HAM-D) foi desenvolvida há mais de 40 anos, porém mantém sua posição de escala para depressão mais utilizada mundialmente [91]. A versão inicial possui 21 itens [91], tendo-se proposto, posteriormente, uma simplificação para 17 itens [92] em virtude da pequena ocorrência dos últimos quatro itens da escala original, a saber, variação diurna, sintomas de desrealização /despersonalização, sintomas paranóides e sintomas obsessivo-compulsivos. Outra versão também proposta pelo autor possui 24 itens e inclui, além dos 21 itens originais, questões sobre desamparo, desesperança e baixa auto- estima, somando um total de 78 pontos. A HAM-D já mostrou possuir boas propriedades psicométricas, validade e confiabilidade na Esclerose Múltipla [93]. Como a HAM-D de 21 itens enfatiza a ocorrência de sintomas somáticos, optou-se por utilizar, neste estudo, a versão ancorada de 24 itens para diminuir o peso dado aos sintomas somáticos e aumentar sua especificidade. Sugerem-se, na literatura, alguns pontos de corte [94] para a identificação de quadros depressivos que mostraram, em diversos estudos, sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo aceitáveis. Apesar disso, optou-se por utilizar a HAM-D como instrumento destinado a avaliar apenas a gravidade do transtorno depressivo, seguindo-se a proposta original do autor. 25 25 3.2.1.3. INVENTÁRIO DE DEPRESSÃO DE BECK O Inventário de Depressão de Beck (BDI) [95] é a escala de auto-avaliação de sintomas depressivos mais amplamente utilizada, além de já validada na Esclerose Múltipla. Possui 21 itens avaliativos e um escore máximo de 63 pontos. Apesar de o BDI valorizar categorias de sintomas cognitivos e vegetativos, estudos que avaliaram suas propriedades psicométricas em pacientes com Esclerose Múltipla mostraram que tais itens não modificam o número de casos de depressão diagnosticados [93,96]. Dessa forma, a supressão de questões relativas à capacidade de trabalho, concentração, capacidade de tomar decisões e fadiga não seria necessária. De acordo com o critério de pontos de corte do Center for Cognitive Therapy, os escores são classificados como: menor que 10 = sem depressão ou depressão mínima; de 10 a 18 = depressão leve a moderada; de 19 a 29 = depressão moderada a grave e de 30 a 63 = depressão grave [97]. Entretanto, ressalta-se que os pontos de corte dependem das características dos pacientes e do propósito dado ao instrumento. No presente estudo, o BDI é utilizado como forma de quantificar a sintomatologia depressiva, e não como instrumento diagnóstico. 3.2.1.4. ESCALA HOSPITALAR DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO A escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) compõe-se de duas subescalas, para ansiedade e depressão, com sete itens e um máximo de 21 pontos cada. Este instrumento 26 26 foi primariamentedesenvolvido para ser aplicado a “pacientes de serviços não psiquiátricos de um hospital geral” [98]. Nesta escala, sintomas vegetativos que podem ocorrer em doenças físicas foram evitados e o conceito de depressão centra-se na noção de anedonia. A versão em português foi validada por Botega e colaboradores. [99], que demonstraram boa sensibilidade e especificidade para ambas as subescalas. A HAD destina-se à detecção de graus leves de transtornos afetivos em ambientes não psiquiátricos e possui, ainda, como vantagem, o fato de ser curta e rapidamente preenchida. O único estudo brasileiro que avaliou especificamente a presença de depressão em pacientes com esclerose múltipla [23], utilizou a HAD e o BDI como instrumentos diagnósticos. Os autores consideraram o ponto de corte de oito para cada subescala da HAD e, ao analisarem os resultados, encontraram correlação com os escores obtidos pelo BDI. Os autores concluíram, pois, que a escala seria adequada para avaliar depressão em pacientes com esclerose múltipla. Apesar disso, ressalta-se que no presente trabalho a HAD foi utilizada como forma de quantificar a sintomatologia ansiosa-depressiva, ao invés de como instrumento diagnóstico. 3.2.1.5. ESCALA DE DEPRESSÃO DE MONTGOMERY-ASBERG A Escala de Depressão de Montgomery-Asberg (MADRS) [100] foi elaborada a partir da administração da Escala de Avaliação Psicopatológica Resumida em 106 pacientes com diagnóstico de doença depressiva primária na Inglaterra e na Suécia. A MADRS difere da HAM-D pelo fato de não incluir sintomas somáticos ou psicomotores. Apesar disso, avalia os principais sintomas do transtorno depressivo como 27 27 tristeza, redução do sono, lassidão, pessimismo e pensamentos suicidas. Sua validade tem sido demonstrada pela alta correlação com a HAM-D [93] e por diversos estudos que mostram que a escala é válida e confiável quando aplicada por entrevistador clínico [101]. 3.2.1.6. ESCALA DE ANSIEDADE DE HAMILTON A Escala de Ansiedade de Hamilton (HAM-A) [102], com 14 itens, é o instrumento de avaliação psiquiátrica utilizado, neste estudo, para avaliar a intensidade dos sintomas ansiosos. Sete dos itens da escala se referem a sintomas somáticos e, os outros sete, a sintomas psíquicos. Ressalta-se, contudo, que o diagnóstico sindrômico baseou-se na entrevista psiquiátrica. 3.2.2. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA 3.2.2.1. EXPANDED DISABILITY STATUS SCALE A Expanded Disability Status Scale (EDSS) é a escala mais difundida para avaliação da esclerose múltipla [103]. Permite, através de seus vinte itens, avaliar o grau de disfunção dos diferentes sistemas funcionais, a saber: piramidal, cerebelar, de tronco cerebral, sensorial, intestinal, urinário, visual e mental, dentre outros. A pontuação global do EDSS (0-9,5) é determinada pela pontuação parcial de cada um dos sistemas avaliados. As pontuações 28 28 compreendidas entre 0 e 2,5 se referem ao grau de disfunção mínima, em que nenhum sistema funcional atinge o grau de alteração moderada. Pontuações entre 3,0 e 4,5 abrangem desde níveis moderados a relativamente graves e pontuações entre 5,0 e 9,5 definem pacientes com problemas na deambulação [104]. No presente estudo, o escore EDSS de cada paciente foi determinado pelo neurologista assistente do CIEM-MINAS. 3.3. PROCEDIMENTOS Os pacientes foram avaliados de forma consecutiva no período de maio de 2006 a maio de 2007. O pesquisador responsável pelas avaliações psiquiátricas compareceu semanalmente ao CIEM - MINAS - UFMG. Todos os pacientes com diagnóstico clínico definido de Esclerose Múltipla [88], qualquer forma clínica, e que preenchessem os critérios de inclusão, foram convidados a participar do estudo. Os voluntários foram entrevistados em sala disponível para consultas individuais. Cada avaliação durou entre cinqüenta minutos e uma hora e meia. Foram realizadas uma ou duas avaliações por dia de trabalho conforme o número de pacientes disponível e o tempo de entrevista do primeiro participante. A avaliação psiquiátrica de todos os pacientes foi realizada pelo mesmo investigador, previamente treinado pelo Prof. Dr. Antônio Lúcio Teixeira para aplicação do MINI-Plus e das escalas específicas. A avaliação neurológica foi feita pelo médico assistente, tendo-se como base a EDSS. 29 29 Não foram realizados testes estatísticos para verificar a confiabilidade entre examinadores, uma vez que um mesmo pesquisador realizou todas as entrevistas psiquiátricas e outro, os exames neurológicos dos pacientes. 3.4. AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS Na avaliação dos resultados, optou-se por agrupar as categorias “depressão maior” e “distimia” uma vez que ambos os transtornos apresentam mais semelhanças que diferenças entre si, e que o agrupamento permitiria a comparação de um número maior de pacientes com e sem depressão clinicamente significativa. Além disso, a maioria dos estudos que avalia depressão na esclerose múltipla apresenta seus resultados de forma indiscriminada ao basear sua análise na presença ou ausência de sintomas de acordo com os pontos de corte das escalas, e não nos critérios clínicos do DSM-IV. Igualmente na avaliação dos resultados concernentes aos transtornos ansiosos optou-se por agrupar as categorias “transtorno de ansiedade generalizada”, “fobia social” e “transtorno de pânico”. O agrupamento permitiu a comparação de um número maior de pacientes com e sem ansiedade clinicamente significativa. Pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo não foram incluídos neste grupo devido à diferença quanto à origem e ao significado dos sintomas obsessivo-compulsivos. Novamente aqui, a maioria dos estudos disponíveis na literatura não avaliou a prevalência de cada subtipo de transtorno ansioso, uma vez que não utilizou qualquer entrevista psiquiátrica estruturada de acordo com os critérios diagnósticos do DSM- IV. 30 30 3.5. ANÁLISE ESTATÍSTICA Na análise descritiva de variáveis categoriais, as proporções foram calculadas e apresentadas. Primeiramente, verificou-se se as variáveis contínuas possuíam distribuição normal através do teste Shapiro-Wilk. As variáveis contínuas são apresentadas como médias, medianas, desvios-padrão e faixa de variação. Para a comparação de variáveis categoriais entre dois grupos utilizou-se o teste Chi- quadrado de Pearson. Na comparação de variáveis contínuas entre dois grupos, empregaram- se os testes t de Student e U de Mann-Whitney em variáveis de distribuição normal e não- normal, respectivamente. Na presença de variáveis contínuas independentes com três ou mais categorias, utilizaram-se os testes de ANOVA e Kruskal-Wallis em variáveis de distribuição normal e não-normal, respectivamente. O teste de correlação de Spearman foi utilizado para investigar a existência de correlação entre os instrumentos utilizados para quantificar a intensidade dos sintomas depressivos (BDI e HAM-D) e outras variáveis contínuas. O escore ótimo para maior sensibilidade ou especificidade do BDI na triagem ou diagnóstico de transtornos depressivos foi calculado através da Receiver Operating Characteristic Curve (curva ROC). Todas as análises foram realizadas através do programa estatístico SPSS versão 15.0 para Windows. Utilizou-se um valor de p bilateral menor ou igual a 0,05 como nível de significância estatística para todos os testes. 31 31 4. RESULTADOS Os resultados serão apresentados em três seções. Inicialmente são apresentados dados referentes à caracterização da população estudada, incluindo dados sócio-demográficos e clínicos. Na segunda seção, apresenta-se a freqüência de transtornos psiquiátricos nos pacientes avaliados. Os grupos de pacientes com esclerose múltipla com e sem depressão atual (episódio depressivoe/ou distimia) são comparados quanto à freqüência de outros transtornos psiquiátricos e quanto às características sócio-demográficas e clínicas. Por sua vez, os grupos de pacientes com transtornos ansiosos (transtorno de ansiedade generalizada, fobia social e/ou transtorno de pânico) são igualmente comparados quanto à freqüência de outros transtornos psiquiátricos e quanto às características sócio-demográficas e clínicas. A seguir, os grupos de pacientes com e sem ideação suicida são comparados quanto às características clínicas, sócio- demográficas e psiquiátricas. Ainda nessa seção, compara-se a gravidade dos sintomas ansiosos e depressivos com as características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes avaliados. Na terceira seção apresentam-se os estudos de desempenho do BDI e da MADRS como instrumentos diagnósticos de transtornos depressivos na esclerose múltipla, e suas correlações com a HAM-D. 32 32 4.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA As características sócio-demográficas referentes a gênero, idade, estado civil, situação trabalhista e suporte familiar dos pacientes com esclerose múltipla são exibidas na tabela 1. TABELA 1 - Características sócio-demográficas da população estudada. Pacientes (N=61) Característica N ou Média ± DPM Proporção (%) ou Mediana (faixa) Gênero Masculino 16 26,2 Feminino 45 73,8 Idade 37,8 ± 9,2 39 (20-60) Estado civil Solteiro 16 26,2 Casado/relação estável 28 45,9 Separado/divorciado 16 26,2 Viúvo 1 1,6 Estado ocupacional Ativo 16 26,2 Inativo devido à EM 38 62,3 Inativo por outro motivo 7 11,5 Suporte familiar Mora só 6 9,8 Mora com familiares ou amigos 55 90,2 N= número de pacientes; DPM= desvio-padrão da média. A amostra constituiu-se de 45 mulheres e 16 homens (3:1). A idade variou entre 20 e 60 anos (mediana 39 anos). A maioria dos pacientes era solteira ou separada (52,4%), porém 33 33 apenas seis indivíduos (9,8%) informaram morar sozinhos. Importante observar que mais de 60% da amostra estava inativa devido à esclerose múltipla. A média de idade desses pacientes foi de 40,2 anos. A seguir, variáveis clínicas da amostra são apresentadas na tabela 2 sob a forma de média, desvio-padrão, mediana e faixa de variação. TABELA 2 - Características clínicas da população estudada. Pacientes (N=61) Característica N ou Média ± DPM Proporção (%) ou Mediana (faixa) Forma de Esclerose Múltipla Remitente Recorrente 49 80,3 Progressiva Primária 4 6,6 Progressiva Secundária 6 9,8 Progressiva em Surtos 2 3,3 EDSS 0-2,5 21 34,4 3,0-4,5 20 32,8 5,0-9,5 20 32,8 global 3,8 ± 1,9 3,5 (0-8,5) Tempo de doença (em anos) 7,8 ± 5,9 6 (1-30) Tempo de diagnóstico (em anos) 5,3 ± 5,1 4 (1-30) Medicação em uso para EM Interferon beta-1a 25 41,0 Interferon beta-1b 7 11,5 Acetato de glatirâmer 11 26,2 A. glatirâmer e azatioprina 5 8,2 Ciclofosfamida 5 8,2 Nenhuma 8 13,1 N= número de pacientes; DPM= desvio-padrão da média; EDSS= Expanded Disability Status Scale. 34 34 Como se observa, a maioria dos pacientes estava diagnosticada com a forma remitente recorrente da doença e usava interferon beta-1a. Com relação à incapacidade neurológica, observa-se que um terço dos pacientes apresentava incapacidade mínima, evidenciada por escores de até 2,5 na escala EDSS; cerca de um terço mostrava incapacidade moderada, com escores entre 3,0 e 4,5 na EDSS, e cerca de um terço evoluía com quadros mais graves, já caracterizados por alterações na deambulação e EDSS superior a 5,0. Optou-se por excluir dois pacientes que apresentavam sintomatologia neurológica aguda sugerindo surto uma vez que tanto o estado clínico quanto o uso agudo e em altas doses de corticóide poderiam causar interferência na avaliação psiquiátrica [105]. 4.2. FREQÜÊNCIA DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM PACIENTES COM ESCLEROSE MÚLTIPLA As próximas tabelas (3-12) mostram os resultados quanto à freqüência de transtornos depressivos (depressão maior e distimia), ansiosos (transtorno de ansiedade generalizada, fobia social e transtorno de pânico) e ideação suicida na população estudada. Resultados quanto à associação entre esses diagnósticos e fatores clínicos e sócio-demográficos também estão incluídos nesta seção. Por último, apresenta-se a comparação entre a gravidade dos sintomas depressivo-ansiosos e características sócio-demográficas e clínicas. Abaixo, a tabela 3 mostra a freqüência de transtornos psiquiátricos nos pacientes com esclerose múltipla estudados. 35 35 TABELA 3 - Freqüência de transtornos psiquiátricos nos pacientes com esclerose múltipla avaliados. Pacientes (N=61) Transtorno Psiquiátrico N Proporção (%) Transtornos do humor 27 44,3 Depressão maior 18 29,5 Distimia 13 21,3 Transtorno afetivo bipolar 3 4,9 Transtornos ansiosos 33 54,1 Transtorno do pânico 15 24,6 Fobia social 15 24,6 Transtorno de ansiedade generalizada 22 36,1 Transtorno obsessivo-compulsivo 6 9,8 Transtorno psicótico 1 1,6 Observa-se, na tabela acima, uma elevada prevalência de transtornos de humor entre os pacientes avaliados (44,3%). A depressão maior foi o diagnóstico em 29,5% dos casos, e a distimia, em 21,3% dos casos. Importante notar que a soma dos dois transtornos ultrapassa 44,3% pois em alguns pacientes observou-se depressão maior superposta ao curso crônico de uma distimia. Os transtornos ansiosos (transtorno do pânico, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada), por sua vez, foram diagnosticados em mais de 50% da amostra, sendo que o transtorno de ansiedade generalizada foi o quadro clínico mais freqüente. Também nesta categoria diagnóstica houve superposição de sintomas clínicos, sendo comum um mesmo paciente apresentar mais de um transtorno ansioso. Vale a pena citar que 35 pacientes (57%) usavam alguma classe de antidepressivo para diferentes indicações clínicas como depressão, dor, insônia e incontinência urinária. Após os antidepressivos, os psicofármacos mais prescritos foram os benzodiazepínicos, utilizados 36 36 regularmente por 14 pacientes. Quarenta e um pacientes (67%) usavam ao menos um psicofármaco e, 16 (26%), usavam dois ou mais psicofármacos (dados não mostrados). Abaixo, a tabela 4 mostra comparativamente as características sócio-demográficas dos grupos de pacientes com esclerose múltipla e depressão (episódio depressivo atual e/ou distimia), e sem depressão. A comparação das características clínicas entre os grupos, por sua vez, é mostrada na tabela 5. TABELA 4 - Comparação de características sócio-demográficas entre portadores de esclerose múltipla com e sem depressão (episódio depressivo atual e/ou distimia). Característica (variáveis categoriais) EM com depressão (N=27) EM sem depressão (N=34) Valor de p* Gênero 0,96 Masculino 7 9 Feminino 20 25 Estado civil 0,41 Solteiro 5 11 Casado/relação estável 13 15 Separado/divorciado 9 7 Viúvo 0 1 Estado ocupacional 0,06 Ativo 5 11 Inativo devido à EM 21 17 Inativo devido a outro motivo 1 6 Suporte familiar 0,24 Mora só 4 2 Mora com familiares/ amigos 23 32 * Teste chi-quadrado de Pearson; EM= Esclerose Múltipla. 37 37 A tabela 4 mostra que não houve diferenças significativas entre características sócio- demográficas de pacientes com e sem transtornos de humor atuais. Ressalta-se que a categoria “transtorno de humor” refere-se à presença de episódio depressivo atual e/ou distimia. A tabela 5 apresenta a comparação entre as características clínicas de pacientes com e sem depressão atual. TABELA 5 - Comparação de características clínicas entre portadores de esclerose múltipla com e sem depressão atual (episódio depressivo atual e/ou distimia). Variáveis contínuas (†) apresentadas sob a forma de médiae mediana; variáveis categoriais (*) apresentadas como número de casos. Característica Clínica EM com depressão (N=27) EM sem depressão (N=34) Valor de p Idade 37,9 (39,0) 37,7 (37,0) 0,93 † Tempo de doença 8,2 (6,0) 7,4 (6,0) 0,93 † EDSS 3,7 (3,5) 3,8 (3,5) 0,98 † Uso de interferon beta-1a 9 16 0,27 * Uso de interferon beta-1b 4 3 0,46 * Uso de acetato de glatirâmer 8 8 0,59 * Uso de ciclofosfamida 2 3 0,84 * Nenhuma medicação para EM* 4 4 0,72 * *Teste chi-quadrado de Pearson; † Teste U de Mann-Whitney; EM= Esclerose Múltipla. Observa-se, na tabela 5, que não houve associação entre presença de depressão atual (episódio depressivo atual e/ou distimia) e idade dos pacientes, tempo de doença ou incapacidade neurológica avaliada pela EDSS. Tampouco houve associação com a medicação em uso para esclerose múltipla. 38 38 Abaixo, a tabela 6 compara a freqüência de transtornos ansiosos e os escores obtidos nas escalas entre pacientes com e sem transtornos depressivos (episódio depressivo atual e/ou distimia). TABELA 6 - Comparação de características psiquiátricas entre portadores de esclerose múltipla com e sem depressão atual (episódio depressivo e/ou distimia). Variáveis categoriais (*) apresentadas como número de casos; variáveis contínuas (†) apresentadas sob a forma de média e mediana. Características Psiquiátricas EM com depressão (N=27) EM sem depressão (N=34) Valor de p Fobia social 10 5 0,04* Transtorno de ansiedade generalizada 17 5 <0,001* Transtorno de pânico 14 1 <0,001* Qualquer transtorno ansioso 24 9 <0,001* BDI 23,9 (24) 10,7 (9) <0,001 † HAD 26,2 (27) 10,4 (10) <0,001 † HAM-D 18,8 (18) 8,7 (8) <0,001 † MADRS 17,8 (17) 5,7 (5) <0,001 † HAM-A 12,9 (11) 5,9 (5) <0,001 † * Teste chi-quadrado de Pearson; † Teste U de Mann-Whitney; BDI= Inventário de Depressão de Beck; EM= Esclerose Múltipla; HAD= Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão; HAM-A: Escala de Ansiedade de Hamilton; HAM-D= Escala de Depressão de Hamilton; MADRS= Escala de Depressão de Montgomery-Asberg; Como mostra a tabela 6, pacientes com esclerose múltipla e depressão (episódio depressivo atual e/ou distimia) também foram mais diagnosticados com fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de pânico. Dos 27 pacientes com depressão, 24 foram diagnosticados, também, com algum transtorno ansioso. A categoria “qualquer 39 39 transtorno ansioso” refere-se à presença de fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e/ou transtorno de pânico. Os escores obtidos nos instrumentos utilizados para avaliar a intensidade dos sintomas ansiosos e depressivos também mostraram ser significativamente mais altos no grupo com depressão atual. A seguir, a tabela 7 compara as características sócio-demográficas entre pacientes com esclerose múltipla com e sem transtornos ansiosos atuais. A comparação entre características clínicas dos grupos é apresentada na tabela 8. TABELA 7 - Comparação de características sócio-demográficas entre portadores de esclerose múltipla com e sem transtornos ansiosos atuais (transtorno se ansiedade generalizada, fobia social e/ou pânico). Característica (variáveis categoriais) EM com transtorno ansioso (N=33) EM sem transtorno ansioso (N=28) Valor de p* Gênero 0,84 Masculino 9 7 Feminino 24 21 Estado civil 0,27 Solteiro 6 10 Casado/união estável 17 11 Separado/divorciado 10 6 Viúvo 0 1 Estado ocupacional 0,92 Ativo 8 8 Inativo devido à EM 21 17 Inativo devido a outro motivo 4 3 Suporte familiar 0,51 Mora só 4 2 Mora com familiares/ amigos 29 26 * Teste chi-quadrado de Pearson; EM=Esclerose Múltipla. 40 40 A tabela 7 mostra que não houve diferenças significativas entre características sócio- demográficas de pacientes com e sem transtornos ansiosos atuais. Ressalta-se que a categoria “transtorno ansioso atual” refere-se à presença de transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico e /ou fobia social. TABELA 8 - Comparação de características clínicas entre portadores de esclerose múltipla com e sem transtornos ansiosos atuais (transtorno de ansiedade generalizada, fobia social e/ou pânico). Característica Clínica EM com transtorno ansioso (N=33) EM sem transtorno ansioso (N=28) Valor de p Idade (em anos) 37,3 (37,0) 38,3 (40,5) 0,75 † Tempo de doença (em anos) 8,0 (7,0) 7,5 (6,0) 0,79 † Uso de interferon beta-1a 13 12 0,78 * Uso de interferon beta-1b 6 1 0,07 * Uso de acetato de glatirâmer 9 7 0,84 * Uso de ciclofosfamida 2 3 0,50 * Nenhuma medicação para EM 3 5 0,31 * * Teste chi-quadrado de Pearson; † Teste U de Mann-Whitney; EM=Esclerose Múltipla. Na tabela 8 observa-se que pacientes com esclerose múltipla e transtorno ansioso não diferiam significativamente daqueles sem transtorno ansioso em termos de idade, tempo de doença ou uso de interferon beta. A tabela 9, a seguir, compara pacientes com e sem transtorno ansioso atual quanto à presença de depressão. 41 41 TABELA 9 – Comparação entre pacientes com e sem transtornos ansiosos atuais (transtorno de ansiedade generalizada, fobia social e/ou pânico) quanto à presença de depressão. Característica Psiquiátrica EM com transtorno ansioso (N=33) EM sem transtorno ansioso (N=28) Valor de p* Depressão atual 24 3 <0,001 Episódio depressivo 17 1 <0,001 Distimia 11 2 0,013 * teste chi-quadrado de Pearson; EM=Esclerose Múltipla; N=número de casos. A tabela acima mostra que a maioria dos pacientes com algum transtorno ansioso foi diagnosticada, também, com depressão atual. A tabela 10, abaixo, compara os principais diagnósticos psiquiátricos observados na população estudada com o grau de incapacidade neurológica, avaliado pela EDSS. TABELA 10 - Relação entre diagnóstico psiquiátrico e incapacidade neurológica avaliada pela EDSS nos pacientes com esclerose múltipla. Diagnóstico psiquiátrico EDSS (mediana) Valor de p † Transtorno de humor 3,5 (0-6,5) 0,98 Transtorno afetivo bipolar 3,5 (2,0-6,0) 0,98 Transtorno de ansiedade generalizada 3,5 (0-6,0) 0,89 Fobia social 6,0 (2,5-7,5) 0,02 Transtorno de pânico 3,5 (1,0-6,5) 0,80 Transtorno obsessivo compulsivo 4,5 (1,0-6,5) 0,72 † Teste U de Mann-Whitney; EDSS= Expanded Disability Status Scale. 42 42 Como mostra a tabela 10, não houve associação entre a maioria dos transtornos psiquiátricos diagnosticados e o grau de incapacidade neurológica avaliado pela EDSS. Ressalta-se que a categoria “transtornos de humor” refere-se à presença de episódio depressivo e/ou distimia. A exceção foi observada no item fobia social, onde houve uma diferença significativa entre o EDSS de pacientes com e sem o transtorno. A tabela a seguir (tabela 11) compara a idade e as características clínicas entre pacientes com esclerose múltipla com e sem ideação suicida. TABELA 11 - Comparação de idade e características clínicas entre pacientes com esclerose múltipla com e sem ideação suicida. Variáveis contínuas (†) apresentadas sob a forma de mediana; variáveis categoriais (*) apresentadas como número de casos. Característica Clínica EM com ideação suicida (N=12) EM sem ideação suicida (N=49) Valor de p Idade em anos 31,5 41 0,05 † Tempo de doença 4,5 6 0,59 † EDSS 3,5 3,5 0,60 † Uso de interferon beta-1a 6 19 0,47 * Uso de interferon beta-1b 0 7 0,16 * * Teste chi-quadrado de Pearson; † Teste U de Mann-Whitney; EM= Esclerose Múltipla. Observa-se, na tabela 11, que os pacientes com ideação suicida tenderam a ser mais jovens que aqueles sem ideação suicida. Apesar disso, não houve relação entre presença de ideação suicida e tempo de doença, grau de incapacidade neurológica ou uso de interferon. 43 43A seguir, a tabela 12 compara a frequência de transtornos de humor e de transtornos ansiosos em pacientes com e sem ideação suicida, bem como os escores obtidos nas escalas utilizadas para quantificar a sintomatologia. TABELA 12 - Comparação de características psiquiátricas entre pacientes com esclerose múltipla com e sem ideação suicida. Variáveis categoriais (*) apresentadas como número de casos; variáveis contínuas (†) apresentadas sob a forma de mediana. Característica Psiquiátrica EM com ideação suicida (N=12) EM sem ideação suicida (N=49) Valor de p Transtorno de humor atual 0,017* Episódio depressivo 8 10 0,002* Distimia 4 9 0,25* Transtorno ansioso atual 0,004* Transtorno de ansiedade generalizada 9 13 0,002* Fobia social 5 10 0,125* Transtorno de pânico 8 7 <0,001* HAD 27,0 12,5 <0,001 † BDI 30,5 12,5 <0,001 † HAM-D 19,5 10,0 <0,001 † MADRS 17,0 7,5 <0,001 † HAM-A 15,0 6,5 <0,001 † * Teste chi-quadrado de Pearson; † Teste U de Mann-Whitney; BDI= Inventário de Depressão de Beck; EM=Esclerose Múltipla; HAD=Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão; HAM-A=Escala de Ansiedade de Hamilton; HAM-D=Escala de Depressão de Hamilton; MADRS= Escala de Depressão de Montgomery-Asberg. A tabela acima (tabela 12) mostra que houve associação significativa entre presença de ideação suicida e diagnóstico de transtorno de humor atual, especialmente episódio 44 44 depressivo. A associação entre ideação suicida e diagnóstico de transtorno ansioso atual, especialmente transtorno de pânico, foi igualmente significativa. Observa-se, também, que a mediana dos escores obtidos nas escalas avaliativas foi significativamente mais elevada em pacientes com ideação suicida. As tabelas 13 e 14 a seguir, comparam a gravidade dos sintomas depressivos e ansiosos com as características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes avaliados. TABELA 13 - Comparação entre gravidade dos sintomas depressivos avaliados pela Escala de Depressão de Hamilton e características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes. Característica sócio-demográfica / clínica Gravidade dos sintomas depressivos Valor de p Estado civil 0,07* Situação laboral 0,24* Idade 0,37 † EDSS 0,36 † Tempo de doença 0,71 † * Teste de Kruskal Wallis; †=Correlação de Spearman; EDSS= Expanded Disability Status Scale. TABELA 14 - Comparação entre gravidade dos sintomas ansiosos avaliados pela Escala de Ansiedade de Hamilton e características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes. Característica sócio-demográfica / clínica Gravidade dos sintomas ansiosos Valor de p Estado civil 0,68* Situação laboral 0,39* Idade 0,22 † EDSS 0,59 † Tempo de doença 0,19 † * Teste de Kruskal Wallis; †=Correlação de Spearman; EDSS= Expanded Disability Status Scale. 45 45 As duas tabelas anteriores mostram que não houve associação significativa entre gravidade dos sintomas depressivo-ansiosos avaliados pelas escalas HAM-D e HAM-A, respectivamente, e características sócio-demográficas ou clínicas da população. A mesma análise foi feita com as escalas BDI, HAD e MADRS, com resultados semelhantes (dados não mostrados). Por último, a tabela 15, abaixo, mostra a prevalência de dois sintomas psicopatológicos que chamaram a atenção durante o estudo. TABELA 15 – Outros sintomas psicopatológicos de relevância nos pacientes estudados. Sintoma psicopatológico Prevalência (%) Irritabilidade 70,5 Incontinência afetiva 11,5 Irritabilidade, aferida pelo item 11 do Inventário de Depressão de Beck, [106] foi o sintoma psicopatológico mais freqüente na população estudada e associou-se fortemente à presença de ansiedade (p=0,001) e à presença de depressão (p=0,04). Presença de riso e choro patológico, avaliado clinicamente como riso na ausência de alegria ou choro na ausência de tristeza [3], associou-se significativamente ao grau de incapacidade neurológica (p=0,005). 4.3. APLICABILIDADE DO BDI E DA HAM-D NA AVALIAÇÃO DE SINTOMAS DEPRESSIVOS EM PACIENTES COM ESCLEROSE MÚLTIPLA Houve correlação positiva entre os instrumentos BDI e HAM-D (ρ de Spearman= 0,82; p<0,0001), como mostra a figura 1, a seguir. 46 46 0 10 20 30 40 50 0 10 20 30 40 50 r=0,82 p<0,0001 BDI H A M -D FIGURA 1: Correlação entre os escores do Inventário de Depressão de Beck (BDI) e da Escala de Depressão de Hamilton (HAM-D) pelo método de Spearman. Resultado semelhante foi encontrado entre os instrumentos MADRS e HAM-D (ρ de Spearman= 0,849; p<0,001). A tabela 16 exibe a comparação entre indivíduos com pontuações no BDI igual ou acima de 18, ponto de corte sugerido por estudos internacionais para este instrumento [107]. O BDI neste ponto apresenta sensibilidade de 89%, especificidade de 88%, valor preditivo positivo de 85,7% e valor preditivo negativo de 91%. TABELA 16 - Relação entre diagnóstico de transtorno depressivo pelo MINI-Plus (depressão maior e/ou distimia) e ponto de corte do Inventário de Depressão de Beck em 18. EM com depressão EM sem depressão Total BDI < 18 3 30 33 BDI ≥ 18 24 4 28 Total 27 34 61 Sensibilidade = 0,89; Especificidade = 0,88; Valor Preditivo Positivo =0,85; Valor Preditivo Negativo= 0,91. 47 47 Abaixo, o traçado da curva ROC (Receiver Operating Characteristic curve) do Inventário de Depressão de Beck para o diagnóstico de depressão atual (episódio depressivo e/ou distimia). O ponto de corte ótimo calculado é 17. (Sensibilidade = 0,89; Especificidade = 0,88; Valor Preditivo Positivo =0,85; Valor Preditivo Negativo= 0,91). Área = 0,92 1 - Specificity 1,00,80,60,40,20,0 S e n s it iv it y 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 ROC Curve Diagonal segments are produced by ties. FIGURA 2 – Curva ROC do Inventário de Depressão de Beck para o diagnóstico de depressão atual. Ponto de corte ótimo = 17. 48 48 5. DISCUSSÃO Este é o primeiro estudo psiquiátrico sistematizado envolvendo pacientes com esclerose múltipla no Brasil. A população estudada incluiu pacientes adultos jovens, cuja idade variou entre 20 e 60 anos (média 37,8; mediana 39). As mulheres constituíram dois terços da amostra e a maior parte dos doentes estava solteira ou separada (52,4%). Apesar disso, o número de pacientes que residia só foi baixo (n=6), refletindo, possivelmente, um aspecto cultural brasileiro no qual a família ainda ocupa papel importante de suporte social [108]. Outro fato relevante e que reflete a grande incapacidade provocada pela doença, é o de mais de 60% dos pacientes estarem inativos devido à esclerose múltipla, sendo que a média de idade desses indivíduos foi de 40 anos, período altamente produtivo da vida. Embora o estudo tenha incluído pacientes com todas as formas clínicas de esclerose múltipla, o número de indivíduos com a forma remitente-recorrente foi bastante superior às demais. Esse dado reflete a própria ocorrência da doença na população geral, na qual até 85% dos casos evolui dessa forma [1]. Por outro lado, observa-se que a amostra foi homogênea no que se refere ao grau de incapacidade neurológica, com um terço dos pacientes apresentando incapacidade mínima, um terço apresentando incapacidade moderada e um terço evoluindo com quadros mais graves. Essa homogeneidade favoreceu a investigação de associação entre diagnósticos psiquiátricos e grau de incapacidade neurológica. A análise dos resultados referentes aos transtornos psiquiátricos confirmou a elevada freqüência de ansiedade e depressão nessa população. A depressão maior foi o diagnóstico em 29% dos casos e a distimia, em 21%. Juntos, esses transtornos estiveram presentes em 44% dos pacientes. 49 49 Ao contrário do que alguns autores apontam [11,13], não houve associação entre ‘não ser casado’ ou ‘morar sozinho’ e sintomas depressivos.Entretanto, a ausência de associação entre ‘morar só’ e depressão poderia resultar do pequeno número de pacientes nessa situação, refletindo um aspecto cultural já previamente citado [108]. Por outro lado, o estudo foi congruente com outros trabalhos [109,110] ao não encontrar associação entre sexo, idade, tempo de doença ou incapacidade neurológica e sintomas depressivos. Assim, ao contrário do que ocorre na população geral, a depressão na esclerose múltipla parece não ser mais comum no sexo feminino, e fatores como doença de longa data e maior incapacidade neurológica parecem não explicar a sintomatologia afetiva. Frente a isso, poderia se pensar que questões relativas à localização das lesões desmielinizantes e à carga lesional teriam maior implicação na gênese dos sintomas afetivos nessa população. Quando comparados com relação à ocorrência de ansiedade, pacientes com depressão atual apresentaram freqüência significativamente maior de transtorno de ansiedade generalizada, pânico e fobia social que pacientes sem depressão atual (p<0,001). Essa forte associação entre sintomas ansiosos e depressivos na esclerose múltipla se traduz comumente como irritabilidade e impaciência, resultando em um quadro clínico disfórico-ansioso bastante peculiar. Assim, se por um lado os sintomas melancólicos (culpa, sentimentos de inferioridade e punição) são raros [17], os sintomas ansiosos são bastante freqüentes [71]. Vale a pena lembrar que irritabilidade foi o sintoma psicopatológico mais prevalente nessa população (70,5%) e associou-se à presença de ansiedade (p=0,001) e depressão (p=0,04). Ainda com relação aos transtornos de humor, deve-se ressaltar que não foi encontrada associação entre uso de interferon beta-1a / 1b e depressão. Entretanto, como o número de pacientes em uso de cada medicação foi relativamente pequeno, extrair maiores conclusões poderia ser precipitado. Além disso, apesar dos diversos artigos disponíveis na literatura (ver tabela 1), o assunto ainda é controverso. Vale relembrar aqui, o crescente número de 50 50 evidências que sugerem a participação de mediadores inflamatórios na fisiopatologia da depressão. Assim, sendo a esclerose múltipla uma doença inflamatória crônica do sistema nervoso central, pode-se esperar que, ao menos em parte, a depressão nesses pacientes esteja ligada a marcadores inflamatórios. Os dados relativos aos sintomas ansiosos mostraram elevada ocorrência de transtornos nessa população (54%). O resultado obtido situa-se, inclusive, acima daquele relatado por Feinstein e cols, 2007 [71], de 36%. Transtorno de ansiedade generalizada ocorreu em 36% dos pacientes, enquanto transtorno de pânico e fobia social ocorreram em 24% dos casos. Contrariamente a alguns estudos [70,71], mas em concordância com outros [55,66], não houve nenhum fator clínico (tempo de doença, grau de incapacidade neurológica, uso de interferon) ou sócio-demográfico (sexo, idade, estado civil, situação ocupacional) associado à presença desses transtornos, quando avaliados em conjunto. Entretanto, quando avaliados individualmente, houve associação significativa entre fobia social e grau de incapacidade neurológica. De fato, considerando-se a fobia social como uma ansiedade de desempenho, o dado é bastante plausível. Novamente aqui é importante comentar a forte associação entre sintomas ansiosos e depressivos, uma vez que a maioria dos pacientes com ansiedade clinicamente significativa também foi diagnosticada com algum transtorno depressivo (episódio depressivo ou distimia). Essa associação foi igualmente referida por alguns autores internacionais [68,71,73] e reforça a observação de que muitos pacientes se apresentam clinicamente com sintomatologia mista. A presença de ideação suicida nessa população, avaliada de acordo com o item ‘C’ do MINI-Plus, revelou uma freqüência bastante elevada (20%) do sintoma, porém comparável com a relatada em outros estudos. Feinstein [80], por exemplo, após avaliar 140 indivíduos com esclerose múltipla, relatou a presença de ideação suicida em 28,5% dos pacientes. Turner [83], por sua vez, relatou a presença do sintoma em 29,5% dos pacientes de uma amostra de 51 51 445 indivíduos. No presente estudo, a ideação suicida associou-se à idade mais jovem, à presença de transtornos ansiosos e depressivos (especialmente depressão maior e transtorno de pânico) e à maior gravidade dos sintomas psiquiátricos (maior pontuação nas escalas utilizadas). Esses resultados são também relatados pela literatura internacional, sendo, inclusive, apontados como fatores de risco para suicídio em pacientes com e sem esclerose múltipla [80]. Outro resultado deste estudo também mencionado por outros autores [10,80], diz respeito à ausência de associação entre ideação suicida e grau de incapacidade neurológica. Assim, ao contrário do que se poderia imaginar, maior incapacidade física parece não se associar a pensamentos suicidas nesta população. Cabe ressaltar, entretanto, que o comportamento suicida parece estar mais presente em pacientes com doenças crônicas que na população geral [110]. Dessa forma, mesmo com incapacidade neurológica mínima, é possível que um paciente com esclerose múltipla tenha um risco de suicídio maior que o da população geral. Neste estudo não se constatou associação entre presença de ideação suicida e uso de interferon beta-1a/1b. Entretanto, assim como mencionado para transtornos depressivos, ressalta-se que a amostra foi relativamente pequena e, portanto, maiores conclusões devem ser evitadas. O acompanhamento a longo prazo dos pacientes que relataram ideação suicida poderia ser uma forma de prevenir o comportamento suicida, bem como de compreender melhor as relações existentes entre ideação, planejamento e ato suicida. Outro estudo interessante seria verificar as anotações referentes aos óbitos de pacientes com esclerose múltipla para tentar estimar a ocorrência de casos de suicídio nessa população no Brasil. Esse tipo de estudo já foi realizado em vários países, com resultados bastante variáveis e surpreendentes. Em estudo realizado na Finlândia [79], por exemplo, a taxa de suicídio encontrada foi de 5%, enquanto em duas cidades do Canadá [74] a mesma foi de 15%. 52 52 Por último, cabe discutir a utilização do BDI como meio de identificação dos sintomas depressivos nos pacientes com esclerose múltipla. Ao contrário do que sugeriram alguns autores [106], para retirar itens referentes a sintomas físicos que poderiam confundir-se com manifestações da própria doença, o BDI em sua versão original mostrou-se um bom instrumento de avaliação, rápido e de fácil aplicação, que não exige treinamento prévio e possui sensibilidade e especificidade aceitáveis (S=0,89; E=0,88) no ponto de corte de 17. Além disso, houve boa concordância com a HAM-D. Este estudo possui algumas limitações como, por exemplo, o tamanho da amostra, a ausência de um grupo controle e o fato de as avaliações terem incluído pacientes de um único ambulatório, pertencentes a um serviço de saúde terciário. Entretanto, dada a baixa prevalência da doença, teria sido difícil chegar a um número muito maior de casos realizando avaliações em ambulatórios de neurologia geral ou na comunidade. Outra limitação se refere à falta de dados relativos à neuroimagem dos pacientes. Na maioria dos casos essas informações não foram possíveis devido à ausência de imagens recentes que pudessem servir como fonte de dados. Além disso, a ressonância magnética constitui exame de alto custo e de acesso limitado em nosso meio. Apesar disso, certamente teria sido interessante verificar a existência de associação entre localização de lesões (ou carga lesional) e sintomas depressivos, a exemplo de outros estudos internacionais. Em suma, o estudo mostra uma freqüência elevada de transtornos depressivos e ansiosos em pacientes
Compartilhar